Projecto de Lei n.º 8/V/96 *

Jogo ilícito

A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 30.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Estatuto Organico de Macau, para valer como lei no Território de Macau, o seguinte:

 

CAPITULO I

ilícitos de jogo

 

Secção I

Ilícitos de jogo fora dos locais autorizados

Artigo 1.º

(Exploracao ilícita de jogo)

1. Quem, por qualquer forma, fizer a exploracao de jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados ou quem for encarregado da direccao do jogo, mesmo que a nao exerca habitualmente, é punido com pena de prisao até 3 anos ou com pena de multa.

2. Quem, nao estando abrangido no número anterior, exercer qualquer actividade ligada à exploracao é punido com pena de prisao até 1 ano ou com pena de multa.

 

Artigo 2.º

(Prática ilícita de jogo)

Quem for encontrado a praticar jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados é punido com pena de multa até 180 dias.

 

Artigo 3.º

(Presenca em local de jogo ilícito)

Quem for encontrado em local de jogo ilícito e por causa deste é punido com a pena prevista no artigo anterior reduzida a metade.

Os proponentes: Os Deputados Rui Afonso, António Correia, Lau Cheok Va, Peter Pan, Raimundo de Rosário.

Artigo 4.º

(Suspensao da execucao das penas)

É declarada suspensa a execucao das penas previstas no número 2 do artigo 1.º e nos artigos 2.º e 3.º se o autor das respectivas infraccoes fizer declaracoes que contribuam para o descobrimento do crime ou para a identificacao dos seus principais agentes.

 

Artigo 5.º

(Coaccao à prática de jogo)

Quem, por meio de violência, ameaca com mal importante ou depois de, para esse fim, a ter posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a jogar ou a conceder meios para a prática de jogo é punido com pena de prisao de 2 a 8 anos.

 

Artigo 6.º

(Jogo fraudulento)

1. Quem, faudulentamente, explorar ou praticar o jogo ou assegurar a sorte através de erro, engano ou utilizacao de qualquer equipamento é punido com pena de prisao de 1 a 5 anos ou com pena de multa.

2. A viciacao ou falsificacao de fichas e a sua utilizacao sao punidas com pena de prisao de 1 a 5 anos ou com pena de multa.

 

Seccao II

Ilícitos de jogo em local autorizado

 

Artigo 7.º

(Exploracao ilícita de jogo em local autorizado)

Quem, nos locais legalmente autorizados, explorar jogo de fortuna ou azar ou qualquer tipo de apostas que nao obedecam aos termos dos regulamentos dos jogos, designadamente, aceitando apostas sem que para tal esteja devidamente autorizado, é punido com pena de prisao até 3 anos ou com pena de multa.

 

Artigo 8.º

(Prática ilícita de jogo em local autorizado)

1. Quem, nos locais legalmente autorizados, praticar os jogos ou apostas a que se refere o artigo anterior, designadamente colocando apostas junto de agente nao autorizado, é punido com pena de prisao até 6 meses ou com pena de multa.

2. É declarada a suspensao da execucao da pena nas circunstancias previstas no artigo 4.º.

 

CAPITULO II

Lotarias e apostas mútuas ilícitas

 

Artigo 9.º

(Lotarias e apostas mútuas ilícitas)

A organizacao de qualquer modalidade de lotaria ou aposta mútua que nao esteja devidamente autorizada é punível com pena de prisao até 3 anos ou com pena de multa.

 

Artigo 10.º

(Venda ilícita)

A venda de bilhetes de lotaria, rifas ou de outros sorteios similares que nao esteja devidamente autorizada é punível com pena de prisao até 2 anos ou com pena de multa.

 

Artigo 11.º

(Falsificacao e viciacao)

Quem, por qualquer forma, falsificar ou viciar bilhete de lotaria, rifas ou bilhetes para sorteios similares, ou os vender ou utilizar, é punido com pena de prisao até 3 anos ou com pena de multa.

 

CAPITULO III

Exploracao de “mah-jong”

 

Artigo 12.º

(Exploracao)

Quem, em estabelecimento comercial, residência ou outros recintos explorar o jogo de “mah-jong”, com intuitos lucrativos, é punido com pena de prisao até 1 ano ou com pena de multa.

 

CAPITULO IV

Empréstimos ilícitos

 

Artigo 13.º

(Usura para jogo)

1. Quem, com intencao de alcancar um benefício patrimonial para si ou para terceiro, facultar a uma pessoa dinheiro ou qualquer outro meio para jogar, é punido com pena correspondente à do crime de usura.

2. Presume-se concedido para jogo de fortuna ou azar a usura ou mútuo efectuado nos casinos, entendendo-se como tais para este efeito, todas as dependências especialmente destinadas à exploracao de jogos de fortuna ou azar, bem como outras adjacentes onde se exercam actividades de carácter artístico, cultural, recreativo, comercial ou ligadas à indústria hoteleira.

3. A conduta do mutuário nao é punível.

 

Artigo 14.º

(Exigência ou aceitacao de documentos)

Se o crime previsto no artigo anterior for praticado com aceitacao ou exigência dos respectivos devedores de documento de identificacao nos termos da alínea c) do artigo 243.º do Código Penal de Macau, para servir de garantia, o agente é punido com pena de prisao de 2 a 8 anos.

 

Artigo 15.º

(Pena acessória)

Quem for condenado pelo crime previsto no artigo 13.º é punido com a pena acessória de proibicao de entrada nas salas de jogos, por um período de 2 a 10 anos.

 

Artigo 16.º

(Tentativa)

Nas infraccoes descritas neste capítulo a tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado.

 

CAPITULO V

Perda de coisas relacionadas com o crime

 

Artigo 17.º

(Apreensao de material de jogo)

O material e utensílios de jogo sao apreendidos quando sejam cometidos crimes previstos nesta lei e destruídos a mandado do tribunal, pela entidade apreensora, que lavrará o competente auto de destruicao.

 

Artigo 18.º

(Apreensao de dinheiro ou valores)

1. Todo o dinheiro e valores destinados ao jogo ou dele provenientes, sao apreendidos e declarados pelo tribunal perdidos a favor do Território, quando sejam cometidos crimes previstos nesta lei.

2. As quantias ou valores mutuados quando sejam cometidos crimes previstos no capítulo IV e bem assim os juros estipulados, em caso de cumprimento voluntário, revertem a favor do Território.

 

CAPITULO VI

Ilícitos administrativos

 

Artigo 19.º

(Jogos na via pública)

Quem for encontrado a praticar, na via pública, jogos que, nao sendo embora de fortuna ou azar, impliquem movimentacao de dinheiro ou valores convencionais correspondentes, é punido com multa de $300,00 a $1000,00, elevada ao dobro, em caso de reincidência, e perda do dinheiro a favor do Território.

 

Artigo 20.º

(Jogos em recintos privados)

É proibida a prática, para além da meia-noite, de qualquer modalidade de jogo que, pelo barulho ou outra circunstancia, possa perturbar o sossego e descanso das pessoas que residem nas vizinhancas, ficando os transgressores sujeitos à multa de $300,00 a $1000,00, elevada ao dobro em caso de reincidência.

 

Artigo 21.º

(Prática de “mah-jong”)

Quem for encontrado a jogar “mah-jong”, nas circunstancias referidas no artigo 12.º, é punido com multa de $500,00 a $10 000,00.

 

CAPITULO VII

Ilícito disciplinar

 

Artigo 22.º

(Responsabilidade disciplinar)

Quando o crime previsto no artigo 13.º for praticado por empregado de concessionária de jogos, os mesmos factos sao passíveis de procedimento disciplinar, nos termos da lei laboral e demais regras aplicáveis.

 

CAPITULO VIII

Disposicoes finais

 

Artigo 23.º

(Restricao ou repressao de qualquer outra forma de jogo)

A Direccao de Inspeccao e Coordenacao de Jogos deve propor as medidas adequadas a restringir ou reprimir a prática de qualquer forma de jogo, rifa, sorteio ou similares, que atinja tal incremento que ponha em perigo os bons costumes.

 

Artigo 24.º

(Julgamento e aplicacao de multas)

1. O julgamento das infraccoes previstas nesta lei cabe aos tribunais.

2. As multas previstas no capitulo VI sao aplicadas pela autoridade administrativa competente.

 

Artigo 25.º

(Revogacao)

1. É revogada a Lei n.º 9/77/M, de 27 de Agosto.

2. As remissoes para a Lei 9/77/M, consideram-se feitas para a presente lei, revertendo para o Território as multas previstas nessas disposicoes.

 

Aprovada em de de 1996.

A Presidente da Assembleia Legislativa.

Promulgada em de de 1996.

O Governador.

 


 

 

Exposicao de motivos

 

1. Concluído o processo legislativo de harmonizacao do regime eleitoral e do recenseamento ao sistema jurídico-penal instituído pelo Código Penal de Macau, de 14 de Novembro, com a publicacao da Lei n.º 1/96/M de 4 de Marco, importa prosseguir o trilho entao tracado de harmonizacao de toda a legislacao penal avulsa à filosofia consagrada naquele diploma.

2. O projecto de lei que ora se apresenta persevera nesse objectivo, ao pretender adequar à nova dogmática jurídico-penal as sancoes aplicáveis no ambito do jogo ilícito e dos empréstimos para jogos de fortuna e azar.

3. A disciplina legal do jogo ilícito e da usura nos casinos consta da Lei n.º 9//77/M, de 27 de Agosto.

3.1. Este normativo, importante na época em que foi publicado por definir com maior rigor a tipificacao das infraccoes, a graduacao das responsabilidades, e a fixacao das molduras penais, além de promover o aliciamento de participantes em actividades delituosas a fazerem revelacoes pertinentes para a descoberta dos ilícitos em causa, carece de actualizacao, passadas quase duas décadas sobre a sua vigência.

3.2. Nesta conformidade, a par da harmonizacao em termos de política criminal procurou-se reformular a Lei 9/77/M outrossim no sentido de reflectir opcoes legislativas entretanto consagradas, designadamente, no que respeita ao licenciamento administrativo - que é agora regulado em diploma autónomo abrangendo toda a matéria atinente, dispensando-se, nessa medida, as referências nesta lei a procedimentos que constam do regime geral - e em aspectos rela-cionados com a forma e terminologia utilizadas nos diplomas legais recentemente produzidos.

4. Em termos de harmonizacao legislativa as alteracoes mais relevantes preconizadas no projecto de lei que se apresenta traduzem-se: na eliminacao da dicotomia tentativa/crime frustrado e da distincao entre prisao maior e correcional, erradicadas do novo Código Penal, na substituicao das penas de multa de natureza penal estabelecidas em quantia por penas de multa estabelecidas em dias, mantendo-se contudo a fixacao em quantia nos casos em que as sancoes revistam natureza administrativa; e na substituicao do regime cumulativo de pena de prisao e multa pelo regime alternativo.

5. Mantendo-se presente a preocupacao de prevenir e reprimir, de forma eficaz, as práticas do jogo ilícito e da usura ligada ao jogo disciplinam-se situacoes correlacionadas com esses ilícitos e que nao estao contempladas na lei vigente, através da criacao dos correspondentes tipos de crime. Estas matérias constam dos seguintes artigos do projecto de lei:

a) Artigo 5.º com a epígrafe de “coaccao à prática de jogo’’, que regula as situacoes de constrangimento para a prática de jogo ou para a obtencao de meios para a prática do mesmo, por meio de violência ou ameaca;

b) Artigo 7.º com a epígrafe de “Exploracao ilícita de jogo em local autorizado’’ que prevê e pune a exploracao das chamadas “apostas paralelas’’ ou “apostas por fora’’ nos estabelecimentos de jogo legalmente autorizados. Esta questao foi suscitada pelo Executivo que registou, através dos servicos competentes, um aumento desta prática, que se desenrola nas instalacoes da concessionária de jogo mas sem a intervencao dos seus empregados legalmente autorizados à aceitacao das apostas;

c) Artigo 8.º com a epígrafe de “Prática ilícita de jogo em local autorizado” que prevê e pune a prática das “apostas paralelas” em estabelecimento de jogo legalmente autorizado;

d) Artigo 17.º com a epígrafe de “Apreensao de material de jogo” prevendo a apreensao e destruicao de material e utensílios de jogo a mandado do tribunal.

6. No que respeita às molduras penais abstractamente previstas no projecto de lei regista-se um agravamento generalizado dos limites máximos das penas de prisao.

6. 1. Aceitando-se a funcao turística e de desenvolvimento económico que o jogo é chamado a desempenhar no Território, importa garantir que ele se processe em condicoes em que se garanta a transparência dos actos relacionados com o jogo, a seguranca e privacidade dos jogadores, nao descurando a proteccao das legitimas expectativas das concessionárias de jogos de fortuna e azar e das lotarias e apostas mútuas.

6.2. Nesta conformidade, pretende-se prevenir e reprimir severamente o jogo ilícito, o qual, fugindo ao controlo da Direccao de Inspeccao e Coordenacao de Jogos, entidade competente para a fiscalizacao das actividades relacionadas com o jogo, propicia o desenvolvimento dos aspectos mais perversos ligados à prática do jogo, onde nao se oferecem ao jogador garantias mínimas de seriedade e isencao de procedimentos e onde florescem livremente práticas usurárias indesejáveis.

7. Os valores das multas fixadas em quantia foram actualizados, salientando--se o aumento relativo dos valores fixados para a multa correspondente à prática ilícita de “Mah-jong’’, por se entender existir um certo paralelismo entre as diversas situacoes de prática de jogo ilícito, que distancia esta infraccao das restantes infraccoes de natureza administrativa previstas no projecto de lei.

8. No que respeita à punicao da reincidência, optou-se por nao fixar nenhum regime especial, por se considerar nao existirem razoes que fundamentem um tratamento diferente desta matéria, aplicando-se, quando for caso disso, o regime geral previsto nos artigos 69.º e 70.º do Código Penal.

9. Determinando o artigo 101.º do Código Penal a perda a favor do Território dos objectos ou direitos relacionados com a prática de factos ilícitos típicos, entenderam os subscritores nao se justificar a reversao para o Instituto de Accao Social de Macau dos bens apreendidos ao abrigo da lei que regula o jogo ilícito, como resulta da lei em vigor, propondo-se a aplicacao do regime geral da perda a favor do Território.

9.1. Nesta conformidade, adoptou-se o princípio de que os valores com expressao monetária revertem para o Território, enquanto os utensílios destinados às práticas ilícitas sao destruídos.

10. Propoem-se acertos de pormenor, nomeadamente, a actualizacao da designacao da Direccao de Inspeccao e Coordenacao de Jogos, a remissao para a definicao de documento de identificacao constante do artigo 243.º do Código Penal, em detrimento da enumeracao exaustiva desses documentos e, finalmente, a formulacao de um articulado mais conforme com a terminologia jurídica em uso.

11. Com este projecto de lei encerra-se mais um capítulo do processo de harmonizacao da legislacao penal avulsa à dogmática jurídico-penal consagrada no Código Penal de Macau.