REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU

Proposta de Lei n.º 7/II/2002-2

Lei relativa ao cumprimento de certos actos

de direito internacional

 

A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea 1) do artigo 71.° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, para valer como lei, o seguinte:

 

CAPÍTULO I

Disposições gerais

 

Artigo 1.º

Definições

Para efeitos do disposto na presente lei, considera-se:

1) Organização internacional - organização internacional, reservada a Estados soberanos, de que a República Popular da China seja membro;

2) Órgão internacional competente - órgão de uma organização internacional referida na alínea anterior que seja competente nos termos do respectivo tratado constitutivo para adoptar normas tendo como destinatários as partes desse tratado constitutivo ou um comité ou uma comissão de um órgão internacional competente, por esse órgão estabelecido, para efeitos de questões específicas, nomeadamente o Conselho de Segurança das Nações Unidas e os seus respectivos Comités de Sanções;

3) Acto internacional aplicável - decisões, resoluções ou qualquer outro instrumento de direito internacional emanado por um órgão internacional competente e que contenha normas a cujo cumprimento a República Popular da China esteja externamente vinculada em relação à Região Administrativa Especial de Macau;

4) Sanção - qualquer tipo de medidas restritivas, compulsivas, proibitivas ou injuntivas, quer sejam de natureza penal, administrativa, comercial, financeira, económica, energética ou militar;

5) Norma internacional sancionatória - norma constante de acto internacional aplicável que estabeleça uma sanção ou da qual decorra a obrigação de prever e impor uma sanção;

6) Serviços proibidos - serviços de qualquer natureza com exclusão dos de natureza militar ou paramilitar, prestados a qualquer título, que sejam objecto de norma internacional sancionatória, nomeadamente, serviços de transporte terrestre, de navegação marítima ou interior ou aérea, de apoio técnico ou tecnológico, empresarial e de manutenção;

7) Produtos ou mercadorias proibidos - coisas de qualquer natureza que sejam objecto de norma internacional sancionatória, designadamente, produtos, mercadorias, materiais, veículos de circulação terrestre, marítima ou aérea, equipamentos de qualquer tipo e peças, ainda que sobresselentes;

8) Fundos proibidos - quaisquer fundos, instrumentos, recursos ou disponibilidades financeiras, independentemente da sua natureza, da forma que revistam e da sua titulação, bem como quaisquer transacções sobre os mesmos realizadas, que sejam objecto de norma internacional sancionatória;

9) Armamento ou equipamento conexo proibidos - armas de qualquer natureza e materiais conexos de todos os tipos que sejam objecto de norma internacional sancionatória, incluindo veículos militares de circulação terrestre, aérea ou marítima, tecnologias, meios de produção, componentes, instalações e sistemas de apoio usados no fabrico, produção, reparação, manutenção, utilização, armazenamento, investigação ou desenvolvimento de qualquer tipo de arma ou equipamento abrangido nesta definição;

10) Apoio logístico-militar proibido - qualquer tipo de fornecimento ou disponibilização, directa ou indirecta, de pessoal ou material destinados à formação e treino militares, assim como a serviços de apoio técnico ou empresarial, bem como assistência tecnológica, relativos ao "design", desenvolvimento, investigação, fabrico, produção, utilização, reparação, manutenção ou armazenamento de qualquer tipo de armamento ou equipamento conexo proibido, que sejam objecto de norma internacional sancionatória.

 

Artigo 2.º

Objecto

A presente lei tem por objecto assegurar o cumprimento das normas, que não são por si mesmas exequíveis, constantes de actos internacionais, emanados por órgão internacional competente, aplicáveis na Região Administrativa Especial de Macau, designadamente, das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

 

Artigo 3.º

Princípio da unidade

1. As disposições dos actos internacionais aplicáveis e as da presente lei são tidas em conjunto como um único diploma a partir da data da publicação no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau do acto internacional aplicável em que se encontram inseridas e enquanto esse acto vincular internacionalmente a República Popular da China.

2. Qualquer remissão da presente lei ou para a presente lei constitui simultaneamente uma referência ao acto ou actos internacionais aplicáveis.

 

Artigo 4.º

Âmbito

1. A presente lei aplica-se a todos os factos praticados na Região Administrativa Especial de Macau ou a bordo de navio ou aeronave matriculado na Região Administrativa Especial de Macau por pessoas singulares e colectivas.

2. A presente lei aplica-se ainda a factos proibidos por acto internacional aplicável praticados fora da Região Administrativa Especial de Macau por pessoas singulares residentes da Região Administrativa Especial de Macau e por pessoas colectivas constituídas segundo a lei da Região Administrativa Especial de Macau.

 

CAPÍTULO II

Competências e fiscalização

 

Artigo 5.º

Medidas de execução

1. Sem prejuízo das competências próprias atribuídas por lei a outros órgãos e entidades da Região Administrativa Especial de Macau, compete ao Chefe do Executivo ordenar quaisquer medidas de execução necessárias e adequadas ao cumprimento de acto internacional aplicável.

2. O Chefe do Executivo pode delegar nos outros membros do Governo as competências previstas no número anterior.

 

Artigo 6.º

Entidades de fiscalização

1. A fiscalização do cumprimento das obrigações decorrentes de acto internacional aplicável ou das medidas de execução ordenadas pelo Chefe do Executivo cabe às entidades do governo da Região Administrativa Especial de Macau competentes em razão da matéria a que essas obrigações ou medidas respeitem.

2. As entidades de fiscalização, no desempenho das suas funções, podem solicitar a colaboração de quaisquer outras entidades públicas ou privadas, nomeadamente das autoridades policiais.

 

Artigo 7.º

Deveres das entidades de fiscalização

1. No âmbito das suas competências próprias e das competências que lhe são cometidas pela presente lei, as entidades de fiscalização estão obrigadas a actuar imediatamente e a tomar todas as providências necessárias e adequadas ao cumprimento do acto internacional aplicável ou às medidas de execução ordenadas pelo Chefe do Executivo.

2. Nos termos do número anterior compete, designadamente:

1) À Autoridade da Aviação Civil de Macau - negar ou cancelar a emissão de certificados de operador de transporte aéreo e certificados de aeronavigabilidade, bem como emitir instruções para que seja negada a autorização a aeronaves objecto de norma internacional sancionatória para descolarem ou aterrarem na Região Administrativa Especial de Macau ou sobrevoarem a Região Administrativa Especial de Macau ou para proibir a prestação de serviços de engenharia ou de manutenção a essas aeronaves;

2) À Autoridade Monetária de Macau - emanar instruções dirigidas aos operadores que exerçam a actividade sob a sua supervisão acerca de fundos proibidos;

3) Aos Serviços de Alfândega – impedir a realização de operações de comércio externo que tenham por objecto produtos ou mercadorias proibidos;

4) Às entidades com competência própria ou delegada para a concessão de autorização prévia para a realização de operações de comércio externo - negar, condicionar ou revogar licenças de operação de comércio externo;

5) Às autoridades policiais - actuar por forma a impedir a entrada, permanência ou trânsito através da Região Administrativa Especial de Macau das pessoas, com excepção dos residentes da Região Administrativa Especial de Macau, objecto de norma internacional sancionatória ou de medidas de execução ordenadas pelo Chefe do Executivo.

3. As entidades de fiscalização têm o dever de emitir instruções e de as comunicar às entidades, públicas ou privadas, que estejam sob a sua orientação, coordenação ou supervisão sempre que a complexidade dos procedimentos a observar por virtude do acto internacional aplicável assim o exija.

 

Artigo 8.º

Requisitos das comunicações

1. As comunicações a efectuar nos termos do n.º 3 do artigo anterior devem conter uma descrição detalhada:

1) Dos actos a omitir ou a praticar;

2) Das situações que, para assegurar o funcionamento de serviços essenciais ou por razões humanitárias ou outras, são susceptíveis de ser isentas da proibição constante do acto internacional aplicável nos termos do mesmo.

2. É igualmente obrigatório que as comunicações incluam a menção de que, independentemente de a violação da proibição constante do acto internacional aplicável constituir a prática de um crime, o desrespeito pelas instruções contidas na comunicação constitui crime de desobediência qualificada.

 

Artigo 9.º

Pedidos de isenção

1. Quando o acto internacional aplicável em causa admita excepções às proibições dele constantes, os interessados devem apresentar junto da entidade de fiscalização competente um pedido de isenção devidamente fundamentado.

2. O pedido de isenção referido no número anterior deve ser acompanhado de todos os elementos de informação e documentos de prova necessários, em cada caso concreto, à verificação das condições da excepção previstas no acto internacional aplicável.

3. A entidade competente pode aprovar formulários para o efeito de apresentação de pedidos de isenção.

4. No caso de existirem formulários aprovados pelo órgão internacional competente, o requerente do pedido de isenção estará obrigado cumulativamente ao preenchimento desses mesmos formulários numa das línguas que internacionalmente for exigida.

5. O pedido de isenção é devidamente instruído pela entidade de fiscalização, a qual o remete ao Chefe do Executivo acompanhado do seu parecer.

6. O Chefe do Executivo envia esse pedido ao Governo Popular Central para decisão ou para efeitos de submissão ao órgão internacional competente.

7. Recebida a comunicação do Governo Popular Central, o Chefe do Executivo emite o documento certificativo dessa decisão de deferimento ou de indeferimento e remete-o à entidade de fiscalização, a qual notificará imediatamente o interessado.

8. Os pedidos de isenção devem ser processados com a máxima brevidade possível, preferindo os que se fundamentem em razões humanitárias com carácter urgente aos demais procedimentos em curso no seio da entidade de fiscalização respectiva.

 

CAPÍTULO III

Disposições penais

 

Secção I

Disposições comuns

 

Artigo 10.º

Aplicação no tempo

1. A prática intencional ou negligente de factos previstos nas normas penais contidas na presente lei é punível enquanto e na medida em que tais factos sejam também objecto de sanção ou norma internacional sancionatória constante de acto internacional aplicável e publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau antes do momento dessa prática.

2. O facto praticado após a publicação a que se refere o número anterior e durante o período em que o acto internacional é aplicável continua a ser punível se o órgão internacional competente adoptar um novo acto que adie, suspenda ou ponha termo a sanção ou a norma internacional sancionatória constante desse acto internacional aplicável anterior.

3. Independentemente da sua publicação no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, a adopção, pelo órgão internacional competente, de um acto que adie, suspenda ou ponha termo a sanção ou a norma internacional sancionatória, por esse órgão anteriormente imposta, determina que o facto praticado após a data da sua entrada em vigor na ordem jurídica internacional deixe de ser punível.

 

Artigo 11.º

Aplicação material

1. Os crimes previstos na presente lei são igualmente aplicáveis a quem pratique facto que, preenchendo os elementos do respectivo tipo de crime, se encontre previsto numa norma internacional sancionatória imposta, não a um Estado ou Território, mas a uma zona ou região delimitada de vários Estados, bem como a pessoas singulares ou colectivas ou entidades, designadamente partido político, exército, facção ou qualquer outro tipo de grupo ou organização objectivamente identificado na norma internacional sancionatória, seja qual for a sua natureza ou origem.

2. A existência de direitos conferidos ou obrigações impostas por contrato, acordo, licença ou autorização, de direito interno ou internacional, anteriores à data de adopção do acto internacional aplicável, que prevejam ou permitam a prática daqueles factos, não afasta a responsabilidade criminal do agente.

3. A punibilidade dos factos incriminados na presente lei não afasta a responsabilidade civil, disciplinar ou outra que ao caso caiba, sem prejuízo de norma penal aplicável que puna o facto com pena mais elevada.

 

Artigo 12.º

Não punibilidade

Não é punível a prática de factos previstos pela presente lei quando esta for objecto de prévia decisão de excepção por parte do órgão internacional competente ou, caso o acto internacional aplicável expressamente o admita, por parte de outro órgão ou entidade competente.

 

Artigo 13.º

Tentativa

Nos crimes previstos pela presente lei a tentativa é punível.

 

Artigo 14.º

Procedimento criminal

1. O procedimento criminal pelos crimes previstos na presente lei não depende de queixa.

2. O prazo de prescrição do procedimento penal dos crimes previstos na presente lei é de cinco anos.

 

Artigo 15.º

Actuação em nome de outrem

1. É punível quem age em representação legal ou voluntária de outrem, mesmo quando o respectivo tipo de crime exigir:

1) Determinados elementos pessoais e estes só se verificarem na pessoa do representado; ou

2) Que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado.

2. A invalidade ou ineficácia do acto que serve de fundamento à representação não impede a aplicação do número anterior.

3. O representado responde solidariamente, de harmonia com a lei civil, pelo pagamento das multas, indemnizações e outras prestações em que for condenado o agente dos crimes previstos na presente lei, nos termos dos números anteriores.

 

Artigo 16.º

Responsabilidade penal das pessoas colectivas

1. As pessoas colectivas ou sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e as meras associações de facto são responsáveis pelos crimes previstos na presente lei, quando cometidos pelos seus membros, trabalhadores ou prestadores de serviços, representantes ou mandatários ou por titulares dos seus órgãos, agindo em seu nome e no seu interesse.

2. A invalidade ou ineficácia do acto em que se fundamenta a relação entre o agente e a entidade colectiva não impede a aplicação do número anterior.

3. A responsabilidade é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito.

4. A responsabilidade das entidades referidas no n.º 1 não exclui a responsabilidade individual do respectivo agente, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o n.º 3 do artigo anterior.

 

Artigo 17.º

Penas principais aplicáveis às pessoas colectivas

1. Pelos crimes previstos na presente lei é aplicável às entidades referidas no artigo anterior a pena principal de multa correspondente ao dobro dos dias de pena de prisão estatuída no respectivo tipo de crime.

2. Se a pena for aplicada a uma entidade não dotada de personalidade jurídica, responde por ela o património comum e, na sua falta ou insuficiência, o património de cada um dos sócios ou associados, em regime de solidariedade.

 

Artigo 18.º

Penas acessórias

1. Quem for condenado por crime previsto na presente lei pode, atenta a concreta gravidade do facto, ser sujeito às penas acessórias de:

1) Incapacidade para o exercício de direitos políticos, por um período de 1 a 10 anos;

2) Proibição do exercício de certas profissões ou actividades, por um período de 1 a 10 anos;

3) Privação do direito de participar em ajustes directos, consultas restritas ou concursos públicos, por um período de 1 a 10 anos;

4) Proibição de contactar com determinadas pessoas, por um período de 1 a 5 anos;

5) Expulsão e interdição de entrar na Região Administrativa Especial de Macau, quando não residente, por um período de 1 a 5 anos;

6) Encerramento temporário de estabelecimento, até 5 anos;

7) Encerramento definitivo de estabelecimento;

8) Dissolução judicial.

2. As penas acessórias podem ser aplicadas cumulativamente.

3. Não obsta à aplicação das penas acessórias previstas nas alíneas 6) e 7) do n.º 1 a transmissão ou a cedência de direitos de qualquer natureza relacionados com o exercício da profissão ou actividade, efectuados depois da instauração do procedimento criminal ou depois da prática do crime, excepto se o transmissário ou cessionário se encontrar de boa fé.

4. A pena de dissolução só é decretada quando os membros, sócios, associados, titulares dos órgãos ou representantes da entidade colectiva tenham tido a intenção de, por meio dela, praticar os crimes previstos na presente lei ou quando a sua prática reiterada mostre que a entidade em causa está a ser utilizada para esse efeito ou houver fundado receio de que possa continuar a ser utilizada para a prática de factos da mesma espécie, quer pelos seus membros, quer por quem exerça a respectiva administração ou gerência.

5. A cessação da relação laboral que ocorra em virtude da aplicação da pena de encerramento do estabelecimento ou de dissolução judicial considera-se, para todos os efeitos, como sendo rescisão sem justa causa.

 

Secção II

Dos crimes em especial

 

Artigo 19.º

Prestação de serviços não militares proibidos

1. Quem intencionalmente prestar serviços de natureza não militar proibidos é punido com a pena de prisão até 3 anos.

2. A negligência é punida com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 180 dias.

 

Artigo 20.º

Transacção de produtos ou mercadorias proibidos

1. Quem intencionalmente importar produtos ou mercadorias proibidos, originários ou provenientes de um Estado ou Território objecto de norma internacional sancionatória, que sejam exportados a partir daquele, é punido com a pena de prisão até 3 anos.

2. Incorre na pena estatuída no número anterior quem intencionalmente exportar, vender ou por qualquer modo fornecer, a qualquer pessoa singular ou entidade colectiva, pública ou privada, produtos ou mercadorias proibidos, sejam ou não originários ou provenientes da Região Administrativa Especial de Macau, desde que destinados a Estado ou entidade objecto de norma internacional sancionatória, ou a qualquer actividade comercial neles desenvolvida ou conduzida a partir deles.

3. A negligência é punida com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 180 dias.

4. Se os produtos ou mercadorias referidos nos números anteriores se destinarem a ser utilizados como contrapartida directa ou indirecta de armamento ou equipamento conexo proibido, incluindo meios de transporte, minérios, petróleo, produtos petrolíferos ou qualquer tipo de combustível, a pena a aplicar é a prevista para o crime do artigo 22.° caso o acto internacional aplicável preveja norma internacional sancionatória relativa a armamento ou equipamento conexo.

 

Artigo 21.º

Aplicação ou disponibilização de fundos proibidos

1. Quem intencionalmente aplicar, investir, remeter ou puser à disposição de Estado, Território ou de qualquer pessoa ou entidade, pública ou privada, objecto de norma internacional sancionatória, quaisquer fundos proibidos, sejam ou não originários ou provenientes da Região Administrativa Especial de Macau, é punido com a pena de prisão de 1 a 5 anos e multa.

2. A negligência é punida com pena de prisão até 1 ano e com pena de multa até 360 dias.

3. Se os fundos referidos no n.º 1 se destinarem ao financiamento directo ou indirecto de armamento ou equipamento conexo proibido, a pena a aplicar é a prevista para o crime do artigo 22.° caso o acto internacional aplicável preveja norma internacional sancionatória relativa a armamento ou equipamento conexo.

 

Artigo 22.º

Fornecimento de armamento ou equipamento conexo e prestação de apoio logístico-militar proibidos

1. Quem intencionalmente vender ou fornecer armamentos ou equipamento conexo proibidos, sejam ou não originários ou provenientes da Região Administrativa Especial de Macau, a um Estado, Território ou a qualquer pessoa ou entidade, pública ou privada, objecto de norma internacional sancionatória, é punido com a pena de prisão de 2 a 8 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2. Na mesma pena incorre quem prestar serviços de natureza militar ou qualquer apoio logístico-militar proibidos a um Estado, Território ou a qualquer pessoa ou entidade, pública ou privada, objecto de norma internacional sancionatória.

3. A negligência é punida com pena de prisão até 2 anos e com pena de multa até 600 dias.

 

Artigo 23.º

Promoção da prática de factos ilícitos

1. Quem desenvolver actividades que promovam ou tenham por objectivo promover, directa ou indirectamente, a prática de factos previstos e punidos nos artigos anteriores é punido com a pena cominada no respectivo tipo de crime.

2. Quem desenvolver actividades que promovam ou tenham por objectivo promover, directa ou indirectamente, a economia de um Estado, Território ou de qualquer pessoa ou entidade, pública ou privada, objecto de norma internacional sancionatória, designadamente as que promovam a exportação ou o transbordo de produtos ou mercadorias proibidos, originários ou provenientes desse Estado ou Território, incluindo quaisquer transacções efectuadas posteriormente à exportação ilícita, a partir daquele Estado ou Território, dos aludidos produtos ou mercadorias, bem como transferências de fundos, ou quaisquer formas de transacção financeira, destinados a financiar aquelas actividades ou transacções, é punido com a pena estatuída no respectivo tipo de crime.

 

CAPÍTULO IV

Disposições finais e transitórias

 

Artigo 24.º

Direito aplicável

1. Aos crimes previstos neste diploma são aplicáveis, subsidiariamente, o Código Penal e demais legislação penal avulsa, o Código de Processo Penal e legislação complementar.

2. Aos actos administrativos previstos neste diploma é aplicável o Código de Procedimento Administrativo e o Código de Processo Administrativo Contencioso.

 

Artigo 25.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

 

Aprovada em de de 2002.

A Presidente da Assembleia Legislativa, Susana Chou.

Assinada em de de 2002.

Publique-se.

O Chefe do Executivo, Ho Hau Wah.

 


 

 

NOTA JUSTIFICATIVA

DO PROJECTO DE PROPOSTA DE

LEI RELATIVA AO CUMPRIMENTO DE CERTOS ACTOS DE DIREITO INTERNACIONAL

 

I - A RATIO LEGIS

Há actos de direito internacional aplicáveis na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) cuja natureza não é a de tratado, convenção ou acordo. Tal é o caso das normas emanados por órgãos competentes de organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), de que a República Popular da China é membro e a que, por virtude do respectivo tratado constitutivo da organização, se encontra internacionalmente vinculada em relação à totalidade do seu território nacional.

No plano internacional, as normas emanadas por esses órgãos podem ter ou não força obrigatória, efeito directo, aplicação imediata e a sua vigência pode ser ou não delimitada.

No plano interno, quando as normas internacionais entram em vigor na ordem jurídica internacional, cabe aos seus destinatários – a partir do momento em que a elas se encontrem externamente vinculados – a obrigação de agir em conformidade com o nelas disposto. Essa obrigação pode, consoante a natureza jurídica da própria norma internacional, ser uma obrigação de meios, de resultado ou simultaneamente de meios e resultado.

As resoluções sancionatórias do Conselho de Segurança da ONU são, precisamente, um exemplo de actos internacionais que consubstanciam verdadeiras normas com força obrigatória geral. De facto, nos termos dos artigos 41.° e 42.° conjugados com o artigo 39.° da Carta da ONU (Carta), o Conselho de Segurança, tendo constatado a existência de ameaça de ruptura ou a própria ruptura da paz ou de acto de agressão, está autorizado a adoptar, para além de recomendações, verdadeiras decisões estabelecendo as medidas bélicas ou não bélicas - isto é, sanções – necessárias à manutenção ou restabelecimento da paz e segurança internacionais. Da conjugação dos citados artigos 41.° e 42.° com o disposto nos artigos 24.°, n.° 1 e 25.° da Carta, resulta a força obrigatória da parte decisória das resoluções do Conselho.

A manutenção ou restabelecimento da paz e segurança internacionais são, pois, pressuposto e fundamento jurídico das sanções do Conselho de Segurança. O que significa que são os bens ético-jurídicos que as sanções visam proteger.

Resulta também inequívoco que, por virtude da sua própria razão de ser e natureza, as decisões que impõem sanções têm necessariamente um âmbito de aplicação temporalmente delimitado.

Como o direito internacional a que a República Popular da China se encontra externamente vinculada em relação à totalidade do seu território nacional, uma vez publicado no Boletim Oficial da RAEM, automaticamente faz parte do direito interno, prevalecendo sobre o direito interno ordinário, só é necessário legislar na RAEM quando esse direito internacional em concreto o exija, isto é, mais explicitamente, quando a norma de direito internacional não é por si mesma exequível.

A lei ora projectada visa, assim, garantir que sejam plenamente honrados os compromissos internacionais da República Popular da China em relação à RAEM no respeito da autonomia e especificidade do segundo sistema, consagrados na Lei Básica da RAEM.

II – O OBJECTO

No caso das resoluções do Conselho de Segurança, apesar de a sua parte decisória ter força obrigatória, certas das suas normas não são exequíveis por si só, porque para assegurar o seu efectivo cumprimento é indispensável que a nível interno se legisle em seu complemento. Ou seja, a observância dessas normas sancionatórias requer que se crie um regime de execução que estabeleça a punição das condutas delas violadoras, que defina o processo de fiscalização e controlo, as competências para este, etc.

O objecto da lei projectada é, assim, o cumprimento das normas, que não são por si mesmas exequíveis, constantes de certos actos de direito internacional, emanados por órgãos competentes de organizações internacionais, que sejam ou venham a ser aplicáveis na RAEM. No momento presente teve-se em vista em concreto as resoluções do Conselho de Segurança da ONU. No entanto, optou-se por uma perspectiva abstracta e geral, porquanto se pretende que a lei valha, se necessário, para outros casos de actos internacionais similares que no futuro possam vir a verificar-se.

III – OS ASPECTOS PRINCIPAIS DO PROJECTO DE PROPOSTA DE LEI

A supressão e/ou a repressão de condutas violadoras do direito internacional coloca, do ponto de vista legislativo, vários problemas. Estamos em crer que, embora o direito comparado nos forneça uma base de partida quanto às opções existentes, as soluções devem buscar-se em função de uma análise das respectivas vantagens e inconvenientes de harmonia com os princípios já inerentes ao ordenamento jurídico e tendo presentes outros factores relevantes, nomeadamente os sociais.

O sistema de recepção do direito internacional é determinante apenas no que diz respeito ao modo (técnico) de prever sanções internas – independentemente de estas serem penais ou não - respeitantes à violação de normas internacionais e à inserção destas no todo do sistema. Em tudo o resto, há uma ampla margem de escolha política.

3.1.) A tipificação criminal

Tendo presentes os bens ético-jurídicos a que se reportam as normas internacionais sancionatórias emanadas pelo Conselho de Segurança da ONU considerou-se que, no ordenamento jurídico da RAEM, as condutas violadoras dessas normas deveriam ser tipificadas apenas enquanto ilícito penal. Tendo-se estabelecido a punibilidade da tentativa e da negligência.

3.2.) O princípio da unidade como técnica legislativa de incriminação

Do ponto de vista da técnica legislativa utilizou-se uma técnica mista de incriminação global por reenvio às disposições penais internacionais pertinentes combinada com uma definição autónoma dos elementos constitutivos do crime e da fixação da medida das penas.

Com efeito, impunha-se em primeiro lugar encontrar uma solução conforme às disposições da Lei Básica no que respeita aos limites da autonomia e ao seu exercício. Perante a reserva da competência do Governo Popular Central em matéria de relações externas, optar pela utilização de uma técnica de dupla incriminação, significaria a existência de um sistema de dupla recepção do direito internacional pelo direito interno. Por outro lado, em face dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico da RAEM, nomeadamente os princípios da legalidade e da publicidade versus o carácter temporalmente delimitado das sanções do Conselho de Segurança da ONU, a técnica da incriminação global por reenvio puro não seria apropriada.

Recorreu-se, pois, a uma técnica mista. O que implicou a necessidade de expressamente esclarecer a unidade das normas internacionais e internas – o Direito é um só – e de se estabelecer um mecanismo, pelo qual as disposições penais, que sendo de vigência não temporalmente delimitada, respeitam a infracções criminais especiais estabelecidas por normas que valem para um determinado período de tempo. Dito de outro modo, as normas internacionais sancionatórias formam uma unidade com os elementos constitutivos e os termos de punibilidade das normas penais internas.

A solução por que se optou constitui uma novidade. Estamos, no entanto, em crer que é sustentável e conforme à Lei Básica e aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico da RAEM.

3.3.) O âmbito da jurisdição

Atendendo a recomendações nesse sentido constantes de certas das resoluções do Conselho de Segurança, tendo em consideração os bens ético-jurídicos em causa e os princípios do direito penal da RAEM, bem como as tendências actuais no domínio do direito penal internacional optou-se por consagrar um âmbito de jurisdição bastante lato.

Não se foi ao ponto de consagrar uma competência universal, tendo-se previsto apenas a aplicação da lei a todas as pessoas singulares ou colectivas quanto aos factos praticados na RAEM. Só quanto às pessoas singulares residentes da RAEM e às pessoas colectivas constituídas segundo a lei da RAEM é que se foi mais longe, prevendo a aplicação da lei independentemente do lugar da prática dos factos e do lugar aonde se encontre o agente. Como o Código Penal se aplicará em tudo quanto não for expressamente disposto, observar-se-ão os limites do artigo 6.° deste, ficando assim devidamente salvaguardado o princípio "ne bis in idem", bem como quaisquer conflitos de competência concorrente com outras jurisdições.

3.4.) As medidas das penas

As medidas das penas são sem dúvida uma difícil opção de política legislativa. Mais uma vez, importa a este respeito relembrar que nos encontramos no domínio de crimes contra a paz e a segurança internacionais. As penas previstas baseiam-se num estudo de direito comparado, tendo-se tido igualmente em conta as penas previstas no Código Penal de Macau para tipos análogos de crimes.

Refira-se, aliás, que constatámos que nos sistemas anglo-saxónicos se impõem para os crimes dolosos, relativos à violação de sanções bélicas, penas de prisão efectivas cumuladas com penas de multa, multa essa por vezes ilimitada. Noutros sistemas, mais semelhantes ao nosso, as multas, ainda que fixadas expressamente, atingem montantes pecuniários elevadíssimos, como por exemplo na Confederação Helvética em que há multas que atingem o montante de 1 milhão de francos suíços (sendo a multa média de 500 000 francos suíços).

A nossa tradição não é a de multas elevadas. Contudo, como é sabido, a pena de multa, quando esta é significativa, revela-se como um mecanismo dissuasório eficaz.

Atendendo a que se afastou a tipificação enquanto ilícito não criminal, tendo-se, em contrapartida, previsto a punibilidade da negligência. Achou-se por bem permitir em relação à prática negligente dos crimes menos graves a alternativa entre a pena de prisão e a pena de multa, elevando no entanto os montantes habituais desta.

3.5.) O prazo de prescrição

A fixação de um prazo de prescrição único de 5 anos para o procedimento criminal resulta também de um estudo de direito comparado. A experiência tem demonstrado que a investigação criminal nestas matérias pode revelar-se complexa e demorada.

3.6.) Competências e processo de fiscalização

Tentou-se um enquadramento que têm em vista, para além da supressão e/ou repressão, o aspecto preventivo. Foi nessa óptica que, no presente projecto de proposta de lei, se concebeu a adopção de medidas de execução - a traduzir numa regulamentação susceptível de permitir que os destinatários das normas configurem não só os comportamentos proibidos como também os permitidos – e o processo de fiscalização.

Expressa-se que o Chefe do Executivo adoptará as medidas de execução que se demonstrem necessárias ou adequadas em função das obrigações decorrentes das normas internacionais em causa. É evidente que não se trata de atribuir novas competências ao Chefe do Executivo, mas sim de esclarecer que pode surgir a necessidade de adopção dessas medidas e de prever a possibilidade de o Chefe do Executivo subdelegar, se necessário, as suas competências.

Prescreve-se ainda um processo de fiscalização do cumprimento dessas normas que, em razão da economia de meios humanos e materiais, bem como da optimização da eficiência, parte da orgânica já existente.