( As informações constantes desta página servem unicamente de referência, não dispensando a consulta da edição oficial. )

 

Nota Justificativa

 

A Convencao relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 28 de Julho de 1951 e o seu Protocolo Adicional, de 31 de Janeiro de 1967, que a alterou, foram ambos estendidos a Macau antes da reunificação, tendo continuado a vigorar após a reunificação uma vez que a República Popular da China assumiu formalmente, na ordem externa, os direitos e as obrigações de Parte em relação a sua aplicação na RAEM (cfr. Avisos do Chefe do Executivo n.os 1 e 2 de 2001, ambos publicados no BO, II Série, n.º 2, de 10 de Janeiro de 2001).

Embora tanto a Convenção como o Protocolo sejam tratados reservados a Estados soberanos, uma vez intemacionalmente assumidas as obrigações e os direitos de Parte em relação a sua aplicação na RAEM - matéria que e da exclusiva competência do Govemo Central -, a forma pela qual se lhes da cumprimento na RAEM, em conformidade com o principio "um pais, dois sistemas", consagrado na Lei Básica, incumbe à própria RAEM.

A presente proposta de lei tem, assim, por finalidade assegurar o cumprimento na RAEM das normas da Convenção e do Protocolo (daqui em diante referidos apenas por Convenção, subentendendo-se que se quer significar a Convenção tal como alterada pelo Protocolo) que não são por si mesmas exequíveis. De facto, apesar de grande parte das normas contidas na Convenção serem por si só exequíveis e, portanto, não necessitarem de nenhuma regulamentação de execução, como é o caso das normas respeitantes à definição de refugiado, ao estatuto jurídico deste, ao princíple da não-expulsão, etc., outras normas há, relativamente às quais a adopção de legislação de regulamentação é necessária.

Com efeito, a Convenção atribui o poder de decisão quanto ao reconheci-mento do estatuto de refugiado a cada um dos Estados Partes, razão pela qual não estabelece o processo a observar quanto a esse reconhecimento.

É evidente que num sistema jurídico como o da RAEM,na ausência de uma tal regulamentação, é possivel colmatar alacuna através do recurso a normas constantes de vários outros diplomas. Contudo, essa solução levanta dificuldades práticas aos operadores do direito e é inadequada face à realidade, por virtude das especificidades próprias a que um processo deste tipo deve obedecer.

A presente proposta pretende, precisamente, dar exequibilidade às normas da Convenção que dela carecem, estabelecendo os processos de reconhecimento e de perda do estatuto de refugiado. Para o efeito, procedeu-se a uma análise de direito comparado, tendo ainda sido utilizado como elemento de trabalho o Manual de procedimento e Critérios a Aplicar para Determinar o Estatuto de Refugiado, elaborado pelo Comité Executivo do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), a pedido dos Estados Partes, para Ihes servir de guia. Para além disso, atendeu-se igualmente às recomendações do Conselho de Segurança das Nações Unidas que têm em vista impedir que o estatuto dos refugiados seja abusivamente utilizado por terroristas intemacionais ou pessoas que os apoiam.

Pretendeu-se criar um processo simples, célere e justo, através do qual seja possível a salvaguarda dos interesses públicos sem detrimento dos direitos e garantias fundamentais a conceder aos requerentes do estatuto e aos refugiados. Sendo certo que a celeridade do processo constitui, ela própria, uma garantia para as pessoas em causa, na medida em que evita o prolongamento de situações de indefinição e de expectativas que podem não se concretizar.

Acresce que, no que diz respeito ao processo de reconhecimento do estatuto de refugiado, se estabeleceu uma fase preliminar, cujo objectivo é possibilitar a realização de uma primeira triagem dos pedidos a fim de evitar abusos manifestamente flagrantes: só passam à fase seguinte aqueles que efectivamente têm hipóteses de sucesso.

A decisao quanto ao reconhecimento ou perda do estatuto de refugiado compete sempre ao Chefe do Executivo, tanto mais que, por vezes, poderão vir a suscitar-se questões de cariz eminentemente político, em que será de obter o necessário apoio do Govemo Popular Central. No entanto, como se trata de processos que exigem uma instrução que pode revelar-se morosa e algo complexa, nomeadamente por virtude da necessidade de proceder a um cuidadoso e meticuloso apuramento de situações subjectivas e objectivas, é criada a Comissão para os Refugiados, à qual incumbe realizar a instrução dos processes e elaborar as propostas de decisao, bem como assegurar a necessaria cooperação com o ACNUR e com outras entidades homólogas no exterior.

Atendeu-se, igualmente, à eventualidade de situações especiais - quase de emergência - como seja o caso de influxo maciço de refugiados, em que a necessidade de uma maior articulação com o Govemo Popular Central será indispensável.

Por último, refira-se que se prevê - à semelhança do que acontece em quase todos os ordenamentos - a criação de um registo atinente aos requerentes do estatuto e aos refugiados, a manter pela Comissao para os Refugiados para permitir o conhecimento permanente e actualizado da situação dos refugiados na RAEM, bem como o desenvolvimento de uma doutrina sobre o direito dos refugiados.

 

 


 

 

REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU

Proposta de lei n.º 26/II/2003-10

Lei relativa ao Estatuto dos Refugiados

 

A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea 1) do artigo 71.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, para valer como lei, o seguinte:

 

CAPÍTULO I

Disposições gerais

 

Artigo 1.º

Objecto

A presente lei estabelece o regime relativo ao reconhecimento e à perda do estatuto de refugiado, para efeitos da aplicação na Região Administrativa Especial de Macau da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em 28 de Julho de 1951, e do Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, adoptado em 31 de Janeiro de 1967, adiante designados apenas por Convenção e Protocolo.

 

Artigo 2.º

Interpretação e expressões utilizadas

1. A Convenção, o Protocolo e a presente lei são tidos e interpretados em conjunto.

2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, entende-se por:

1) "ACNUR", o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados;

2) "Comissão", a Comissão para os Refugiados;

3) "DSI", a Direcção dos Serviços de Identificação;

4) "Estatuto do ACNUR", o mandato conferido ao ACNUR pela Assembleia Geral das Nações Unidas, através da sua Resolução n.º 428 (V), de 14 de Dezembro de 1950, ou acto internacional que a substitua;

5) "IAS", o Instituto de Acção Social;

6) "RAEM", a Região Administrativa Especial de Macau;

7) "Requerente", a pessoa que solicite na RAEM o reconhecimento do estatuto de refugiado;

8) "Serviço de Migração", o Serviço de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública.

 

Artigo 3.º

Refugiado

É susceptível de ser reconhecido como refugiado na RAEM quem:

1) For refugiado nos termos da Convenção e do Protocolo;

2) Estiver sob o mandato do ACNUR, nos termos dos artigos 6.º e 7.º do Estatuto do ACNUR.

 

Artigo 4.º

Cooperação com o ACNUR

1. De harmonia com o disposto na Convenção, no Protocolo e no Estatuto do ACNUR, as autoridades da RAEM prestam a mais ampla cooperação possível ao ACNUR, podendo este, nomeadamente:

1) Contactar livremente o requerente ou o refugiado;

2) Prestar qualquer espécie de apoio ao requerente ou ao refugiado, incluindo o aconselhamento jurídico em todas as fases do processo de reconhecimento ou de perda do estatuto de refugiado;

3) Intervir em qualquer fase do processo de reconhecimento ou de perda do estatuto de refugiado, estar presente em entrevistas ao requerente ou ao refugiado, bem como juntar ao processo quaisquer documentos relevantes para o apuramento da matéria de facto e a análise do pedido de reconhecimento ou de perda do estatuto de refugiado.

2. O representante do ACNUR é, ainda, notificado das decisões com efeitos externos tomadas no âmbito de um processo de reconhecimento ou de perda do estatuto de refugiado.

 

CAPÍTULO II

Comissão para os Refugiados

 

Artigo 5.º

Composição e funcionamento

1. É criada a Comissão para os Refugiados, composta por um Presidente e por quatro vogais.

2. O cargo de Presidente da Comissão é exercido por magistrado judicial ou do Ministério Público.

3. Os vogais são propostos:

1) Dois pelo Secretário para a Segurança, sendo um deles do Serviço de Migração;

2) Um pelo Secretário para a Administração e Justiça, com formação jurídica;

3) Um pelo Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, do Instituto de Acção Social.

4. O Presidente e os vogais são nomeados por despacho do Chefe do Executivo, a publicar em Boletim Oficial da RAEM.

5. A Comissão elabora o seu regimento interno.

6. O serviço de apoio técnico e administrativo necessário ao funcionamento da Comissão é assegurado pelo Serviço de Migração.

 

Artigo 6.º

Competências

1. À Comissão compete:

1) Dirigir a instrução dos processos de reconhecimento ou de perda do estatuto de refugiado;

2) Elaborar propostas de decisão sobre os mesmos;

3) Assegurar a necessária cooperação com o ACNUR.

2. A Comissão, no exercício das suas competências e para o desempenho das suas funções e na medida em que tal seja necessário para o cumprimento das mesmas, pode recolher, processar e tratar ulteriormente a informação recolhida, incluindo informação individualmente identificável.

 

Artigo 7.º

Dever geral de colaboração com a Comissão

Todas as pessoas e entidades devem colaborar com a Comissão, estando obrigadas a comunicar-lhe de imediato qualquer informação respeitante a um requerente ou refugiado de que tenham conhecimento.

 

CAPÍTULO III

Processo

 

SECÇÃO I

Disposições gerais

 

Artigo 8.º

Dever de informação

O requerente é informado, no momento da apresentação do pedido, dos seus direitos e obrigações, designadamente:

1) Da possibilidade de contactar o ACNUR;

2) Da necessidade de manter o Serviço de Migração informado sobre a sua morada;

3) Da necessidade de se apresentar nos dias, horas e local que lhe forem fixados.

 

Artigo 9.º

Nomeação de intérprete e protecção jurídica

1. Quando o requerente não conheça ou não domine nenhuma das línguas oficiais da RAEM é-lhe nomeado intérprete idóneo, ainda que os demais intervenientes no processo conheçam a língua por ele utilizada.

2. O requerente goza de protecção jurídica nos termos gerais.

 

Artigo 10.º

Suspensão e arquivamento de outros procedimentos

ou processos

1. A apresentação do pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado suspende a tramitação de qualquer procedimento administrativo ou processo penal instaurado contra o requerente ou contra os seus familiares dependentes em virtude da sua entrada na RAEM.

2. O procedimento ou processo é arquivado, caso o estatuto de refugiado seja reconhecido.

3. O pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado e a decisão que recair sobre o mesmo são juntos ao procedimento administrativo ou comunicados à autoridade judiciária competente, pelo Serviço de Migração ou pela Comissão.

 

SECÇÃO II

Fase preliminar

 

Artigo 11.º

Apresentação do pedido

1. O pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado é apresentado no momento da entrada na RAEM ou, quando a verificação dos factos que lhe servem de fundamento ocorra após a entrada na RAEM, logo que o interessado deles tome conhecimento.

2. O pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado pode, contudo, ser apresentado em outro momento se existirem razões válidas para a sua não apresentação de acordo com o previsto no número anterior.

 

Artigo 12.º

Recepção do pedido

1. O pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado é formulado em impresso próprio, conforme o modelo anexo à presente lei, e entregue no Serviço de Migração.

2. O incorrecto preenchimento do impresso ou a não utilização deste para a formulação do pedido não dá lugar, por si só, à rejeição do pedido.

3. É entregue ao requerente um duplicado do seu pedido, que comprova a qualidade de requerente do estatuto de refugiado e constitui título provisório de identificação.

 

Artigo 13.º

Revistas e retenção de documentos

1. No momento da apresentação do pedido, o requerente é obrigado a entregar ao Serviço de Migração os seus documentos de viagem e de identificação, os quais são retidos e juntos ao processo.

2. O Serviço de Migração pode solicitar ao requerente a entrega de qualquer outro documento que esteja na sua posse e que contenha informações sobre a sua identidade.

3. Para efeitos do disposto nos números anteriores, o Serviço de Migração pode revistar o requerente, bem como efectuar busca aos seus pertences.

4. A revista tem que respeitar a dignidade pessoal e, na medida do possível, o pudor do visado e só pode ser realizada por pessoa do mesmo sexo.

5. O Serviço de Migração retém os documentos falsos, falsificados ou alterados, podendo ainda reter os documentos autênticos que suspeite estarem a ser abusivamente utilizados.

6. Os documentos retidos ao abrigo do número anterior são remetidos imediatamente ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos dos artigos 225.° e 226.° do Código de Processo Penal, enviando-se cópia integral dos mesmos à Comissão.

 

Artigo 14.º

Inadmissibilidade do pedido

 

O pedido é inadmissível se aquele que invoca a qualidade de refugiado não puder ser considerado como tal, por ser absolutamente manifesto que se encontra abrangido por qualquer uma das seguintes situações:

1) Ter praticado qualquer dos factos previstos nas alíneas da secção F do artigo 1.º da Convenção;

2) A sua entrada no território da República Popular da China se encontre proibida por virtude de decisão do Conselho de Segurança das Nações Unidas;

3) Ser já beneficiário de protecção ou assistência por parte de um organismo ou instituição das Nações Unidas que não seja o ACNUR;

4) Ter-lhe sido já reconhecido o estatuto de refugiado;

5) Ser evidente que não satisfaz nenhum dos critérios definidos pela Convenção, por serem destituídas de fundamento ou por serem claramente fraudulentas as suas alegações, ou por constituir uma utilização abusiva do processo de reconhecimento do estatuto de refugiado.

 

Artigo 15.º

Decisão sobre a inadmissibilidade do pedido

1. A inadmissibilidade do pedido é decidida pelo Chefe do Executivo, no prazo de 48 horas a contar da data da sua recepção, sob proposta da Comissão.

2. Durante o prazo a que se refere o número anterior:

1) O requerente é sujeito a um interrogatório, com carácter urgente, pelo Presidente da Comissão, do qual é lavrada acta, a fim de apurar a existência de elementos de facto e de direito suficientes para justificar a imediata inadmissibilidade do pedido;

2) A entrada na RAEM da pessoa em causa não é admitida, ficando esta a aguardar a decisão na zona de trânsito do posto de migração, sendo-lhe garantidas condições de dignidade humana;

3) Se a pessoa em causa já se encontrar na RAEM:

(1) fica à guarda do Serviço de Migração nos casos das alíneas 1) e 2) do artigo anterior ; ou

(2) é-lhe imposta a obrigação de declarar a morada e de se apresentar no Serviço de Migração na data por este fixada.

3. Após a decisão de inadmissibilidade, o processo é enviado à Comissão para arquivo.

 

SECÇÃO III

Processo

 

Artigo 16.º

Marcação da primeira entrevista

1. O processo do requerente cujo pedido seja admissível é enviado à Comissão.

2. A Comissão, através do Serviço de Migração, notifica o requerente para a primeira entrevista, a realizar no prazo de 5 dias após a data da entrada do pedido, indicando, para tal, o dia, hora e local.

3. A Comissão, ao efectuar a marcação da primeira entrevista, envia ao ACNUR cópia da notificação ao requerente.

 

Artigo 17.º

Primeira entrevista

1. Cabe ao presidente da Comissão dirigir a entrevista.

2. O ACNUR e, caso exista, o representante do requerente podem estar presentes na entrevista e nela intervir, realizando directamente perguntas ao requerente.

3. Da entrevista é lavrada acta, contendo, nomeadamente, a indicação da data, local, hora de realização, indicação de quem a conduziu e de quem esteve presente, bem como a descrição detalhada dos factos invocados pelo requerente como fundamento do seu pedido.

4. A entrevista é igualmente registada por meios electrónicos, excepto se tal não for possível.

 

Artigo 18.º

Instrução

1. A instrução do processo tem início com a entrevista referida no artigo anterior.

2. A Comissão procede a todas as diligências necessárias, tendo em vista a averiguação dos factos relevantes para a análise do pedido, podendo para o efeito requerer a realização de investigações ou de outros actos necessários à instrução do processo.

3. Sendo necessária a realização de outras entrevistas para além da entrevista inicial, devem as mesmas obedecer aos condicionalismos previstos no artigo anterior.

4. A Comissão pode solicitar o parecer de peritos sobre questões relevantes para a análise do pedido, nomeadamente de ordem médica e cultural, bem como contactar quaisquer entidades ou aceder a quaisquer ficheiros manuais ou automatizados, designadamente no exterior, para efeitos de obtenção da informação necessária, incluindo informação individualmente identificável.

5. O prazo da instrução é de 30 dias, prorrogável por períodos de idêntica duração, até ao prazo máximo de um ano, quando tal se justifique por dificuldade de obtenção das informações necessárias para uma adequada instrução do processo.

6. Qualquer informação necessária para uma adequada instrução do processo, obtida após a conclusão da fase da instrução mas antes da remessa pela Comissão para o Chefe do Executivo do processo acompanhado da respectiva proposta para decisão, pode ser utilizada para efeitos do processo.

 

Artigo 19.º

Proposta de decisão

Finda a instrução, a Comissão elabora, no prazo de 10 dias, uma proposta de decisão fundamentada, no sentido do reconhecimento ou não reconhecimento do estatuto de refugiado.

 

SECÇÃO IV

Decisão e recurso

 

Artigo 20.º

Decisão

O processo, devidamente instruído e acompanhado da respectiva proposta é, de imediato, remetido pela Comissão ao Chefe do Executivo para decisão.

 

Artigo 21.º

Notificação da decisão

1. A decisão de reconhecimento ou não reconhecimento do estatuto de refugiado é notificada ao requerente.

2. Da notificação referida no número anterior deve constar a identificação do processo, incluindo a indicação do autor do acto e a data deste.

3. Caso a decisão seja de recusa do reconhecimento do estatuto de refugiado, da notificação deve ainda constar:

1) A indicação da possibilidade de recorrer da decisão, com a referência da entidade competente para a apreciação do recurso e do prazo para a sua interposição;

2) A advertência de que deve, caso não recorra nos termos da alínea anterior, no mesmo prazo, abandonar voluntariamente a RAEM, sob pena de expulsão.

 

Artigo 22.º

Recurso

1. Da decisão do Chefe do Executivo que não reconheça o estatuto de refugiado cabe recurso para o Tribunal de Segunda Instância.

2. O prazo para interposição do recurso é de 15 dias a contar da data da notificação da decisão.

3. O recurso tem efeitos suspensivos.

 

CAPÍTULO IV

Estatuto de refugiado

 

Artigo 23.º

Documentos de identificação e viagem

1. O refugiado é autorizado a permanecer na RAEM enquanto mantiver esse estatuto.

2. Ao refugiado é emitido pela DSI:

1) Um título definitivo de identidade comprovativo da sua qualidade de refugiado;

2) Um documento de viagem da RAEM, devendo o refugiado, na altura da obtenção deste, proceder à entrega do seu passaporte nacional ou de qualquer outro documento de viagem de que seja detentor à DSI, que os remete à Comissão.

 

Artigo 24.º

Causas de perda do estatuto de refugiado

Para além das causas previstas na Secção C, do artigo 1.º da Convenção, são causas de perda do estatuto de refugiado:

1) A renúncia expressa;

2) A falsidade dos fundamentos invocados para o reconhecimento do estatuto de refugiado;

3) A existência de factos que, se fossem conhecidos aquando do reconhecimento do estatuto de refugiado, teriam implicado uma decisão de não reconhecimento desse estatuto;

4) A cessação das razões que justificaram o reconhecimento do estatuto de refugiado;

5) A condenação definitiva por tribunal da RAEM por crime doloso punível com pena de prisão igual ou superior a 3 anos;

6) O abandono da RAEM, fixando-se o requerente no exterior.

 

Artigo 25.º

Competência

Verificada alguma das causas previstas no artigo anterior, compete ao Chefe do Executivo, sob proposta da Comissão, decidir da perda do estatuto de refugiado, observando-se com as necessárias adaptações o previsto quanto ao processo de reconhecimento do estatuto de refugiado.

 

Artigo 26.º

Notificação da decisão

A decisão referida no artigo anterior é notificada ao refugiado, observando--se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 21.º.

 

Artigo 27.º

Efeitos da perda do estatuto de refugiado

1. A perda do estatuto de refugiado determina a sujeição deste ao regime geral de permanência de não residentes na RAEM.

2. Excepciona-se do disposto no número anterior:

1) A perda do estatuto de refugiado com base na alínea 3) do artigo 24.º, que determina a expulsão da RAEM sempre que os factos a que a mesma se refere tenham sido ocultados pelo requerente;

2) A perda do estatuto de refugiado com base nas alíneas 2) e 5) do artigo 24.º que determina, igualmente, a expulsão da RAEM.

3. Da execução da ordem de expulsão é dado conhecimento à Comissão, sendo-lhe enviada cópia de todos os documentos a ela relativos, para junção ao processo.

 

Artigo 28.º

Recurso

1. Da decisão referida no artigo 25.º cabe recurso para o Tribunal de Segunda Instância, a interpor no prazo de 10 dias a contar da data de notificação da mesma.

2. Ao recorrente é permitido permanecer na RAEM até à decisão do recurso, devendo, contudo, apresentar-se nos dias, horas e local que lhe forem fixados.

 

CAPÍTULO V

Situações especiais

 

Artigo 29.º

Casos excepcionais

Nos casos em que a manutenção da ordem pública na RAEM seja susceptível de ser afectada, nomeadamente no caso de influxo maciço de refugiados, o Chefe do Executivo, ouvida a Comissão, o Conselho de Segurança da RAEM e o representante do ACNUR, e obtido, se necessário, o apoio e autorização do Governo Popular Central, determina as medidas a aplicar.

 

Artigo 30.º

Incapazes

1. Aos requerentes menores não acompanhados ou que sofram de distúrbios mentais é assegurada, pelas autoridades competentes, a especial salvaguarda dos seus interesses.

2. Relativamente aos requerentes com distúrbios mentais é efectuado um relatório médico detalhado com o objectivo de avaliar a capacidade do requerente.

3. As pessoas referidas nos números anteriores ficam a cargo do IAS.

 

Artigo 31.º

Familiares dependentes

1. São familiares dependentes do requerente, o seu cônjuge e os filhos menores.

2. É concedido o estatuto de refugiado aos familiares dependentes do requerente, excepto se em relação a qualquer um deles se verificar alguma das situações previstas no artigo 14.º.

3. O facto de não ter sido reconhecido o estatuto de refugiado ao requerente principal, não impede os seus familiares dependentes de apresentar um pedido autónomo.

4. Após o reconhecimento do estatuto de refugiado, cada um dos familiares dependentes será considerado autonomamente, quer do refugiado, quer dos restantes membros do agregado familiar, nomeadamente para efeitos de perda do estatuto de refugiado.

 

CAPÍTULO VI

Apoio social

 

Artigo 32.º

Garantia de acolhimento

A RAEM assegura ao requerente, até à decisão final do pedido, condições de dignidade humana.

 

Artigo 33.º

Apoio social

Aos requerentes em situação de carência económica e social e aos membros do seu agregado familiar abrangidos pela presente lei é prestado auxílio pelo IAS.

 

Artigo 34.º

Pessoas vulneráveis

Os incapazes ou os requerentes que tenham sido vítimas de tortura, violação ou de outros abusos de natureza física ou sexual, beneficiam de uma especial atenção e acompanhamento por parte do IAS ou de entidades humanitárias que com este tenham celebrado protocolos de apoio.

 

Artigo 35.º

Cessação do apoio

1. O apoio social termina com a decisão final que recair sobre o pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado, independentemente da interposição do competente recurso.

2. A cessação de apoio nos termos do número anterior não se verifica quando, avaliada a situação económica e social do requerente, se concluir pela necessidade da sua manutenção.

3. Cessa o apoio aos requerentes que, injustificadamente não compareçam perante as autoridades quando para tal forem convocados, se ausentem para parte incerta ou mudem de morada sem previamente informarem o Serviço de Migração.

 

CAPÍTULO VII

Disposições finais e transitórias

 

Artigo 36.º

Notificações urgentes

1. Quando a urgência o justifique, as decisões podem ser notificadas verbalmente, consignando-se as mesmas em auto, assinado pelo notificante e pelo notificado e que, por extracto, é junto ao processo, do qual é entregue cópia ao interessado.

2. No caso previsto no número anterior, os prazos cuja contagem se devesse iniciar com a notificação começam a correr no dia seguinte ao da prática verbal do acto.

3. Quando não for possível a utilização do processo previsto no n.º 1, as notificações são efectuadas por via postal para a última morada conhecida do requerente ou do refugiado, considerando-se feita no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, quando aquele o não for, devendo esta cominação constar do acto de notificação.

4. Para efeitos do disposto no número anterior, a última morada conhecida do requerente ou do refugiado é aquela que pelo mesmo tiver sido indicada.

 

Artigo 37.º

Gratuitidade e urgência dos processos

Os processos de reconhecimento ou de perda do estatuto de refugiado são gratuitos e têm carácter urgente, quer na fase administrativa, quer na fase contenciosa.

 

Artigo 38.º

Registo e confidencialidade

1. A Comissão cria e mantém actualizado um registo contendo os factos relativos aos processos de reconhecimento e de perda do estatuto de refugiado.

2. As informações individualmente identificáveis constantes de processos de reconhecimento e perda do estatuto de refugiado são confidenciais.

3. O registo é organizado sob a forma de ficheiro, automatizado ou manual, estruturado.

 

Artigo 39.º

Direito subsidiário

Em tudo o que não se encontre regulado na presente lei, aplicar-se-á, subsidiariamente, o Código de Procedimento Administrativo, o Código do Processo Administrativo Contencioso e a Lei de Bases da Organização Judiciária.

 

Artigo 40.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor 30 dias após a data da sua publicação.

Aprovada em de de 2003.

A Presidente da Assembleia Legislativa, Susana Chou.

Assinada em de de 2003.

Publique-se.

O Chefe do Executivo, Ho Hau Wah.