3.6  Alteração ao Regime Jurídico do Seguro de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais

 

3ª COMISSÃO PERMANENTE

PARECER N.º 5/2001

Assunto: Proposta de lei intitulada «Alteração ao regime jurídico do seguro de acidentes de trabalho e doenças profissionais»

 

I

INTRODUÇÃO

1. A proposta de lei em epígrafe foi aprovada na generalidade na reunião plenária do dia 5 de Junho de 2001, tendo sido distribuída à presente Comissão, para exame na especialidade e emissão de parecer, por despacho n.º 129/2001 da Senhora Presidente.

2. A Comissão reuniu nos dias 10, 17, 18 e 23 do corrente mês, tendo contado com a presença de representantes da Associação de Seguradoras de Macau e do Governo nas reuniões dos dias 17 e 18 respectivamente. A participação daqueles elementos nas citadas reuniões revelou-se útil para a cabal compreensão da proposta permitindo também dilucidar algumas dúvidas.

No âmbito da assessoria foi elaborado um memorando relativo à proposta de lei bem como a algumas questões com aquela conexas.

 

II

ENQUADRAMENTO

3. Embora tenha sido aditada uma nova alínea, a Comissão entende serem merecedoras de alguma ponderação e investigação suplementares, nos termos do artigo 18.º do Regimento da Assembleia Legislativa, nomeadamente do espírito consagrado nas alíneas b) e d). Portanto, foram convidados os representantes da Associação de Seguradoras de Macau e do Governo para participar nas reuniões ocorridas nos dias 17 e 18 respectivamente.

Saliente-se, entre outras, as seguintes questões que mereceram atenção: enquadramento com a legislação relativa à protecção às vítimas de crimes violentos, relação com a legislação laboral geral, e, muito especialmente, a relação da proposta com a apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho e doenças profissionais.

De uma forma muito breve, dado o escopo limitado do objecto do presente parecer, dispensam-se, de seguida, algumas palavras sobre aqueles temas que, de alguma forma são pertinentes ao caso em apreço.

4. A Lei n.º 6/98/M, de 17 de Agosto, regula a protecção às vítimas de crimes violentos e, se bem que regulando situações distintas das dos seguros de acidentes de trabalho, tem incontornáveis pontos de contacto/referência com a matéria em apreciação como se pode comprovar, desde logo pela leitura da Nota Justificativa da proposta de lei e pela análise a alguns preceitos da lei, nomeadamente o n.º 6 do seu artigo 1.º.

O número 6 do artigo 1.º estabelece a sua não aplicação, melhor, a auto exclusão da sua aplicação quando «forem aplicáveis as regras sobre acidentes de trabalho ou em serviço.». Reafirma-se, deste modo, a natureza subsidiária deste diploma, pelo que não pode uma seguradora escusar-se ao pagamento de determinada indemnização com fundamento numa eventual aplicação da Lei n.º 6/98/M, ou, dito de uma forma simplista, a legislação de seguros releva, ou pode relevar, para a Lei n.º 6/98/M, esta releva para coisa nenhuma relativamente à legislação de seguros.

5. A legislação sobre seguros de acidentes de trabalho e doenças profissionais, in casu o Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto detém, igualmente, evidentes pontos de contacto com a legislação laboral geral, nomeadamente o Regime das Relações de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril (alterado pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho) e pela Lei n.º 8/2000.

A título exemplificativo convocam-se os seguintes preceitos:

- alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º que estabelece o dever do empregador em indemnizar o trabalhador dos prejuízos resultantes de acidentes de trabalho;

- artigo 15.º, todo ele dedicado à temática dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, estipulando-se, nomeadamente a garantia de aos trabalhadores ser atribuída indemnização adequada. Realce-se ainda o disposto no número 4 que – hoje algo enganosamente – no qual se diz os encargos previstos podem ser garantidos directamente pelo empregador ou através de seguro.

Note-se, no entanto, que a importante regra da obrigatoriedade do seguro quanto às reparações dos danos emergentes de acidentes de trabalho vem consagrada directamente no Decreto-Lei n.º 40/95/M no número 1 do artigo 62.º.

6. No que tange ao relacionamento da proposta – sua origem e seu conteúdo - com a apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho e doenças profissionais, importa deixar desde já claro que este constitui um dos pontos essenciais para uma cabal compreensão da problemática subjacente à proposta de lei em análise na Comissão.

Pela sua importância e íntima relação com este procedimento legislativo aborda-se adiante mais detidamente a questão em sede de «apreciação na especialidade».

 

III

APRECIAÇÃO NA ESPECIALIDADE

7. A Comissão antecipa que manifesta a sua concordância, em sede de especialidade, com a proposta de lei em apreço, sem prejuízo de entender propor pequenos ajustamentos de redacção ao artigo 1.º.

8. Uma primeira leitura da proposta de lei poderia indiciar que estava em causa – apenas – a introdução de mais uma matéria de exclusão do direito à indemnização por acidente de trabalho, por via da figura da descaracterização. Ou seja, introduzia-se um elemento desfavorável na perspectiva do segurado e, inversamente, favorável à indústria seguradora, facto que mereceria reservas da Comissão. Todavia, no rigor das coisas, não é o caso.

9. Retome-se, então, a questão da apólice uniforme. Com efeito, é neste documento aprovado pelo poder político – hoje consta de portaria – que se especificam toda uma série de situações que permitem, afinal, delinear de forma mais precisa e rigorosa os factos que se acham cobertos ou não pelo seguro de acidentes de trabalho.

A lei apresenta, desde logo, uma série de normas padrão que, pela negativa, deixam antever o universo de situações indemnizáveis por acidentes de trabalho. Concorrem nesta tarefa os artigos 6.º - exclusões – e 7.º - descaracterização.

Neste momento, a apólice uniforme vigente é a que está aprovada pela Portaria n.º 237/95/M, de 14 de Agosto; aí se pode verificar, nos termos do número 2 do artigo 5.º, que se o acidente de trabalho for provocado por assalto os danos daí emergentes não se acham cobertos pelo seguro – o que não acontecia na apólice anterior, de 1985.

Atente-se na injustiça a que tal regime pode conduzir: por exemplo um trabalhador de uma empresa de segurança prestando serviço num banco é atingido com gravidade por um tiro no decurso de um assalto que procurou evitar e, apesar de estar obrigatoriamente seguro (com pagamento de um prémio várias vezes superior ao de outros trabalhadores em actividades sem risco), pela aplicação dos termos da apólice não é ressarcido!

Como foi referido na apresentação em Plenário e posteriormente confirmado na Comissão, está em curso uma alteração – devida – destes termos da apólice uniforme no sentido de eliminar o assalto como elemento de exclusão específica da responsabilidade da seguradora. Ou seja, está em causa o seguinte: por um lado volta a estar coberto pelo seguro o dano resultante de assalto, todavia, como contra-medida, inclui-se na lei uma nova disposição, a da proposta de lei, que permitirá às seguradoras não atribuírem indemnizações em determinadas situações.

Os representantes do Executivo e os membros da associação do ramo segurador consideram aquela uma medida de conjunto (re)equilibrada e razoável. Ademais, foi transmitido à Comissão que também o Conselho Permanente de Concertação Social havia dado parecer favorável a este conjunto processo normativo.

10. Relativamente à redacção concretamente preconizada, a Comissão debateu-se com algumas dúvidas.

Uma primeira ordem de problemas ancorava-se na questão da prova, do seu ónus e conexamente com a identificação da entidade competente.

Quanto à prova houve elementos da Comissão que manifestaram algum receio no sentido de, com o recurso a expressões algo vagas e indeterminadas, a nova alínea pudesse transportar consigo um elemento de morosidade dadas as dificuldades em provar «motivos exclusivamente pessoais», «ligações com o autor» «o seu meio». Não se vislumbra, no entanto, como possa ultrapassar-se convenientemente este potencial problema, característico, aliás, do direito dos seguros.

11. Detectou-se uma desconformidade entre as versões, ambas oficiais como se sabe, chinesa e portuguesa da proposta. Em concreto, na versão portuguesa não consta expressamente qualquer referência que espelhe a ideia de comprovadamente se estabelecer os mencionados motivos exclusivamente pessoais e não laborais.

Discutida a questão – e reafirmada a necessidade de compatibilizar ambas as versões – a Comissão concluiu introduzir esse elemento na versão portuguesa ao invés de o retirar da versão chinesa, por considerar beneficiar a clareza da norma.

12. Por razões de técnica legislativa e de melhor harmonia com o restante artigo em que se irá inserir a nova alínea, a Comissão entende dever fazer constar, de forma expressa, daquela a menção a acto de terceiro. Isto é, deixar claro que o acto lesante resulta de um acto de outro que não do lesado.

13. A Comissão considera que deve constar de forma expressa uma referência às eventuais ligações ao crime organizado, porque esta questão constitui motivação principal da apresentação da proposta de lei, como se pode comprovar pela Nota Justificativa da proposta de lei quando se afirma que se visa proceder «à descaracterização enquanto acidente de trabalho dos danos pessoais sofridos por pessoas relacionadas com o crime organizado...». Assume-se, na letra da lei, aquele objectivo indicado nas justificações dos motivos da lei.

Por outro lado, concretiza-se uma harmonização com o que vem disposto no artigo 3.º da Lei n.º 6/98/M, objectivo este também confessadamente preconizado na proposta de lei.

14. Pelo exposto, a Comissão propõe formalmente a seguinte proposta de alteração ao artigo 1.º da proposta de lei:

 

«Artigo 1º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto

É aditada ao número 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto, uma alínea com a seguinte redacção:

‘f) Resultar de acto de terceiro e se comprove seja devido a motivos exclusivamente pessoais e não laborais, não obstante se verifique no exercício da actividade profissional, tendo em conta a conduta da vítima antes e durante a prática do acto, as suas relações com o seu autor ou o seu meio, nomeadamente a sua ligação ao crime organizado.’ »

15. A redacção acima mencionada foi acolhida pelo Governo.

16. Em jeito de súmula pode dizer-se que se propõe alterações de natureza formal de carácter dilucidativo não perturbando em nada o conteúdo material do regime a instituir.

17. A Comissão acolhe a redacção preconizada para o artigo 2.º da proposta – Entrada em vigor – e sugere fazer coincidir os momentos de início de vigência desta lei com o da alteração da apólice uniforme a efectuar, segundo os representantes do Governo, por meio de Ordem executiva.

 

IV

CONCLUSÕES

18. Nos termos e pelos motivos antes expostos a Comissão conclui o seguinte:

a) Apresentar, no uso dos poderes previstos no número 2 do artigo 101.º e dos números 1 e 3 do artigo 105.º, ambos do Regimento, proposta de alteração, antes transcrita, ao artigo 1.º da proposta de lei em apreciação;

b) Estar a proposta de lei em condições de ser submetida ao Plenário, para discussão e votação na especialidade;

c) Convidar os representantes do Governo para assistir ao Plenário em que se discutirá e votará a proposta de lei em causa, de modo a prestarem os esclarecimentos necessários.

Macau, aos 23 de Julho de 2001.

A Comissão, Vítor Ng (Presidente) –– Anabela Sales Ritchie –– Iong Weng Ian –– Hoi Sai Iun –– Philip Xavier –– David Liu –– João Baptista Manuel Leão (Secretário).