Extracção parcial do Plenário de 10 de Julho de 1997

 

A Sr.ª Presidente Anabela Ritchie: Terminadas as duas intervenções do período de antes da Ordem do Dia, podemos prosseguir, entrando na matéria agendada para a Ordem do Dia de hoje que tem, como primeiro ponto, a apresentação de um projecto de lei, elaborado no seio da Comissão de Administração, Educação e Segurança.

De referir, antes de mais, que na passada Legislatura os Srs. Deputados que constituíam a Comissão Especializada com competências na área da Segurança, realizaram alguns trabalhos de revisão de legislação penal. Nesta sessão, alguns dos Srs. Deputados que a ela pertenceram, voltaram a integrá-la, ainda que sob a designação que hoje dá pelo nome de "Comissão de Administração, Educação e Segurança" e, em colaboração com os novos membros, têm vindo a prosseguir com a revisão da legislação penal avulsa. Na sequência desses trabalhos, foi elaborado e, em devido tempo admitido, o projecto que a seguir será apresentado e cujo objecto é a revisão da Lei n.º 2/90/M, relativa à "Imigração clandestina".

O título do projecto de lei é exactamente esse: "Alterações à Lei da Imigração Clandestina", vindo subscrito pelos Srs. Deputados Rui Afonso, Kou Hoi In, Liu Yuk Lun, Ng Kuok Cheong e Raimundo do Rosário.

Solicitava a um dos subscritores, que fizesse uso da palavra para a sua apresentação ao Plenário.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Afonso.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Senhora Presidente.

Srs. Deputados.

De facto, nada tínhamos combinado entre nós sobre quem iria proceder à apresentação deste projecto, embora alguns dos colegas tivessem sugerido que fosse eu a fazê-la.

A Sr.ª Presidente: Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Tentarei ser muito breve, porque não tenciono alongar-me em considerações e roubar tempo aos colegas.

Assim, começava por referir que a razão de fundo deste projecto de lei se encontra sucintamente explanada na nota justificativa ou, se quiserem, na exposição de motivos. Contudo, e apesar disso, valerá certamente a pena tecer, em traços largos, algumas ideias centrais que mostrem o que tínhamos em mente.

Em circunstâncias várias, algumas entidades fizeram sentir à Assembleia Legislativa que, pelo modo como determinado tipo de comportamentos era punido pela Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio, conjugada com as normas do Código de Processo Penal, os Tribunais encontravam certas dificuldades em fazer justiça "rápida", relativamente às pessoas que entravam ilegalmente em Macau (imigrantes clandestinos) que, em geral, à sombra desta situação, praticavam depois outros crimes. O uso de documentação falsa ou alheia é um exemplo concreto disso, sendo também muito comum a prestação de declarações falsas, relativamente à identidade, porque, não raro, sendo reincidentes na situação de imigrantes, intitulam-se com um nome diferente daquele que anteriormente já haviam dado aquando apanhados pela primeira vez. Dada a morosidade no julgamento deste tipo de crimes, os seus autores são, por regra e sistematicamente, julgados à revelia. E porquê? Porque eles, primeiramente, são apanhados e, depois de organizados os processos, é-lhes dada ordem de expulsão. É óbvio que, quando o julgamento ocorre, há muito que não se encontram em Macau, desconhecendo eles, por conseguinte, se foram, efectivamente, condenados ou não por em Macau haverem praticado um crime.

Segundo dados que nos foram fornecidos, situações destas correspondem a cerca de 60% de todos os processos-crime tratados pelo Tribunal de Competência Genérica. Dada a gravidade dos crimes que constam da lei por nós aqui aprovada no ano de 1990, as regras obrigam que este tipo de julgamentos seja feito sob a forma de processo mais solene (antigamente, "Processo de querela" e, agora, "Processo comum"), envolvendo necessariamente três juízes, ou melhor, três dos quatro juízes que trabalham (ou trabalhavam, pois, felizmente, outros foram nomeados) no Tribunal de Competência Genérica.

Assim, aquilo que se pensou e que, devo dizer, recebeu o apoio da parte do Executivo, foi que, em sede desta lei de "Imigração clandestina", independentemente de, num momento posterior, relativamente às regras do processo em geral, poder haver um tratamento mais generalizado ou globalizado desta matéria que, aliás, chegou mesmo a ser equacionado, se observasse o seguinte: que este tipo de situações devesse ser julgado em processo sumário.

De sublinhar que o processo sumário é um processo breve que apenas envolve um juiz e que, no fundo, corresponde às necessidades e ao que se visa, já que está imanente o desejo de proceder a um julgamento imediato das pessoas que são apanhadas em flagrante delito de imigração clandestina ou de crimes correspondentes a esse tipo de ilegalidade. Como se sabe, só a reincidência é punida, isto é, os imigrantes clandestinos primários não são criminalmente puníveis. O julgamento imediato dos imigrantes clandestinos, antes de serem expulsos, faria com que fossem condenados e não julgados, portanto, à revelia como hoje acontece.

Relativamente às penas, pensamos que as por nós aqui aprovadas em 1990, numa altura em que fomos confrontados com uma situação de imigração ilegal grave, são penas que, na filosofia do anterior Código, eram designadas de "penas de prisão maior", que, quanto sabemos, os tribunais efectivamente não aplicam na prática. Ao fim e ao cabo, os tribunais, não julgando as pessoas fisicamente presentes, porque ausentes, tendem a aplicar-lhes penas de escalão mais baixo, pois que entram pelo desvendar de atenuações extraordinárias que fazem com que as penas raramente excedam um ano.

O limite de penas que se propõe, de três anos é, por conseguinte, intencional. Hoje em dia, podem ser julgados, em processo sumário, crimes puníveis até três anos, desde que não haja acumulação de crimes.

Aquilo que propomos, é alterar essa regra, isto é, baixar as penas, já que para este tipo de crimes, as de três anos nos parecem suficientes. No fundo, são penas semelhantes às que vigoram noutros locais que sentem o mesmo problema. O agora proposto irá permitir que os tribunais, de uma forma rápida e imediatamente a seguir à descoberta das pessoas clandestinas e antes da sua expulsão, as julguem em processo sumário. No caso de o processo se revelar mais complexo do que se esperava e precisar de mais tempo para a sua conclusão, havendo, por isso, necessidade de manter as pessoas detidas por bastante mais tempo, seguir-se-ia a forma de "processo ordinário". Se, eventualmente, outros crimes estiverem conexados com estes e forem mais graves, é óbvio que estará em causa uma forma mais complexa. Neste caso, proceder-se-á segundo aquilo que o Código de Processo Penal designa por processo comum.

Pensou-se ainda, aliás por sugestão do Executivo, que, por muitas vezes relacionados com esses crimes da lei da "Imigração clandestina" estarem outros crimes menores, crimes contra as pessoas, devido ao facto de os clandestinos se encontrarem, ao fim e ao resto, em situação de necessidade e não trabalharem, quando muito precisam para sobreviver, não deixa de ser comum que acabem, por exemplo, por cometer furtos, não raro acontecendo até serem identificados na situação, isto é, por exactamente haverem praticado esses crimes. Portanto, se eles se encontram na situação de imigrantes clandestinos e, ao mesmo tempo, cometem crimes puníveis com penas até três anos, não se deveria também deixar (até porque, em geral, a prova é produzida com facilidade e o que está em causa é um auto em que muitas vezes as testemunhas são os guardas que os detiveram) de julgar estas pessoas em processo sumário.

Em breves palavras, é isso que o projecto propõe.

Uma outra questão, aliás, já aqui abordada no passado, quando a lei foi aprovada, tem a ver com o modo como esta lei se encontra traduzida em língua chinesa. Relativamente a esta questão, não sei se a Sr.ª Deputada Susana Chou não estará interessada em voltar a repetir o que há pouco me referiu, porque, naturalmente, muito melhor do que eu, saberá colocar o problema da tradução, visto ser mínima a minha habilidade nas línguas, quer cantonense, quer mandarínica.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Dou, então, a palavra à Srª Deputada Susana Chou.

A Sr.ª Deputada Susana Chou: Muito obrigada, Senhora Presidente.

Srs. Deputados.

Recordo-me que, por altura da publicação desta lei no ano de 1990, foi levantada a questão da tradução dos termos da expressão "Imigração clandestina" que gerou, aliás até, alguma discussão. Na ocasião, discutiu-se e ficou aprovada na Assembleia a expressão "Fai Fat I Man" (em português é indiferente) mas, para nossa surpresa, quando saiu publicada em Boletim Oficial, apareceu sob o nome de "Pei Fat I Man".

Recordo-me, ainda, que o problema foi, de facto, então colocado e resolvido a contento de todos. Muitos dos Srs. Deputados aqui presentes que, na altura, desempenhavam funções de deputado, disso estarão decerto lembrados. Uma vez que a Assembleia lhe atribuiu uma designação em chinês, poderá o Governo alterá-la?

O então Secretário-Adjunto realçou não valer a pena discutir o assunto, porque, ao decidir-se a Assembleia pela adopção daqueles termos, o Governo não os iria alterar. Sugerimos-lhe que alterasse a tradução, porque, como disse, de "Fai Fat I Man" se passara para "Pei Fat I Man", por nos parecer que a opção primitiva era aquela que melhor objectivava e condizia com a ideia chinesa. Enfim, devia estar "Fai Fat I Man" e não "Pei Fat I Man".

O Governo não seguiu a nossa sugestão e, agora, temos um novo Secretário- -Adjunto.

Quer na execução dos nossos trabalhos, presentes e futuros, quer na feitura de uma qualquer lei, cada um de nós está, naturalmente, imbuído de conceitos e das suas próprias definições e convicções. Foi nesta óptica que, após discussão, não se achou correcta a alteração para "Pei Fat I Man". Seria conveniente que, aproveitando esta oportunidade que agora surge, se regressasse à designação anterior, porque ainda se nos mostra actual e a condizer com a realidade da ideia que queremos transmitir à população. Aproveito ainda o ensejo para pedir à Senhora Presidente, para que instrua os Serviços de Apoio, no sentido de respeitarem, no futuro, os termos aprovados em Plenário.

Os Deputados de língua materna chinesa e que dominam bem esta língua, mostraram obviamente alguma estranheza, mas julgo que tudo isto tem mais a ver com o rigor que a Assembleia imprime à fraseologia dos textos legais do que propriamente com o domínio da língua chinesa. No entanto, sou da opinião de que os termos a publicar devem corresponder aos adoptados aquando da sua aprovação, pois sinto que nem os Deputados portugueses quererão este tipo de incorrecções.

Solicitava, por isso, que se verificassem os dados dos anos 90, para confirmação da expressão "Fai Fat I Man", da qual, muito provavelmente, também os Srs. Deputados Ho Hau Wah e Lau Cheok Va se lembrarão, ou, até mesmo, a Senhora Presidente. De facto, o Sr. Secretário-Adjunto, recordo aqui, chegou a prometer a alteração do nome do projecto e, bem assim, que, no futuro, os termos adoptados pela Assembleia não seriam alterados.

Era tudo o que tinha a dizer.

Muito obrigada.

A Sr.ª Presidente: Dou a palavra ao Sr. Deputado Lau Cheok Va.

O Sr. Deputado Lau Cheok Va: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Relativamente à apresentação do projecto de lei, subsistem em mim, confesso, algumas dúvidas que gostaria me fossem aclaradas pelos proponentes, estando elas relacionadas com a lógica do projecto de lei.

Na legislação penal, especialmente quando se fixam penas, estas devem corresponder à dimensão do crime cometido, isto é, a gravidade deve ser graduada de acordo com o crime ou actos praticados contra bens, pessoas ou contra a sociedade.

Começo agora, no entanto, a ter a sensação de que, quando discutirmos a questão, a ponderação da medida das penas se fará por via da estrutura judicial, isto é, penas superiores a três anos são consideradas penas maiores a serem julgadas por tribunais colectivos e, abaixo de três, pelo Tribunal Singular. Estando em causa crimes relacionados com a imigração clandestina, que envolvem, aliás, mais de 60% dos casos que chegam a tribunal, haverá a intenção de, com este processo, imprimir maior celeridade ao andamento dos processos, através da redução das penas, cominadas em julgamento de processo sumário? Será por isso que reduzimos as penas? Será essa a lógica do projecto de lei?

Não sei o que me poderão informar sobre este ponto.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Peço, naturalmente, a um dos proponentes do projecto de lei que se preste a esclarecer a dúvida do Sr. Deputado Lau Cheok Va.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Afonso.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Acresce-me dizer que a questão levantada pelo Sr. Deputado teve já resposta na minha intervenção. No entanto, se for desejo seu, volto a repeti-la!

Aquilo que se fez, foi ponderar os bens jurídicos e os interesses que estavam em causa, sendo óbvio que a medida da pena está relacionada com a forma do processo.

Ponderou-se também o que ainda há pouco referi, ou seja, a prática efectiva dos tribunais, até porque estes sempre têm (no passado também o faziam e não só em relação a estes três tipos de crimes) desagravado, tanto quanto sou sabedor e de uma forma sistemática, as medidas das penas constantes desta lei, isto porque os juízes, quando aplicam a lei, sempre podem fazer uma valoração diferente daquela que o legislador pensou.

Quisemos deixar aqui (e isso também resulta do nosso parecer, embora admitindo que possamos estar errados) um sinal claro de que a imigração clandestina é um fenómeno que se quer ver combatido em Macau, mesmo pensando que não será pelo facto de as penas serem mais ou menos fortes que se deixará de imigrar clandestinamente para Macau. De facto, eles imigram para esta cidade atraídos pelas condições político-sociais que o Território reúne.

Equacionamos também a possibilidade de adoptar uma situação como aquela que conhecemos de Hong-Kong, onde a imigração clandestina é considerada crime. Portanto, sempre que é encontrado um imigrante clandestino, ele é julgado em tribunal e, eventualmente, punido com multa que é convertida, dado estarem em causa, de um modo geral, pessoas quase sem recursos financeiros para a pagar, em prisão, por regra, de curto termo, acabando por ser suspensa. Depois da suspensão da pena de prisão, passa-se à expulsão. Todavia, não foi essa a filosofia que quisemos seguir na lei de 1990, indo até um pouco na esteira da filosofia do Estatuto Orgânico de Macau que dá a possibilidade ao Governador de expulsar de Macau pessoas indesejáveis. Esta é uma filosofia muito antiga e que sempre esteve em prática.

Não obstante isso, aquilo que quisemos deixar expresso e de forma clara, é que se dê ou que haja uma relação imediata entre uma situação de clandestinidade e a situação do julgamento dessa mesma situação de clandestinidade, o que, se verificarmos bem, hoje não acontece efectivamente. Quero dizer com isto que, no fundo, as pessoas não têm consciência, depois de para a China voltarem, de que alguma vez foram julgadas e punidas em Macau.

O que, na verdade, nós queremos ou, por outra, é nossa ideia (penso que não é bem o nosso querer, mas, sim, a nossa ideia) é que, efectivamente, quando as pessoas sejam expulsas, (informo que todos aqueles com quem conversamos, nomeadamente, os Srs. Magistrados, o Ministério Público e, portanto, o Executivo, concordaram) exista essa relação e que, quem imigre clandestinamente ou esteja na posse de documentos falsos e cometa pequenos delitos, seja julgado e depois expulso. Porque, de outra forma, nunca o imigrante clandestino sentirá que aquilo que cometeu em Macau é censurável e é crime. É esta a nossa ideia.

Por conseguinte, "mexer" na medida das penas tem, fundamentalmente, dois objectivos: que haja certa homogeneidade neste sistema, primeiro relacionada com o julgamento em processo sumário e, depois, com a prática. Ou seja, que haja a consciência da forma como os tribunais vêm aplicando a lei (o que acontece não apenas nestes preceitos, mas relativamente a outros que nós aqui não alteramos), os quais, em circunstâncias destas, nunca aplicam penas de dois a oito anos, pois que sempre deslindam formas de as atenuar.

Assim, vistas bem as coisas, uma medida de pena de três anos para uma situação destas é, no meu entender, mais que suficiente e dissuasora o quanto baste. Contudo, se os colegas opinarem de uma forma diferente, tal poderá ser, com certeza, reconsiderado, porque, enfim, o processo legislativo começa agora.

A Sr.ª Presidente: Agradeço-lhe, Sr. Deputado, o esclarecimento. Antes de prosseguirmos, perguntava ainda se mais algum Sr. Deputado deseja colocar novas questões.

Uma vez que não há mais nenhum pedido de esclarecimento, ficávamos por aqui, mas prometo à Sr.ª Deputada Susana Chou que analisarei, logo que me seja possível, a tal questão da tradução a que se referiu.