(Versão distribuida em 21 de Julho)

Projecto de lei n.º 8/VI/97

Lei da criminalidade organizada

 

A Assembleia Legislativa decreta, nos termos das alíneas a) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 31.º do Estatuto Orgânico de Macau, para valer como lei, o seguinte:

 

CAPÍTULO I

Disposições penais

 

Artigo 1.º

(Definição de associação ou sociedade secreta)

1. Para efeitos do disposto na presente lei, considera-se associação ou sociedade secreta toda a organização constituída para obter vantagens ou benefícios ilícitos cuja existência se manifeste por acordo ou convenção ou outros meios, nomeadamente pela prática, cumulativa ou não, dos seguintes crimes:

a) Homicídio e ofensas à integridade física;

b) Sequestro, rapto e tráfico internacional de pessoas;

c) Ameaça, coacção e extorsão a pretexto de protecção;

d) Exploração de prostituição, lenocínio e lenocínio de menores;

e) Usura criminosa;

f) Furto, roubo e dano;

g) Aliciamento e auxílio à migração clandestina;

h) Exploração ilícita de jogo, de lotarias ou de apostas mútuas, e cartel ilícito para jogo;

i) Ilícitos relacionados com corridas de animais;

j) Usura para jogo;

l) Importação, exportação, compra, venda, fabrico, uso, porte e detenção de armas e de munições proibidas e substâncias explosivas ou incendiárias, ou ainda quaisquer engenhos ou artefactos adequados à prática dos crimes a que se referem os artigos 264.º e 265.º do Código Penal;

m) Ilícitos de recenseamento e eleitorais;

n) Especulação sobre títulos de transporte;

o) Falsificação de moeda, de títulos de crédito, de cartões de crédito e de documentos de identificação e de viagem;

p) Corrupção activa;

q) Extorsão de documento;

r) Retenção indevida de documentos de identificação e de viagem;

s) Abuso de cartão de garantia ou de crédito;

t) Operações de comércio externo fora dos locais autorizados;

u) Conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos;

v) Posse ilegal de meios técnicos susceptíveis de intromissão activa ou passiva nas comunicações das forças e serviços policiais ou de segurança.

2. Para a existência da associação ou sociedade secreta referida no número anterior não é necessário:

a) Que tenha sede ou lugar determinado para reuniões;

b) Que os membros se conheçam entre si e se reúnam periodicamente;

c) Que tenha comando, direcção ou hierarquia organizada que lhe dê unidade e impulso;

d) Que tenha convenção escrita reguladora da sua constituição ou actividade, ou da distribuição dos seus lucros ou encargos.

 

Artigo 2.º

(Crime de associação ou sociedade secreta)

1. Quem promover ou fundar uma associação ou sociedade secreta é punido com pena de prisão de 5 a 12 anos.

2. Quem fizer parte de uma associação ou sociedade secreta ou a apoiar, nomeadamente:

a) fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, guarda ou locais para as reuniões;

b) angariando subscrições, exigindo ou concedendo fundos ou qualquer auxílio para que se recrutem novos membros, designadamente, aliciando ou fazendo propaganda;

c) tendo a guarda ou o controlo de livros, extractos de livros ou contas de associação ou sociedade secreta, de relação de membros ou de trajes especifi-camente adequados às cerimónias rituais da associação ou sociedade;

d) Participando em reuniões ou cerimónias rituais de associação ou sociedade secreta;

e) Utilizando senhas ou códigos de qualquer natureza, característicos de associação ou sociedade secreta;

é punido com pena de prisão de 5 a 12 anos.

3. Quem exercer funções de direcção ou chefia em qualquer grau em associação ou sociedade secreta, nomeadamente utilizando senhas, códigos ou numerais característicos dessas funções, é punido com pena de prisão de 8 a 15 anos.

4. A pena prevista no n.º 1 é agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se o recrutamento, o aliciamento, a propaganda ou a exigência de fundos se dirigirem a menores de 18 anos.

5. Se os crimes previstos nos números anteriores forem praticados por funcionário, as respectivas penas são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

 

Artigo 3.º

(Extorsão a pretexto de protecção)

1. Quem propuser protecção a pessoas ou bens, em nome de uma associação ou sociedade secreta, ou invocando esta e mediante ameaça de represálias contra pessoas ou bens, com o propósito de obter vantagens patrimoniais ou outras, é punido com a pena de prisão de 2 a 10 anos.

2. Na mesma pena incorre quem, em nome de uma associação ou sociedade secreta, ou invocando esta e mediante ameaça de represálias contra pessoas ou bens, fizer exigência de contrapartida para a obtenção de emprego, abertura de estabelecimento ou prática de actividade rendosa.

3. Os crimes previstos nos números anteriores verificam-se ainda que a ameaça de represálias, o pedido de remuneração ou a invocação da associação ou sociedade secreta não sejam feitos deciaradamente, desde que o sejam por modo a que razoavelmente os façam pressupor no espírito do ofendido.

4. Se tais represálias forem efectuadas, o agente é punido, em acumulação material com a pena do n.º 1, com a pena de prisão de 2 a 10 anos, se pena mais grave lhe não couber.

 

Artigo 4.º

(Invocação de pertença a associação ou sociedade secreta)

1. Quem invocar relação de pertença ou ligação a associação ou sociedade secreta ou a elementos destas, ou razoavelmente fizer pressupor tal pertença ou ligação, de forma a provocar medo ou inquietação noutra pessoa ou prejudicar a sua liberdade de determinação, designadamente constrangendo-a a uma acção ou a uma omissão ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão de 1 a 3 anos.

2. Se na coacção prevista no número anterior se verificar o requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo 149.º do Código Penal, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 5 anos.

3. A tentativa da prática do crime previsto no n.º 1 é punível.

 

Artigo 5.º

(Regime especial)

As penas previstas nos artigos 2.º a 4.º, podem ser especialmente atenuadas ou substituídas por pena não privativa da liberdade, ou haver lugar a dispensa de pena, caso o agente impeça ou se esforce seriamente por impedir a continuação da associação ou sociedade secreta ou comunique àautoridade a sua existência, designadamente, declarando a identidade de outros membros ou apoiantes e revelando os fins, planos ou actividades dessas associações, de modo a esta poder evitar a prática de crimes.

 

Artigo 6.º

(Retenção indevida de documento)

Quem, com intenção de obter para si ou para outrem benefício ilegítimo, de causar prejuízo a outra pessoa ou de a constranger a uma acção ou omissão ou a suportar uma actividade, retiver documento de identificação ou de viagem alheios, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

 

Artigo 7.º

(Tráfico internacional de pessoas)

1. Quem, para satisfazer interesses de outrem, angariar, aliciar, seduzir ou desviar pessoa para a prática de prostituição noutro país ou território, ainda que os diversos actos constitutivos da infracção tenham sido praticados em países ou territórios diferentes, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

2. A pena prevista no número anterior é agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo quando o ilícito incidir sobre menores.

3. Se a vitima for menor de 14 anos, o crime previsto no n.º 1 é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.

 

Artigo 8.º

(Exploração de prostituição)

1. Quem aliciar, atrair ou desviar outra pessoa, mesmo com o acordo desta, com vista à prostituição, ou que explore a prostituição de outrem, mesmo com o seu consentimento, é punido com pena de prisão de 1 a 3 anos.

2. Quem, com remuneração ou sem ela, angariar clientes para pessoas que se prostituem ou, por qualquer modo, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição, é punido com pena de prisão até 3 anos.

3. A tentativa é punível.

 

Artigo 9.º

(Conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos)

1. Quem, sem prejuízo do disposto nos artigos 227.º e 228.º do Código Penal, sabendo que os bens ou produtos são provenientes da prática de crime:

a) Converter, transferir, auxiliar ou por qualquer meio facilitar alguma operação de conversão ou transferência desses bens ou produtos, no todo ou em parte, directa ou indirectamente, com o fim de ocultar ou dissimular a sua origem ilícita ou de auxiliar uma, pessoa implicada na prática de crime a eximir-se às consequências jurídicas dos seus actos, é punido com pena de prisão de 5 a 12 anos e pena de multa até 600 dias;

b) Ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação, propriedade desses bens ou produtos ou de direitos a eles relativos, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos e pena de multa até 360 dias;

c) Os adquirir ou receber a qualquer título, utilizar, deter ou conservar, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos e pena de multa até 240 dias.

2. A punição pelos crimes previstos no número anterior tem lugar ainda que a prática dos crimes de que resultam os referidos bens ou produtos haja ocorrido fora do território de Macau.

3. A punição pelos crimes previstos no n.º 1 não excederá a aplicável às correspondentes infracções que deram origem aos bens ou produtos.

4. Quando os crimes previstos no n.º 1 forem praticados por pessoa colectiva e demais entidades previstas no n.º 1 do artigo 13.º, a pena é de multa até 600 dias.

 

Artigo 10.º

(Cartel ilícito para jogo)

Quem, de forma concertada, controlar, orientar ou, por qualquer forma, manipular ou viciar jogo de fortuna ou azar ou a distribuição de prémio, dividendo ou equivalente, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

 

Artigo 11.º

(Substâncias ou materiais inflamáveis ou corrosivos)

Consideram-se preenchidos os tipos dos crimes previstos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 262.º e no artigo 266.º do Código Penal quando as condutas disserem respeito a substância ou material inflamável ou corrosivo.

 

Artigo 12.º

(Violação de segredo de justiça)

1. Quem ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de facto ou acto de processo penal relativo a crime previsto e punido na presente lei que se encontre coberto por segredo de justiça ou a cujo decurso não for permitida a assistência, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

2. Se o crime previsto no número anterior for cometido por revelação ou divulgação da identidade dos intervenientes processuais previstos no n.º 2 do artigo 24.º e no n.º 4 do artigo 26.º, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

3. Sempre que a revelação ou divulgação for feita por pessoa abrangida por segredo profissional, o tribunal ordena a prestação de depoimento com quebra do segredo.

4. A protecção da identidade dos intervenientes processuais referidos no n.º 2 mantém-se em segredo de justiça, mesmo após o trânsito em julgado da decisão final, incluindo a de arquivamento, por um período de 10 anos.

 

Artigo 13.º

(Responsabilidade penal das pessoas colectivas)

1. As pessoas colectivas privadas, ainda que irregularmente constituídas, e as associações sem personalidade jurídica são responsáveis pelas infracções previstas e punidas no artigo 9.º, quando cometidas pelos seus membros, fundadores ou não, titulares dos respectivos órgãos ou de cargos de direcção ou chefia, quando no exercício das suas funções, ou pelos seus representantes ou mandatários, agindo em nome e no interesse da entidade colectiva.

2. A invalidade ou a ineficácia jurídicas dos actos em que se funda a relação entre o agente individual e a entidade colectiva não impedem a aplicação do disposto no número anterior.

3. A responsabilidade é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito.

4. A responsabilidade das entidades referidas no n.º 1 não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes nos termos da lei penal geral.

5. Os membros, fundadores ou não, os titulares dos respectivos órgãos ou de cargos de direcção ou chefia, quando no exercício das suas funções, os representantes ou mandatários agindo em nome e no interesse das entidades colectivas referidas no nº 1, são solidariamente responsáveis, nos termos da lei civil, pelo pagamento das penas de multa e das indemnizações em que aqueles entes forem condenados.

6. As entidades referidas no n.º 1 são solidariamente responsáveis, nos termos da lei civil, pelo pagamento das prestações pecuniárias em que forem condenados os respectivos agentes fundadores ou não, os titulares dos respectivos órgãos ou de cargos de direcção ou chefia, quando no exercício das suas funções, os representantes ou mandatários agindo em nome e no interesse dos daquelas entidades.

 

Artigo 14.º

(Condutas não puníveis)

1. Não é punível a conduta de funcionário de investigação criminal ou de terceiro actuando sob controlo de uma autoridade de polícia criminal que, para fins de prevenção ou repressão criminal, com ocultação da sua qualidade ou identidade, se infiltre na associação ou sociedade secreta, adquira a qualidade de membro, e na sua sequência, e a solicitação de quem se dedique às actividades criminosas da associação, aceite, detenha, guarde, transporte ou entregue armas, munições ou instrumentos de crime, dê guarida aos membros, angarie subscrições ou forneça locais para reuniões.

2. A conduta referida no n.º 1 depende de prévia autorização da autoridade judiciária competente, a proferir no prazo máximo de 5 dias e a conceder por período determinado.

3. Em caso de urgência relativa à aquisição da prova, a conduta referida no n.º 1 é realizada mesmo antes da obtenção da autorização da autoridade judiciária competente, mas deve ser por esta validada no primeiro dia útil posterior, sob pena de nulidade.

4. A autoridade de polícia criminal fará o relato da intervenção do funcionário ou do terceiro à autoridade judiciária competente no prazo máximo de 48 horas após o seu termo.

 

Artigo 15.º

(Liberdade condicional)

Em caso de reincidência nos crimes previstos nos artigos 2.º a 3.º, 7.º, alíneas a) e b), do n.º 1 do artigo 9.º e 12.º, não há lugar a concessão de liberdade condicional.

 

Artigo 16.º

(Suspensão da pena)

Nos casos dos crimes referidos nos artigos 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 9.º e n.º 2 do artigo 12.º, não há lugar a suspensão da pena de prisão aplicada, salvo se se verificarem os pressupostos do artigo 5.º.

 

Artigo 17.º

(Penas acessórias)

1 . Quem for condenado pelos crimes previstos nos artigos 2.º, 3.º e alíneas a) e b), do n.º 1 do artigo 9.º, atenta a gravidade do facto e a sua projecção na idoneidade cívica do agente, pode ser:

a) Suspenso de direitos políticos, por um período de 2 a 10 anos;

b) Proibido do exercício de funções públicas, por um período de 10 a 20 anos;

c) Proibido do exercício de profissão ou actividade que dependa de título público ou de autorização ou homologação de autoridade pública, por um período de 2 a 10 anos;

d) Proibido do exercício de funções de administração, de fiscalização ou de outra natureza em pessoas colectivas públicas, em empresas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos ou em empresas concessionárias de serviços ou bens públicos, por um período de 2 a 10 anos;

e) Proibido do exercício de quaisquer funções em sociedades que explorem actividades em regime de exclusivo, por um período de 2 a 10 anos;

f) Proibido de contactar com determinadas pessoas, por um período, de 2 a 5 anos;

g) Proibido de frequentar certos meios ou lugares, por um período de 2 a 10 anos;

h) Inibido do exercício do poder paternal, de tutela, de curatela e de administração de bens, por um período de 2 a 10 anos.

i) Inibido da faculdade de conduzir veículos motorizados e de pilotar aeronaves ou embarcações, por um período de 2 a 5 anos;

j) Proibido de sair do Território, ou de sair sem autorização, por um período de 2 a 5 anos;

l) Não sendo residente, expulso e interdito de entrar no Território por um período de 5 a 10 anos;

2. A pena acessória prevista na alínea b) do número anterior é sempre aplicada quando o agente for funcionário.

3. Pela prática dos crimes previstos no artigo 9.º podem ainda ser aplicadas as penas acessórias de:

a) Encerramento temporário de estabelecimento, até 5 anos;

b) Encerramento definitivo de estabelecimento;

c) Dissolução judicial

4. Não obsta à aplicação das penas previstas no número anterior a transmissão ou a cedência de direitos de qualquer natureza relacionados com o exercício da profissão ou actividade, efectuadas depois da instauração do procedimento criminal ou depois da prática do crime, excepto se o transmissário ou cessionário se encontrar de boa fé.

5. A cessação da relação laboral que ocorra em virtude da aplicação da pena de dissolução judicial ou de encerramento do estabelecimento considera-se, para todos os efeitos, como sendo rescisão sem justa causa.

6. As penas acessórias podem ser aplicadas cumulativamente.

7. Não conta para os prazos referidos no n.º 1 o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por decisão judicial.

 

Artigo 18.º

(Dissolução judicial de associações ou sociedades legalmente constituídas)

As associações ou sociedades a que se refere o artigo 1.º legalmente constituídas são dissolvidas na decisão judicial que condenar algum ou alguns dos respectivos membros.

 

Artigo 19.º

(Reincidência)

Não obsta à reincidência nos crimes previstos nos artigos 2.º, 3.º, 7.º, alíneas a) e b), do n.º 1 do artigo 9.º e 12.º o facto de terem decorrido mais de 5 anos entre a prática dos crimes.

 

Artigo 20.º

(Prorrogação da pena)

1. A pena de prisão efectiva pela prática de crime previsto nos artigos 2.º e 3.º é prorrogada por dois períodos sucessivos até 3 anos cada, se:

a) O agente tiver anteriormente cometido crime previsto nos mesmos artigos ou enunciado no n.º 1 do artigo 1.º, a que tenha sido aplicada também prisão efectiva; e

b) Ao expirar da pena ou da primeira prorrogação for fundadamente de esperar, atendendo às circunstâncias do caso, à vida anterior do agente, à sua personalidade e à evolução desta durante a execução da pena e aos indícios de continuidade de vinculação ou ligação a associação ou sociedade secreta, que o condenado, uma vez em liberdade, não conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes.

2. Para efeitos de prorrogação da pena, são consideradas as penas de prisão efectiva aplicadas fora de Macau pela prática de crimes referidos na alínea a) do número anterior.

 

Artigo 21.º

(Internamento de menores)

Os menores inimputáveis que pratiquem algum dos factos ilícitos previstos e punidos nos artigos 2.º, 3.º, 7.º, alíneas a) e b), do n.º 1 do artigo 9.º, e 12.º, da presente lei são sujeitos a regime de intemamento adequado à sua idade e perigosidade.

 

Artigo 22.º

(Procedimento criminal)

O procedimento criminal pelos crimes previstos e punidos na presente lei não depende de queixa.

 

CAPÍTULO II

Disposições processuais penais

 

Artigo 23.º

(Criminalidade violenta ou altamente organizada)

Os crimes previstos nos artigos 2.º, 3.º e 9.º, da presente lei integram o conceito de criminalidade violenta ou altamente organizada a que se refere o n.º 2 do artigo 1.º do Código de Processo Penal.

 

Artigo 24.º

(Publicidade)

Nos processos por crime de associação ou sociedade secreta, determinados actos processuais podem decorrer com exclusão da publicidade.

 

Artigo 25.º

(Registo e declarações para memória futura)

1. O registo escrito do auto respeitante a recolha de declarações ou depoimentos e ao interrogatório do arguido deve, sempre que possível, ser acompanhado de registo gravado, através de meios magnetofónicos ou audiovisuais, aplicando-se o disposto no n.º 3 do artigo 91.º do Código de Processo Penal.

2. Havendo razões para crer que o ofendido, uma testemunha, o assistente, a parte civil ou perito, possam, designadamente por temor de represálias, vir a deslocar-se para o exterior, ou por qualquer forma manifestar impossibilidade de serem ouvidos em julgamento, procede-se à tomada de declarações para memória futura, nos termos dos artigos 253.º e 276.º, com os efeitos da alínea a) do n.º 2 do artigo 337.º do Código de Processo Penal.

 

Artigo 26.º

(Meios de prova admissíveis)

1. É permitida a leitura em audiência de declarações do ofendido, do assistente, de testemunha, de perito ou da parte civil mesmo que prestadas perante órgão de polícia criminal, quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias sensíveis.

2. São admitidos como prova os registos informáticos, videográficos ou magnetofónicos colhidos em locais de acesso público mesmo que reservado.

 

Artigo 27.º

(Protecção de funcionário e de terceiro infiltrados)

1. A autoridade judiciária apenas ordena a junção ao processo do relato a que se refere o n.º 4 do artigo 14.º se a reputar absolutamente indispensável em termos probatórios, garantindo-se o segredo sobre a identidade do funcionário ou do terceiro.

2. A apreciação da indispensabilidade pode ser remetida para o termo do inquérito ou da instrução, ficando entretanto o expediente, mediante prévio registo, na posse da autoridade de polícia criminal.

3. Nos casos em que o juiz determine, por indispensabilidade da prova, a comparência em audiência de julgamento do funcionário ou do terceiro infiltrados, observar-se-á sempre o disposto no n.º 1 do artigo 86.º do Código de Processo Penal.

4. O juiz toma as providências adequadas a impedir a revelação da identidade do funcionário ou do terceiro, ficando esta coberta por segredo de justiça.

 

Artigo 28.º

(Prisão preventiva)

Se o crime imputado for um dos previstos nos artigos 2.º, 3.º, 7.º, alíneas a) e b), do n.º 1 do artigo 9.º, e 12.º, o juiz deve aplicar ao arguido a medida de prisão preventiva.

 

Artigo 29.º

(Identificação de suspeito e pedido de informações)

Nas situações previstas nos n.º 2 e 3 do artigo 233.º do Código de Processo Penal, quando o prazo referido neste último número não puder ser cumprido, tal será imediatamente comunicado, com justificação suficiente, ao dirigente máximo do respectivo órgão de polícia criminal o qual poderá autorizar a sua prorrogaçnao até ao limite máximo de 24 horas.

 

Artigo 30.º

(Apreensão de coisas e direitos)

1. A autoridade judiciária procede à apreensão de bens imóveis ou móveis, direitos, títulos, valores, quantias e quaisquer outros objectos depositados em bancos ou outras instituições de crédito, mesmo que em cofres individuais, em nome do arguido ou de terceiro, quando tiver fundadas razões para crer que eles estão relacionados com os crimes previstos e punidos nesta lei, se destinam à actividade criminosa de associação ou sociedade secreta, que constituem o produto ou lucro dessa actividade ou a recompensa emergente dos crimes previstos e punidos nesta lei ou que resultaram de transformação ou conversão do produto, lucro ou recompensa de tais actividades ilícitas.

2. As instituições financeiras ou equiparadas, associações, sociedades civis ou comerciais, repartições de registo ou fiscais e demais entidades públicas ou privadas não podem recusar o cumprimento de pedido de informação ou apresentação de documentos efectuados pelo juiz, respeitantes a bens, depósitos ou valores a que se refere o número anterior.

3. Nos casos dos crimes previstos e punidos nesta lei, o arguido está obrigado a responder com verdade às perguntas que lhe forem feitas pela autoridade judiciária sobre a sua situação económica e financeira, rendimentos provenientes de actividade profissional e bens próprios, sob pena de incorrer na punição prevista nos artigos 312.º ou 323.º do Código Penal.

4. Constitui indício da origem ilícita dos bens, depósitos ou valores a que se refere o n.º 1 a sua desproporcionalidade face aos rendimentos declarados pelo arguido e a impossibilidade de determinar a licitude da sua proveniência.

 

Artigo 31.º

(Defesa de direitos de terceiro de boa fé)

1. Tomado conhecimento da apreensão, o terceiro que invoque a titularidade de coisas, direitos ou valores apreendidos, nos termos do artigo anterior, pode deduzir no processo a defesa dos seus direitos, através de requerimento fundamentado em que alegue boa fé.

2. Entende-se por boa fé a ignorância desculpável de que as coisas, direitos ou valores se relacionavam com actividades ilícitas.

3. O requerimento a que se refere o n.º 1 é autuado por apenso, notificando-se o Ministério Público para, em 10 dias, deduzir oposição.

4. A decisão é proferida pelo juiz logo que se encontrem realizadas as diligências que considere necessárias, salvo se quanto à titularidade das coisas direitos ou valores a questão se revelar complexa ou susceptível de causar perturbação ao normal andamento do processo, casos em que o juiz pode remeter o terceiro para os meios cíveis.

5. O disposto nos números anteriores é aplicável ainda que o terceiro de boa fé tenha apenas tido conhecimento do desapossamento das coisas, direitos ou valores apreendidos após terem sido declarados perdidos a favor do Território.

 

Artigo 32.º

(Proibição de entrada no Território

1 . Será interdita a entrada no Território aos não residentes a respeito dos quais conste informação sobre:

a) Condenação por crime previsto nos artigos 2.º e 3.º ou de idêntica natureza, ainda que por tribunal fora de Macau;

b) Existência de fortes indícios de pertença ou ligação a associação cniminosa, nomeadamente do tipo de associação ou sociedade secreta, ainda que esta aqui não desenvolva qualquer actividade;

c) Existência de fortes indícios da intenção de prática de delito grave;

d) Existência de fortes indícios de que constituem ameaça para a ordem pública ou para a segurança do Território;

e) Vigência de período de interdição de entrada no Território.

2. A decisão da autoridade administrativa competente pode ser impugnada nos termos gerais.

 

Artigo 33.º

(Interdição de entrada em salas de jogos de fortuna ou azar)

É decretada pela Direcção da Inspecção e Coordenação de Jogos, por um período de 2 a 5 anos, a interdição da entrada nas salas de jogos de fortuna ou azar a quem seja seu frequentador habitual sem efectuar apostas, ou fazendo-as apenas simbolicamente para justificar a sua permanência, ou desenvolvendo actividades marginais ao acto de jogo de outrem.

 

CAPÍTULO III

Disposições complementares

 

Artigo 34.º

(Prostituição)

1. Quem, em local público ou de acesso público, aliciar ou fizer proposta para a prática de actos sexuais com o intuito de obter remuneração pecuniária ou outro proveito económico, é punido com a multa de 5.000 patacas.

2. Os não residentes a quem seja aplicada a multa referida no número anterior são expulsos do Território.

3. Cometem o crime de desobediência os não residentes a quem tenha sido aplicada a medida prevista no número anterior que vierem a reentrar no Território no prazo de 2 anos.

4. É competente para a aplicação da sanção prevista no n.º 1 e para ordenar a expulsão prevista no n.º 2, o Comandante da Polícia de Segurança Pública.

 

Artigo 35.º

(Comunicação de sentença)

1. Para efeitos de interdição de entrada no Território ou de eventual tomada de decisão administrativa, designadamente cancelamento de licença ou desclassificação de estabelecimento, o tribunal envia às autoridades competentes certidão das sentenças, transitadas em julgado, que condenem por crimes previstos e punidos na presente lei:

a) Não residentes;

b) Pessoas colectivas e demais entidades previstas no n.º 1 do artigo 13.º e os seus membros, fundadores ou não, os titulares dos respectivos órgãos ou de cargos de direcção ou chefia, quando no exercício das suas funções, os representantes ou mandatários agindo em nome e no interesse daqueles entes.

2. O tribunal envia ainda às autoridades competentes certidão das sentenças condenatórias, transitadas em julgado, por crimes ocorridos em estabelecimento sujeito a qualquer licenciamento ou classificação.

 

CAPÍTULO IV

Disposições finais e transitórias

 

Artigo 36.º

(Crimes públicos)

Não depende de queixa o procedimento criminal pelos crimes de:

a) Furto e dano de veículos motorizados;

b) Furto e dano de coisa de valor superior a 10 000 patacas;

c) Ofensa simples à integridade física de que resulte doença ou impossibilidade para o trabalho por mais de 10 dias;

d) Violação de segredo por funcionário;

e) Ofensa simples à integridade física e injúria contra agente ou funcionário investido de autoridade pública.

 

Artigo 37.º

(Revisão extraordinária de sentença)

1. Sem prejuízo do disposto no artigo 431.º do Código de Processo Penal, é admissível a revisão da sentença condenatória em pena de prisão transitada em julgado pela prática de qualquer crime, quando o condenado adopte relevantemente alguma das condutas mencionadas no artigo 5.º.

2. À revisão prevista no número anterior é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto no artigos 434.º, 437.º, 438.ºe 447.º do Código de Processo Penal.

 

Artigo 38.º

(Tramitação)

1. O condenado ou o seu defensor apresentam o requerimento a pedir a revisão, ao representante do Ministério Público colocado junto do Tribunal Superior de Justiça, indicando as condutas que o condenado se propõe adoptar ou tenha adoptado.

2. Caso o Ministério Público, analisado o pedido, entenda que se verificam os pressupostos para a aplicação de qualquer das medidas previstas no artigo 6.º, é comunicada ao requerente a medida que pretende propor para, sobre a mesma, aquele se pronunciar no prazo de 5 dias.

3. Se o condenado aceitar a medida proposta, o Ministério Público apresenta o processo em juízo, devidamente fundamentado e documentado, incluindo a redução a escrito ou a reprodução integral, por qualquer meio, das declarações prestadas pelo condenado.

4. Se o condenado não aceitar a proposta do Ministério Público prevista no n.º 2 e se perante posterior conduta daquele nos termos do artigo 5.º, a medida proposta não for alterada, o processo será arquivado ficando protegido pelo segredo de justiça nos termos do n.º 4 do artigo 12.º.

5. Compete ao Tribunal Superior de Justiça a decisão de revisão proposta pelo Ministério Público.

6. Da decisão do Tribunal Superior de Justiça não é admissivel recurso.

 

Artigo 39.º

(Condenado preso)

Manifestada a vontade pelo condenado preso de adoptar alguma das condutas previstas no artigo 5.º, a autoridade competente toma as providências adequadas à salvaguarda da sua integridade física.

 

Artigo 40.º

(Aplicação do processo de revisão extraordinária)

O disposto nos artigos 37.º a 39.º aplica-se aos condenados que o requeiram no prazo de seis meses após a entrada em vigor desta lei.

 

Artigo 41.º

(Direito subsidiário)

Na falta de disposição específica da presente lei, são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código Penal e do Código de Processo Penal.

 

Artigo 42.º

(Norma revogatória)

É revogada a Lei n.º 1/78/M, de 4 de Fevereiro.

 

Aprovada em de de 1997.

A Presidente da Assembleia Legislativa.

Promulgada em de de 1997.

O Governador.

 


 

 

Artigo 12.º

(Violação de segredo de justiça)

1 . .....

2 . .....

3 . .....

4 . .....

5. Os tribunais de Macau são competentes para conhecer dos crimes previstos e punidos nos números 1 e 2 e dos crimes de abuso de liberdade de imprensa sempre que a revelação, divulgação, difusão, ou publicação ocorra no Território.

 

Artigo 31.º

(Defesa de direitos de terceiro de boa fé)

1 . .....

2 . .....

3 . .....

4 . .....

5 . .....

6. O terceiro de boa fé goza do benefício da isenção total do pagamento de preparos e custas nos processos em que defende os seus direitos.

 

Artigo 32.º A

(Ociosidade censurável)

1. Quem, sem justificação plausível, permanecer ou vaguear em locais públicos ou de acesso público, importunando ou molestando pessoas, ou exibindo atitude susceptível de razoavelmente provocar receio à segurança ou bem estar de alguém, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.

2. Quem, por qualquer modo, fomentar ou facilitar os comportamentos referidos no número anterior, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.