Extracção parcial do Plenário de 13 de Junho de 1997

 

A Sr.ª Presidente Anabela Sales Ritchie: Passamos agora ao 2.º ponto da Ordem do Dia de hoje.

Regressa ao plenário o projecto de lei sobre criminalidade organizada, com um texto elaborado pela Comissão de Administração, Educação e Segurança, após análise das sugestões e contributos de entidades consultadas, bem como dos Srs. Deputados que entenderam colaborar com o seu contributo. Como o Plenário já deve ter verificado, o volume do texto duplicou, o que constitui uma boa base de trabalho para que Macau venha a contar com um instrumento importante e eficaz no combate à criminalidade organizada.

Está aberto o debate na generalidade.

Penso que o Sr. Deputado Rui Afonso quererá, em jeito de introdução, falar de uma ou outra solução encontrada pela comissão especializada, e presente nesta proposta.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Afonso.

O Sr. Deputado Rui Afonso:

Sr.ª Presidente.

Srs. Deputados.

Como vem relatado na nota justificativa que apresenta esta versão do projecto de lei sobre criminalidade organizada, foi dado um prazo de 15 dias para que a comissão, em face das sugestões posteriores de entidades várias, reformulasse o projecto. Algumas sugestões iam no sentido da alteração de certas soluções preconizadas no projecto, outras pretendiam o acrescentamento de outras matérias. Assim, procurámos realizar essa tarefa nos 15 dias que nos foram estabelecidos. O tempo não foi muito porque, embora tenhamos reunido praticamente todos os dias, as matérias que foram tratadas nessas reuniões eram muitas, o que se repercutiu na actual extensão do projecto, com os seus 44 artigos, contra os 21 artigos da versão original.

Procurámos atender às sugestões feitas por diversas entidades, por um lado, e às opiniões de colegas que quiseram contribuir com os seus pontos de vista, por outro. De entre estes, queria destacar os colegas Jorge Neto Valente, Leonel Alves, José Manuel Rodrigues, Joaquim Morais Alves, Tong Chi Kin, Vítor Ng e Leong Heng Teng. Com o apoio destes colegas e do Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça e para a Segurança, e do Sr. Procurador-Geral-Adjunto, além dos nossos assessores e do Gabinete de Tradução Jurídica da Assembleia Legislativa, que, diariamente, foi disponibilizando as várias versões deste documento que iam surgindo, foi possível realizar este trabalho em tão pouco tempo.

Conforme sugerido pela Sr.ª Presidente, creio que haverá interesse em destacar apenas alguns aspectos em que este projecto é inovador relativamente ao anterior.

Relativamente a determinadas matérias, a Comissão confrontou-se com dúvidas, algumas das quais ainda se mantêm, pelo que o contributo dos colegas será importante na resolução de algumas dúvidas. Também no caso de uma ou outra sugestão não atendida poderemos avançar para um consenso. Como diz a nota justificativa, este projecto é da inteira responsabilidade dos subscritores, e, nesse sentido, houve propostas e sugestões que foram atendidas e outras que foram descartadas.

No que diz respeito a matérias inovadoras, destaco dois aspectos, relativos à incriminação, constante do artigo 1.º, em que as penas são agravadas porque se entendeu que não devia haver uma colagem às penas do artigo 288.º do Código Penal, que trata de associações criminosas. Entendeu-se que este tipo de criminalidade é mais grave e que deve ser reprimida de uma forma mais dura. Por outro lado, e na senda do que já foi aprovado anteriormente, no que diz respeito à imigração ilegal, preconiza-se que este tipo de crimes, quando praticados por funcionários públicos, devem ser punidos de forma mais severa.

O artigo 2.º foi, de todos os que apreciámos, o que levantou mais dificuldades.

A criminalidade organizada, para além de ser objecto de tratamento por parte da Lei 1/78/M, que agora se pretende substituir, é também alvo de atenções por parte do artigo 288.º do Código Penal e da legislação sobre tráfico de droga, com uma penalidade mais grave nesta última legislação.

Procurámos uma definição que nos indicasse qual a diferença específica entre uma qualquer organização criminosa e este tipo específico que queremos combater e punir em Macau. Estudámos o Direito de vários países, e verificámos que, fundamentalmente, existem dois tipos de soluções preconizadas. O primeiro é encabeçado pela legislação italiana, que caracteriza os crimes da Máfia, e que mais decisivamente influenciou este projecto. O outro tipo é aquele que foi adoptado pela legislação de Hong Kong, que define o conceito de tríade. Ao não nos inclinarmos para a adaptação do conceito de tríade, julgámos que a definição de Hong Kong é tautológica, ou seja, o definido está na definição. Isto não quer dizer que a Comissão está satisfeita com a definição encontrada, pois temos consciência de que a densificação de um conceito não resulta, necessariamente na simplificação do trabalho do intérprete, podendo mesmo complicar essa tarefa. Daí que tenhamos discutido em Comissão, e com as entidades que colaboraram na elaboração deste projecto, a possibilidade de recorrer a uma definição menos exigente, em que o reconhecimento de uma associação secreta se possa revelar através da existência de um acordo entre duas ou mais pessoas, para cometerem infracções criminais, designadamente, as previstas nesta lei. Ainda que saibamos que é o fenómeno das sociedades secretas que queremos combater, sabemos também que dificilmente ele será erradicado, mercê da sua fluidez e extensão regional, e mesmo mundial, pelo que podemos, somente, esperar a captura e condenação de grupos e ramificações dessas organizações. Desta forma, inclinamo-nos para uma definição em que o mero agrupamento de duas ou mais pessoas, que ajam de forma convencionada, formal ou não, para cometer crimes, deva ser considerado como associação criminosa.

Relativamente ao artigo 3.º, várias opiniões estiveram em debate.

Mais uma vez, preferimos trazer a Plenário o artigo, com a redacção quase original, para, em conjunto, equacionarmos a melhor solução.

Uma das opiniões emitidas propunha que este artigo 3.º não tratasse de indícios probatórios, mas sim, de presunções, ou seja, desde que os compor-tamentos aqui descritos se verificassem, havia a presunção de pertença ou chefia de uma associação secreta. A defesa desta posição argumentava que a lei portuguesa também contempla presunções, e que, em Hong Kong, essas presunções legais estão igualmente presentes. Sem qualquer dificuldade, verifica--se que a Lei 1/78/M se inspirou na lei de Hong Kong, que prevê uma presunção de pertença a uma associação secreta, desde que não haja prova em contrário, e que determinados comportamentos se verifiquem. A verdade é que, se esta posição é defensável, no caso do artigo na sua redacção original, o mesmo não pode ser dito a partir do momento em que foram acrescentados os compor-tamentos previstos nas alíneas g), j) e l). E aqui faço uma ressalva, para salientar que alguns comportamentos descritos nestas alíneas poderem não ser suficientes para presumir a pertença a uma associação secreta, como é o caso de quem estiver na posse de armas proibidas ou que careçam de licença, e ainda, o caso dos seguranças pessoais, ou mesmo da posse de património desproporcional, para mais, aos rendimentos declarados.

Para além da discussão teórica de saber se pode haver presunções em matéria penal e de processo penal, e eu creio que não pode, é legítimo equacionar-se se determinados comportamentos aqui previstos, como a guarda de livros ou a participação em cerimónias rituais e reuniões, devem ser punidos por si só.

É uma solução que, por um lado, ultrapassa a questão das presunções, e, por outro, vai ao encontro daquilo que, em última análise, a lei pretende. No fundo, a questão a equacionar é se determinados comportamentos aqui descritos podem não ser penalizados autònomamente, e se, alguns indícios aqui presentes não poderão receber um tratamento diferente do que nesta lei vem contemplado.

Ainda em termos de matéria punitiva, os Srs. Deputados repararão que os artigos 9.º a 15.º são novos. Entendeu-se, na Comissão, que todas as situações em que haja determinados crimes violadores de bens jurídicos, relacionados com a criminalidade organizada, e que não se encontrem na legislação actual, deveriam ter expressão nesta lei, como é o caso da retenção indevida de documento, do quartel ilícito para jogo e da conversão, transferência e dissimulação de bens ou produtos, vulgo branqueamento de capitais. Normas desta natureza são comuns em legislação sobre criminalidade organizada, e há muito que se pretendia, em Macau, legislar sobre esta matéria.

O artigo 12.º corresponde ao acrescentamento de uma situação, no caso de substâncias inflamáveis.

O artigo 13.º, que trata do tráfico internacional de pessoas, lida com uma situação típica em que actuam as associações criminosas. Entendeu-se que a figura prevista no nosso Código Penal, de lenocínio, é insuficiente para punir outras situações que ocorrem em Macau, que merecem um tratamento diferente e menos abrangente do que aquele que o Código Penal determina.

Aproveito ainda para referir o artigo 38.º, e as razões que nos levaram a redigi-lo da forma como está.

Fundamentalmente, ao elaborar este preceito, tivemos dois propósitos em mente.

Por um lado, evitar uma situação, que tem ocorrido frequentemente nos últimos tempos, que é a presença, em locais públicos, nomeadamente hotéis, de mulheres que fazem propostas sexuais. Não se trata sòmente de um problema de imagem, mas também de um incómodo provocado às pessoas que são abordadas. A nossa preocupação vai no sentido de retirar essas pessoas da rua e dos locais públicos.

Por outro lado, criar um mecanismo sancionatório que permita a interdição de permanência dessas pessoas em Macau, a partir do momento em que se envolvam nessas actividades. E aqui pretende-se que não se prolongue a situação de recusa das autoridades chinesas em aceitar essas pessoas de volta, uma vez que elas eram detentoras de documentos válidos de permanência em Macau. Pretende-se ainda fazer passar a mensagem de que estas pessoas não têm lugar em Macau, se tencionam aqui desenvolver actividades ligadas à prostituição.

A criminalização desta matéria pareceu-nos algo complicada. Desde há muito que a prostituição, em Macau, não é crime, e as legislações criminais em todo o mundo evoluem no sentido da descriminalização da prostituição. Chegámos a considerar um mecanismo que considerasse o local do aliciamento como incriminação de prostituição, mas achámos difícil provar o aliciamento e a prostituição porque, para haver o primeiro tem de haver o último. Para não enchermos os tribunais de casos destes, pretendemos dar a possibilidade, a uma entidade administrativa que encontre pessoas nestas condições, de lhes aplicar uma multa e, no caso de não se tratarem de residentes, fazer extinguir o seu direito de permanência no Território, pelo que teriam de regressar ao seu país de origem. Podemos então criar mecanismos semelhantes aos previstos para a imigração clandestina, em que a reincidência é contemplada com procedimento criminal.

Também o artigo 15.º é novo, pretendendo que a violação do segredo de justiça seja tratada de forma especial.

Relativamente ao artigo 16.º, aceitamos que ele possa ser melhorado. O que se pretende é dar expressão às situações em que os crimes não sejam praticados por indivíduos, mas por pessoas colectivas, como é o caso de branqueamento de capitais, com a incriminação que se encontra prevista no n.º 4 do artigo 11.º.

Como os colegas podem verificar, as penas acessórias previstas no artigo 19.º foram alargadas, assim como se prevê que qualquer funcionário público condenado por crime previsto nesta lei, seja proibido de, doravante, exercer funções públicas de qualquer tipo.

O artigo 24.º, sobre o internamento de menores, decorre da preocupação manifestada pela Administração de que os menores inimputáveis não devam ter uma re-educação, a nível de internamento, semelhante aos demais, mas sim, um regime específico de re-educação. A Administração informou-nos de que está em condições de dar seguimento ao disposto neste artigo.

Existem ainda outras normas inovadoras neste projecto, como é o caso do artigo 26.º e 27.º, e parte do artigo 29.º.

Queria chamar a atenção para um dos artigos, relativamente ao qual tivemos maiores dificuldades, o artigo 31.º.

O que nos foi dito pelos responsáveis da segurança? Que a situação prevista no artigo 233.º, ou seja, a possibilidade de, quem não possui documentos de identificação consigo no momento de uma interpelação pela polícia, ou para obtenção de informações, poder ser conduzido a uma esquadra policial, aí permanecendo durante um máximo de 6 horas. As autoridades disseram-nos que, por vezes, este período de tempo era insuficiente para proceder a uma correcta identificação. Em determinadas situações é necessário identificar muitas pessoas de uma só vez, ou são necessários os serviços de um intérprete, que nem sempre está disponível, e outras situações em que a identificação de uma pessoa não pode ser verificada e confirmada em tão curto espaço de tempo. O prazo deveria portanto ser alargado, na opinião dos responsáveis, que chegaram a propor 48 horas de limite máximo. Fizémos uma análise do panorama geral penal, da Constituição, e considerando a diferença entre estas situações e as de detenção, achámos aconselhável a criação de um prazo que não se confunda com a detenção. Daí que nos tenhamos inclinado para as 12 horas de limite máximo, apesar da variante que chegou a ser proposta, implicando 12 horas para residentes, e 24 horas para não-residentes, em cumprimento do princípio constitucional da não discriminação por causa da origem territorial.

Podemos avançar com outros mecanismos, que já foram parcialmente discutidos, e que permitem a possibilidade de, com um motivo legal justificado, alargar o prazo, com conhecimento ao Ministério Público, atingindo um controlo mínimo sobre essas situações, e evitando situações de abuso de poder. Ainda que o propósito seja generoso, o de o combate à criminalidade, estamos a falar de um poder que é dado a agentes policiais, cuja formação é colocada em causa pelas próprias hierarquias. Isto pode levar a que se criem situações fora de qual-quer controlo, e a manter as pessoas dentro de uma esquadra durante 24 horas, ou aquilo que vier a ser estipulado.

Os artigos 35.º e 37.º são também matéria inovadora. Pretende-se dar a possibilidade, a quem já tenha sido condenado, de fornecer informações sobre as associações secretas, de forma voluntária, podendo requerer que a sua colaboração seja considerada para redução, ou mesmo exclusão, de pena.

Não tivemos qualquer dúvida quanto à bondade desta solução, e admitimos que possa ser um eficaz instrumento das polícias no combate às associações secretas, desde que bem aplicado. Pretendemos saber qual a probabilidade de uma medida destas ser efectivamente aplicada, e preocupámo-nos com o que chamámos a "salvaguarda da integridade física de quem se presta a colaborar". O que significa que quem estiver preso no Estabelecimento Prisional de Coloane e se prestar a colaborar com a polícia, facultando informações úteis sobre as associações criminosas secretas, deve merecer um tratamento especial de segurança pessoal, que assegure que está a salvo.

Os artigos 39.º e 40.º também são novos. O artigo 39.º visa dar resposta a uma situação que hoje se verifica, a presença em casinos, de pessoas que não jogam, e que pretendem apenas explorar os jogadores dentro das salas de jogo. A legislação que existe sobre esta matéria é bastante antiga, e julgo que em vias de ser revista, pelo que não pretendemos que ela seja aplicada a situações que se passam hoje em dia. Ao invés, inclinámo-nos para contemplar aqui este aspecto. Para além daquelas situações que já existem sobre a interdição de pessoas nas salas de jogo, pretendemos dar a possibilidade à Inspecção de Jogos de determinar a interdição da frequência de determinadas pessoas que não são jogadores. A crítica possível a esta norma é de que esta interdição não tem nenhum prazo, e não pode haver medidas de segurança sem prazo. Quando discutirmos esta questão, em sede da comissão especializada, julgo ser importante que haja precisão relativamente a este assunto, o que não acontece na lei geral.

Finalmente, queria chamar a atenção para o artigo 42.º, que também é inovador. De todos os preceitos da lei, este será, eventualmente, um daqueles em que se quis, de forma expressa e assumida, afastar normas do Código Penal, cuja experiência se tem mostrado nefasta, relativamente ao combate à crimi-nalidade. Com este artigo pretendemos que as situações aqui enumeradas deixem de ser consideradas crimes particulares, e que requerem uma queixa particular para procedimento criminal e penal, e que em situações como as que aqui são descritas, isso deixe de acontecer, ou seja: em caso de furto e dano de veículos motorizados, superior a 10 mil patacas; em caso de ofensas simples à integridade física, de que resulte doença ou incapacidade para comparecer ao trabalho por mais de 10 dias, voltando-se à solução do Código Penal anterior, onde se defende que esta lesões devem ser punidas com severidade - até para defender o segredo do funcionário, que deve ser feito a todo o custo, e que se torna em crime público, independentemente do superior assim entender ou não.

Tentei dar uma ideia daquilo que discutimos, e daquilo que integrámos de novo. Outras matérias foram tratadas, com outras propostas feitas por colegas, e houve algumas, mais do que outras, que suscitaram mais ou menos controvérsia e discussão. De entre essas, uma houve que concentrou maior debate, e que tinha a ver com a renúncia à qualidade de membro de uma seita, proposta feita por um colega nosso, com um conteúdo idêntico ao que é aplicado em Hong Kong e Taiwan. Tentámos informar-nos sobre essas experiências, e ficámos a saber que em Taiwan a força desta experiência é muito diminuta, com uma eficácia muito reduzida. Já em Hong Kong o processo funciona como um tribunal, mas a possibilidade de renúncia fica suspensa se o indivíduo estiver a ser investigado pela polícia, ou se for alvo de um processo-crime. Francamente, vislumbrámos poucas situações em que alguém, que não esteja nessas condições, venha a renunciar. Porém, se alguém quiser apresentar a questão de uma forma diferente daquela que nós propomos, pode vir a convencer-nos da bondade da questão.

Por fim, o Sr. Deputado Vítor Ng, que não está presente, pediu-me que transmitisse uma sua proposta, que não foi aceite, que pretendia que se previsse a possibilidade de serem feitas investigações relativas aos crimes previstos nesta lei, por iniciativa do Governador, do Presidente da Assembleia Legislativa ou de cinco Deputados. Pretendia ainda que, nesses casos, a identidade dos queixosos permanecesse em segredo de justiça.

Independentemente de se discutir se o que está no artigo 9.º da lei que criou o Alto-Comissariado Para a Ilegalidade Administrativa e Corrupção está correcto ou não, e de nunca, tanto quanto sabemos, ter sido aplicada, pareceu-nos, acima de tudo, que esta criminalidade tem uma natureza diferente. Enquanto que na corrupção o que está em causa é o interesse público, da Administração, o interesse patrimonial do Território, aqui os bens em causa são de natureza diferente, e a Comissão entendeu, que não devia, por esta via, empenhar os órgãos políticos no combate à corrupção.

Creio que esta explicação é devida aos colegas, e ao Sr. Deputado Vítor Ng, que não está presente, mas que me pediu para aqui transmitir a sua preocupação, traduzida nas duas linhas de força da sua proposta.

A Sr.ª Presidente: Obrigado, Sr. Deputado, pelo relato que quis fazer dos trabalhos. Compreendo que é difícil relatar os trabalhos que ocorreram durante vários dias seguidos, de manhã, à tarde e à noite, mas com certeza que o Plenário terá ficado com melhor ideia do projecto que estamos a analisar.

Pergunto se mais algum Sr. Deputado deseja usar da palavra?

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto Valente.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Gostaria de assinalar que nestes quinze dias que mediaram a apresentação do texto inicial e a finalização da proposta que vem hoje a Plenário, houve grandes alterações e nota-se que o diploma aumentou, pelo menos, para o dobro das disposições que tinha na versão inicial. Estou convencido de que o diploma em análise está muito mais completo e mais próximo dos objectivos a atingir do que a primeira versão, que tinha as mesmas boas intenções, mas era, certamente, menos eficaz do que esta poderá vir a ser.

E isto não tem só a ver com o agravamento das penas, mas sim, e particu-larmente, com a prova da prática dos crimes. Por essa razão, não gosto da formulação que a associação criminal tem no Código Penal em vigor, que parte de uma realidade que a meu ver, não existe. Com esse tipo de formulação, é necessário demonstrar que uma associação se criou para a prática de crimes, e nenhuma associação diz que vai cometer crimes. Aqui é que está a dificuldade!

Há pouco, o Sr. Deputado Rui Afonso teve a oportunidade de se debruçar longamente sobre a questão do artigo 3.º, dos indícios e das presunções, e neste âmbito gostava de ver trabalhada uma outra hipótese, a de criminalizar as condutas ou indícios, como foi expresso pelo Sr. Deputado Rui Afonso. Temos de facto, um problema complicado com as presunções e os indícios, mas, na base da observação que quero fazer, releva-se o aspecto que referi em primeiro lugar, de que nenhuma associação declara que se constitui para a prática de crimes, sendo, naturalmente, impossível provar que uma associação se constituiu para praticar crimes. Temos, isso sim, de observar por que modos, por quais condutas se pode revelar a existência das associações secretas, para criminalizar essas condutas. Só assim se resolveria o problema dos indícios e das presunções.

Existe uma decisão importante do Tribunal Superior de Justiça de Macau, que providencia alguns contributos e que foi tida, em certa medida, em consi-deração no projecto final que a Comissão hoje apresenta, mais concretamente na área das inferências, mas que não é exactamente a mesma coisa que uma inferência. A lei vigente pretende impedir que alguém seja considerado culpado antes de ser demonstrada a sua culpa. Na minha opinião, a presunção não é só isso. Quando, de um facto, não podemos deixar de tirar uma conclusão, já não estamos a trabalhar com presunções, mas sim com a lógica, e as leis não proíbem ninguém de pensar.

Não queria demorar o Plenário com observações, ainda que tenha algumas mais a fazer, algumas de pequeno pormenor. No geral, creio que há possibilidade de melhorar este diploma em análise.

A longa explicação que aqui ouvimos é sinal que não é possível, com uma rapidez e urgência imediata, concluir este processo. Estou convencido disso, mas o Plenário dirá qual o caminho a seguir.

Desde já, queria anunciar que o Sr. Deputado Joaquim Morais Alves e eu próprio temos uma série de propostas, de que não houve tempo para traduzir para chinês, mas vou entregá-las ao Sr. Presidente da Comissão, com a respectiva justificação para cada uma delas. São 18 propostas, e algumas são de simples melhoria de redacção, sendo outras mais sérias, mais profundas, como seja a protecção das testemunhas e outros intervenientes processuais, que não nos parece suficientemente garantida neste diploma. Os outros pontos constam desta proposta que vai ser distribuída aos colegas. Achamos que o melhor caminho seria a discussão destas propostas no seio da Comissão, dando-lhe oportunidade prévia para se debruçar sobre elas.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Obrigada por mais este contributo, Sr. Deputado.

No fundo, acabámos por discutir o projecto na generalidade, e, também, um pouco, na especialidade. Não é fácil discutir os princípios da lei sem descer a algum pormenor, mas lembro o Plenário de que, em primeiro lugar, vamos proceder à votação do projecto-lei na generalidade.

Se mais ninguém desejar usar da palavra na discussão na generalidade, passaria à votação do projecto-lei, nessa qualidade.

Tem a palavra o Sr. Deputado Fong Chi Keong.

O Sr. Deputado Fong Chi Keong: Ouvi a explicação do Sr. Presidente da Comissão e tenho algumas opiniões.

Acho que a lei sobre a criminalidade organizada tem por objectivo combater os crimes e as seitas, mas muitos preceitos aqui presentes são muito abrangentes e até discutíveis ou polémicos. Temos de pensar como é que podemos defender os direitos humanos e a dignidade humana. Sinto que o conteúdo de muitos artigos, como o 38.º, sobre a prostituição, é injusto, porque os turistas que chegam a Macau, podem conhecer novos amigos em locais públicos e serem considerados criminosos. Para uma pessoa normal, o sexo é uma parte da vida muito importante, por isso acho que este artigo deve ser eliminado, até porque os actos podem ser individuais, sem qualquer relação com o crime organizado.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Creio que podemos passar à votação, na generalidade, do projecto-lei. Chamo a atenção para o facto de se tratar de um projecto que neces-sita de 16 votos para merecer aprovação.

Os Srs. Deputados que aprovarem o projecto, façam favor de levantar o braço.

Os Srs. Deputados que discordarem, queiram manifestá-lo.

O projecto foi aprovado por unanimidade.

Podemos passar à apreciação, na especialidade, do projecto de lei.

Tem a palavra o Sr. Deputado Tong Chi Kin.

O Sr. Deputado Tong Chi Kin: Tendo em conta que a votação na generalidade já se realizou, e que, há pouco, o Presidente da Comissão fez uma apresentação pormenorizada sobre o conteúdo da lei, e porque existem matérias que ainda merecem certos estudos mais profundos, sugiro que a votação na especialidade se realize a nível da Comissão. Pessoalmente, espero que a Comissão comunique a todos os Deputados a data da reunião em que discutirá esta matéria, de modo a que todos possamos participar com o nosso contributo.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: O Sr. Deputado Tong Chi Kin acabou de fazer uma proposta que, conforme me apercebi, é do agrado de outros colegas, e que salienta a conveniência de que este projecto baixe à Comissão, no âmbito do artigo 137.º do Regimento, para ser votado na especialidade. Como sempre, os Deputados serão todos avisados das reuniões da Comissão, e poderão participar nas mesmas, caso o desejem.

Se mais ninguém quiser usar da palavra, vou colocar esta proposta à votação.

Os Srs. Deputados que aprovam a proposta, façam favor de levantar o braço.

Os Srs. Deputados que discordarem, façam favor de levantar o braço.

A proposta foi aprovada por unanimidade.

Assim sendo, vamos suspender a apreciação deste projecto, que baixa à Comissão, para discussão na especialidade.