Extracção parcial do Plenário de 9 de Maio de 1996

 

A Sr.ª Presidente Anabela Sales Ritchie: Está reaberta a reunião.

Vamos retomar a apreciação da Proposta de Lei que regulamenta a dádiva, colheita e transplantação de orgãos, e ainda de tecidos de origem humana. Apreciação essa que foi interrompida no último Plenário à hora regimental do encerramento.

Começo por agradecer as presenças dos Srs. Secretários-Adjuntos, Macedo de Almeida e Alarcão Tróni, uma vez mais presentes nesta reunião para prestarem os esclarecimentos necessários.

Os Srs. Deputados recordar-se-ão certamente que por altura do encerramento dessa mesma reunião, tínhamos já recebido algumas sugestões de alteração, embora pequenas, apresentadas pelo Sr. Deputado Rui Afonso para os artigos 9.º a 15.º. Alterações essas sobre as quais, embora não sejam de fundo, a Comissão de Redacção Final poderá ponderar.

Pergunto agora aos Srs. Deputados se desejam apresentar alguma proposta até aos artigos 15.º, sobre matérias que pertencem aos primeiros três Capítulos.

(Pausa)

A Sr.ª Presidente: Visto não haver qualquer proposta formal em relação a esses mesmos artigos, julgo estarmos em condições de entrar nos Capítulos IV e V, relativos aos regime sancionatório e às disposições finais. Portanto, para os Capítulos IV e V, pergunto se há ou não pedidos de esclarecimento, ou qualquer proposta em relação aos mesmos, já que na reunião anterior não recebi quaisquer indicações nesse sentido.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto Valente.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Infelizmente não estive presente na reunião em que foi eliminado o artigo 2.º. Mas, a propósito do artigo 13.º, coloca-se a questão de o n.º 3, quanto a mim relacionado com o texto do artigo 2.º, continuar a fazer, ou não, sentido. Este artigo 2.º previa a aplicação deste Diploma, dando-lhe, enfim, um âmbito um pouco mais alargado, permitindo o uso de cadáveres humanos para fins de ensino, investigação científica e ainda investigação da aplicação terapêutica. Julgo que, tendo sido eliminado, o art.º 2.º, então o n.º 3 do artigo 13.º também não fará muito sentido!

Em todo o caso pediria a opinião dos restantes colegas.

A Sr.ª Presidente: Não sei se será melhor eliminar, ou deixar ficar como está, porque, exceptuando-se os casos de dissecação de cadáveres para fins de ensino e investigação, existirão, provavelmente, outros critérios que a Comissão de Ética não deixará, decerto, de considerar. É isto o que me parece.

(Pausa)

A Sr.ª Presidente: Com respeito ao regime sancionatório previsto no Capítulo IV, a Comissão explicou muito pormenorizadamente por que razão, em alguns casos, entendia dever fazer-se um desvio da norma do princípio geral do Código Penal, conduzindo-o, assim, para um regime de acumulação de pena de prisão e pena de multa.

No entanto, permitia-me solicitar ao Plenário que ponderasse se, de facto, valerá, ou não, a pena, manter-se o que consta do documento, uma vez que a Proposta de Lei do Executivo, em alguns casos propõe o regime de acumulação, que, referia eu, é anterior à aprovação do Código Penal de Macau. Pelo que, uma vez mais, solicitaria ao Plenário que pensasse se valerá, então, a pena, manter o está na proposta, ou se, por outro lado, devemos adoptar a norma que, afinal, acabou por ser consagrada como princípio geral no Código Penal de Macau.

Tem a palavra o Sr. Secretário-Adjunto Dr. Macedo de Almeida.

O Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça (Macedo de Almeida):

Senhora Presidente.

Srs. Deputados.

Devo dizer que está correcto aquilo que a Srª Presidente acaba de esclarecer, pois, de facto, aquilo que prevaleceu no Código Penal foi o princípio de que as penas de curta duração e como tal entendidas as penas de prisão até 3 três anos, sempre acompanhada de multa, fossem em alternativa e não em regime de acumulação.

Esse foi o princípio, tal como anteriormente referi, que prevaleceu no Código Penal, tendo sido igualmente o princípio adoptado por esta Assembleia, mesmo relativamente a outros projectos, e ainda pelo Executivo em Decretos-Leis de harmonização de legislação penal avulsa, com o novo Código Penal. É a razão pela qual, na proposta do Governo, que acabou por ser adoptada pela Comissão, estão inseridas as penas cumulativas de prisão e multa, uma vez que eram anteriores à aprovação do Código Penal. Eu sugeria, deixando o critério à consideração desta Assembleia, que nos casos em que se entendesse que a pena deveria ter uma determinada função, ou até mesmo agravada, ainda que fosse mantido o nível dos três anos, como aliás creio ter acontecido em alguns casos do Código Penal, que se eliminasse a da pena de multa, deixando-se unicamente a pena de prisão nos casos que se consideram mais delicados, e que mereçam punição mais forte. Assim, dentro da mesma moldura penal dos três anos, eliminar-se-ía a pena de multa. Nos demais casos a pena de prisão até três anos seria acompanhada da pena de multa em alternativa.

Sabemos que neste tipo de infracções há algumas, de facto, que poderão requerer da parte do julgador, estando este mais que ninguém em melhores condições para avaliar a gravidade e o efeito preventivo e represivo da medida que lhe foi aplicada, a apreciação da aplicação da pena de prisão e da multa, ou somente da pena de prisão. Daí que, numa ou outra situação, admito que possa haver a necessidade de aplicação da pena de prisão e que, neste caso, a solução técnica seria a de se eliminar a possibilidade da aplicação alternativa da pena de multa. Enquanto que nos demais casos, em que podemos dizer que a pena até três anos é uma pena de curta duração, se manteria em alternativa a pena de multa, até porque esta está graduada em valores muito elevados, e, se verificarmos os valores estabelecidos hoje no Código Penal as penas de multa fixados por dias e convertidas em valores monetários, notamos que são muito elevadas. Por tal motivo, deixaria esta sugestão à Assembleia.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigada, Sr. Secretário-Adjunto.

Pergunto se a Comissão julga haver condições para se adoptar a solução avançada pelo Sr. Secretário-Adjunto.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Senhora Presidente.

Confesso ter alguma dificuldade nesta matéria, pois, por um lado, nunca fui grande simpatizante de todas as soluções do Código Penal, por continuar a achar que não tem penas suficientemente gravosas para exercerem um efeito dissuasor. Julgo mesmo que isso é uma questão de Filosofia. Na altura em que se discutiu o Código Penal,tive já oportunidade de me pronunciar, mostrando sérias dúvidas, e cada vez mais reservas, em relação à Filosofia que enforma este Código Penal. Pessoalmente acho que as soluções do Código Penal não se adequam ao meu modelo de vida jurídica, embora julgue que aquilo que o Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça disse, tenha razão de ser. Mas preferiría que, nos casos aos quais seja aplicada pena de prisão, em vez de "alternativa", fosse eliminada a multa.

Quando na Comissão se ponderou esta questão e se optou por um pena cumulativa de multa e de prisão, pensamos nos casos particulares deste Diploma e, aqui tinhamos em vista, designadamente, o dador e o receptor, ou seja, a pessoa que está necessitada de receber um orgão com o intuto de salvar a sua própria vida, e o outro, o que se dispões a cedê-lo. Devemos notar que nem sempre as razões do dador são só de generosidade e de altruísmo. Sabemos que em muitos países, há pessoas que vendem orgãos, porque têm necessidades económicas. O que acontece é que, quem dele precisa, e tem capacidade económica para comprar um orgão para sobreviver, de nada se importa em pagar também a multa. Logo pagar-se uma multa não constitui qualquer problema, a não ser no preço exigido. Em casos destes devemos pensar se queremos manter esta situação, ou passar à aplicação da pena de prisão.

Não obstante, para um tipo de infracção que é a mesma, para ambos os lados, igual é a pena. É que se há alguém que compra é porque há alguém que vende, e sendo ainda este, em termos económicos, o mais necessitado, não lhe fazendo, por isso, grande diferença cumprir algum tempo de prisão. E, em tom de ironia diria até que caso se trate de alguém muito necessitado, uma vez na prisão, chega a ter alimentação e estadia gratuitas, se não ao nível de um hotel, será sempre razoável. Pois para quem se sujeita a vender um orgão, talvez também não se importe de passar pela prisão. E, note-se que a multa não é ele quem a paga, de certeza.

Nestes casos especiais, pois, em que os infractores não estão do mesmo lado contrário à Lei, isto é, há um infractor que deseja comprar, e outro que deseja vender. Não sendo os dois a desejar a compra ou os dois a desejar a venda, entendeu-se que havia uma certa lógica na aplicação da pena, a um e a outro, de forma mais adequada, pois para um talvez seja mais certo impor somente a pena de prisão, e a pena de multa ao outro, mas nunca em alternativa.

Não nos devemos esquecer que há sempre nesta questão das molduras penais uma referência àquilo que se passa em Hong Kong. Tem sido notado, muitas vezes, por alguns dos Srs. Deputados, que em Hong Kong já se chamou a atenção para as virtudes do método de prisão e multa, pois aquilo que mais se teme não é a multa, sobretudo para aqueles que têm a possibilidade de as pagar, mas sim a prisão. E, relativamente às infracções económicas, a multa, atinja ela os valores que atingirem, não assusta ninguém.

Trata-se então de uma opção de política legislativa. Se desejamos contemporizar, avaliando apenas o tipo de infracção julgando que tudo se resolve pelo pagamento de multas, este é o caminho a continuar. Se não, e se realmente desejamos obstar a tal situação, optemos, então, pela pena de prisão.

Não terão certamente esquecido aquilo que aconteceu no passado, respeitante à imigração clandestina, que revelou que, enquanto não se passou à elaboração de uma Lei que chegasse a penalidades que envolvessem prisão, era como nada se passasse. E, foi pela situação de emergência a que se chegou que o mal foi suprimido, exactamente porque na nova Lei se estipulava a pena de prisão. Julgo ser com uma medida desta natureza que se evitarão os malefícios das infracções.

Devo ainda dizer que, pessoalmente, e peço desculpas por tanta demora, não considero que isto seja algo de fundamental para a aprovação do Diploma. Mas se o Plenário apontar para isso, embora julgue não devermos dispersar os votos, pois esta é uma matéria que exige maioria qualificada, que daqui não se consiga saber da sensibilidade do Plenário relativamente a este assunto.

Adiro à sugestão do Sr. Secretário-Adjunto quando refere que em situações gravosas, se a maioria prefere inclinar-se para a alternativa, então, o melhor será abdicarmos da pena de multa, e admitirmos a pena de prisão, pois doutro modo não chegamos a prevenir nenhuma das situações.

A Sr.ª Presidente: Deste regime sancionatório, a Comissão propôs somente penas de prisão, ou penas de multa. Subsistem cinco casos, se não estou em erro, de acumulação de penas de multa e penas de prisão. Não estamos a falar de números que nos possam assustar, embora esta seja uma matéria que requer 16 votos, pelo que valerá a pena tentarmos chegar a consenso relativamente ao regime sancionatório.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto Valente.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Se me dá licença Senhora Presidente, permitia-me deixar aqui uma sugestão. Se a questão fôr posta em alternativa, ou não, talvez possamos votar a prisão. Nos casos de prisão e, quando estiver em causa uma só modalidade, votar, somente, nessa mesma modalidade. Se há casos que são só de multa, outros haverá que são de prisão e multa, poder-se-ia considerar a prisão. Nesta vertente é provável que haja consenso. E só depois se colocaria à votação, se prisão e multa, em acumulação ou em alternativa:

Não sei se me fiz entender!

A Sr.ª Presidente: Fez-se, sim, Sr. Deputado.

Uma vez que não são muitos os casos neste particular, vou interromper a reunião por um período de cinco minutos para que, muito rapidamente, se chegue a uma proposta concreta para posteriores análise e votação. Existirão situações em que não haverá qualquer alteração, pois foram já submetidos a votação da Comissão.

Interrompo, assim, o Plenário por cinco minutos. E, como diz o Sr. Deputado Jorge Neto Valente, "Vamos a isso". Esperando que de imediato se chegue a consenso para que se possa votar o regime sancionatório.

Interrompo, então, o Plenário por cinco minutos.

( Pausa de cinco minutos )

A Sr.ª Presidente: Está aberta a reunião.

Antes mesmo de dar a palavra ao Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, gostaria de anunciar ao Plenário que acabo de receber, com pedido de admissão, um Projecto de Lei de "Alterações aos regulamentos da contribuição de registo e contribuição predial urbana", subscritos pelos Srs. Deputados Tong Chi Kin, Kou Hoi In e Susana Chou, que terei naturalmente de analisar se está em condições de ser admitido. Tarefa que somente amanhã realizarei.

Dou agora a palavra ao Sr. Deputado Jorge Neto Valente para que apresente uma proposta de alteração ao regime sancionatório previsto no Capítulo IV.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Começaria pelo artigo 18.º, porque se trata de uma infracção mais grave. Ficaríamos, aqui, somente com uma "pena de prisão até três anos", para quem comprar ou vender, eliminando-se, assim, a multa. No nº 3 desse mesmo artigo preconiza-se, "prisão ou multa", tendo essa multa, como limite máximo 360 dias. No artigo 19.º cominar-se-á, "prisão até um ano, ou multa". No n.º 1 do artigo 20.º, determina-se apenas pena de "prisão até três anos", e no n.º 2, "prisão até "dois anos, ou multa". No artigo 21.º, estabelece-se igualmente "prisão até dois anos, ou multa".

Não tendo mais alterações a sugerir, perguntaria aos meus colegas se têm alguma dúvida.

A Sr.ª Presidente: Devo dizer que a proposta apresentada pelo Sr. Deputado coincide exactamente com aquilo que penso.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Fico muito feliz, Senhora Presidente.

A Sr.ª Presidente: Coincide em pleno, embora tenha ainda uma pergunta a fazer. No artigo 22.º sobre as penas acessórias, diz-se que o Tribunal pode ainda aplicar a pena de demissão do cargo, no âmbito da função pública. Mas a demissão do cargo foi já eliminada, como pena acessória, no Código Penal. Então, a dúvida da Comissão é se ficará ao critério do juíz a sua aplicação ou não aplicação. É essa a ideia?

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Sim, seria essa a ideia. Mas, devo dizer que não constituirá grande problema, caso não seja aceite!

A Sr.ª Presidente: Concordo que não constitua, Sr. Deputado.

Será, então, o juíz quem decidirá.

Coloco, assim, esta proposta que a Comissão assume, antes da votação final e global.

Os Srs. Deputados que a aprovarem, façam favor de levantar o braço.

Os Srs. Deputados que discordarem, queiram manifestá-lo

Proposta, aprovada por unanimidade. Resta ainda uma observação feita relativamente ao n.º 2 do artigo 24.º.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Dá-me licença, Senhora Presidente.

A Sr.ª Presidente: Tema palavra o Sr. Deputado Jorge Neto Valante.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Como já sabemos, a Comissão impôs 60 dias, embora, numa primeira abordagem, o Executivo tivesse sugerido 120 dias. Julgo nosso dever agradecer ao Sr. Secretário-Adjunto ter já aceite os 90 dias. Atitude que devemos gratificar pela aprovação desse prazo.

É esta a proposta da Comissão.

Muito obrigado, Sernhora Presidente.

A Sr.ª Presidente: Muito bem. É igualmente esta proposta de alteração que coloco à votação.

Os Srs. Deputados que a aprovarem, façam favor de levantar o braço.

Os Srs. Deputados que discordarem, queiram manifestá-lo.

Foi também aprovada por unanimidade. Resta, assim, pedir ao Plenário a votação final e global de toda esta Proposta de Lei.

Os Srs. Deputados que a aprovarem, façam favor de levantar o braço.

Os Srs. Deputados que discordarem, queiram manifestá-lo.

Aprovada por unanimidade, concluíndo-se, assim, a apreciação e a votação desta Proposta de Lei.

Agradeço, em nome do Plenário, a presença e colaboração dos Srs. Secretários-Adjuntos Dr. Macedo de Almeida e Alarcão Tróni.