Extracção parcial do Plenário de 23 de Abril de 1996

 

A Sr.ª Presidente: Está reaberta a reunião.

Vamos dar início à Ordem do Dia da reunião de hoje, com a votação final e global da proposta de lei que regula a dádiva, colheita e transplantação de órgãos e tecidos de origem humana, nos termos do artigo 137.º do Regimento da Assembleia Legislativa.

Connosco, em representação do Executivo, estão os Srs. Secretários- -Adjuntos, Dr. Macedo de Almeida e Dr. José Alarcão Troni, que cumprimento e a quem agradeço, desde já, em nome da Assembleia Legislativa, todo o apoio e colaboração que nos vão prestar.

Tratando-se da primeira vez que temos entre nós, o Sr. Dr. Alarcão Troni, gostaria de assinalar o facto e reiterar a V.ª Ex.ª, Sr. Secretário-Adjunto, os nossos votos de felicidades no exercício das funções em que foi recentemente empossado.

Srs. Deputados, nos termos regimentais, a votação global final é precedida de discussão dos artigos em relação aos quais os Srs. Deputados a requeiram.

Pergunto aos Srs. Deputados se desejam colocar alguma questão à Comissão que votou o texto na especialidade, ou requerer a votação, na especialidade, de algum artigo.

Aproveito para informar que estão em tradução, duas propostas do Sr. Deputado Ng Kuok Cheong. Chegaram-me há pouco, tendo sido entregues ao Gabinete de Tradução, após o que, serão distribuídas aos Srs. Deputados.

Os Srs. Deputados que queiram usar da palavra, devem inscrever-se, para colocar questões, ou para requererem a votação, na especialidade, dos artigos que desejarem.

Está aberto o debate.

Enquanto não se regista nenhuma inscrição, peço a atenção do Plenário para um lapso de dactilografia, no texto final distribuído aos Srs. Deputados. O artigo 19.º, que tem por epígrafe - "Remuneração por Dádiva" - contém dois lapsos no seu texto: o n.º 1 deve referenciar a pena de prisão até 1 ano, e multa até 120 dias, tendo sido omitida, por lapso, a pena de prisão; o seu n.º 2, deve referenciar que a tentativa é punível.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Sr.ª Presidente, dá-me licença?

A Sr.ª Presidente: Faça favor.

Tem a palavra, o Sr. Deputado Rui Afonso.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Sr.ª Presidente.

Srs. Secretários-Adjuntos.

Caros colegas.

Permitam-me também dirigir algumas palavras ao Sr. Dr. Alarcão Troni, que, pela primeira vez, colabora connosco nestes trabalhos. Colaboração que é fundamental nesta fase do processo legislativo, já que, em momento anterior de aprovação desta lei na generalidade, não houve oportunidade de realizar o debate em profundidade que o tema merece.

Por isso, sem colocar em causa o trabalho feito pela Comissão, queria pedir ao Plenário que fossem votados, hoje, aqui, as seguintes disposições da proposta de lei: artigos 1.º a 3.º; 5.º a 10.º; 12.º a 15.º e do 18.º ao 23.º.

Algumas observações que vou fazer abordam questões meramente técnicas, mas creio ser melhor discuti-las já do que remetê-las para uma eventual comissão de redacção, Julgo ser importante conhecer as razões por trás de algumas soluções, o que nem sempre resulta do parecer.

Com a benevolência da Sr.ª Presidente e dos colegas, eu seria capaz de perguntar ao Executivo, relativamente a esta matéria, quais são as condições que existem no Território, para que uma lei desta natureza possa ser executada. Não falo só no curto-prazo, mas refiro-me também a projecções que se possam fazer, e a estruturas que tenham de ser criadas, para que esta lei tenha viabilidade, para atingir os seus objectivos.

Esta lei é muito importante, na medida em que resulta do desenvolvimento de um princípio constitucional, o direito à integridade moral e física. Decorre ainda de um outro princípio menos conhecido, o que consagra direitos que prevalecem após a morte.

A que realidade médica do Território se dirige esta lei?

A Sr.ª Presidente: Informo o Plenário de que o presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Dr. Jorge Neto Valente, teve de se ausentar, por breves minutos. Sugeria que fôssemos, entretanto, avançando na avaliação da matéria, até porque os outros membros da Comissão estão em condições de nos dar uma ideia sobre os trabalhos, neste campo, da Comissão.

Coloco à discussão, o artigo 1.º.

O Sr. Deputado Rui Afonso: A minha dúvida, relativamente a este artigo, reside em saber se a dádiva ou colheita de órgãos ou tecidos de origem humana tem fins exclusivamente terapêuticos de diagnóstico, ou transplantação, ou se tem fins terapêuticos, ou de diagnóstico, ou de transplantação. Este preceito, à excepção desta parte, é igual à lei homóloga que vigora em Portugal. A natureza técnica desta lei não me permite saber se há uma terapêutica de diagnóstico e outra para transplantação, ou se pode haver um diagnóstico não terapêutico.

A Sr.ª Presidente: Nós limitámo-nos a copiar o texto em vigor em Portugal. Estiveram médicos na Comissão, e eles aceitaram a presente redacção, com esta distinção de três situações diferentes.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Nesse caso, a única sugestão que tenho é que se diga "regras" em vez de "normas", e se a Comissão aceitar a sugestão em termos de redacção final, não se colocaria a questão da votação.

A Sr.ª Presidente: Muito bem.

Fica registada a sua sugestão para a redacção final, que, penso, poderá ser facilmente incorporada no artigo em debate.

Coloco à apreciação o artigo 2.º.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Relativamente a este artigo, a questão que levanto relaciona-se com a sua inserção sistemática na lei.

Penso que a razão de ser deste artigo prende-se com o facto de, neste momento, não existir cobertura legal para as situações que aqui estão contempladas.

Gostava de perguntar se uma lei com este objecto deve tratar desta matéria, ou se deve ser tratada à parte, como se faz noutros sistemas jurídicos.

A minha proposta é que esta norma não vigore nesta lei, sob pena de desvirtuar o seu objecto.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Trata-se de uma opção de política legislativa, analisada pela Comissão com bastante profundidade, que entendeu que a devia incluir.

Todos nós conhecemos as dificuldades legislativas que existem neste domínio, e este artigo permitiria resolver bastantes problemas.

Não sei se estou a transmitir correctamente a posição da Comissão, peço aos membros da Comissão que me ajudem. Apesar de não ter participado nos trabalhos, acompanhei-os de perto.

Esta opção vai ao encontro do que foi sugerido por muitos médicos, sobre a matéria, convidados a pronunciar-se.

O Sr. Deputado Rui Afonso acha que, concordando com o conteúdo deste artigo, então ele deveria situar-se noutra lei, que não esta. Será o Plenário a optar pela solução que entender.

O Sr. Deputado Rui Afonso acaba de apresentar formalmente, a proposta de eliminação deste artigo 2.º, colocado em discussão.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Eu não quis invocar uma questão, que me parece regimental. Creio que, do ponto de vista da mera iniciativa legislativa, não se pode enxertar esta matéria no diploma que aqui nos trouxeram. A lei que aqui temos, caracteriza-se por um objectivo muito especial. Neste âmbito, não sei se terá cabimento esta proposta de aditamento.

Se a necessidade é sentida, então que ela seja assumida e regulamentada de forma explícita. Receio que a mera remissão no n.º1, deste preceito para os procedimentos desta lei, nos traga grandes dificuldades de saber o que está em causa, na altura da sua aplicação concreta.

Talvez possamos ter um tratamento diferente, com o contributo de pessoas que lidem com casos de patologia.

Acho que a necessidade existe, é importante que se legisle nesta matéria, mas de uma forma autónoma, específica e pormenorizada.

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra, o Sr. Deputado Tong Chi Kin.

O Sr. Deputado Tong Chi Kin: Sr.ª Presidente.

Creio que o Sr. Deputado Rui Afonso terá a sua razão, mas eu continuo a não encontrar um ponto para controlar esse aspecto.

Se esse artigo fôr eliminado, haverá necessidade de tratamento legislativo posterior autónomo sobre a matéria. Como é que se pretende resolver este problema?

Se eliminarmos este artigo, criaremos um vazio legislativo. Se o mantivermos, isso parece não estar de acordo com os objectivos desta lei. Ainda assim, acho que ele deve ser mantido, embora sob outra forma.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigado, Sr. Deputado.

Tem a palavra, o Sr. Deputado Ng Kuok Cheong.

O Sr. Deputado Ng Kuok Cheong: Muito obrigado, Sr.ª Presidente.

Acho que precisamos de mais elementos sobre esta questão.

Gostaria que me esclarecessem se esta lei é ou não suficiente para impedir que, no futuro, surjam situações de lacunas graves. Se de facto, não fôr suficiente, então devemos tomar nova iniciativa legislativa neste campo.

Para ultrapassar esta questão, penso que poderíamos acrescentar algumas palavras na epígrafe

Não sei se o Sr. Deputado Rui Afonso entendeu a minha ideia.

A Sr.ª Presidente: O Sr. Deputado Rui Afonso coloca uma objecção de fundo. Ele acha que esta matéria está fora do âmbito desta proposta de lei.

A proposta do Executivo não contempla a matéria, tendo sido a Comissão a entender que, e indo ao encontro das necessidades, e questões médicas, a mesma deve ser incluída neste diploma.

Sendo, como é, matéria totalmente nova, em relação à proposta do Executivo, o Sr. Deputado entende que, pelo contrário, ela não deve ser incluída neste diploma.

Pergunto se o Sr. Deputado Rui Afonso quer acrescentar alguma coisa ao que já disse.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Nós podemos fazer desta lei, uma "salada russa", que não seria rigorosa, e, do ponto de vista legislativo, pouco séria.

Acabámos de aprovar o artigo 1.º, onde não tivemos qualquer preocupação em deixar de fora que a dádiva de óvulos e de esperma, e a colheita, transferência, e manipulação de produtos de fecundação e embriões, deixasse de estar regulamentada.

Porque é que os colegas que parecem tão preocupados em regulamentar a matéria que está no artigo 2.º, fora do contexto da lei em que se insere, não estiveram preocupados em regulamentar matérias que possuem afinidades com a mesma área, e que continuam a vogar no vazio legislativo?

Quem estiver familiarizado com estas questões de dissecação de cadáveres, sabe que o problema não está apenas em abrir e fechar corpos. A dissecação de cadáveres realiza-se para fins de ensino e de investigação, como está aqui escrito.

Que eu saiba, não há investigação científica em Macau, e se houver, essa investigação deve estar regulamentada, como é normal acontecer, até porque os cadáveres não são propriamente coisas.

Se temos tanta preocupação em relação aos familiares sobrevivos, no que diz respeito a mexer com os cadáveres dos seus mortos, penso que não devemos ter menor preocupação, mesmo quando não são reivindicados. Existem imensos casos em que os cadáveres são reclamados muito depois da morte da pessoa em causa.

Além da solução aqui preconizada, que não sei se é boa ou má, acho que o que está em causa é a ausência de regulamentação. Eu tenho dúvidas em saber se a regulamentação incluida nesta lei, para as outras situações, se adapta a esta situação em concreto, e se na proposta do Executivo cabe um enxerto desta natureza, por se tratar de matéria completamente diferente.

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra, o Sr. Deputado Chui Sai On.

O Sr. Deputado Chui Sai On: Sr.ª Presidente.

Sr. Secretário-Adjunto.

Caros colegas.

Quando foi apresentado este projecto de lei, ninguém mencionou esta polémica sobre a regulamentação da dádiva de órgãos e tecidos humanos.

Como disse o colega Rui Afonso, as necessidades científicas e académicas neste campo, em Macau , não são prementes. Além disso, julgo ser de toda a conveniência que se crie um mecanismo real para concretizar os fins de ensino e investigação. Concordo, portanto, com o que disse o Sr. Deputado Rui Afonso, e acho que não é de incluir o conteúdo do artigo 2º neste diploma.

Muito obrigado, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: Uma voz de apoio à posição do Sr. Deputado Rui Afonso, vinda de um médico.

É costume dizer que o Direito e a vida não se acompanham. O Direito vai sempre atrás do desenvolvimento da tecnologia, da biotecnia, e das ciências médicas.

Aqui em Macau, o legislador não quer atrasar-se. Mesmo que não estejam reunidas todas as condições para viabilizar esta lei, permanece esta questão, que deve ser resolvida pelo Plenário.

Está em discussão a eliminação deste artigo 2.º.

Tem a palavra, o Sr. Secretário-Adjunto, Dr. Macedo de Almeida.

O Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça (Macedo de Almeida): Sr.ª Presidente.

Srs. Deputados.

Relativamente à inserção desta nova matéria na proposta de lei, e sem prejuízo da decisão dos membros da Comissão, creio que, de um ponto de vista técnico, esta matéria carecerá de alguma regulamentação específica.

Desde logo, na sua formulação n.º 1, quando se diz que, "se aplicam as regras da presente lei à dissecação de cadáveres humanos", não se fica a saber bem quais são as normas desta lei que são aplicáveis à dissecação de cadáveres, sendo certo que esta é uma matéria que tem as suas especialidades relativamente à questão central do transplante de órgãos.

Depois, há aqui uma opção, na alínea b) do n.º 2, que teria de ser mais aprofundada.

Daí que o Executivo não tenha incluído esta matéria nesta proposta de lei, embora se trate de um assunto que carece de regulamentação.

Aliás, em resposta a algumas questões que foram aqui colocadas, diria que o Executivo, ao apresentar esta proposta de lei, tinha a perfeita consciência de que ela não se destinava a regular, de imediato, uma realidade que fosse sentida, mas sim, dotar o Território de instrumentos jurídicos para cobrir situações que podem aparecer no foro médico. Daí que este diploma se inclua numa regulamentação para o futuro, para dotar o Território de instrumentos jurídicos modernos, independentemente da sua necessidade actual.

Por exemplo, quanto aos transplantes no Território, creio que, tirando os transplantes da córnea, não existem quaisquer outros, visto o Hospital não estar preparado e equipado para o efeito, o que não quer dizer que a Assembleia e o Executivo não estejam interessados em que haja uma legislação de enqua-dramento. Mais do que isso, sabemos que se trata de matéria extremamente sensível, em que, quer os utentes, quer os técnicos da área da medicina, precisam conhecer os limites e as proibições a que estão sujeitos, para que possam, eventualmente, e mesmo sem equipamento específico, e em caso de urgência, proceder da melhor forma possível, sempre dentro da lei.

Relativamente à matéria do artigo 2.º, pode-se, de facto, considerar a possibilidade de ele constar de um diploma autónomo, o que, aliado ao facto de não haver uma previsível necessidade nesta área, em Macau, nos próximos tempos, me leva a colocar à consideração da Assembleia o retomar da proposta do Executivo, quanto à não inclusão desta matéria nesta lei.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigado, Sr.Secretário-Adjunto.

O Sr. Deputado Rui Afonso mantém a sua proposta de pé. Se mais nenhum Sr. Deputado quiser usar da palavra, coloco à votação, a sua proposta de eliminação do artigo 2.º.

Coloco à votação do Plenário a proposta de eliminação da totalidade do artigo 2.º, sem prejuízo de, no futuro, regulamentarmos esta matéria num diploma autónomo.

Os Srs. Deputados que aprovarem a proposta, façam favor de levantar o braço. Doze votos a favor.

Os Srs. Deputados que discordarem, queiram manifestá-lo. Nenhum voto de discordância.

Houve sete abstenções.

Foi eliminado o artigo 2.º.

Peço à Comissão de redacção final para considerar a inclusão desta matéria no regime de excepção do artigo 1º.

Coloco à apreciação do Plenário, o artigo 3.º.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Sr.ª Presidente, dá-me licença?

De uma forma muito rápida, queria dizer que concordo que se diga que são "estabelecimentos hospitalares autorizados para o efeito".

Acho ainda que o português e o chinês são as línguas oficiais do Território, mas o latim não , pelo que pedia que se arranjasse uma expressão alternativa para legis artis. Trata-se de uma expressão que adquire sentido num outro contexto, mas não aqui.

Para mim, a questão substancial é saber o que é que a Comissão quis, ao alterar, relativamente ao n.º 2, a versão que vinha na proposta de lei. Dizia-se que, "Somente os médicos autorizados, nos termos da lei, a exercer a respectiva profissão em Macau, podem assumir a responsabilidade referida no número anterior. Esta nova versão diz que, "Somente os médicos autorizados a exercer a respectiva profissão podem assumir as responsabilidades referidas no número anterior. Pode querer dizer a mesma coisa, mas a autorização tem de ser dada nos termos da lei, e o exercício da actividade tem de ser em Macau.

Do relatório da Comissão fica-nos a ideia de que qualquer pessoa pode chegar aos Serviços de Saúde e pedir para realizar uma colheita ou uma transplantação, sem os pré-requisitos normais estarem preenchidos. É isto que se quer?

Se queremos excepcionar em relação às situações em concreto, então devemos excepcionar em relação a qualquer outra profissão médica.

Queremos ou não, do ponto de vista da Administração do Território, que esta actividade seja admitida somente aos que estão autorizados, nos termos da lei, a exercer a profissão?

A Sr.ª Presidente: Recordo-me que esta questão tinha sido levantada, na altura da apresentação da proposta de lei. O motivo apresentado pela Comissão prendia-se com o facto de que, com esta redacção, mantinha-se a porta aberta para os especialistas do exterior que, eventualmente, se deslocassem ao Território para efectuarem operações cirúrgicas neste campo da medicina.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Dá-me licença, Sr.ª Presidente?

Eu não me expressei bem.

A minha ideia é saber se deve haver um regime geral, em que, sempre que se justifique, um médico que aqui não esteja registado, possa intervir em transplantes, ou outro tipo de operações, ou se vamos criar um regime especial para os transplantes. Valerá a pena o regime especial? Não poderá o regime geral contemplar estas situações?

A Sr.ª Presidente: O Sr. Deputado Alberto Noronha, membro da Comissão de Assuntos Constitucionais, tem algo para nos dizer , em nome da Comissão.

O Sr. Deputado Alberto Noronha: Sr.ª Presidente.

Sr. Secretário-Adjunto.

Srs. Deputados.

Como membro da Comissão, vou procurar contribuir para que haja o melhor esclarecimento possível sobre esta matéria.

Em relação a este artigo, a Sr.ª Presidente tem toda a razão.

A nossa ideia foi a de não excluir a possibilidade de, no futuro, serem convidados médicos de renome internacional, estrangeiros e não residentes, para darem apoio às transplantações.

Se, no artigo 2.º, se dissesse, "autorizados a exercer a respectiva profissão no Território", automaticamente estaríamos a vedar o acesso a essas sumidades.

Para finalizar gostaria de dizer que só os estabelecimentos hospitalares autorizados para o efeito poderão, nas suas instalações, realizar transplantações.

Qualquer desses estabelecimentos, ao convidar médicos do exterior, concerteza o fará em relação a especialistas de grande renome internacional, pelo que não nos devemos preocupar com receios de uma invasão de médicos convidados do exterior.

A Sr.ª Presidente: Sr. Deputado Rui Afonso.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Já estou esclarecido.

Isto é capaz de ser uma falsa questão.

Restava a minha sugestão de que fosse encontrada uma expressão alternativa à aqui encontrada do legis artis.

A Sr.ª Presidente: Muito bem.

Podemos passar para o artigo 5.º, da gratuitidade.

Peço ao Sr. Deputado Rui Afonso, o favor de explicar a sua dúvida.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Serei muito breve.

Gostaria de saber se este "enxerto", que foi feito do n.º 2 no artigo, deve estar aqui, ou noutro local. É que uma coisa é a gratuitidade, princípio geral desta artigo, outra coisa é a proibição de publicidade, presente neste n.º 2. Se a publicidade é proibida, isso deve ser dito, claramente, numa norma autónoma, até porque, este comportamento é penalizado de uma forma específica em seguinte artigo.

É óbvio que só podemos legislar para Macau, pelo que se torna desnecessário referir Macau nesta redacção.

Em primeiro lugar, sugiro que esta norma do n.º 2 seja autonomizada, e em segundo, que seja retirada a palavra "Macau" desta redacção. Em terceiro lugar, que se retire a última parte, que foi acrescentada, onde se pode ler: "Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 9.º...". Mais do que esclarecer, isto pode confundir, porque a situação que está no n.º 2 do artigo 9.º enquadra um problema de indemnização, não tendo nada a ver com a remuneração. Ao trazermos este preceito para aqui, não sei se estamos a colocar as coisas ao mesmo nível.

Para mim, não se trata de uma questão muito importante, é meramente técnica.

Quanto ao n.º 4, não sei se será boa ideia começar o preceito com "Os autores dos actos...", uma vez que a expressão faz corresponder ao dador, ao receptor, quem faz a recolha do órgão e quem realiza a respectiva transplantação. Deste modo, talvez fosse mais adequado encontrar uma expressão que dê claramente a ideia de que nos estamos a referir aos interventores, aos médicos que intervêm nos transplantes. São eles os contemplados neste n.º 4 do artigo 5.º.

Não sei se fui claro.

A Sr.ª Presidente: Eu estou a acompanhar.

Parece-me, Sr. Deputado, que não se trata de matéria que exija uma votação.

Se achar bem, não se tratando de objecções de fundo, penso que a comissão de redacção final poderá ter em atenção as suas sugestões.

Passaremos adiante.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Concerteza, Sr.ª Presidente.

Achei apenas que devia suscitar aqui estas questões.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigado.

Se o Plenário achar bem, deixaríamos estes pontos com a comissão de redacção final.

Passamos para o artigo 6.º, já no âmbito do Capítulo 2.º, da admissibilidade da colheita em vida.

O Sr. Deputado Rui Afonso: A primeira questão é meramente formal. Gostava de saber porque é que aqui se usa a expressão "substâncias", e anteriormente se usa "tecidos". Estão em causa os tecidos regeneráveis, mas admito que tenha a ver com o facto da lei portuguesa também falar em substâncias.

Relativamente ao n.º 2, surge, no final, uma "relação especial atendível". Compreendo qual é o objectivo que está subjacente a este acrescento, mas fica-me a dúvida sobre quem é que, em última análise, vai decidir que a relação deve ser atendível. São os dadores, os receptores, os directores clínicos ou serão os tribunais? Na versão portuguesa, a lei é taxativa, dizendo claramente que deve haver uma relação de parentesco até ao 3.º grau, entre o dador e o receptor.

Neste nosso caso, a Comissão invocou razões para que este conceito fosse alargado. Pretendo saber até que ponto vai ser alargado.

No n.º 3 permite-se que o tribunal, relativamente aos menores e incapazes, autorize a dádiva de substâncias não regeneráveis.

Esta situação relaciona-se com uma outra presente no artigo 8.º, que contém o regime do consentimento. Vejamos, no n.º 2 do artigo 8.º diz-se que: "Tratando-se de dador menor, o consentimento deve ser prestado pelos progenitores, ou pelo tutor, quando os progenitores se encontrem inibidos do exercício do poder paternal, e depende sempre da não oposição do menor".

Talvez esta não seja a mais feliz redacção, sendo talvez preferível falar em consentimento, ao invés de não oposição", já que, provavelmente, se ninguém lhe perguntar, ele não se oporá.

No n.º 4, temos que, "tratando-se de colheitas a maiores incapazes, por razões de anomalia psíquica, depende de autorização judicial, e da não oposição do incapaz". Coloca-se aqui a questão de saber se um incapaz por anomalia psíquica se opõe ou não a um procedimento desta natureza. Se é psiquicamente anómalo, como é que se vai opor? Será que o tribunal pode fazer prevalecer a sua vontade sobre uma vontade que não se pode avaliar?

Gostaria que se fizesse aqui uma troca de impressões sobre este aspecto, que me parece importante.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra, o Sr. Deputado Neto Valente.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Gostaria de dizer que, sem pôr em causa o princípio de que o Plenário é soberano e vota sempre aquilo que acha ser mais adequado, a inclusão deste artigo 2.º processou-se não só por recomendação dos médicos do Centro Hospitalar Conde S. Januário, como também, e reflectindo um parecer da Associação de Médicos Chineses, do presidente da mesma associação. Houve ainda a preocupação de atender a um parecer do Provedor de Justiça de Portugal, sobre as deficiências e reformulação preconizável do actual sistema legislativo, em matéria de colheita e transplantação de órgãos.

Pessoalmente, confesso-me incapaz de contrariar as opiniões transmitidas pela Associação dos Médicos Chineses, a Associação dos Médicos Portugueses e o Provedor de Justiça, mas o Plenário votou, o artigo está eliminado e acabou-se.

Queria dizer-lhes que estas questões foram ponderadas, procurando reunir o maior número possível de informações sobre esta matéria, mesmo em termos de legislação estrangeira.

Achámos que, em caso de dúvida, se deveria flexibilizar e permitir o posterior desenvolvimento de regulamentação, se fosse caso disso.

Sobre a matéria em causa, das pessoas com capacidade diminuída, queria fazer notar que as anomalias psíquicas não são todas iguais. Existem diferentes graus de diminuição de capacidade de entendimento.

Por exemplo, a lei diz que todos são menores até atingirem os dezoito anos. Ainda assim, todos sabemos que a maturidade e a capacidade de entendimento não se adquire na véspera do tricentésimo sexagésimo quarto dia antes de completar os dezoito anos. É evidente que um menor de dezassete anos não deve ser tratado, nesta lei como em todas, da mesma forma que um menor de três anos de idade.

Não é preciso ser médico para compreender que a capacidade de um menor não deve ser valorada pela idade. Na legislação penal admite-se que um menor seja testemunha. Na legislação civil, permite-se que um menor possa praticar actos, pelos quais é responsabilizado, desde que tenha capacidade de entendimento.

Bem esteve o legislador do Código Civil, ao não estabelecer uma idade limite para coisa nenhuma. Também nós conhecemos muitos exemplos da vida real, em que, menores com a mesma idade biológica, não têm a mesma capacidade de entendimento.

Foi a pensar, não em casos extremos de violentação da vontade de uma criança quando se lhe pergunta se quer levar uma injecção, mas em relação a situações que também envolvam menores, mas com outra envolvência e gravidade.

Antes que me esqueça, refiro aqui duas situações que se têm vindo a verificar, e com cada vez mais incidência, as uniões de facto e as famílias monoparentais. Trata-se de um problema de cada um, sobre o qual entendo, pessoalmente, não tomar posição. Não me repugna que duas pessoas, a viver em união de facto, fiquem isentas da condição de parentesco exigida para casos de doação de órgãos.

Nestas circunstâncias, e porque a lei permite que as pessoas se casem com dezasseis anos de idade, que ainda assim se mantêm menores, a que acresce o facto de essas situações terem valorações diferentes que só em caso concreto poderão ser apreciadas, a Comissão preconiza que, quando houver valores que possam parecer duvidosos aos olhos da comunidade em que nos inserimos, e para a qual se destina esta lei, se possa dar a uma entidade a capacidade de aferir da realidade de uma concreta situação.

Em situações-limite, nós entendemos que seria melhor que a análise do caso concreto fosse feita por uma entidade imparcial e isenta. Pensámos não haver ninguém melhor do que um juíz, pela forma como experimentam a vida e conhecem os homens. Recorrendo às perícias que acharem convenientes, poderiam estar em melhor posição para avaliar essas situações.

Nesta lei, não existe qualquer disposição que permita ou estimule a doação de um órgão por parte de um menor.

Se os colegas tiverem a paciência de lerem alguns casos que citámos no parecer, e reflectirem sobre eles, saberão o que é que nos moveu para encontrarmos esta solução.

Penso que já disse tudo e não devo acrescentar mais nada.

Não quero ser avisado de que excedi o meu tempo regulamentar.

Estou à disposição dos colegas para continuar a discussão.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra, o Sr. Deputado Rui Afonso.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Não sei se o Sr. Deputado ouviu a minha intervenção, na íntegra.

Relativamente à situação do n.º 2, deve ser o Tribunal a decidir se a "relação especial" é "atendível" ou não.

Parece ser também essa a resposta do Sr. Deputado.

O juíz, de acordo com a situação em concreto, com os factos que sejam produzidos, deve dizer se a situação é atendível ou não.

A minha preocupação, relativamente a esta questão, não é a bondade do preceito, é aquilo que, com base neste preceito, pode levar a situações de fraude. Fundamentalmente, situações em que estejam envolvidas pessoas com dificuldades económicas, em que um empregado doa um seu órgão ao patrão porque ele foi sempre um patrão muito bom para ele.

O texto original contemplava um limite material de uma relação de parentesco até ao terceiro grau. Esta versão refere "relações especiais atendíveis", e é esta atendibilidade a aferir, que levanta a questão. Quem deve aferir desta atendibilidade? Os médicos? Quem dá e quem recebe?

No fundo, saber se, nesta situações, deve vigorar o regime que se propõe para o n.º 3 do artigo 6.º, ou seja, que haja uma autorização judicial.

A Sr.ª Presidente: Seria mais fácil ao Sr. Deputado, aceitar uma situação em que, nos casos de parentesco até ao terceiro grau, a atendibilidade seria automática, e nos outros casos, a atendibilidade seria aferida por intervenção judicial. É esta a opinião do Sr. Deputado?

O Sr. Deputado Rui Afonso: É sim, Sr.ª Presidente.

Creio que vai ao encontro do que disse o Sr. Deputado Neto Valente.

A Sr.ª Presidente: Como diz o Sr. Deputado Neto Valente, esta matéria contempla muitas situações-limite, e nós temos de nos assumir, sem o querer, como julgadores.

Repugnaria à Comissão, uma divisão deste n.º 2, nos termos que o Sr. Deputado Rui Afonso propôs?

Admitir que em determinadas relações, a dádiva seja mais rápida, e noutras, as relações especiais atendíveis, ela esteja sujeita a um particular controlo, de forma a impedir situações de maior dubiedade?

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Quando vi a proposta de lei, preocupei-me em saber até que ponto ela iria facilitar e estimular as dádivas, ou dificultá-las.

Partimos de uma proposta extremamente generosa, que é a lei portuguesa, onde o regime funciona de um modo inverso, em que, quem não se manifestar contra a dádiva, se torna dador.

Invertemos esta posição, porque pensamos ter a sensibilidade suficiente para saber que existem aqui factores culturais a ter em conta, e que, na comunidade local, esta forma de forçar a dádiva não seria aceitável.

Nós invertemos esta situação, e, em princípio, só é dador, quem manifestar a disponibilidade para doar, mas...

O Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça: A proposta já invertia, Sr. Deputado. Não foi a Comissão que a inverteu.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Sim, sim, Sr. Secretário-Adjunto. Quando refiro nós, refiro o Executivo de Macau.

Muito obrigado, Sr. Secretário-Adjunto.

Partindo deste pressuposto, a dificuldade está em ver como é que, com um diploma tão limitativo, e que parte de um texto inverso, as pessoas vão disponibilizar-se para doar. Por essa razão, a Comissão diz no parecer que é difícil conceber que este diploma venha a ter algum sucesso prático, se não se fizerem campanhas de sensibilização, se não se tentar vencer a resistência cultural que conhecemos a esta questão.

A partir disto, pareceu-nos que tudo o que pudesse ser feito para estimular e permitir, seria melhor, daí a abertura neste preceito, da relação atendível.

Todo este trabalho não é fácil, envolve tanto trabalho, papel e respon-sabilidade, que eu não sei se todos os médicos estarão dispostos a entrar nesta aventura. Quando um médico se dispõe a fazer uma transplantação, vai ter de se munir de documentação mínima suficiente, e que não será tão simples quanto isso, para se assegurar de que lhe não irão pedir responsabilidades no futuro.

O estabelecimento hospitalar vai ter de garantir a responsabilidade civil, pelos danos que causar a doentes, no caso da operação correr mal, e poderá transferir essa responsabilidade para uma seguradora, se encontrar uma que aceite o risco. O nosso colega deputado, especialista em matéria de seguros, disse-nos o que nós confirmámos por consulta directa às seguradoras, é difícil arranjar cobertura para este tipo de risco.

Além de tudo isto, o médico tem que fazer um relatório pormenorizado e detalhado sobre a colheita e o modo de execução da operação. Qualquer médico conhece estes procedimentos, após a operação, no protocolo pós-operatório, mas quando falamos em transplantações, a situação complica-se.

Se as pessoas ficarem com a sensação de que isto é um risco, uma aventura, e que só pode dar problemas, então elas vão-se afastar dessas situações.

Pessoalmente, não tenho medo de que seja um médico a dizer se é ou não de autorizar a operação, entre pessoas que estão lúcidas, no seu perfeito juízo e com capacidade de entendimento. Podendo assim compreender o que está no artigo 7.º, o médico deve procurar certificar-se de que o dador e o receptor entenderam os efeitos dos actos.

Quem tem por fácil a aproximação de um de nós a um amigo, oferecendo-se para lhe doar um órgão? Não é fácil. Já é difícil obter um consentimento esclarecido de um dador, para se disponibilizar a dar um órgão não-regenerável.

O receptor estará numa posição mais predisposta ao consentimento, já que se trata da vida dele que está em risco.

Se os médicos transmitirem aos potenciais dadores um quadro pintado com cores muito carregadas, o mais certo é que as pessoas se sintam desencorajadas!

Quando falamos num consentimento esclarecido, queremos que a pessoa saiba o que está a fazer. Quando um médico disser a uma pessoa que ela vai dar o órgão, e que pode morrer a seguir, ou sofrer de doenças horríveis, então não vejo que ela se disponha a isso. Será muito difícil!

Desde que os médicos cumpram o que aqui está disposto, não haverá mal nenhum em se deixar estar como está. Não vejo porque é que havemos de exigir uma relação de parentesco. Tomara eu que muitas pessoas não relacionadas entre si se dispusessem a aceder a disponibilizar um dos seus órgãos.

Não existe país algum que se possa gabar de ter um banco de órgãos suficientemente dotado para responder às solicitações dos seus doentes. Todos os países, com legislação deste tipo, se queixam de falta de órgãos.

Era isto que eu tinha para dizer.

Muito obrigado.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Sr.ª Presidente, para ultrapassarmos esta questão, talvez fosse melhor eu apresentar uma proposta concreta.

A Sr.ª Presidente: Exactamente, Sr. Deputado, era isso que eu lhe ia pedir.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Nesse caso, propunha que se repusesse a situação inicial do artigo, que diz: "É admitida a dádiva de órgãos ou substâncias não regeneráveis, quando houver, entre o doador e o receptor, relação de parentesco até ao 3.º grau, ou, quando exista, entre o doador e o receptor, uma relação especial atendível, com autorização judicial". Trataríamos depois da redacção. A proposta visa separar as duas situações, em que, uma não necessita da intervenção do tribunal, e a outra necessita de autorização judicial.

Não me vou alongar mais com os meus motivos, dizendo apenas que existem preocupações com esta proposta.

A Sr.ª Presidente: Muito bem.

Esta é a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Rui Afonso.

Dou a palavra ao Sr. Deputado Leong Heng Teng.

O Sr. Deputado Leong Heng Teng: Muito obrigado, Sr.ª Presidente.

Sr. Secretário-Adjunto.

Caros colegas.

O Sr. Deputado Rui Afonso mencionou o parentesco até ao terceiro grau, a Comissão fala em relações especiais atendíveis. Quem vai decidir? Quais os critérios de definição de uma relação especial atendível? O texto é muito flexível.

Além disso, no artigo 8.º fala-se numa capacidade para entender e manifestar o consentimento. Os menores não têm capacidade de entendimento e não podem manifestar o seu consentimento. O texto geral fala em 14 anos de idade como mínimo, e isto já é um critério.

Depois, surge a dificuldade em definir e avaliar se os menores com mais de catorze anos têm ou não capacidade de entendimento e se estão ou não aptos a dar o seu consentimento.

Na altura da discussão na especialidade, não tive oportunidade de participar na reunião, mas gostaria de obter mais elementos sobre este particular.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presideante: Muito obrigado, Sr. Deputado.

Eu não leio chinês, mas esta matéria parece-me estar bem clara no parecer, a que se acrescentou agora a esclarecedora intervenção do Sr. Deputado Jorge Neto Valente.

O Sr. Deputado, presidente da Comissão, explicou o que a Comissão entende por relações especiais atendíveis, expressão que pretende abarcar uma série de situações, que devem ser atendíveis, mas que ultrapassam os laços de parentesco. Muitas vezes, relações de amizade suplantam as relações de parentesco.

Mais adiante, em relação ao limite dos catorze anos do doador, é este o limite da proposta do Executivo. No entanto, a Comissão entendeu que era preferível não colocar qualquer limite de idade. Não é estranha a ninguém, a existência de crianças, menores de catorze anos, com maturidade suficiente para tomarem uma decisão desta natureza. A Comissão quer acautelar esses casos.

Todas estas soluções foram ponderadas durante muito tempo.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente quer acrescentar alguma coisa...

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Referiria dois ou três aspectos, para tornar mais claras algumas situações.

É claro que neste caso que o Sr. Deputado citou, de o consentimento poder ser prestado pelos progenitores, subsiste uma reserva - se houver desacordo entre os progenitores, a questão tem de ir a tribunal. Pensou-se na situação em termos de os pais poderem consentir numa operação demasiado arriscada, de um filho em relação a outro. Podemos perguntar se haverá pais maus, que possam não ter em devida conta os interesses dos filhos. Serão alguns pais dignos de dar o seu consentimento num caso destes? Tudo é possível, mas as leis não têm em vista estas situações excepcionais, são feitas a contar com a normalidade, e a normalidade é que os pais são quem melhor toma conta dos filhos. Essa é a regra geral.

Tudo isto não quer dizer que não haja pais indignos, ou incapazes de tomar conta dos filhos.

A figura do tutor aparece na ausência do pai e da mãe, ou quando estes não têm o poder paternal sobre os filhos. Esta perda do poder paternal acontece quando há maus tratos e incapacidade de tratar das crianças. O Ministério Público, ao tomar conhecimento de uma situação destas, promove, junto do tribunal, a retirada do poder paternal aos pais, e a entrega dos filhos ao cuidado de um tutor, que pode ou não ser um parente.

Normalmente, se o pai e a mãe estiverem de acordo, a probabilidade de estarem a ser acautelados os interesses dos filhos é muito grande, não se podendo excluir, como é óbvio, situações contrárias à regra.

Não havendo esse acordo, passamos para o fim do preceito que diz que se houver desacordo entre os progenitores, o consentimento depende, ainda, de autorização judicial.

No caso do tutor, ele assume a responsabilidade que caberia aos progenitores.

Havendo um só progenitor vivo, paciência, será o próprio, sozinho, a consentir ou não.

São estas as situações que mais poderão surgir.

Existe uma pequena diferença entre o n.º 2 e o n.º 3, que se pode pôr em causa, e também nós tivemos aqui algumas dúvidas, que foi a não oposição do menor e o expresso consentimento. Uma coisa é dizer "não me importo", e outra é dizer, eu quero! Sabemos que um menor é mais influenciável que um adulto, assim como há adultos que são mais fáceis de levar do que outros. As crianças têm um sentido de solidariedade maior, são mais vulneráveis a induções, a orientações que se lhes queiram dar.

O normal é que isto seja assim. Não podemos, porém, colocar uma idade limite, não só porque existem jovens génios que, com treze anos, tiram o curso de medicina, mas ainda porque, outras crianças menores de treze anos, sem serem génios, têm ainda assim a capacidade e discernimento para opinarem nestas questões. Quem se atreverá a barrar uma doação de uma criança destas, quando ela a quer fazer?

Tratam-se de excepções à regra, como excepções são as daqueles adultos, com quarenta anos, que se portam pior do que meninos da escola. As leis são feitas para a normalidade, têm um carácter geral e abstracto

Se quiserem discutir esta questão da não oposição e do consentimento expresso, não veria nisso impedimento, admito que é uma zona muito cinzenta, sem que se distinga uma opinião absolutamente definida. Não nos repugna optar por um dos termos, mas faz-nos alguma confusão discutir um limite de idade. Preferia que, à semelhança do que diz o Código Civil com que tão bem temos vivido, os menores possam praticar, validamente, os actos para os quais tenham capacidade de entendimento.

Permitam-me um exemplo conhecido por todos os colegas juristas, mas provavelmente desconhecido dos outros: no Código Civil existe uma regra que diz que só os maiores de idade podem praticar actos válidos. Em rigor, isso significa que se eu pedir a um menor para ir comprar um maço de cigarros, ele pode não ter capacidade para comprar um maço de cigarros. Nós sabemos que na vida, isto não se passa assim. Sabemos que menores de dezoito anos fazem habilidades com o dinheiro que muitos de nós nem sonhamos. Hoje em dia, as necessidades da vida e a prática corrente fazem com que os menores atinjam uma capacidade de entendimento, mais cedo, nem sempre usada da forma mais positiva.

Se regressássemos ao princípio de que só a maioridade permite a execução de contratos válidos, teríamos de considerar que nenhum dos actos em discussão seria válido, o que só causaria perturbação.

Resumindo, preconizo que se mantenha a aferição destas situações pela capacidade de entendimento, embora a matéria pudesse parecer mais clara pela fixação de limites.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Penso que esta questão já foi bastante discutida.

Na Mesa está uma proposta do Sr. Deputado Rui Afonso, para o n.º 2 do artigo 6.º, que diz ser admitida a dádiva de órgãos, ou substâncias não regeneráveis, quando houver, entre o dador e o receptor, relação de parentesco, até ao 3.º grau, ou, relação especial atendível, mediante autorização judicial.

O Plenário está esclarecido?

Os Srs. Deputados que aprovarem esta proposta, façam favor de levantar o braço. Oito votos a favor.

Não recolheu os dezasseis votos necessários, pelo que permanece a proposta votada na Comissão.

Passamos ao artigo 7.º, e peço ao Sr. Deputado Rui Afonso que apresente as suas dúvidas ao Plenário.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Relativamente ao artigo 7.º, eu tenho objecções de redacção.

Os riscos são possíveis e as operações são de colheita, pelo que eu julgo que após a palavra "transplantações", deve vir a expressão, "e das eventuais consequências psicológicas.

No artigo 8.º, a questão é de redacção na última alínea do n.º1, quanto à expressão, "não permitirem".

Relativamente ao n.º 2 e n.º 3, gostava de saber como é que esses dois preceitos jogam. Se o menor tiver capacidade de entendimento e manifestação de vontade, a concordância tem de ser expressa. Se não tiver capacidade de entendimento e manifestação de vontade, resta-lhe não se opor. É esta a situação aqui?

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Dá-me licença, Sr.ª Presidente?...

A Sr.ª Presidente: Queria apenas dizer ao Sr. Deputado Ng Kuok Cheong que seria melhor não intervir agora, de contrário não estaríamos a respeitar a ordem de discussão. Pedia-lhe que deixasse o presidente da Comissão esclarecer este ponto.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Muito obrigado, Sr. Deputado Ng Kuok Cheong.

Relativamente a este aspecto, queria dizer que o menor pode ser o mesmo. Uma coisa é não se opôr, e outra coisa é aderir à ideia.

A ideia aqui subjacente, e porventura mal expressa, é a que corre da suposição de que os progenitores explicam ao menor que ele tem o irmão muito mal, só podendo salvar-se por uma doação da sua parte, e apesar de todas as pressões, não o conseguem demover da sua recusa. Será que, não conseguindo os pais convencê-lo, ele não tem capacidade de dizer não? A ideia é a de respeitar esta tomada de posição negativa, assim como a positiva.

No n.º 3, vamos mais longe. Se o menor tem capacidade de entender perfeitamente o que se passa, então, deve confirmar que pretende doar um órgão. Trata-se, aqui, de uma manifestação expressa de um menor que, reconhe-cidamente, atingiu a suficiente maturidade para decidir como acha que deve fazer.

Se ficarmos com um só termo deste binómio, qual devemos adoptar? E qual o valor a dar à decisão de uma criança de cinco anos que opina sobre uma doação em que estiver envolvida?

Tenho muito respeito e consideração pela vontade de quem já mostra, em sua curta existência, capacidade de se afirmar, de algum modo, influenciar o mundo que o rodeia. Essa é a circunstância que me merece o maior respeito. O resto quase vem por acréscimo.

Tenho relutância em dizer que não vale a pena perder tempo a ouvir a opinião de um menor, muito menos, de uma criança pequena, que não sabe bem o que quer.

Penso que, na generalidade dos casos, não haverá complicações para chegar a uma solução, mas a preocupação existe, e está aqui expressa.

A Sr.ª Presidente: Vou dar a palavra ao Sr. Deputado Ng Kuok Cheong.

O Sr. Deputado Ng Kuok Cheong: Muito obrigado.

O texto diz que, se um menor não tem capacidade de entendimento e manifestação de vontade, então não deve ser feita qualquer colheita de órgãos. Apesar de se tratar, na maior parte das vezes, de procedimentos salvadores, e de boa índole, devemos adoptar o princípio de que estas pessoas não têm condições para doar um órgão, não havendo lugar a qualquer tutela superior de consentimento.

Como é que vamos determinar se as pessoas têm ou não a capacidade de entendimento?

Pretendo apenas salvaguardar os direitos dos menores que não têm consciência para tomar este tipo de decisões.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra, o Sr. Vice-Presidente.

O Sr. Deputado Ho Hau Wah: Sr.ª Presidente.

Sr. Secretário-Adjunto.

Caros colegas.

Concordo com as palavras do Sr. Deputado Ng Kuok Cheong.

Nesta questão de doação de órgãos, o que interessa é que, a pessoa que doa, tenha um perfeito entendimento do que vai fazer, e das consequências, boas e más, que disso advier à sua integridade pessoal. A necessidade de consentimento por parte dos pais ou tutor prefigura uma protecção extemporânea, que nem sempre faz sentido.

Se a capacidade de entendimento de um menor não é suficiente para se expressar, acho que não devemos colocar essa responsabilidade nas mãos dos pais, evitando-se o risco de influenciamento moral do menor. Ainda que tenha a capacidade de entendimento e de expressão, mas porque ainda não atingiu a maioridade, mesmo assim, o menor precisa do consentimento dos pais.

Acho que devemos ter atenção a estes aspectos.

Muito obrigado, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: Penso que todos os Srs. Deputados já receberam a proposta de alteração do Sr. Deputado Ng Kuok Cheong.

Alguns deputados pediram-me que fizesse um pequeno intervalo, para descansar um pouco.

Interrompo os trabalhos por dez minutos, mas, logo a seguir, poderíamos já votar esta matéria.

Estão interrompidos os trabalhos por dez minutos.

(A reunião foi interrompida por dez minutos)

A Sr.ª Presidente: Está reaberta a reunião.

O compasso de espera deve-se ao facto de o Sr. Deputado Ng Kuok Cheong ter entregue uma proposta de alteração do n.º 2 do artigo 8.º, em substituição da proposta que temos estado a discutir. Estou à espera da tradução, que deve estar a chegar.

Entretanto, dou a palavra ao Sr. Deputado Jorge Neto Valente.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Muito obrigado.

Queria lembrar que neste diploma, e conforme já aprovámos antes, se os tecidos não forem regeneráveis, é sempre preciso autorização do Tribunal.

Estamos agora aqui a ocuparmo-nos especificamente de substâncias regeneráveis, e permito-me citar o caso de dois irmãos, com três e seis anos, um deles com leucemia, havendo possibilidade de salvação apenas com um transplante de medula óssea do mais novo para o mais velho. É ou não de autorizar? Será repugnante pedir a um irmão que ele doe, por forma a salvar um irmão ou irmã? Acho que não.

Conheço pessoalmente um caso de um jovem macaense de dezoito que, em Londres, recebeu um transplante de medula óssea da irmã mais nova, tendo sido salvo pela transplantação.

Penso que isto satisfaz as preocupações mais exigentes, com todo o respeito pelas outras opiniões.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Penso que o pensamento do Sr. Deputado Ng Kuok Cheong se alterou durante o intervalo, em que estivemos a conversar.

Existem preocupações muito complexas, muito melindrosas, subjacentes a estes problemas. Não se deseja a ninguém a situação dos pais que têm de tomar uma decisão desta natureza. Quando elas ocorrem, ninguém faz verdadeiramente ideia, da angústia, da incerteza, da infelicidade destes momentos que aniquilam o coração de um pai ou mãe. Quando a doação é de pai para filho, a situação será menos penosa, do que a de filho para o progenitor ou de irmão para irmão.

A lei não deve fechar a porta a estes casos. Ao longo da vida, todos vamos conhecendo problemas destes, em que o pai doa ao filho e vice-versa. Quem somos nós para fecharmos a única porta aberta para tentar resolver estes dramas?

Estou convencida de que o Plenário terá sensibilidade suficiente para deixar que os pais, nestas circunstâncias, sejam os julgadores, e concerteza não julgarão mal.

Tem a palavra, o Sr. Deputado Chui Sai On.

O Sr. Deputado Chui Sai On: Srª Presidente.

Sr. Secretário-Adjunto.

Caros colegas.

Na versão apresentada pela Comissão, notei várias alterações para melhor, em relação ao texto original.

É natural que o pessoal dos centros hospitalares onde decorrem estes procedimentos, faça exames pormenorizados, de forma a proteger a integridade física do dador e do receptor, verificando ainda o processo de recuperação. Concordo que se respeite a vontade do menor, quando tiver havido lugar a pressões.

De resto, concordo com o ponto de vista da Comissão.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: A proposta do Sr. Deputado Ng Kuok Cheong está traduzida, está a ser reproduzida. Para adiantar os trabalhos, vou ler a proposta: "Tratando-se de dador menor, quando o mesmo reúne capacidade de entendimento e de manifestação de vontade, e manifestar expressamente a sua concordância, ou no caso de se tratar de familiares até ao 3.º grau, se proceder à transplantação de medula óssea, mas quando o mesmo não reúne capacidade de entendimento e de manifestação de vontade, sem, contudo, se opôr, o consen-timento é prestado pelos progenitores ou pelo tutor, quando os progenitores se encontrem inibidos do exercício do poder paternal. Havendo desacordo entre os progenitores, o consentimento depende ainda de autorização judicial".

Se esta proposta fôr aceite, eliminar-se-á o n.º 3 do artigo 8.º.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Queria pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Ng Kuok Cheong.

Sei que a família chinesa, como as outras, tem sofrido evoluções, mas permanece uma relação com particular relevância no seu seio, a dos primos-irmãos.

Acho que esta situação deveria ser valorada, mas com esta proposta, que refere o parentesco até ao terceiro grau, o caso dos primos-irmãos fica de fora. Não sei se era esta a intenção do Sr. Deputado.

A Sr.ª Presidente: Se o Sr. Deputado me permite, gostaria de prestar um esclarecimento.

Na comunidade chinesa, existe o caso dos primos-irmãos, que usam o mesmo apelido. Os chineses valorizam muito a perpetuação do apelido.

A proposta do Sr. Deputado já está a ser distribuída, pedindo aos Srs. Deputados que a analisem, para podermos votar.

Tem a palavra, o Sr. Deputado Ng Kuok Cheong.

O Sr. Deputado Ng Kuok Cheong: Acrescentei essa parte à proposta porque ponderei que o transplante de medula óssea entre parentes próximos é frequente, e, muitas vezes, a última hipótese.

Temos de ser prudentes e salvaguardar os interesses de quem está envolvido.

Haverá maior taxa de sucesso quando os transplantes são realizados entre parentes próximos, reduzindo-se à medida que o grau de parentesco é mais remoto.

A minha proposta não tem nada a ver com relações sociais, apenas com questões médicas e de saúde, tentando não comprometer a integridade física dos sujeitos em causa.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigado, Sr. Deputado.

Acho que podemos passar à votação.

Faça favor, Sr. Vice-Presidente.

O Sr. Deputado Ho Hau Wah: Muito obrigado.

Acho que o Sr. Deputado Ng Kuok Cheong é bastante pragmático no que diz respeito à transplantação de medula óssea. Porém, o problema fundamental neste tipo de transplantações é o da compatibilidade entre dador e receptor. Sendo mais fácil encontrar um dador compatível num parente mais próximo, constata-se, todavia, que parte das doações são feitas por outras pessoas.

Decorre daí que eu ache que não seja de excluir a hipótese de doação por parte de parentes mais afastados.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Não queria fazer uma lei para a medula óssea, outra para as córneas, outra para o fígado e outra para os rins.

O progresso da medicina é evidente, hoje já existem formas de controlar muitos fenómenos de rejeição, e portanto, espero que no futuro, seja possível fazer transplantações de outros órgãos, além das dos conhecidos. Não devemos fazer uma lei que se adapte apenas aos conhecimentos de hoje, mas sim, uma lei prospectiva, para o futuro, e também em relação ao futuro da medicina. Temos de construir um quadro que proiba a realização de actos errados, mas que não se coloque no caminho do progresso e do avanço científico. Que não seja necessário, sempre que há um progresso na medicina, alterar ou criar uma lei.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: O Plenário está esclarecido, pelo que podemos passar à votação.

Vai-se votar a proposta de substituição do n.º 3 do artigo 8.º, apresentada pelo Sr. Deputado Ng Kuok Cheong.

Os Srs. Deputados que aprovarem a proposta, fazem favor de levantar o braço. Um voto a favor.

Os Srs. Deputados que discordarem, queiram manifestá-lo. Nenhum voto de discordância.

Os restantes votos foram de abstenção.

A proposta não obteve aprovação, continuando a prevalecer a proposta da Comissão.

Vamos prosseguir, apreciando agora o artigo 9.º.

Trata-se ainda de um dos artigos requeridos para discussão e votação individual, pelo Sr. Deputado Rui Afonso.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Srª Presidente, se me desse licença, eu faria uma série de observações que tenho, relativamente a vários artigos. Deste modo poupo trabalho à Comissão e consigo articular algumas dúvidas.

A Sr.ª Presidente: Muito bem.

Tem a palavra, o Sr. Deputado Rui Afonso.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Relativamente ao artigo nono, direito à assistência médica e indemnização, coloco uma questão sobre o n.º 3.

Já aqui foi dito que o sector segurador do Território não prevê qualquer seguro para esta matéria. Não se deveria fazer depender a emissão de autorização para os estabelecimentos hospitalares realizarem este tipo de intervenção, de um prévio seguro?

Os seguros são negociáveis, só que dependem das condições, que envolvem, principalmente, problemas de prémios. Se as seguradoras estiverem convencidas de que um estabelecimento hospitalar reúne todas as condições para realizar estas operações, não deixarão de negociar um seguro, mais ou menos oneroso para o hospital. Mas é um tipo de seguro que existe, e está disponível. Só não existe no nosso mercado porque a questão nunca se colocou.

Este tipo de actividade pode realizar-se em dois estabelecimentos hospitalares, o Hospital Kiang Wu, e o Centro Hospitalar Conde S. Januário. Se não tenho dúvidas, quanto ao Conde S. Januário, de que, quem tiver sido lesado, poderá recorrer a um eventual seguro que tenha feito ou, pura e simplesmente, fazer valer os seus direitos, o mesmo não acontece em relação ao Kiang Wu, que sempre se queixa de não ter fundos, e em relação ao qual, no caso de se ver perante uma acção de indemnização por perdas e danos, interrogo-me se terá capacidade de, devidamente, indemnizar quem seja lesado num procedimento destes. Neste número, gostava de saber se não se poderia substituir a palavra "pode" por "deve", na expressão "pode transferi-la para a entidade seguradora que o aceite".

Relativamente ao artigo 10.º, há um acrescento neste artigo que, de um ponto de vista da proposta inicial, é bastante revolucionário. Trata-se da faculdade que se dá aos familiares do falecido, mesmo quando não se conhece a sua vontade quanto à doação de órgãos, de decidirem qual o destino a dar aos mesmos órgãos. Compreendo as razões de princípio da Comissão para que isto seja assim, mas gostaria de saber qual a opinião do Plenário, quanto a este ponto.

Quanto à Comissão de Ética para as Ciências da Vida, percebo que a Comissão não queira endossar todas as responsabilidades para as autoridades de saúde pública do Território, dando uma palavra à classe médica. No entanto, as atribuições e competências desta nova comissão não podem ser definidas por portaria, têm de ser definidas por uma lei. Sugeria que se deixasse isto para decreto-lei do Sr. Governador, não dando azo a futuras interrogações sobre a legalidade da legislação.

No que diz respeito à morte cerebral, existe o Decreto-Lei n.º 9/94/M, de 31 de Janeiro, que trata com esta questão e que diz no seu artigo 5.º que a verificação do óbito cabe aos médicos, nos termos da lei. Que lei é essa? Não encontrei nenhuma lei que tenha a ver com isto.

No artigo 14.º, e mais à frente no artigo 15.º, pressupõe-se que seja o director hospitalar a escolher as equipas médicas, ao invés dos directores clínicos, à semelhança do que acontece em Portugal. Ora, os directores de hospitais não são necessariamente médicos, por isso, não se deveria fazer intervir o director clínico ou quem tenha a responsabilidade clínica da situação?

Nesta leva de questões, acrescentava uma outra, de pormenor, que poderá salvaguardar quem intervenha nesta matéria. No artigo 15º, quando se refere o auto de execução de colheita, dever-se-á fazer referência ao consentimento à colheita ou a falta de oposição, nos termos dos artigos já aprovados.

São estas as observações que gostaria de levantar para já.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigado, Sr. Deputado.

Pedia a um dos membros da Comissão que queira esclarecer estas questões, que o faça.

Dou a palavra ao Sr. Deputado Vitor Ng.

O Sr. Deputado Vitor Ng: Gostaria de, no âmbito do n.º 3 do artigo 9.º, saber se as entidades seguradoras que operam no Território, operam este tipo de seguro.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Dou a palavra a alguém da Comissão que queira tratar destas questões aqui levantadas.

Esclarecia que a Comissão de Ética que funciona em Portugal, foi criada por lei da Assembleia da República.

Tem a palavra, o Sr. Deputado Félix Pontes.

O Sr. Deputado Félix Pontes: Sr.ª Presidente.

Srs. Secretários-Adjuntos.

Caros colegas.

Relativamente à questão do seguro, a opção que é apresentada é a melhor.

Em primeiro lugar, temos um universo de dois hospitais, eventualmente, no futuro, três. Quando se quis fazer o seguro de responsabilidade civil profissional para os operadores turísticos, houve grande dificuldade de aceitação por parte das seguradoras. Elas queriam fazer o seguro, mas surgiu o problema do resseguro que elas têm de fazer junto de companhias de seguros profissionais e internacionais. Esta transferência de riscos, o resseguro, tem vindo, nos últimos anos, a impor condições muito restritas, em termos da aceitação. O que aconteceria era que as seguradoras de cá não fariam os seguros, e os hospitais iriam pedir a cobertura a seguradoras que imporiam prémios incomportáveis.

Em segundo lugar, se quisermos um seguro obrigatório, teremos de pensar nos limites de indemnização. Hoje em dia, este tipo de seguro não é fácil, pelo que a solução preconizada está correcta, em vez do dever de transferir, permanece a faculdade de transferir.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Dá-me licença?

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra, o Sr. Deputado Rui Afonso.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Eu fico um tanto perplexo com a explicação que o colega nos dá.

Se nos diz que não há seguradoras que façam este seguro, mas que podemos escrever, na mesma, que pode haver transferência de responsabilidades, então estamos a remeter isto para coisa nenhuma.

Se já sabemos que as seguradoras não vão fazer seguro algum, para que é que serve esta disposição? Podemos, mas não conseguimos? Talvez fosse melhor pensar num esquema alternativo, em que esta responsabilidade seja endossada. Tem de haver protecção aos pacientes que, eventualmente, sofram danos decorrentes de todo este processo. Noutros sistemas jurídicos é o próprio Estado a assumir a ficar sub-rogado, quando o particular não conseguiu protecção junto do sector privado. Não devemos também pensar na sub-rogação? Estes riscos têm de ser cobertos por alguma entidade. A minha sugestão é de que se pense seriamente em esquemas sucedâneos a criar, para que este preceito não se torne letra morta.

A Sr.ª Presidente: Eu compreendo a preocupação do Sr. Deputado Rui Afonso.

De facto, o estabelecimento hospitalar onde é efectuada a colheita e transplantação, é sempre passivel de agravo, em caso de insucesso, pelo ónus da responsabilidade, mas pode sempre responder que não tem condições, ou possibilidades de suportar a indemnização. Aí, talvez a lei devesse ser mais clara, no sentido de criar um mecanismo qualquer de defesa das pessoas envolvidas.

Tem a palavra, o Sr. Deputado Félix Pontes.

O Sr. Deputado Félix Pontes: Tenho pena que a minha explicação tenha colocado o colega numa situação de perplexidade.

Quando falei nos prémios incomportáveis, estava a falar do que conheço, mas pode ser que se consiga. Têm sido feitos seguros, noutros mercados.

A sugestão de esquemas alternativos tem de ser remetida ao Executivo. Neste momento, a única alternativa que vejo é a criação de fundos, à semelhança do que acontece em Hong Kong, no respeitante a agências de viagens.

Normalmente, existem três caminhos: o risco é assumido pelos estabelecimentos hospitalares; o risco é assumido por seguradoras que têm este tipo de seguro, ou então, o risco é assumido pelo Estado, através da criação de fundos.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra, o Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça.

O Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça: Penso que haverá que se encontrar uma solução alternativa para esta situação.

Todos sabemos que é uma actividade de alto risco, e sempre que isto é assim, surgem situações de seguro obrigatório.

O Território assume sempre a responsabilidade civil extra-contratual por actos lícitos. Qualquer indivíduo, ou familiar, que esteja numa situação em que o dador tenha de ser indemnizado, propõe no tribunal competente, uma acção de responsabilidade civil extra-contratual por acto lícito, de modo a ser indemnizado. Esta responsabilidade está garantida.

Nesta situações, o legislador pretende o reforço dessa garantia indemnizatória, e isso é feito através da imposição de um seguro obrigatório.

O que não pode acontecer é a impossibilidade legal das seguradoras fazerem esse seguro.

A Assembleia é que tem de avaliar se este é um caso que necessite da imposição de um seguro obrigatório, ou não, como propunha a Comissão, permitindo a transferência de responsabilidades em termos contratuais a estabelecer.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: A Comissão quer esclarecer algo?

Tem a palavra, o Sr. Deputado Vitor Ng.

O Sr. Deputado Vitor Ng: Muito obrigado.

O Sr. Secretário-Adjunto afirmou que é lícito pensar num seguro obrigatório, ou pelo menos, é uma hipótese viável.

Se hoje aprovarmos este artigo, sem a base para o seguro obrigatório, então, o artigo 9.º, que fala da indemnização, perde parte da sua utilidade prática.

O seguro obrigatório é bom, mas como é que vai ser executado? Não creio que consigamos atingir esse objectivo, a curto ou médio prazo.

Não sei se o Sr. Deputado Félix Pontes tem alguma coisa a dizer sobre isto.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente:Tem a palavra, Sr. Deputado Félix Pontes.

O Sr. Deputado Félix Pontes: Da minha parte não tenho mais nada acrescentar.

A imposição do seguro obrigatório não terá grande exequibilidade, mas de qualquer forma, não se pode comparar esta situação ao seguro automóvel, já que, existem mais de sessenta mil automóveis, pelo que o risco pode ser dispersado. Neste tipo de responsabilidade civil, para tornarmos o seguro obrigatório, teremos grandes implicações.

A Sr.ª Presidente:Pergunto se existe alguma proposta de alteração do articulado que temos estado a apreciar.

Entretanto, tem a palavra, o Sr. Deputado Tong Chi Kin.

O Sr. Deputado Tong Chi Kin: Muito obrigado.

O Executivo apresentou uma proposta de lei, onde se prevê o seguro obrigatório.

De acordo com a comissão, a responsabilidade cabe ao hospital, que, por sua vez, pode transferir essa responsabilidade para uma entidade seguradora. Eu acho que se trata de uma solução viável. O hospital tem de assumir essa responsabilidade, garantindo o dador e o receptor.

No entanto, e visto que esta questão envolve outras bem mais complicadas, eu aceito a proposta da Comissão.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra, o Sr. Deputado Vitor Ng.

O Sr. Deputado Vitor Ng: Muito obrigado.

Caso não haja uma base para a existência do seguro obrigatório, e seja o hospital a ter de assumir essa responsabilidade, talvez não haja qualquer hospital interessado em fazer estas operações.

O Sr. Deputado Félix Pontes: Hoje em dia, em Macau, não se fazem estas operações, mas fazem-se outras. E se algo correr mal, o hospital não pode ser responsabilizado? Eu creio que sim, face à lei geral.

Em relação aos transplantes, a situação é idêntica.

A Sr.ª Presidente: Existe alguma proposta de alteração a este número?

Tem a palavra, o Sr. Deputado Rui Afonso.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Eu percebo que, em termos meramente formais, se transforme o "deve" em "pode.

Creio que o problema da responsabilidade que aqui está em causa é diferente do problema levantado pelo Sr. Deputado Félix Pontes.

Por exemplo, eu sou notário privado, e por isso impuseram-me uma caução de um milhão de patacas. As companhias de seguros também não faziam isso, mas o que é certo é que eu estou caucionado. O que é preciso é que se crie o mercado.

Se não se puser aqui que se deve transferir para a entidade seguradora, o pode não tem efeito algum. Até está lá a mais.

O que está aqui em questão é saber se esta actividade é perigosa, e se é perigosa, deve ou não estar segurada. E os estabelecimentos que não conseguem obter o seguro, devem ou não ser autorizados a realizar estas operações?

Concordo com os colegas que dizem que um estabelecimento hospitalar pode não se meter nesta actividade por receio do risco.

Pergunto à Comissão se entende que, para o caso de o seguro não ser obrigatório, tem sentido este preceito?

A Sr.ª Presidente: Só para esclarecer o Plenário, lembro que a atitude do Executivo nesta proposta de lei, passa pela obrigatoriedade do seguro. Isto acontece, igualmente com a lei de Portugal, que determina dever ser criado um seguro apropriado. Portanto, ele não existe, mas é criado!

Estamos perante uma opção de política legislativa, e o Plenário dirá o que pretende.

Já conhecemos as dificuldades, restando-nos decidir se queremos ou não criar esta obrigatoriedade.

Tem a palavra, o Sr. Deputado António Correia.

O Sr. Deputado António Correia: Muito obrigado.

Sobre esta questão, temos de considerar um pequeno aspecto. Nós podemos preceituar a obrigatoriedade do seguro, mas não o podemos impor às seguradoras.

Por outro lado, num hospital do Governo, parece que não faz sentido existir um seguro, já que o Território é solvente, portanto, e à semelhança do que aconteceu no passado, seria o Território a arcar com os custos derivados de uma eventual indemnização.

Neste sentido, parece-me mais lógica a redacção conforme está, ou seja, o risco deve ser assumido pelas instituições, e se conseguirem um seguro, tanto melhor.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigado.

Tem a palavra, o Sr. Deputado Félix Pontes.

O Sr. Deputado Félix Pontes: Em primeiro lugar, queria dizer que a Autoridade Monetária não foi consultada pelo Executivo, quando se falou nesta questão.

Em segundo lugar, em Portugal estão criados uma série de seguros de responsabilidade civil profissional, que estão na lei, mas depois não conseguem ser efectivados, porque as seguradoras não os querem fazer.

A Sr.ª Presidente: Trata-se de facto de uma opção de política legislativa a tomar por esta Casa.

Acho que esta matéria já está muito debatida.

Relembro que o que está em discussão é o texto debatido e aprovado pela Comissão.

Faça favor, Sr. Deputado Neto Valente.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Não pretendo fazer luz, queria apenas dizer que, em termos de política legislativa, também podemos fazer aqui uma lei a dizer que a Terra passa andar ao contrário. É capaz é de não dar resultado.

Nós vimos a proposta de lei, e surgiu-nos essa questão.

No Território existe um seguro escolar. Se não houvesse esse seguro, seria o Território a assumir essa responsabilidade, mas entendeu-se que era necessário criá-lo.

Nós vimos essa questão do "deve" e do "pode", e contactámos o colega Félix Pontes, especialista em seguros. Perguntámos a três seguradoras se seria possível esse seguro no Território, e todas responderam que não podíamos contar com elas, o que nos foi confirmado pelo nosso colega. A lei tem remédio para isso, quando diz que a Autoridade Monetária pode autorizar seguradoras não registadas no Território, a operar esses seguros.

Coloca-se uma outra questão prática, a de saber a partir de quando se vai fazer esse seguro, uma vez existindo a legislação e os locais para realizar estas operações. Se se fizer um seguro anual, está-se a pagar para realizar uma mão-cheia de operações apenas, pelo menos no princípio.

É muito difícil negociar os termos de um seguro quando não conhecemos as nossas necessidades.

A solução da Comissão não veda qualquer caminho, como não impede os Serviços de Saúde de mandar concretizar o seguro, quando achar necessário.

Quanto à Comissão de Ética, do artigo 12º, pedia ao Sr. Secretário-Adjunto, emérito administrativista, que me dissesse se o Executivo tem alguma relutância em fazer a definição por portaria.

Pensámos nesta Comissão, não só porque não existe Ordem dos Médicos em Macau, mas também porque seria ela a definir alguns critérios, e a reflectir sobre as outras questões da medicina moderna, como o genoma humano. Na altura pareceu-nos possível, o que seria bem mais fácil, mas não temos nada contra fazer-se mais um decreto, que vai aumentar as estatísticas, que é sempre um acontecimento importante.

No que diz respeito à certificação da morte, o problema é que, em todas as legislações analisadas, esta questão é deixada à deontologia médica. Trata-se de uma questão evolutiva, onde os critérios de há dez anos não são os de hoje, que não serão os mesmos daqui a dez anos.

Quanto à questão dos outros elementos relevantes, no artigo 15º, no auto da execução da colheita, penso que cabe a referência ao consentimento e à não oposição. Não quisemos estar a discriminar, para não excluir nada, mas não me oponho a que se especifique mais.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigado, Sr. Deputado.

Estamos a aproximar-nos da hora regimental, de encerramento dos trabalhos.

Se fizermos um pequeno esforço, penso que poderemos terminar os trabalhos sem atrasos. Também pretendo ser breve, e queria apenas informar os Srs. Deputados de que no nosso centro de documentação temos um livro sobre o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que transcreve todo o debate que houve em Portugal sobre este órgão.

A partir de agora, penso que as coisas vão decorrer de forma mais simples, visto que as questões mais polémicas já estão debatidas.

Dou a palavra ao Sr. Secretário-Adjunto Macedo de Almeida.

O Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça: Vou ser quase telegráfico.

Chamaria a atenção da Comissão para que tenha em consideração de o que está previsto no n.º 2 do artigo 9.º ser um caso de responsabilidade objectiva, independentemente de culpa. Isto significa que o seguro é obrigatório é necessário caso a caso, não sendo necessário um seguro anual ou plurianual.

Aceitamos, no n.º 6 do artigo 10.º, o acrescento, mas faço notar que talvez fosse conveniente alterar o termo "familiares", e fazer uso do disposto no artigo 4.º, não deixando esta responsabilidade a qualquer familiar.

Relativamente à Comissão de Ética, compreende-se e justifica-se a criação desta comissão. Depois se verá se através de portaria ou decreto.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigado.

Tem a palavra, o Sr. Secretário-Adjunto Alarcão Troni.

O Sr. Secretário-Adjunto para os Assuntos Sociais Orçamento: Muito obrigado.

Não queria deixar terminar estes trabalhos sem manifestar na sua pessoa, a extrema admiração que este órgão me merece, bem como o empenhamento que porei no trabalho quotidiano, no exercício das funções que agora inicio.

Penso, em consciência, que a Assembleia vai aprovar uma excelente lei, que resultou de um trabalho cuidadoso da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O articulado que têm perante vós corresponde, na minha opinião, a uma melhoria qualitativa face à proposta do Executivo, e é mais perfeito do que a lei portuguesa.

Após a sua aprovação, o Executivo irá regulamentar a lei, e introduzir, progressivamente, as condições logísticas ao efectivo cumprimento da lei.

Finalmente, e se me permitem uma sugestão, pediria que o prazo previsto no n.º 2 do artigo 24.º seja de, pelo menos, cento e vinte dias, permitindo uma reflexão cuidada e ponderada do diploma.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigado, Sr. Secretário-Adjunto pelas simpáticas palavras.

A Comissão subscreve o alargamento do prazo para os 120 dias?

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Não sei se haverá condições técnicas para executar a lei em 90 ou 120 dias, mas não creio que haja qualquer oposição. Eu assumo a concordância da Comissão.

A Sr.ª Presidente: Há uma outra questão que eu gostaria de colocar, e que diz respeito ao regime sancionatório.

Alguns dos artigos que o Sr. Deputado Rui Afonso requereu para votação individual relacionam-se com o regime de acumulação das penas. A própria Comissão esteve a ponderar sobre manter ou não o regime de acumulação. Há penas de prisão e penas de multa, e se entendi bem, a certa altura, a Comissão pensou que não valeria a pena desviarmo-nos da tendência geral do Código Penal para a manutenção das penas de multa e de prisão, não se contemplando um regime cumulativo.

Pedia ao presidente da Comissão que esclarecesse esta matéria.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Muito obrigado.

Diria apenas que a Comissão estudou a técnica adoptada pelo Código Penal, e que tende para a alternativa e não para a acumulação. Considerámos, muito simplesmente, que os dadores são a parte mais fraca, em termos económicos desta relação. Todas as penas mais graves são previstas para pessoas sem qualquer grau de parentesco com o dador, e o que nós queremos é impedir o comércio de órgãos. Pensámos que, na hipótese de comércio de órgãos, o dador é o pobre que não se importa de vender um órgão, e a ele se destinam as multas - que lhe doem mais que a prisão - e o receptor é o que tem dinheiro para comprar um órgão, e a esse dói-lhe mais a prisão.

Atendendo que nesta relação, onde se proíbe a comercialização de órgãos, se pune o que vende e o que compra, seria de grande injustiça aplicar uma multa a quem tem muitas possibilidades de a pagar, e uma multa ou pena de prisão ao dador.

Considerando tudo isto, apresentamos esta solução.

Se os colegas entenderem que este ponto é muito importante, a Comissão nada tem a opôr.

A Sr.ª Presidente: Muito bem.

Tem a palavra, o Sr. Deputado Rui Afonso.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Eu propunha aos colegas que não se aprovasse já o artigo 9.º, porque ainda por cima não vamos acabar já os trabalhos, visto a parte penal não estar formulada. Necessitando de maioria qualificada, da discussão de algumas penas e a sua filosofia, e porque a Comissão aceita que a quadratura das penas seja a do Código Penal, poderíamos esperar que esse trabalho fosse feito, e na altura, pronunciávamo-nos sobre ele.

Tendo em conta a hora, pedia à Sr.ª Presidente que não colocasse à discussão o artigo 9.º, para, com mais tempo, urdirmos uma solução alternativa.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Gostava de prestar um esclarecimento.

Como sabem, a Comissão reuniu por ordem do Plenário, para votar na especialidade. A Comissão está pelo texto que aprovou e não vai apresentar nenhuma proposta sobre ele. Para esta discussão, a Comissão convidou todos os colegas, e aproveito para agradecer a todos os que se dignaram aqui vir, para colaborar e trazer as suas ideias, o que enriqueceu bastante o texto inicial.

O texto final da proposta resulta do trabalho da Comissão, e de uma discussão alargada, com o concurso de alguns Srs. Deputados. Não vemos razão para alterar o texto, o que não quer dizer que nos repugne qualquer proposta que lhe seja apresentada, e que será submetida a votação.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Bem, eu tinha esperança de ver alguma lei aprovada hoje, mas já me conhecem, e sabem que eu dou oportunidade a todos de estudarem os dossiers, com toda a abertura, e na profundidade desejável.

Dado que esta Quinta-Feira é feriado, tenciono marcar um Plenário para dia 2. Nessa altura poderemos apreciar e votar o artigo 9.º e o regime sancionatório, e ainda o relatório do Alto Comissário, que não chegámos a apreciar.

Vamos suspender os trabalhos por agora, e continuar no dia 2, Quinta-Feira, com a mesma ordem de trabalhos.

Agradeço a presença dos Srs. Secretários-Adjuntos e a colaboração que prestaram.

Estão encerrados os trabalhos.