Extracção parcial do Plenário de 30 de Outubro de 1997

 

A Sr.ª Presidente Anabela Sales Ritchie: Pergunto se algum Sr. Deputado deseja pedir esclare cimentos sobre a matéria em causa, bem conhecida, aliás, de todos nós, como o Sr. Deputado Ng Kuok Cheong reconheceu. De momento, julgo que o Plenário tal não pretende.

Desta forma, podemos avançar para os pontos seguintes, em virtude do Sr. Deputado Ng Kuok Cheong haver manifestado a vontade de apresentar, simultaneamente, os projectos constantes dos pontos 5 e 6 da Ordem do Dia, caso os Srs. Deputados não vejam nisso inconveniente.

Tem a palavra o Sr. Deputado Ng Kuok Cheong.

O Sr. Deputado Ng Kuok Cheong: Obrigado, Srª. Presidente, caros colegas.

Na elaboração dos presentes projectos, que regulamentam a obrigatoriedade dos funcionários públicos e secretários-adjuntos apresentarem uma declaração de interesses patrimoniais, tive presente a preocupação de vários deputados, manifestada ao longo de várias legislaturas. Espero que os colegas da actual legislatura igualmente a sintam e dêem a devida consideração à questão, visto, no meu entender, haver chegado o momento oportuno para, por meios legis-lativos, se chegar à sua concretização.

Naturalmente, o Alto-Comissariado, independentemente da atenção dos deputados, em relação à declaração de interesses patrimoniais dos funcionários públicos, entende ser uma boa forma de combate à corrupção, ideia de que eu próprio comungo, pois entendo que este meio melhora a sua prevenção. Na ver-dade, o regime que se aplica aos funcionários públicos, deve consubstanciar-se na justiça, por me parecer que os trabalhadores devem sujeitar-se, sem excepção, ao mesmo regime.

Este projecto não pretende limitar o seu campo de acção a um grupo de funcionários, em preterição de outros que estejam dotados de certos poderes públicos, mas, antes, aplicar à generalidade um critério justo e equitativo.

Apresentei dois projectos, porque, estando os Secretários-Adjuntos, relativamente à entrega das suas declarações de interesses patrimoniais, regulados por um regime próprio, aliás, o regime dos titulares dos cargos políticos, verifiquei que desta situação resultava uma diferença de tratamento, face aos restantes funcionários do Território. Daí a necessidade de separar o regime em dois pro-jectos, visto existir, efectivamente, uma diferença concreta entre uns e outros. Para a generalidade dos funcionários do Território, o espírito do projecto pers-pectiva estabelecer um regime de supervisão justa, que todos aceitem, ou seja, por exemplo, que um funcionário se, por negligência, não entregar a respectiva declaração, não seja punido. Esta situação, acontece com bastante frequência.

Mesmo nós, na qualidade de Deputados, estamos igualmente abrangidos pelo regime da declaração de interesses patrimoniais, ainda que algo diferente do aplicado aos funcionários comuns, que.usufruem.de um menos penalizante. Para os Secretários-Adjuntos, que são cidadãos investidos de certos poderes públicos e políticos, a fiscalização deve ser mais estrita e rigorosa, já que, se os bens possuídos ultrapassarem os interesses declarados, como se poderá actuar?

No que respeita aos funcionários públicos comuns, o projecto prevê, para evitar erros judiciais com base em provas fraudulentas, meios de tratamento diferentes, particularmente quanto ao património de origem explicável. No caso de os bens ultrapassarem manifestamente o descrito nas declarações, e se o decla-rante não conseguir dar cabais explicações sobre a sua origem e não tiver ainda aceitado ou utilizado aquilo que excede o património, este será confiscado por ordem judicial, após investigação do ACCCIA. Neste caso, o declarante em ques-tão ficaria livre de pena de prisão ou de afastamento de funções. Contudo, se o declarante não souber dar uma explicação convincente e tiver expressamente aceitado ou utilizado o excesso patrimonial, então, ficaria sujeito a penas de prisão e de afastamento de funções, a par da confiscação do património em excesso.

Em ordem a concretizar o mecanismo da supervisão, o presente projecto atribui aos tribunais, Ministério Público, ACCCIA e entidades públicas onde o declarante trabalhe, o direito de acesso ao conteúdo da respectiva declaração.

Relativamente aos Secretários-Adjuntos, o regime de supervisão é mais rigoroso, uma vez que competirá ao Governador, ao Presidente do Tribunal Superior de Justiça, ao Procurador-Geral Adjunto e ao Alto-Comissário, conceder o direito de consultar o conteúdo das respectivas declarações que, porventura, estejam em causa. Nestes casos, se eles não conseguirem explicar as origens do património, o projecto não prevê qualquer tratamento criminal no Território, mas determina, sim, que o Procurador-Geral Adjunto comunique, de imediato, tal facto ao Governador e ao Ministério Público da República.

Espero que estes diplomas, relativos à declaração de interesses patrimoniais, venham a regular devidamente neste capítulo os funcionários públicos e os Secretários-Adjuntos.

Mas, como nem tudo nasce perfeito, os projectos a que venho fazendo alusão, poderão naturalmente sofrer melhoramentos de texto e conteúdo. Aguardo, por isso, a contribuição dos colegas Deputados que espero não me falte.

A Sr.ª Presidente: Dou a palavra ao Sr. Deputado Jorge Neto Valente para o seu pedido de esclarecimentos.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Obrigado, Srª. Presidente. Vou, efecti-vamente pedir um esclarecimento, mas antes, se me desse licença, iria igualmente dar um.

Estes projectos foram distribuídos à Comissão de Assuntos Sociais, Liber-dades e Garantias e apenas há dois dias recebidos pelos membros da Comissão, suponho por alguma sobrecarga de trabalho nas traduções. Todavia, a Comissão já se encontrava a trabalhar nesta matéria, por virtude de uma recomendação recebida por via de uma exposição, contendo várias sugestões, elaborada pelo ACCCIA. Como deve ser do conhecimento de todos os Srs. Deputados, quando ontem o Sr. Alto-Comissário do ACCCIA e respectivos colaboradores estiveram presentes, falamos destas matérias, ainda que sem nos debruçarmos sobre estes projectos.

Relativamente ao esclarecimento que desejava, gostaria de perguntar, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado proponente se tem conhecimento das reco-mendações e sugestões, avançadas pelo Sr. Alto-Comissário, ou se o facto de não as ter incluído, mostra alguma intencionalidade ou mero desconhecimento, uma vez que cobrem aspectos e outras situações e soluções, que o projecto apre-sentado por si prevê.

O segundo pedido de esclarecimento, que resulta de uma análise preliminar que fiz destes projectos, é a de saber se o Sr. Deputado proponente acredita que se deve mesmo não punir ou despenalizar a negligência, na falta de entrega da declaração de interesses patrimoniais, porque, por exemplo, a inexactidão ou o fornecimento de elementos errados numa declaração, entregue por um Secretário--Adjunto, dão direito, se for aprovado o que vem no projecto, ao pagamento de uma multa, equivalente às remunerações de seis meses a um ano de ordenado.

Basta haver uma golpada grande, para que a remuneração de seis meses a um ano, nada seja comparativamente àquela. Se houver um erro de números errados, paga-se apenas a multa referida. Será que isto vai desencorajar? É preciso notar que não estamos a pensar em pessoas, mas sim em soluções teóricas. Creio que não será desta forma, que se irá obter algum resultado prático.

Por outro lado, não se pune igualmente, no outro projecto, a negligência, vindo a propósito o caso que eu referi, ou seja, o caso de "dolo", que o mesmo é dizer, a intenção de fornecer dados falsos. No caso de negligência, se a pessoa afirma, com um mínimo de razoabilidade de que se enganou, ou de que se esqueceu de entregar a declaração, não sofre qualquer tipo de punição.

São estas as minhas dúvidas, que os projectos apresentados pelo Sr. Deputado, me trazem, de momento, ao espírito.

A Sr.ª Presidente: Antes de conceder a palavra ao Sr. Deputado Ng Kuok Cheong, gostaria de esclarecer o seguinte: quer as recomendações do ACCCIA, referidas pelo Sr. Deputado Neto Valente, quer a Declaração de Lima, que foi atempadamente entregue aos Srs. Deputados no início da sessão legislativa, foram mencionadas na reunião plenária a que o Sr. Deputado não pode assistir, em virtude de se encontrar ausente em Lisboa, numa reunião do Conselho Superior de Justiça. Com isto queria dizer que todos estes documentos são do conhecimento dos Srs. Deputados.

Além disso, também queria penitenciar-me da entrega, um pouco tardia, dos projectos de lei, em virtude de um atraso, alheio tanto à vontade dos elementos do Gabinete de Tradução, como igualmente da minha, resultante de um des-fasamento entre a designação do projecto de lei, constante do ponto 6, e o seu conteúdo na globalidade. Por esta razão, tive de encetar diligências junto do Sr. Deputado Ng Kuok Cheong, no sentido de suprir essa falta, em ordem a poder distribuir o projecto de lei. Esta a explicação que devia ao Plenário.

Dou a palavra ao Sr. Deputado Ng Kuok Cheong, para os esclarecimentos solicitados.

O Sr. Deputado Ng Kuok Cheong: Obrigado, Sr.ª Presidente, pelos seus esclarecimentos.

Relativamente às dúvidas do meu colega, refiro não desconhecer que o ACCCIA, ainda antes das férias, abordou a questão, entregando um relatório com recomendações, e que, durante esse período, houve a oportunidade de encetar contactos com os membros daquele órgão, de forma a obter mais elementos, com vista a poder implementar, com a maior brevidade possível, esse sistema.

À apresentação desse projecto, elaborado ainda antes do relatório, houve um outro preliminar. No meu entender, o actual projecto possui elementos, aos quais interessaria dar início legislativo, de molde a permitir ao Plenário debruçar--se sobre a questão.

No que tange à declaração dos interesses patrimoniais, o problema da negligência, pode ser abordado sob vários prismas, ainda que para os Secretários--Adjuntos a abordagem exija um estudo mais aprofundado, na medida em que estão em causa titulares de cargos políticos, tal como acontece com os Deputados desta Casa, membros do Conselho Consultivo ou vogais das Câmaras, que têm o dever de ser rigorosos e estão sujeitos à respectiva punição, se forem negligentes.

Quanto às medidas a adoptar para o funcionário comum, faço questão de não aprovar a sua penalização por negligência, embora não tenha em vista dar- -lhes um privilégio, uma vez que tanto o simples auxiliar como o director, todos são funcionários públicos. No entanto, temos que convir que entre eles existem diferenças substanciais, quer a nível cultural e de conhecimentos académicos, quer a nível de responsabilidades. Daí a possibilidade de virem a acontecer inú-meros casos de erros por negligência, no preenchimento das respectivas decla-rações de interesses patrimoniais que, no meu entender, poderão vir a originar, mesmo não querendo, grandes problemas.

Com esta premissa em mente, apresentei este projecto que visa estabelecer um equitativo equilíbrio na justiça para todos os funcionários, tendo em consi-deração os conhecimentos académicos de cada um, que são algo de que ninguém pode ser culpado de ter ou não ter. Existem, efectivamente, diferenças entre estes dois projectos que, posteriormente, poderão ser aperfeiçoados através da introdução de melhorias. Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Pergunto aos Srs. Deputados se desejam obter mais algum esclarecimento adicional. Parece-me que não.

Como sublinhou o Sr. Deputado Jorge Neto Valente, esta matéria está sendo apreciada, desde há algum tempo, no seio da Comissão de Assuntos Consti-tucionais, e continuará, naturalmente, a sê-lo, com a participação de todos os Srs. Deputados que a ela queiram associar-se. Com esta observação, chegámos ao fim dos trabalhos da sessão plenária de hoje, pelo que os considero encerrados.