* Os dados constantes desta página servem somente para consulta, o que consulta da edição ofícial.

 

Extracção parcial do Plenário de 22 de Julho de 1999

 

A Sr.ª Presidente Anabela Sales Ritchie: Podemos entrar nos pontos 2 e 3 da Ordem do Dia, relativos aos Pareceres n.º 1/99 e n.º 2/99 da Comissão Eventual Destinada a Acompanhar e Participar na Elaboração dos Projectos Relativos aos Códigos Civil, Processual Civil e Comercial. O primeiro incide sobre o Código Comercial de Macau e o segundo sobre o Código Civil de Macau.

Vou interromper a reunião, já que os representantes do Executivo ainda não chegaram.

Está interrompida a reunião.

(A reunião foi interrompida)

A Sr.ª Presidente: Está reaberta a reunião.

Estamos em condições de prosseguir com os nossos trabalhos, uma vez que os representantes do Executivo se encontram já no hemiciclo.

Antes de mais, agradeço a presença dos representantes do Executivo, particularmente do Sr. Dr. Luís Urbano, Coordenador do Projecto do Código Civil, da Sr.ª Dr.ª Tou Wai Fong, Coordenadora do Gabinete de Tradução Jurídica, do Sr. Dr. Pedro Valente da Silva, jurista do mesmo Gabinete, e do Sr. Pedro Lau, intérprete-tradutor, aqui presentes pela primeira vez.

Dando início à apreciação dos dois pareceres elaborados pela Comissão Eventual, gostaria de referir que, como sabem, os pareceres não carecem de votação, sendo aqui apresentados como fruto de um trabalho e de uma reflexão, desenvolvidos no seio da Comissão ao longo de dois anos e meio.

Os Srs. Deputados que não fazem parte da Comissão foram tomando conhecimento do andamento dos trabalhos através da elaboração de relatórios periódicos, e até assistindo mesmo às suas reuniões, o que lhes terá permitido estarem em condições de apreciar os pareceres finais.

Como há instantes realcei, os pareceres não carecem de votação, mas, não obstante assim ser, entendeu a Comissão, e quanto a mim bem, trazer os pareceres ao Plenário para que as matérias pudessem ser apreciadas.

Pergunto, por isso, aos Srs. Deputados se desejam usar da palavra quanto ao Parecer n.º 1, respeitante ao Projecto do Código Comercial de Macau.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Oliveira Rodrigues, coordenador dos trabalhos da Comissão Eventual.

O Sr. Deputado José Manuel Oliveira Rodrigues: Sr.ª Presidente

Sr. Secretário-Adjunto e colaboradores

Srs. Deputados

É finalmente apresentado ao Plenário o parecer da Comissão Eventual, relativo ao Projecto do Código Comercial, enquanto súmula do trabalho desenvolvido pela Comissão nestes últimos anos.

Para além do que consta no parecer, outras questões foram previamente afloradas em reuniões que tivemos com o Executivo, a quem, aproveitando o momento, pedia esclarecimentos sobre algumas delas.

Em primeiro lugar, gostava de saber se as diversas sugestões que a Comissão Eventual apresentou, mereceram recepção na versão final deste projecto.

Por outro lado, talvez o Executivo pudesse abordar as questões que vêm mencionadas no preâmbulo, mas não constam do parecer da Comissão.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Se mais nenhum Sr. Deputado desejar usar da palavra, concedia-a ao Sr. Secretário-Adjunto para esclarecer as questões colocadas, podendo, caso queira, passá-la aos seus colaboradores sempre que achar oportuno.

O Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça (Jorge Noronha e Silveira): Sr.ª Presidente.

Srs. Deputados

Quero expressar a minha satisfação por estar hoje aqui presente para a apreciação dos dois pareceres da Comissão Eventual, relativos aos Códigos Civil e Comercial.

No que respeita ao Código Comercial, reunimo-nos em diversas ocasiões com a Comissão, tendo sido a primeira em Março de 1997.

As sugestões que, entretanto, foram sendo apresentadas nessas reuniões, foram acolhidas com todo o agrado e agradecemos a colaboração que recebemos. A versão final do projecto reflecte já a recepção dada a essas sugestões, que em muito contribuíram para o enriquecer e para o tornar num instrumento de resposta eficaz às necessidades e aos problemas reais que se fazem sentir em Macau junto dos operadores comerciais.

O decreto que aprova o Código Comercial foi preparado há pouco tempo. O Dr. Teixeira Garcia, quando o ultimou, teve bastante cuidado em ouvir a Comissão, tendo as sugestões desse órgão recebido total acolhimento.

Gostaríamos que o Código entrasse em vigor em 1 de Outubro deste ano. Pensamos que, até lá, existe tempo suficiente para fazer aprovar alguns diplomas indispensáveis à entrada em vigor deste Código, como é o caso do diploma relativo ao registo comercial.

Ao contrário do que se passa com o Código Civil, o Código Comercial não levanta grandes problemas de direito transitório, exceptuados alguns aspectos, nomeadamente, quanto à forma de algumas alterações que se fizeram relativas a empresários em nome individual.

De qualquer forma, pediria ao Sr. Dr. Valente da Silva, que acompanhou de perto todo o processo, que desse mais algumas achegas quanto a estas questões.

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra o Sr. Dr. Pedro Valente da Silva.

O Sr. Jurista do Gabinete de Tradução Jurídica (Pedro Valente da Silva):

Srª. Presidente

Srs. Deputados

Relativamente a algumas sugestões apresentadas pela Comissão Eventual, a maior parte recebeu acolhimento no projecto final.

Quanto às questões abordadas no parecer, gostava de dizer que, quanto aos artigos 848.º e 849.º, e à abertura do cofre, as observações levantadas foram muito pertinentes. Creio que a redacção actual satisfaz as preocupações manifestadas. Ainda no que respeita à proposta apresentada no sentido de o artigo 854.º fornecer um esclarecimento adicional sobre a matéria da abertura do cofre, estou convencido de que a redacção actual reflecte o esforço envidado para chegar à definição pretendida pela Comissão.

Na última reunião foram dissipadas as dúvidas que restavam sobre o conceito de locação financeira, nomeadamente quanto à distinção da figura anglo- -saxónica do "higher purchase", bem como sobre as que se prendiam com a questão da garantia flutuante, seu registo na Conservatória Comercial, sua constituição e necessidade de registo da sua consolidação.

Outra das questões colocadas, e que tinha a ver com a denominação em chinês da expressão "sociedade anónima", parece também resolvida, uma vez que o termo adoptado é o usado em outras legislações, nomeadamente em Taiwan. Não optámos pelo termo "sociedade por acções", porque de acordo com a tradição clássica portuguesa o termo utilizado é "sociedade anónima".

Creio ter abordado as principais questões. Se mais alguma surgir, estou à vossa disposição.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Tong Chi Kin.

O Sr. Deputado Tong Chi Kin: Sr.ª Presidente

Sr. Secretário-Adjunto e distintos colaboradores

Caros colegas

É com muito agrado que assisto ao surgimento do novo Código Comercial e à sua entrada em vigor, vindo substituir o anterior que datava de 1894.

Uma preocupação natural que, de momento, me ocorre é a modernização do Código e a sua capacidade de enfrentar a realidade que hoje conhecemos no limiar do século XXI. Quando, no âmbito da Comissão Eventual, expusemos os nossos pontos de vista e apresentámos as nossas sugestões, jamais tivemos a pretensão de sermos detentores da verdade absoluta, pois que tão-só quisemos fazer passar a mensagem de que estávamos sinceramente empenhados em contribuir com algo para que o novo Código fosse o melhor possível.

O Executivo levou em conta muitas das sugestões dos Deputados, como também de outros órgãos, instituições diversas e pessoas individuais que participaram no processo de feitura do Código. Devo confessar que esta receptividade revelou uma abertura e transparência que foram grandemente apreciadas.

Durante a discussão, eu próprio abordei a questão do sistema de conta-bilidade. Apesar de o novo Código lhe fazer breves referências, o assunto continua a merecer a minha atenção. O Plano Oficial de Contabilidade vem sendo aplicado em Macau desde 1995, mas, quanto sei, o mesmo não acontece em Portugal desde a sua integração na União Europeia. Desta forma, este sistema aplicado em Macau não caminha, com certeza, no sentido da convergência com o padrão internacional.

Apesar de não ser legítimo pedir aos autores do novo Código que nele incluam disposições passíveis de regular situações jurídicas ainda não existentes, ainda assim, algumas disposições não me parecem particularmente adaptadas à realidade que hoje vivemos, nomeadamente no âmbito da área comercial. É o caso, por exemplo, das falências e do tratamento dispensado às dívidas delas resultantes. Parece-me que os investidores externos poderão ter razão quanto ao recear o regime definido no novo Código, funcionando consequentemente como factor de dissuasão.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra o Sr. Secretário-Adjunto.

O Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça: A questão da contabilidade é muito importante e tivemos oportunidade de reflectir sobre ela no seio da Comissão.

Efectivamente, não se trata de uma questão que encontre resposta directa no Código Comercial, mas sei que a Direcção dos Serviços de Finanças está a trabalhar no Estatuto dos Contabilistas, e a tentar encontrar as melhores soluções, tendo em conta os interesses que o Sr. Deputado referiu, ou seja, a necessidade de reconhecimento internacional e a salvaguarda dos interesses de todos os que operam nesta área. Como disse, a Direcção dos Serviços de Finanças está a trabalhar no Estatuto dos Contabilistas e tem-se debruçado intensamente sobre as regras de contabilidade. Tenho acompanhado esses trabalhos e creio que os avanços serão maiores e mais visíveis assim que o Código entrar em vigor.

Outro aspecto que me parece importante é o que respeita ao acompanhamento da aplicação do Código.

Procurámos, simbolicamente, transmitir essa preocupação no decreto que aprova o Código, ao propormos a criação de uma comissão de acompanhamento formada por juristas e empresários. Estará activa durante os primeiros anos de vigência do Código e atenderá à sua aplicação, sugerindo, sempre que necessário, aperfeiçoamentos no mesmo.

Conforme salientado no parecer, é fundamental o trabalho de divulgação do Código junto dos operadores e dos comerciantes, acção que começámos já a dinamizar e que pretendemos manter no futuro. Como sabem, o Gabinete para a Tradução Jurídica tem uma área destinada especificamente à divulgação que, conjuntamente com os órgãos de comunicação social, associações cívicas e outras de natureza diversa, realiza esse trabalho, mormente quando vêm à luz do dia novas leis de Macau.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Tong Chi Kin.

O Sr. Deputado Tong Chi Kin: Se me der licença, Sr.ª Presidente, formulava mais uma questão.

Ouvi dizer que, dentro dos próximos seis meses, o Governo tenciona proceder a um novo registo das empresas existentes em Macau. Gostava de saber se a intenção se mantém. Se, de facto, assim for, reiterava aqui novamente uma proposta que recentemente formulei e que ia no sentido de todas as sociedades anónimas, em comandita ou por quotas, procederem a esse novo registo.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra o Sr. Secretário-Adjunto.

O Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça: Creio que o Sr. Deputado se está a referir à questão da alteração da firma, abordada e tratada nas reuniões da Comissão.

Devo dizer que tivemos em atenção as preocupações da Comissão, pelo que abandonámos a ideia inicial de alterar mais profundamente as firmas das sociedades. Apesar de tudo, será conveniente proceder a algumas alterações nas firmas das sociedades que, no entanto, estarão totalmente isentas de emolumentos. Por outro lado, será fixado um prazo dentro do qual as sociedades terão de proceder a essas alterações, findo o qual será a própria Conservatória a, oficiosa-mente, promover as alterações, sem encargos para as pessoas e sem que ocorra qualquer sanção ou penalidade para os comerciantes. Procurou-se um sistema transitório que seja o menos custoso possível, corolário da nossa intenção de não onerar excessivamente os operadores e facilitar ao máximo a sua transição para o novo regime.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Mais algum Sr. Deputado deseja intervir sobre esta matéria?

(Pausa)

A Sr.ª Presidente: Não havendo mais nenhum pedido para o uso da palavra sobre esta matéria, podemos passar a analisar o parecer sobre o projecto do Código Civil de Macau.

Entretanto, gostaria de abordar uma questão, também aflorada no parecer, e que se prende com diversas disposições sobre o registo, ou seja, sobre todo o Capítulo V da Lei da Propriedade Horizontal. São disposições que não foram transpostas para o projecto, o que provocou alguma preocupação na Comissão, que manifestou interesse em que fossem salvaguardadas essas regras.

Tem a palavra o Sr. Secretário-Adjunto.

O Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça: Sr.ª Presidente

Por se tratar, efectivamente, de uma questão importante, tivemos ocasião de introduzir uma alteração na norma revogatória que aprova o diploma do Código Civil, com vista a ressalvar essas disposições, sem prejuízo de o novo Código de Registo Predial e o novo Código de Notariado entrarem em vigor até 1 de Novembro. O ideal seria que entrassem em vigor ao mesmo tempo, mas, por uma razão de cautela, introduzimos já essas ressalvas que continuarão em vigor, sendo depois revogadas no Código de Registo Predial.

A Sr.ª Presidente: Mais alguém deseja intervir no âmbito da discussão do projecto do Código Civil?

Tem a palavra o Sr. Deputado Tong Chi Kin.

O Sr. Deputado Tong Chi Kin: Sr.ª Presidente

Gostava que o Sr. Secretário-Adjunto nos esclarecesse quanto à receptividade que as sugestões propostas pela Comissão tiveram no projecto elaborado pela sua tutela.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra o Sr. Secretário-Adjunto.

O Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça: Sr.ª Presidente

Efectivamente, quanto ao Código Civil, foram várias as reuniões havidas com a Comissão.

Fizemos, primeiramente, um apanhado bastante pormenorizado de todas as questões abordadas, que, depois, foram tratadas com todo o cuidado e tidas em conta com o maior respeito. A grande maioria foi traduzida na versão final do projecto.

Se me desse licença, Sr.ª Presidente, passava a palavra ao Sr. Dr. Miguel Urbano para ele fazer um pequeno apanhado do processo de recepção das contribuições da Comissão.

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra o Dr. Miguel Urbano.

O Sr. Assessor do Secretário-Adjunto para a Justiça (Miguel Urbano):

Sr.ª Presidente

Srs. Deputados

De facto, ao longo dos trabalhos, foram colocadas questões pela Comissão no sentido de proceder a alterações ao nível do Código Civil. Sempre que possível, procurámos acolher as sugestões. Por exemplo, no ponto 38, é feita uma crítica sobre uma duplicação de epígrafes relativa a dois artigos consecutivos, pelo que no projecto final tivemos o cuidado de regularizar a situação.

Por outro lado, relativamente à deserdação, considerou-se que o nosso sistema era demasiadamente blindado e restritivo quanto à possibilidade real de proceder a uma deserdação, já que dependia da prática de crimes e de consequente condenação. A deserdação pelos pais aconteceria apenas em casos extremos, não se equacionando que fossem os pais a promover essa condenação. Assim sendo, ao nível do artigo 2001.º, n.º 1, alínea d), considerou-se que, perante situa-ções de violação grave dos deveres dos filhos relativamente aos pais e dos herdeiros legitimários em geral, poderia ser legítima a deserdação.

Sobre os problemas suscitados acerca do testamento marítimo cerrado, em relação ao qual existiria um excesso de formalidades, acolhemos a sugestão feita e simplificámos as formalidades exigidas.

Também, quanto às disposições a favor da alma, albergámos os conselhos dispensados, procedendo a uma alteração, de molde a não relacionar o texto directamente com uma problemática religiosa, mas sim com uma intenção de veneração da memória do falecido, independentemente da religião professada.

Entre outros que poderia enumerar, escolhi estes exemplos como forma de demonstrar a receptividade com que foram recebidas as opiniões e sugestões da Comissão.

Muito obrigado.

A Srª. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Tong Chi Kin.

O Sr. Deputado Tong Chi Kin: Gostaria de colocar mais uma questão.

Quanto ao regime da colação, creio que ele não se conforma com o que se passa em Macau. Não é razoável exigir a adopção de colação para tratar de todas as questões que se relacionam com uma herança. Vejamos: uma pessoa dá um objecto seu a outra e, depois, quando morre, esse objecto regressa novamente à origem para fazer parte do património a herdar? Não me parece que esse tratamento se enquadre minimamente no que ocorre hoje em dia em Macau, pelo contrário, só trará complicações familiares.

Muito obrigado.

A Srª. Presidente: Tem a palavra o Sr. Dr. Miguel Urbano.

O Sr. Assessor do Secretário-Adjunto para a Justiça: Quanto ao problema da colação, trata-se de um instituto extremamente complexo, mas bastante importante e inserido na tradição do sistema jurídico em vigor em Macau. No fundo, a colação pretende criar a ideia de uma presunção, que pode ser ilidida. Esta presunção não é mais do que entender que os pais, ao tratarem com os filhos ou com os herdeiros legitimários, o fazem de maneira igualitária. Neste contexto, quando fazem doações em vida a um filho e não a outros, se entende que isso é assim a título de antecipação da parte da herança que caberia ao beneficiário da doação, recebendo-a antes da abertura da sucessão, ou seja da morte, e não depois como é normal. Por exemplo, um pai faz uma doação em vida a um dos filhos por entender que ele está necessitado desse bem, talvez porque ganha menos dinheiro que os outros herdeiros e vive numa situação económica aflitiva. Supunhámos que há 3 filhos. Se tomarmos o valor de 500 mil patacas para a doação, e se considerarmos que o falecido deixa mais 1 milhão de patacas, rapidamente chegamos à conclusão de que os outros dois herdeiros repartirão entre si o milhão que resta, vendo-se, assim, cada um deles contemplado com 500 mil patacas, já que um deles as recebeu antes da morte do testador, a título de adiantamento. Presumiu-se que o pai ou a mãe, ou ambos, não queriam privilegiar nenhum dos filhos, pelo que a doação em vida se entende como adiantamento do quinhão que o herdeiro teria direito após a abertura da sucessão.

Porém, o próprio regime prevê um conjunto de atenuações que permitem afastar os contornos algo dramáticos que o instituto parece possuir à primeira vista. Desde logo, a restituição, se for devida, dos bens da herança, que o beneficiário da doação recebeu, é feita em valor e não através dos bens recebidos. Desta forma, não é necessário retirar aqueles bens novamente do património do filho e colocá-los de novo na herança. Por outro lado, o doador pode declarar, no momento da doação ou posteriormente, que dispensa a colação e assumir que pretende beneficiar aquele filho face aos outros.

Se considerarmos que existe a possibilidade de dispensa da colação, que as doações manuais não estão sujeitas a colação e que a restituição, a existir, não tem de ser feita em espécie, creio que podemos concluir ser este um instituto razoável. O espírito, que lhe está subjacente, traduz a firme convicção de que os pais querem tratar os seus filhos de forma igual, de que a paternidade significa o desejo de não beneficiar um filho em detrimento dos outros. Assim, achámos que, apesar das dúvidas suscitadas, valia a pena manter este instituto.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto Valente.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Sr.ª Presidente

Srs. Deputados

Fiz parte da Comissão que elaborou o parecer e confesso que o instituto da colação não tem em mim um seu partidário. Apesar da clareza com que nos foi explicado este instituto e das razões avançadas para a sua continuação, creio que a questão fulcral continua a ser o seu ajustamento à realidade de Macau.

Não quero repetir tudo o que foi dito nas reuniões da Comissão, nomeada-mente, os exemplos impressionantes avançados pelos Deputados, mas, de uma maneira geral, não me conto como um adepto desta solução.

Por outro lado, são adoptadas soluções em relação às quais a Comissão gostaria de ver realizados estudos sociológicos que permitissem aferir da sua bondade e ajustamento à realidade de Macau, mas por razões diversas, tal não foi possível. Acabei, por isso, por subscrever o parecer sobre o projecto que, contendo algumas ressalvas, mesmo assim não me satisfez inteiramente. É o caso da que está presente no ponto 131, que peca por pouco elucidativa. Merecia ter sido mais desenvolvida, já que, no texto do parecer, apenas se manifesta alguma reserva quanto a algumas inovações adoptadas.

Em meu entender, não houve tempo para mais e creio que a Comissão falhou ao deixar de explicitar mais profundamente as questões em relação às quais foram manifestadas reservas.

Por outro lado, estou tranquilo, porque nada disto é inultrapassável. As leis evoluem e o próprio Código Civil pode ser alterado no futuro, nada obrigando que se deixe passar muito tempo até que isso aconteça. Se, na altura, o entendimento for no sentido de realizar o tal estudo sociológico, estou certo que ele irá por diante, assim como estou certo de que o legislador não deixará de proceder às alterações que entender adequadas.

Finalmente, podemos estar tranquilos, porquanto, não obstante todas as ressalvas e dúvidas, o parecer é claro no apoio que dispensa ao projecto do Código Civil. Não há crise alguma, nem nada de grave se passou ou que represente uma alteração substancial em relação aos regimes a que estamos habituados.

A título pessoal, gostaria de dizer que as reservas apontadas no parecer não retiram nenhum do imenso mérito deste grandioso trabalho de codificação, que merece nota de realce. Um trabalho desta índole e natureza é muito difícil de conseguir e carece de grande capacidade técnica por parte dos seus responsáveis. Estamos, pois, perante um trabalho de grande mérito, quer no que respeita ao seu conteúdo, quer no que ao esforço despendido diz respeito, quer ainda no que concerne à quantidade de normas localizadas. O Código foi expurgado de todas as referências e soluções que não tinham a ver com Macau, adquirindo assim condições para ser o Código-base para Macau por muitos e muitos anos. Por outro lado, convém não esquecer que este projecto envolveu um trabalho não menos meritório ao nível da tradução, que se revelou dificílima e se prolongou por vários anos.

É claro que se podia ter ido mais além, mas isso pode dizer-se em relação a tudo na vida. O que verdadeiramente interessa é que estamos perante um trabalho histórico, de grande qualidade, e presto aqui a minha homenagem aos autores deste trabalho, que nos deixam um legado de que há muito precisávamos.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Não havendo mais nenhum pedido para o uso da palavra, gostaria de saudar o Executivo pela conclusão deste processo.

Gostava ainda de manifestar o meu maior apreço pelo trabalho desenvolvido por parte de todas as pessoas envolvidas na elaboração do projecto, seja a nível da sua redacção, seja a nível da tradução. Saúdo ainda o Sr. Secretário- -Adjunto que coordenou todos os trabalhos.

Estou certa de que os restantes Srs. Deputados me secundam nos votos de congratulação que, neste momento, de bom-grado endereço aos representantes do Executivo, uma vez que também eles estão convictos de que foram dados passos muito importantes na localização, codificação, modernização e actualização das leis de Macau.

Agradeço a presença do Sr. Secretário-Adjunto e dos seus colaboradores.

Tem a palavra o Sr. Secretário-Adjunto.

O Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça: Sr.ª Presidente

Srs. Deputados

Permitam-me que lhe agradeça as gentis palavras que dirigiu ao Executivo, Sr.ª Presidente, e saliente o facto de que, no fundo, este Código é também o resultado da cooperação muito frutuosa que se desenvolveu com esta Assembleia.

Permitam-me ainda agradecer a colaboração que os membros da Comissão, bem como a Sr.ª Presidente, nos dispensaram, a qual em muito contribuiu para o enriquecimento do Código e para as soluções nele contidas que certamente irão responder da melhor forma aos problemas que a sociedade sente.

Sendo este o Código que mais se relaciona com o nosso dia-a-dia, iremos fazer um grande esforço de divulgação, porque interessa dá-lo a conhecer aos cidadãos de Macau.

Louvo ainda o extraordinário trabalho desenvolvido pelo Gabinete de Tradução Jurídica, essencial para o sucesso desta colossal tarefa.

Recordo que o Código Civil português demorou 20 anos a ser concluído. Esta demora no tempo tão alongada para o concretizar em Portugal evidencia, naquilo que nos diz respeito, quanto a nossa missão se mostrou ainda mais árdua e complexa, uma vez que esteve sujeita a limites temporais particularmente apertados. Assim sendo, não duvido que conseguimos o melhor resultado possível no contexto que envolveu esta operação.

Termino agradecendo o empenho demonstrado por esta Assembleia, e desejando que o Código possa responder, de forma eficaz, às reais necessidades de Macau.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Interrompo os trabalhos por 15 minutos.