* Os dados constantes desta pˆhgina servem somente para consulta, o que consulta da edição ofˆqcial.

COMISSÃO EVENTUAL

DESTINADA A ACOMPANHAR E PARTICIPAR

NA ELABORAÇÃO DOS PROJECTOS

RELATIVOS AOS CÓDIGOS CIVIL,

PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL

Parecer n.º 1/99

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Assunto: Projecto do Código Comercial de Macau

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I

INTRODUÇÃO

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1. Em reunião Plenária do dia 3 de Fevereiro de 1997 foi constituída, "ao abrigo do artigo 42.º do Regimento da Assembleia Legislativa" esta Comissão Eventual cujo objecto resulta claramente recortado pela sua própria designação então encontrada, ou seja, «acompanhar e participar, em coordenação com o Executivo, na elaboração dos projectos relativos aos Códigos Civil, Processual Civil e Comercial». (Proposta de Constituição de uma Comissão Eventual, de 29 de Janeiro desse mesmo ano, subscrita pelos Deputados Lau Cheok Va, Jorge Neto Valente, Leonel Alves e Raimundo do Rosário).

Ao longo deste período a Comissão foi ¡X na medida em que os articulados eram disponibilizados à Assembleia Legislativa ¡X analisando os textos e reflectindo sobre as soluções referentes ao futuro Código Comercial de Macau.

2. Para estes efeitos, o plenário da Comissão Eventual teve oportunidade de se reunir por diversas vezes, algumas das quais com os representantes do Executivo, nomeadamente o Senhor Secretário-Adjunto para a Justiça, bem como com o Coordenador do Projecto, o Dr. Augusto Teixeira Garcia (e colaboradores seus, nomeadamente, os Drs. José Costa e Pedro Valente da Silva).

Estas reuniões permitiram um melhor conhecimento do articulado proposto, bem como a apresentação de sugestões várias por parte dos membros da Comissão, as quais, por diversas vezes ¡X e como adiante se poderá constatar ¡X mereceram pronto acolhimento.

3. A Comissão aproveita o ensejo para, desde já, manifestar a sua convicção de que o modelo de consulta à Assembleia Legislativa que foi encontrado permitiu, sem dúvida, colher alguns resultados satisfatórios, sem embargo de aqui se deixar registado que, por circunstancialismos vários (nomeadamente temporais), a Comissão é convocada a pronunciar-se sobre este ¡X e outros ¡X projecto em condições que se acham longe do ideal.

Apesar de tudo, com verdade se diga que, no seio da Comissão, foi possível achar sensibilidades e sugestões de natureza vária: desde a jurídica à económica, desde a perspectiva teórica à praxis de quem, no dia a dia, lida com a lei mercantil.

4. A Comissão considera dever, em sede de Introdução, deixar registado o apreço pelos responsáveis deste ambicioso projecto, dado que souberam e puderam, com limitações sempre presentes ¡X nomeadamente temporais ¡X levar a bom porto esta empreitada.

Com efeito, e sem prejuízo de observações que se seguirão, afigura-se que o articulado apresentado é merecedor do elogio desta Comissão, quer pela qualidade técnica evidenciada, quer pela (conseguida) adaptação à textura sócio-económica envolvente.

5. Em Março de 1997 foi elaborado, no âmbito da assessoria desta Assembleia, um «Memorando sobre o Código Comercial» que, em jeito de trabalho exploratório, procurava condensar observações e sugestões dos membros da Comissão e, bem assim, apontar algumas ideias para a reforma que agora foi dada a conhecer.

Para além do mais, o referido Memorando serve de repositório do que, sendo sugerido pela Assembleia Legislativa, foi acolhido (ou não) no texto do Projecto do Código Comercial. Por comodidade de referência, o Memorando consta como Anexo I ao presente Parecer.

6. Entretanto, no decurso do processo de consultas conducente à aprovação do Código das Sociedades Comerciais decidiu-se incorporar este projecto no futuro Código Comercial de Macau.

Ora, a Assembleia Legislativa teve já oportunidade de se pronunciar ¡X por Parecer n.º 6/96 da Comissão de Justiça e Segurança ¡X sobre um anteprojecto das Sociedades Comerciais, pelo que, e dado que grande parte das observações então formuladas se mantêm actuais, se junta aquele documento ao presente Parecer enquanto Anexo II.

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II

RAZÕES DA REFORMA

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7. O Código Comercial actualmente vigente em Macau é, grosso modo, o conhecido código de Veiga Beirão, elaborado na década de 80 do século passado, aprovado pela Carta de Lei de 28 de Junho de 1888 e mandado aplicar a Macau ¡X e demais territórios ultramarinos ¡X pelo decreto de 20 de Fevereiro de 1894 (com excepção do n.º 3 do artigo 162.º, do parágrafo 3.º do artigo 164.º e da totalidade do regime do artigo 169.º), ao abrigo do preceituado no artigo 7.º da mencionada carta de lei.

Este decreto de extensão foi publicado ¡X que não o Código em si mesmo ¡X no Boletim Oficial n.º 16, de 27 de Abril daquele mesmo distante ano de 1894.

Posteriormente, foram introduzidas ao longo das muitas décadas de vigência diversas alterações ao Código; quer por diplomas oriundos da República, quer por diplomas locais; quer modificando normativos, quer revogando-os; revogações essas, expressas umas vezes, tácitas outras, o que, naturalmente, não contribuiu para a concretização do almejado princípio da certeza e segurança jurídica.

Entretanto, foi o Código sofrendo as naturais vicissitudes do tempo, sendo, aqui e ali, patente alguma dose de esclerosamento que, por inércia ou desinteresse do legislador de cada momento e lugar, não foram devidamente ultrapassadas.

8. Em Macau equacionou-se a possibilidade de, mais de um século passado sobre a nascença do Código, reformar o provecto diploma de El Rei Dom Luís. E, sem receios, se avançou para uma reforma global do diploma.

Reforçando este intento, para além do carácter vetusto do Código, carreiam--se dois outros argumentos de distinta natureza:

i. Por um lado, o diploma em questão, de código pouco lhe resta, sendo consabida a fragmentariedade do texto em vigor;
ii. E, por outro lado, o consensual imperativo político da localização da legislação portuguesa ainda vigente no Território.

Sendo que um outro mais se poderia acrescentar, qual seja o da adaptação a Macau ¡X suas características próprias e suas necessidades particulares.

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III

APRECIAÇÃO NA GENERALIDADE

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9. Não obstante as reservas ¡X de várias índoles ¡X anteriormente colocadas, a Comissão manifesta, na generalidade, o seu apreço e agrado pelo resultado alcançado, consubstanciado no Projecto em análise.

Com efeito, e na esteira de modernas doutrinas e reformas legislativas no mundo lusófono (Cabo Verde, por exemplo), também em Macau se avançou no caminho da modernidade: ou seja, pela atribuição à empresa do papel de protagonista no enredo da lei comercial.

Resta aguardar para se aquilatar da capacidade de encaixe dos operadores locais (jurídicos, económicos e outros) face às novas concepções e face ainda à escassa produção doutrinária sobre as novidades agora implantadas.

10. Considerando o tempo disponível e, sobremaneira, o espírito que presidiu à constituição desta Comissão Eventual, afigura-se que o Parecer não deverá, por regra, enveredar por um estilo académico, nem por uma via de apreciação na especialidade de cada uma das soluções apontadas no Projecto do Código Comercial.

Nesta medida, o Parecer da Comissão apenas apontará sugestões, críticas ou comentários em determinadas matérias.

Por outro lado, a Nota Justificativa que acompanha o Projecto é, as mais das vezes, bastante para a compreensão de opções tomadas e para a dilucidação de soluções inovadoras; por conseguinte, em regra, não serão tratadas no presente documento, questões aí apresentadas.

11. Quanto à superestruturação do Código, ou seja a sua divisão pelos 4 Livros, a Comissão considera-a ¡X sem prejuízo de observações adiante produzidas ¡X adequada ao ordenamento jurídico de Macau.

É também de opinião que as matérias aí reguladas são, em termos genéricos, justificadas e capazes de construir, no seu todo, um verdadeiro Código Comercial.

12. Matérias há, no entanto, que mereceriam ser incluídas no futuro Código mercantil de Macau.

O exemplo mais pertinente é o da Propriedade Industrial.

Com efeito, mal se compreende que, com todo este patente esforço codificador, não se ache incluído no Código matéria de tão grande relevo ¡X prático e científico ¡X no seio do direito comercial. De resto, a Comissão recorda que, segundo informações de responsáveis pela elaboração do projecto do Código Comercial, a inclusão desta matéria foi, em tempos, considerada.

Questionados sobre o assunto, os representantes do Executivo esclareceram a Comissão de que foi sugerida pelo responsável do projecto a necessidade de se regulamentar devidamente a Propriedade Industrial no Código Comercial, só que, «infelizmente, a tutela do Secretário-Adjunto para a Economia avocou o processo ¡K».

13. Uma outra matéria que poderia, prima facie, merecer o acolhimento dos autores do Código é a do Registo Comercial.

Como, de resto, foi inicialmente pensado, tendo, inclusive, constado de um primeiro esboço de índice do Código Comercial, entregue a esta Comissão Eventual.

Esta questão foi colocada aos representantes do Executivo, os quais esclareceram a Comissão que não houve o tempo suficiente «para a devida ponderação». Recorrendo ainda à Nota Justificativa pode aí ler-se que «Em sede de registo, muito embora no anteprojecto se tivesse optado por regular o direito registral material, entendeu-se que seria mais adequado que a matéria ficasse regulada num único diploma e nessa medida inclui-se apenas normas remissivas». (pág. XXII).

A Comissão é sensível aos argumentos atrás aduzidos.

14. Relativamente a matérias inseridas no Projecto do Código, a Comissão manifesta, na generalidade, a sua concordância e, bem assim, com o esforço de expurgação de institutos e normas que, inadequadamente, se encontram no actual código do direito mercantil.

15. Mas também se dá o acordo ao caminho trilhado, qual seja o de afastar do Código Comercial normas sobre contratos que se acham regulados pela lei civil ¡X isto é, pelo Código Civil. Com isto pretendeu-se «promover a consagração de um regime das obrigações único para o Direito Civil e para o Direito Comercial». (Nota Justificativa, pág. XXXVI)

Consequentemente, não se procedeu à disciplina ¡X neste código, entenda- -se ¡X dos contratos de compra e venda, de mandato e de empréstimo.

16. Relativamente a outras matérias novas que ingressam nas fileiras do Código Comercial, encontramos no texto do Projecto, maxime, no seu Livro III ¡X Da Actividade externa da empresa:

i. Contrato de Agência;
ii. Contrato de Mediação;
iii. Contrato de Concessão Comercial;
iv. Contrato de Franquia ou Franchising;
v. Contrato de Consórcio;
vi. Contrato de Associação em Participação;
vii. Contrato de Locação Financeira ou Leasing;
viii. Contrato de Feitoria ou Factoring.

Todos estes institutos atrás enunciados foram objecto de sugestão, pela Comissão, de inclusão no Código Comercial, pelo que se reitera a concordância com a opção dos responsáveis do Projecto.

17. Assinale-se ainda a inclusão inovatória de outros contratos comerciais como o de publicidade, estimatório, hospedagem, de fornecimento, em geral de contratos bancários e, bem assim, dos contratos de garantia.

18. Verifica-se a inclusão ¡X ou manutenção ¡X de algumas matérias que suscitam da parte de alguns membros da Comissão algumas reservas.

Nesta situação encontra-se a previsão de alguns tipos societários: sociedade em nome colectivo e sociedade em comandita ¡X simples e por acções.

Com efeito, aponta-se o facto de, em Macau, se desconhecer a constituição de qualquer sociedade sob qualquer daquelas formas. Ou seja, não terão passado nunca da letra da lei para a vida económica factual.

Esta questão foi colocada em outros momentos e locais ¡X nomeadamente na Comissão de Justiça e Segurança e na Associação dos Advogados de Macau ¡X independentemente da opção a sugerir. Ou seja, é dado assente, pelo menos, a crise, e consequente equação de sobrevivência, deste tipo societário.

Os representantes do Executivo aduziram em favor da manutenção a opção de «não questionar o articulado do projecto da Lei das Sociedades Comerciais» (da responsabilidade do Doutor Pinto Ribeiro) e, por outro lado, no que toca à sociedade em nome colectivo, recordou-se que o Código Civil remete a disciplina da sociedade civil para a daquela sociedade e, no que respeita às sociedades em comandita, foi dito que, apenas em termos formais é que não são utilizadas, porquanto, em elevada percentagem, as sociedades por quotas são, na verdade dos factos, verdadeiras sociedades em comandita.

Aqui chegados, a Comissão compreende a opção de manter no Código estes tipos societários ¡X sem prejuízo da justeza das críticas a essa mesma opção.

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IV

ALGUMAS OBSERVAÇÕES NA ESPECIALIDADE

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19. Neste ponto ¡X observações em sede de especialidade ¡X é mister advertir que a Comissão Eventual não pretende proceder, como já anteriormente se deixou escrito, a uma análise do articulado do tipo «preceito a preceito». Ou seja, este momento de apreciação do Projecto do Código é, de forma natural e assumida, caracterizado pela sua fragmentariedade. Por outro lado, o registo que aqui se deixa reporta-se, por vezes, a opiniões de membros da Comissão e não à Comissão enquanto tal.

E, refira-se em abono da verdade e da transparência, esperável, dados os constrangimentos ¡X designadamente temporais ¡X que amarram a Comissão a pautar os seus trabalhos pela celeridade e, bem assim, a conjugar e concentrar esforços na superestruturação do sistema do direito mercantil.

É do que, de seguida, se procurará dar relato breve, seguindo, para tal, a ordem estabelecida no texto do Projecto.

20. Artigo 1.º (Empresários comerciais)

No seio da Comissão foi referido que se duvida que a substituição da enraizada expressão «comerciante» por empresário comercial seja benéfica; por outro lado, poderá causar alguns engulhos no plano da tradução.

Os responsáveis pelo Projecto consideraram que, em jeito de inversão do actual sistema, «empresário» passa a ser a designação comum.

21. Artigo 9.º (Quem não pode ser empresário comercial)

Sobre este preceito, questionou-se se, nos termos preconizados na alínea b), o funcionário público está abrangido por esta incompatibilidade. Perante a resposta afirmativa, ou seja, a de que poderá haver casos de exercício ilegítimo, os representantes do Executivo consideraram que, ainda assim, o funcionário público será considerado empresário, sem prejuízo de ficar sujeito às consequências disciplinares previstas na lei competente.

22. Artigo 108.º (Obrigação de não concorrência)

No número 1 deste artigo estabelece-se a regra de que «Quem aliena uma empresa comercial fica obrigado, por um período máximo de cinco anos (¡K) a não explorar (¡K) uma outra empresa comercial que (¡K) seja idónea a desviar a clientela da empresa transmitida» (sublinhado nosso).

Do preceito parece decorrer uma obrigação de não concorrência por um período máximo, não se concretizando, por seu turno, um «período mínimo». Como se achará, então, esse período mínimo: na lei, num qualquer pacto (v.g. no contrato de alienação)?

Foi dito que não se procedeu à estipulação de um período mínimo, não se pretendeu, portanto, fixar um prazo por forma a permitir que, pela praxis, este fosse sendo delineado ou delimitado. Todavia, não se vê, segundo palavras do autor do Projecto, obstáculo à introdução, no preceito legal, de um limite mínimo.

23. Artigo 174.º (Tipos de sociedades comerciais)

Retoma-se aqui a crítica à manutenção de alguns tipos societários ¡X nomea-damente comanditas ¡X bem como se apresenta a dúvida quanto à necessidade de existência de dois tipos distintos de sociedades de responsabilidade limitada.

Sugere-se também a substituição da designação «Sociedade Anónima» por «Sociedade por Acções». Com efeito, aquela designação apenas se justifica por recurso às circunstâncias históricas que estavam na génese deste tipo de sociedades ¡X especificamente regulamentadas ao longo do Capítulo V, do Título I do Livro II. Na actualidade, não mais se pode afirmar o anonimato destas sociedades.

Aliás, em algumas legislações modernas, já se lhes faz referência como «Sociedades por Acções», como, por exemplo, na recente legislação da República Popular da China.

24. Artigos 383.º (Composição da administração) e 454.º (Composição)

Em ambos estes artigos estabelece-se a regra de que o órgão colegial de administração (primeiro caso, sociedades por quotas) e o conselho de administração (segunda situação, sociedades anónimas) são compostos por número ímpar de membros.

Considera-se, na Comissão, que tal previsão é desprovida de sentido, dado ser extremamente fácil frustar a previsão normativa e, por outro lado, faltando um dos membros ¡X logo o órgão passa a estar com um número par ¡X será que se pode retirar a conclusão de que, nestas situações, o órgão colegial fica impedido de funcionar?

Os representantes do Executivo colocados perante estes possíveis efeitos da norma preconizada, consideraram que, porventura, com o recurso a uma regra a inserir nos estatutos societários prevendo um voto de qualidade, poderá o problema ser torneado satisfatoriamente.

Permanece, todavia, o problema, desde logo pela não previsão nos estatutos de qualquer regra; por conseguinte, sugere-se a alteração, em conformidade com o exposto supra, destes normativos.

25. Artigo 848.º (Abertura do cofre)

No número dois deste preceito é estabelecido um regime de abertura do cofre ¡X em caso de morte do interessado ou de um dos interessados ¡X dema-siado apertado, financeiramente custoso e exigente e que se não compadece com as legítimas expectativas e com as necessidades decorrentes, nomeadamente, do relacionamento de bens. Sugere-se, por isso, uma flexibilização do procedimento de abertura por forma a permitir o acesso ao cofre, por exemplo ao cabeça de casal, para se saber o que lá se encontra.

Os responsáveis do Projecto indicaram que irão proceder ao estudo da questão e tentarão alterar o regime que vem preconizado ¡X eventualmente pelo aditamento de um novo número 3 dedicado à abertura do cofre para efeitos de relacionamento de bens.

26. Artigo 849.º (Abertura forçada do cofre)

No que tange a este preceito há a registar que várias críticas lhe foram apontadas ¡X quer quanto ao prazo estabelecido, quer quanto à necessária intervenção do tribunal, quer, ainda, no que diz respeito à participação do magistrado do Ministério Público (aliás, incorrectamente denominado). Em suma, todo o processo se apresenta pesado e inflexível. Assim, a haver intervenção do tribunal, afigura-se indispensável criar uma tramitação por muito enxuta que seja. Relativamente ao prazo ¡X 6 meses ¡X é opinião da Comissão que é manifestamente exagerado. Quanto à intervenção do Ministério Público não se descortina razão válida para tal imposição sobre esta magistratura (que detém já muitas outras e relevantes funções), sugerindo-se, como alternativa, o recurso à AMCM como interventor idóneo na abertura forçada do cofre.

Os representantes do Executivo deram conta da sua compreensão perante as críticas formuladas e, bem assim, da sua disponibilidade para redigir um normativo com soluções diversas das do Projecto.

27. Artigo 854.º (Disponibilidade das coisas dadas em penhor)

A Comissão foi de parecer que faltará uma definição sobre qual o âmbito desta antecipação bancária, sugerindo, por conseguinte, que se proceda a esse recorte legal em nome da clarificação.

O responsável pelo articulado adiantou que não antevê qualquer dificuldade em se introduzir no texto do Código uma noção deste acto comercial.

28. Artigo 889.º (Noção)

Esta norma reporta-se à noção legal do contrato de locação financeira, tendo-se apontado uma habitual confusão com o contrato de «hire-purchase». Com efeito, parece instalada essa confusão, ao menos no plano da prática local (por virtude, com probabilidade, da influência do direito de Hong Kong), particularmente quanto à questão da necessidade de haver um preço final. Esta poderá, aliás, constituir a razão pela qual o diploma avulso que hoje regula a matéria não ter recebido acolhimento por parte dos operadores locais.

Os representantes do Executivo compreenderam os receios (manutenção de um grau de adesão quase nulo) assinalados e esclareceram a Comissão que, nos termos do n.º 3 do artigo 892.º, o valor residual pode passar a ser diminuído até 2%.

29. Artigo 930.º (Direitos do titular da garantia flutuante)

No seio da Comissão houve quem tivesse solicitado esclarecimento sobre a questão do (necessário) registo da garantia flutuante; ou seja, é preciso saber onde e como será efectuado esse registo.

O esclarecimento da questão foi feito afirmando-se que o registo haverá de ser feito na conservatória competente do registo comercial, quer na constituição, quer na fase da consolidação da garantia.

Este constitui mais um caso que ilustra bem a necessidade de, com celeridade, se editar o novo diploma sobre o registo comercial.

30. Informação e divulgação

Neste particular aspecto, a Comissão apenas pretende realçar a necessidade de se proceder a uma ampla informação e divulgação do Código junto dos seus destinatários e operadores: advogados, auditores, bancos, seguradoras, empresários em geral, associações de empresários, para só nomear alguns. Sublinha-se, a propósito, a acção de discussão pública recentemente levada a efeito por ocasião da apresentação do Projecto.

As acções de divulgação poderão, e deverão, ser levadas a cabo pelo Executivo em colaboração com associações representativas daqueles anteriormente identificados.

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V

CONCLUSÕES

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31. A Comissão reitera que não dispôs das condições ideais para proceder em tempo útil a uma análise mais aprofundada ¡X como era sua intenção inicial ¡X sobre o Projecto, nomeadamente em virtude de a versão chinesa do articulado não ter sido disponibilizada em simultâneo com a versão portuguesa. De todo o modo, não quer deixar de registar que sempre recebeu do Executivo, do Autor do Projecto e demais colaboradores, inteira disponibilidade.

Por outro lado, a Comissão está convicta de que, no essencial, o Projecto é de acolher, sem prejuízo das observações e críticas antes formuladas, constituindo um bom exemplo da concretização de um articulado com o enlace entre uma coerência dogmática e a atenção às realidades e necessidades locais.

32. Em conclusão, a Comissão é de parecer:

a) que o Projecto se apresenta, na generalidade, merecedor de uma apreciação positiva; e,

b) atendendo à relevância do Projecto e da reforma que incorpora, sugerir à Senhora Presidente o agendamento para reunião plenária a apresentação e discussão do presente parecer.

Macau, aos 15 de Julho de 1999.

A Comissão, José Manuel Rodrigues (Presidente). ¡X Chan Kai Kit ¡X Miguel de Senna Fernandes ¡X Jorge Neto Valente ¡X Leonel Alves ¡X Leong Heng Teng ¡X Tong Chi Kin ¡X Victor Ng ¡X Lau Cheoc Va (Secretário).

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ANEXO I

MEMORANDO

sobre o

CÓDIGO COMERCIAL DE MACAU

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I

Introdução e Justificação da Reforma

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1. O Código Comercial actualmente vigente em Macau é, grosso modo, o conhecido código de Veiga Beirão, elaborado na década de 80 do século passado, aprovado pela carta de lei de 28 de Junho de 1888 e mandado aplicar a Macau ¡X e demais territórios ultramarinos ¡X pelo decreto de 20 de Fevereiro de 1894 (com excepção do n.º 3 do artigo 162.º, do parágrafo 3.º do artigo 164.º e da totalidade do regime do artigo 169.º), ao abrigo do preceituado no artigo 7.º da mencionada carta de lei. Este decreto de extensão foi publicado ¡X que não o Código ¡X no Boletim Oficial n.º 16, de 27 de Abril do mesmo ano de 1894.

Posteriormente, foram introduzidas ao longo das muitas décadas de vigência diversas alterações ao Código; quer por diploma da República, quer por diploma local; quer modificando normativos, quer revogando-os; revogações essas, expressas umas vezes, tácitas outras (veja-se, para uma aproximação ao problema, Sistematização da Principal Legislação no Domínio do Direito Comercial e de Algumas Actividades Económicas, Revista Jurídica de Macau, vol. II, n.º 3, 1995).

Entretanto, foi o Código sofrendo as naturais vicissitudes do tempo, sendo, aqui e ali, patente alguma dose de esclerosamento que, por inércia ou desinteresse do legislador de cada momento e lugar, não foram devidamente sanadas.

Em Macau, agora, como em Portugal em anteriores momentos, equaciona- -se a possibilidade de, mais de um século passado sobre a nascença do Código, reformar o provecto diploma de El Rei Dom Luís.

Reforçando este intento, para além do carácter vetusto do Código, carreiam--se dois outros argumentos de distinta natureza:

i. Por um lado, o diploma em questão, de código pouco lhe resta, sendo consabida a fragmentariedade do texto em vigor;
ii. E, por outro lado, o consensual imperativo político da localização da legislação portuguesa ainda vigente no Território.

2. No que respeita à avançada idade do código de comércio, são por demais conhecidos os inconvenientes de tal facto, desde logo pelas profundas evoluções verificadas nos planos jurídico, económico e tecnológico.

Basta, a este propósito, relembrar que, por exemplo, não há (naturalmente) qualquer previsão quanto ao contrato de transporte aéreo ¡X tendo motivado algum debate académico a determinação da comercialidade destes contratos.

Como também não existe regulamentação no Código (e fora dele) de modernos e importantes contratos comerciais como a agência ou a franquia, celebrando-se estes como contratos atípicos, ao abrigo do princípio da liberdade contratual.

Também não é de olvidar, para fornecer mais um exemplo, o impacto produzido pelas entradas em vigor da Constituição de 1976, do Código Civil de 1966 e, bem assim, da reforma que este último sofreu em 1977, e, ainda, pela aprovação do Código de Processo Civil.

Despiciendo seria, pois, avançar mais por este caminho com o intuito de encontrar justificação para a reforma do Código Comercial, «relíquia venerável do movimento codificador oitocentista¡K instrumento de todo desajustado às realidades e urgências da vida económica contemporânea¡K» (Ferrer Correia, Sobre a Projectada Reforma da Legislação Comercial Portuguesa, Temas de Direito Comercial e Direito Internacional Privado, Almedina, pág. 25).

Questão diversa é a de saber qual o caminho a seguir, devendo determinar--se, de imediato, se a opção deverá recair na codificação, ou se, outrossim, na descodificação.

3. Relativamente ao carácter fragmentário do texto em vigor (não esquecendo que, por natureza, o direito comercial constituirá de algum modo uma especialização fragmentária do direito privado comum, cfr. Oliveira Ascensão, Direito Comercial, I, 1988, págs. 30 e segs.), pode-se afirmar, com alguma cautela no que a Macau respeita, que «O que resta, assim, da velha lei de Veiga Beirão não passa de farrapos esparsos de normas, de importâncias diferentes¡K» (Pinto Furtado, Disposições Gerais do Código Comercial, Almedina, 1984, pág. 6.).

Com efeito, coabitam com o mutilado Código, inúmeras leis extravagantes, nem sempre informadas por um espírito e por uma técnica legislativa uniformes, sendo, por vezes difícil ajuizar, com rigor, quais as normas que hoje efectivamente sobrevivem e com que contornos, com especial relevo para eventuais revogações não expressas, para a inconstitucionalização de preceitos e para os efeitos adve-nientes da tirada de assentos.

Se bem que, por paradoxal que possa parecer, a situação no ordenamento jurídico de Macau seja, acentuadamente, mais pró código, do que aquela a que se assiste em Portugal ¡X neste espaço jurídico ainda sobrevivem, por contraposição ao tecido legal português, as normas relativas às sociedades comerciais, à conta em participação, à firma, aos correctores, às bolsas, à responsabilidade do capitão pela carga, ao conhecimento, ao fretamento, e, dubitativamente em alguns dos casos, várias normas do capítulo I, do título II, do Livro primeiro ¡X é inegável que, também no Território, o Código é esparso. Por conseguinte, cá, como lá, urge reformar o Código Comercial.

Aprofunde-se, pois, um pouco mais esta matéria ¡X desde logo como um exercício de tentativa de delimitação, quantitativa e qualitativa, da realidade jurídica sobre a qual se debruçará a reforma.

O Código Comercial de 1888 continha, na versão original mandada aplicar a Macau, 748 artigos distribuídos por 4 Livros: Do comércio em geral, Dos contratos especiais de comércio, Do comércio marítimo, Das falências.

Ao longo deste mais de um século de vida insegura, foram expressa ou indubitavelmente desentranhadas do Código diversas matérias.

Assim, e com uma ordenação referenciada ao Código:

a) Registo Comercial, artigos 45.º a 61.º, revogados pelo Decreto-Lei n.º 42 644 e pelo Decreto n.º 42 645, estendidos a Macau pela Portaria n.º 22 139, com publicação no B.O. n.º 35, de 27 de Agosto de 1966;.
b) Títulos de Crédito (Letras, Livranças e Cheques), artigos 278.º a 343.º, afastados pelas várias Convenções de Genebra de 7 de Junho de 1930, em matéria de letras e livranças, e pelas Convenções de Genebra de 19 de Março de 1931, em matéria de cheques, todas publicadas em Suplemento ao B.O. n.º 6, de 8 de Fevereiro de 1960, e expressão, neste domínio, de uma vertente da internacio-nalização do sistema jurídico de Macau;
c) Transporte Marítimo de Passageiros, artigos 563.º a 573.º, revogados pelo Decreto-Lei n.º 51/89/M, de 21 de Agosto;
d) Falências, artigos 692.º a 749.º, eventualmente revogado pelo Código das Falências, de 1899 (não se dispõe, para já, de dados quanto à eventual entrada em vigor deste diploma em Macau), concerteza pelo vigente Código de Processo Civil de 1961, estendido a Macau n.º 19 305, a propósito do processo de falência.

Terão também cessado a sua vigência os artigos 5.º, 8.º, 9.º, 11.º, 16.º (porventura também o artigo 15.º dado que a sua redacção original não se afigura de fácil compaginação com os preceitos relevantes da Constituição Portuguesa), por virtude da aprovação do Código Civil/reforma de 1977, do Código de Processo Civil e ainda, por resultado da Constituição de 1976.

Na verdade, e contrariamente ao que se processou em Portugal, através do Decreto-Lei n.º 363/77, de 2 de Setembro, não se condicionou o Código às injunções constitucionais.

Por outro lado, subsistem dúvidas em domínios como os dos juros, operações de banco, comércio marítimo, não sendo fácil descortinar com rigor a manutenção, ou não, da vigência de alguns daqueles preceitos.

À guisa de conclusão de índole quantitativa, parece legítimo afirmar que poderão restar em vigor ¡X hoje ¡X cerca de 580 artigos.

Numa outra óptica, matérias comerciais há que ¡X para além das atrás citadas ¡X embora reguladas, não se encontram sediadas no Código, como é exemplo o contrato de locação financeira ¡X Decreto-Lei n.º 52/93/M, de 20 de Setembro.

Poder-se-á então concluir também, pese embora a diferença de grau, que esta situação «verdadeiramente caótica do legislação comercial em vigor torna óbvia a necessidade premente de um ¡K esforço de codificação» revelando-se as normas sobreviventes «insuficientes e antiquadas» (Brito Correia, Direito Comercial, I, AAFDL, 1987, pág. 89).

4. No que tange à determinante da localização, para além das justificações de ordem política ¡X e que aqui não cabem desenvolver ¡X resta afirmar que tal desiderato é, hoje, consensual.

Sempre se dirá que, ao abrigo desta imposição, se deverá aproveitar o ensejo para que, a mais do que uma localização, se proceda, na medida do possível, ou se se preferir, do viável, a uma modernização e adaptação ¡X tendo presente os diversos condicionalismos, senão mesmo espartilhos, vg temporais, com que nos deparamos ¡X do Código.

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II

Possíveis Vias Mestras da Reforma

5. Quando, está-se em crer que em qualquer quadrante jurídico, se é proposto debruçar sobre a matéria da reforma da legislação mercantil, maxime, quando em questão está um Código Comercial, levantam-se inexoravelmente diversas teses e opostos caminhos, esgrimindo-se um manancial, virtualmente inesgotável, de argumentos.

A reforma da legislação comercial, rectius, a opção codificação autónoma é, verdadeiramente, uma vexala questio.

Perfilam-se as seguintes grandes opções:

i. Integração tendencial no Código Civil;
ii. Descodificação;
iii. Codificação autónoma.

6. Logo numa primeira visão das coisas, se pode questionar da bondade, senão da desejabilidade, da codificação autónoma do direito comercial em face do direito privado comum, leia-se, do direito civil.

Também em Portugal esta concepção encontrou adeptos clássicos (veja-se, para desenvolvimentos, Fernando Olavo, Direito Comercial, I, Coimbra Editora, 1979, págs. 18 e segs.), sendo de pontuar que, aquando da constituição, em 1944, da comissão encarregada de elaborar o Projecto do Código Civil, foi-lhe cometida a tarefa de ponderar se se deveria proceder à unificação de todo o direito privado. É que, recorde-se, estava bem fresco o exemplo do Código Italiano, de 1942, que procurou precisamente concretizar esse objectivo.

É legítimo colocar em Macau esta hipótese de trabalho, porquanto, se procede igualmente à tarefa de reforma do Código Civil.

No entanto, para além de desvirtuar o legado jurídico de matriz portuguesa (sublinhe-se que na tradição portuguesa existem verdadeiros Códigos Comer-ciais desde 1833) que se pretende deixar para a RAEM, ¡X e, porque não, e sem qualquer laivo de jactância, importante acervo com potencialidades de constituir referencial para as reformas legislativas da RPC ¡X a magnitude de tal tarefa (Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 19) aconselha vivamente o abandono desta opção,

7. Descodificar o direito comercial acarretaria, desde logo, o espectro da não sobrevivência do direito comercial enquanto ramo autónomo se, como hoje acontece, não se ultrapassar o esquema gizado nos artigos 1.º e 2.º do Código Comercial (ou similares).

Com efeito, que actos, que contratos, seriam comerciais? Cada lei avulsa atribuiria expressamente tal carimbo de mercantilidade aos actos e contratos por si regulados?

E onde se encontraria o regime comum dos actos de comércio, das obrigações mercantis, designadamente quanto à forma, quanto à prova, ou quanto aos juros?

Para além destas interrogações, cabe, naturalmente, chamar aqui à colação o conjunto das indesmentíveis vantagens gerais da codificação, e que não necessitam de qualquer desenvolvimento neste local.

Por outro lado, detêm a mesma valência aqui as considerações supra tecidas a propósito da manutenção da matriz jurídica lusófona. Se está estabelecido um princípio da continuidade do ordenamento jurídico, deve o legislador actual evitar ¡X quando fortes razões inculcadoras de uma opção de sentido contrário inexistam ¡X a introdução de factores de descontinuidade (e descaracterização) desse mesmo ordenamento.

Em resumo, não parece adequada a via da descodificação, pese embora se reconheça a tentação de remeter tudo para uma panóplia de legislação avulsa que, a seu tempo, se irá concretizando.

8. Insinuada entretanto que foi a via pela qual nos parece ser de optar, importa, no entanto, deixar expressamente sufragada a defesa de uma reforma do Código traduzida num novo Código Comercial.

As críticas formuladas às vias possíveis e anteriormente descritas operam simultaneamente como argumentos que militam em favor da codificação, melhor, da codificação autónoma, Não se afigura, no entanto, demais, voltar a sublinhar o acervo de vantagens conaturais à codificação, como parecem demonstrar os exemplos que a comparatística nos diz, desde o Código Comercial Japonês ao Código Comercial Alemão, passando pelo federal Uniform Commercial Code dos Estados Unidos, ou pelo Código Comercial da Coreia do Sul de Janeiro de 1962.

Por outro lado, tendo presente o previsível figurino dos futuros operadores do direito (nomeadamente ao nível dos anos de experiência profissional), estamos em crer que as vantagens da codificação recebem novo alento saindo mesmo reforçadas.

Como também se poderá afirmar que um ordenamento jurídico em transição se autoreforça e protege se transitar em grandes blocos bem definidos, e não numa panóplia de diplomas sem nexo entre si, sem fortes e sedimentados laços de interdependência e, mesmo, sem certezas de vigência anterior à transição de exercício de soberanias.

Os argumentos em favor de uma tese geral de codificação autónoma não se esgotam aqui; na verdade, não é despiciendo lembrar que, quão mais próximo estiver o direito comercial de Macau (como o de qualquer outro ramo do direito, e desde que não se encontre em condições de inadequação à realidade local) do homólogo português, mais enriquecido e variado é o seu suporte doutrinário e jurisprudencial, por poder comungar das máquinas portuguesas produtivas daqueles. Acessoriamente se dirá que, desta forma, se poderão lograr melhores e mais sólidas garantias, no plano dos factos, de não adulteração dos caracteres do sistema jurídico.

Ademais, não representou já uma clara opção coincidente com a que aqui se vem defendendo a elaboração e futura aprovação do Código das Sociedades Comerciais para Macau?

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III

Linhas de Força do Código Comercial de Macau

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9. Assumida que esteja a opção pela codificação, ou seja, pela elaboração de um Código Comercial para Macau, é mister encontrar e traçar as linhas de força pelas quais se deverá aquela orientar. É, por outras palavras, necessário procurar e concretizar uma filosofia enformadora e uma estrutura para o novo diploma.

Em Portugal, é já antiga e recorrente a ideia de uma reforma do Código Comercial com consequente substituição por um outro código.

Com efeito, parece poderem noticiar-se três tentativas formais de elaboração de um novo Código mercantil, através da nomeação de comissões de especialistas:

a) em 1961, com a nomeação, por despacho de 1 de Agosto, de uma comissão;
b) em 1977, comissão presidida por Ferrer Correia;
c) em 1985, pelo Despacho n.º 13/85, do Ministério da Justiça.

A primeira terá, de alguma forma, logrado impulsionar a reforma do direito societário, a segunda elaborou o citado Decreto-Lei n.º 363/77, a terceira terá sido ignorada, tendo sido extinguida, que não formalmente dissolvida (Ferrer Correia, ob. e loc. cit.).

Até por ser a experiência mais recente, vale a pena determo-nos um pouco sobre a comissão de reforma do direito comercial que foi constituída nos anos oitenta.

À comissão, constituída por Ferrer Correia, Vasco da Gama Lobo Xavier, Paulo Sendim, António Caeiro, Luís Brito Correia, Ângela Coelho, Almeno de Sá e Silva e Nogueira Serens, foi cometida a continuação da reforma da legislação mercantil, «dotando os agentes económicos de instrumentos jurídicos modernos e adequados ao desenvolvimento do País», sendo que, numa primeira fase, o objectivo consistia «na regulamentação do estatuto do empresário mercantil singular, da empresa ou estabelecimento comercial e dos títulos de crédito». Os contratos especiais do comércio, as operações de bolsa, a propriedade industrial, entre outros, constariam de um outro faseamento.

De pronto se percebe que, em causa estava uma profunda e extensa reforma da legislação mercantil portuguesa, como nos dá conta Ferrer Correia no trabalho já aqui citado, trabalho esse que, nas palavras do autor, «é, em parte, a súmula dalgumas das principais conclusões a que o referido grupo de trabalho havia entretanto chegado».

Ou seja, era colocado em crise o Código Comercial de Veiga Beirão, já não a codificação, bem pelo contrário.

10. Cabe perguntar que código, então, para Macau?

Um diploma tributário da concepção objectiva, ou diferentemente, um código que perfilhe a orientação subjectiva? O estudo do Direito Comparado fornece exemplos de ambas as orientações.

Devendo, qual viesse a ser a orientação eleita, sofrer uma concretização em modelos puros ou temperados?

Ou então, se se preferir uma outra linha de questionário, caberá perguntar se se pretende, e se é adequado, um diploma na linha do vigente e tão caracteristicamente oitocentista, um código assente numa espinha dorsal que consista na empresa ou no empresário, um código ao jeito do Business Law anglo-saxão?

11. Parece desajustada de todo, senão mesmo tendencialmente impossível, ao menos enquanto tentativa de criação de um ramo autónomo do sistema jurídico (cfr. Orlando de Carvalho, Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial, 1967, pág. 62) a opção megalómana por um Código do Direito dos Negócios.

Com efeito, coexistem, nesta perspectiva globalizante do Direito da Empresa, o direito comercial, o direito fiscal, o direito laboral, o direito administrativo, o direito civil, o que torna insuportável uma regulamentação unitária de todos estes vectores jurídicos, havendo, pois, que «renunciar a um conceito jurídico de empresa decalcado no conceito económico-social» (Brito Correia, cit. pág. 94), como pretendem os defensores do Direito da Empresa.

12. Tese que vem, de há muito, a ser defendida é a da desadequação, no plano técnico-jurídico, da concepção do Código de 1888 que estará «inteiramente superada, e conflitua com o instrumento base da nossa ordem privada, que é o Código Civil de 1966». (Oliveira Ascensão, cit. pág. 19).

Vem ganhando foros de dominador o entendimento de que a concepção que deverá vingar e «que se julga preferível é realmente aquela segundo a qual o direito comercial existe para a empresa mercantil, que lhe deverá constituir o princípio energético». (Ferrer Correia, cit. pág. 31, vide, igualmente, entre outros, Oliveira Ascensão, cit. pág. 12, Brito Correia, cit. págs. 90 e segs.), sem, no entanto, pretender transformar o direito comercial no direito das empresas em acepção já anteriormente referida e proscrita. Ou seja, o eixo condutor do direito mercantil deslocar-se-ia do acto de comércio para a empresa.

Em consequência desta visão actualista do direito comercial, competir-lhe- -ia então, segundo ensinamentos de Ferrer Correia, na obra citada:

¡X Definir o estatuto jurídico do empresário mercantil singular;

¡X Estabelecer as normas aplicáveis às sociedades comerciais;

¡X- Definir o instituto da falência;

¡X Regular a matéria dos direitos sobre o estabelecimento;

¡X Organizar a tutela jurídica da empresa;

¡X Regulamentar a matéria dos negócios jurídicos sobre o estabelecimento;

E, para além disto, regular especificadamente negócios jurídicos que se não concebem senão em conexão com uma empresa: seguros, transporte, agência, entre outros.

Apontando-se, ainda, outras matérias mais, como a propriedade industrial, os títulos de crédito ou os problemas do comércio internacional.

É, sem dúvida, uma aproximação moderna ¡X e adequada ¡X da codificação do direito comercial, mas é, também, um empreendimento gigânteo, que envolve e exige um enorme esforço de reconversão, por referência ao Código de Veiga Beirão, ao nível da filosofia enformadora, ao nível da estruturação, ao nível das soluções, ao nível do preceituado e ao nível da dimensão.

Uma reforma deste calibre pressupõe, necessariamente, recursos e tempo em larga dimensão, que, a inexistirem, poderão hipotecar o sucesso da empreitada, pelo que, atentos os condicionalismos presentes em Macau, desaconselharão que se trilhe este caminho, como de seguida se desenvolverá.

Com efeito, a profundidade e dimensão de uma reforma destas é de tal teor que poderá questionar-se, de pronto, a viabilidade da sua tradução em tempo útil; ou seja, um código destes levará mais tempo a elaborar, mais tempo a discutir nas diversas instâncias, chegando, pois, mais tarde, à tradução, e a esta chegado, necessitando de mais tempo, dado que pressuporá nova conceptologia e acréscimo significativo de preceitos.

Ademais, é de rememorar que a estrutura que previsivelmente irá ter o encargo da tradução do Código Comercial ¡X o GTJ ¡X estará imersa ainda na tradução do Código Civil e do Código de Processo Civil¡K

Por outro lado, e conforme já anteriormente pontuado, a proximidade de soluções entre Macau e Portugal, acarreta abundantes vantagens, como, a título de exemplo que se recorda, o da comunhão de doutrina e jurisprudência.

De qualquer modo, não há notícia de que este Código tenha provado mal em Macau. Será insuficiente, não evitará o deslize para as práticas e soluções mercantis de Hong Kong, mas não tem sido causador de incontornáveis engulhos.

Uma outra motivação reside na circunstância de se afigurar necessária a testagem, porque novo, e novo em muitos aspectos, do Código, o que, eventualmente, não se compadecerá com os anos que sobram à Administração Portuguesa.

Acresce um factor, não jurídico é certo mas que poderá ser importante ao nível político e também no plano da transmissão de confiança quanto à ciclópica tarefa de reforma dos grandes códigos, que se traduz na percepção de que o Comercial poderá ser dos grandes códigos aquele que poderá reunir as melhores condições para ser o primeiro a ver a luz do Boletim Oficial, podendo até perseguir de perto o movimento de codificação mercantil iniciado com o Código das Sociedades Comerciais.

13. Não obstante a atracção forte por um código modelado segundo princípios expostos no ponto anterior, razões várias aconselham (infelizmente, talvez) que se procure um modelo de código realizável plenamente em tempo útil.

Nesta perspectiva, eivada de carregado pragmatismo ¡X transmitido por diversos operadores jurídicos e económicos do Território ¡X parece restar, apenas, a opção por uma mera actualização, adaptação e simplificação do Código actualmente vigente.

Com efeito, na nossa perspectiva, e não obstante se desaproveitar, de algum modo, o ensejo para dotar Macau de um moderno e precursor Código Comercial, afigura-se constituir esta a hipótese que mais se coaduna aos objectivos e constrangimentos presentes.

Nesta conformidade, arrancar-se-ia do identificado elenco de cerca de 530 artigos vigentes, procedendo, então, a uma depuração dessas matérias e normativos até hoje sobreviventes, optando-se, em determinados institutos, pelo seu desentranhamento do Código.

Aproveitar-se-ia também para fazer chegar à sede principal do direito mercantil novas matérias, entretanto surgidas no comércio jurídico e profusamente utilizadas, como, exemplificativamente, os contratos de agência e de locação financeira ou leasing.

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IV

Alguns Subsídios para o Código Comercial de Macau

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14. O Código Comercial que se perspectiva, de acordo com o que se expôs supra, designadamente no que tange às matérias já retiradas do deu seio, poderia concretizar-se no seguinte modelo possível:

Manutenção de dois Livros ¡X Do Comércio em geral e, Dos contratos especiais de comércio.

No que respeita ao comércio marítimo (e, diga-se, do comércio aéreo), a sua regulamentação, «pela sua extensão e especificidade» (Ferrer Correia, cit. pág. 34) poderia ficar em diploma autónomo ¡X sendo que no imediato, à falta de melhor, se poderá no diploma de aprovação do Código ressalvar a manutenção de vigência do actual Livro III.

Quanto às matérias a expurgar do Código poderíamos encontrar as relativas aos seguintes institutos:

i. As Sociedades Comerciais, artigos 101.º a 223.º, e suas firmas, artigos 21.º a 23.º e 25.º, dada a eminente aprovação do Código das Sociedades Comerciais (não sendo, no entanto, de todo inútil ponderar a fusão de ambos).
ii. O Contrato de Seguro, artigos 425.º a 462.º, considerando a existência de legislação avulsa local e a progressiva conquista de especificidade desta matéria, bem como, uma anunciada preparação de uma reforma global do instituto. Sem prejuízo, no entanto, da eventual colocação no Código de um preceito que estabeleça a comercialidade deste contrato e remeta, então, a sua regulamentação para lei avulsa.
iii. Do Comércio Marítimo na sua totalidade, artigos 485.º a 691.º, pelas razões antes enunciadas, a que se deve fazer acrescentar a notícia de preparação de revisão da matéria.
iv. Dos Correctores, artigos 64.º a 81.º, dada a inexistência de bolsas de valores e a não previsível criação destas, pelo que seriam normas supérfluas.
v. Das Bolsas, artigos 82.º a 92.º, pelos mesmos motivos imediatamente antes apontados.
vi. Artigos 5.º, 8.º, 9.º, 11.º e 16.º, por determinantes já atrás apontadas.

Merecendo ponderação para uma eventual expurgação, encontramos ainda:

a) Normas de conflitos, artigos 4.º, 6.º e 12.º (entre outros em matérias específicas), dado parecer aconselhável uma regulamentação unitária ao nível do Direito Internacional Privado, não faltando mesmo quem questione a sobrevivência do actual sistema; por outro lado, ultrapassar-se-iam, assim, alguns dos previsíveis obstáculos ¡X técnicos e políticos ¡X a uma célere concretização do novo Código.
b) Reforma dos títulos de crédito, artigo 484.º, em especial os parágrafos deste preceito, dado o seu carácter processual, sendo mesmo questionável a sua vigência.
c) Contratos de índole laboral, artigos 256.º a 265.º, por exemplo caixeiros- -viajantes, dada a sua natureza laboral, devendo, pois, serem regulados pelas normas próprias do direito do trabalho. De resto, em Portugal, questiona-se mesmo a vigência de alguns destes preceitos (Brito Correia, cit., pág. 50).

Inversamente, relativamente a matérias novas que poderiam ingressar nas fileiras do Código Comercial, encontramos:

i. Contrato de Agência;
ii. Contrato de Mediação;
iii. Contrato de Concessão Comercial;
iv. Contrato de Franquia ou Franchising;
v. Contrato de Consórcio (tendo presente o disposto no futuro Código das Sociedades Comerciais;
vi. Contrato de Associação em Participação, em substituição do contrato de conta em participação;
vii. Contrato de Locação Financeira ou Leasing;
viii. Contrato de Factoring.

Aparentemente vasta e complexa, esta tarefa de enchimento do Código Comercial com matérias da geração jurídico desta segunda metade do século, é, na verdade, bem mais simples do que, uma primeira análise poderia fazer crer.

Com efeito, algumas destas matérias estão já legisladas em Portugal ¡X agência, consórcio, associação em participação, entre outras ¡X pelo que seria fácil a sua importação e acessível o sustentáculo doutrinário e jurisprudencial português. Contrato de locação financeira, por seu turno, está regulado localmente. Outros, como a franquia vingam no comércio jurídico do território enquanto contratos atípicos, não sendo, pois, desconhecidos pelos destinatários de um futuro Código Comercial.

Outras matérias mercantis mais poderiam ser merecedoras de uma importação, como, por exemplo, o arrendamento comercial e industrial e trespasse, usufruto de títulos de crédito, evicção de coisa comprada a comerciante, entre outras, que por circunstancialismos históricos foram regulados no Código Civil (cfr. Fernando Olavo, cit., págs, 58 e 59) ou matérias de publicidade, que já hoje conhecem regulamentação local, sem prescindir, no entanto, do desiderato celeridade.

Em termos de resultados quantitativos, o Código poderá, a final, ficar com cerca de 340/380 artigos, número que, por si, justifica um diploma codificador com o epíteto de Código.

15. Relativamente a alterações no domínio da redacção e solução dos preceitos, deveria reequacionar-se o que vem disposto no artigo 3.º sobre interpretação e integração, podendo optar-se, por exemplo, pela solução dada pelo Código das Sociedades Comerciais.

O artigo 2.º poderia ser clarificado, sem que tal signifique alteração substancial da sua disciplina.

Os artigos 10.º e 15.º, deveriam ter em consideração, designadamente, a versão vigente em Portugal.

16. No que respeita a aspectos formais a merecer acolhimento, apontam-se os seguintes:

a) Estruturação dos preceitos em artigos, números e alíneas;
b) Elaboração de epígrafes, podendo constituir valioso contributo a atribuição oficiosa feita em diversas obras de Legislação Anotada;
c) Modernização e simplificação da linguagem utilizada;
d) Actualização das remissões feitas para o Código Civil.

Estas alterações, das alíneas a) a c), permitem melhor reflectir a evolução do direito de matriz portuguesa ¡X em termos de feitura formal das leis ¡X entretanto verificada e padronizar a produção legislativa.

Por outro lado, afiguram-se, salvo melhor opinião, simples e rápidas de concretizar.

17. Estas, em jeito de súmula, e resultado de uma aproximação inicial e tendencialmente genérica, as observações e sugestões que se oferecem produzir, com o intuito de contribuir para a concretização, desejada tão breve quanto possível, de mais uma etapa na localização e adaptação do ordenamento jurídico de Macau.

Macau, aos 18 de Março de 1997.

O Assessor, Paulo Cardinal.

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ANEXO II

COMISSÃO DE JUSTIÇA E SEGURANÇA

Parecer n.º 6/96

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Assunto: Projecto do Código das Sociedades Comerciais

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I

Por Despacho da Senhora Presidente de 16 de Abril de 1996 foi incumbida esta Comissão de proceder à apreciação informal do projecto do Código das Sociedades Comerciais, tendo em vista o «desejável contributo da A. L. na definição das opções da política legislatura e no ajustamento das soluções concretas à realidade do Território».

No âmbito dos trabalhos desenvolvidos, a Comissão contou com a presença, em várias reuniões, de membros das associações representativas de interesses conexos com o novo diploma, como sejam as associações de auditores de contas e contabilistas existentes em Macau ¡X Associação de Auditores e Técnicos de Contas, a Associação Portuguesa de Técnicos de Contas, Delegação de Macau, a Associação de Auditores de Contas de Macau e a Associação de Contabilistas de Macau ¡X, e bem assim a Associação Comercial, Associação Industrial e Associa-ção dos Importadores e Exportadores, as quais se pronunciaram sobre o projecto em análise, formulando sugestões e debatendo algumas das matérias, em especial esclarecendo a Comissão sobre alguns dos aspectos que mais directamente se prendem com a sua área de actividade.

É ainda de salientar a colaboração do Senhor Dr. José António Pinto Ribeiro, autor do anteprojecto, que a convite da Assembleia Legislativa se deslocou a Macau, tendo participado em várias reuniões da Comissão, prestando esclarecimentos, quer de natureza técnica, quer quanto às opções de política legislativa, enriquecendo e facilitando, de forma expressiva, os trabalhos da Comissão, a qual contou, igualmente, com a presença de representantes do Executivo e Deputados de outras comissões, alargando-se, assim, o debate a outros importantes contributos e promovendo-se de igual modo a diversificação dos problemas equacionados.

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II. Na generalidade

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1. Como se diz na Nota Introdutória ao anteprojecto da Lei das Sociedades Comerciais, da autoria do Senhor Dr. José António Pinto Ribeiro: «As recentes e muito importantes transformações económicas vieram agravar e tornar ainda mais patente a já anterior desadequação da legislação societária vigentes em Macau ¡X o Código Comercial Português de 1888 e a Lei de 11 de Abril de 1901 (Sociedades Por Quotas) ¡X às necessidades dos operadores económicos e ao desenvolvimento do próprio Território e conferiu um carácter de prioridade ¡X dentro do quadro referido de permanente renovação e adaptação da legislação ¡X à elaboração de um anteprojecto da Lei das Sociedades Comerciais de Macau».

2. Do ponto de vista global é possível, como primeira constatação, salientar a coerência dogmática do projecto, que não preteriu um elevado sentido prático das realidades locais e vizinhas e, de forma superior, compatibilizou a matriz portuguesa base com o enquadramento normativo do fenómeno societário na região circundante. Estamos indubitavelmente perante um exemplo de modernização e adaptação legislativas, tributário das responsabilidades próprias do período de transição.

Dois caminhos se abriam, em alternativa, ao legislador: o da recuperação da legislação vigente, através do seu aperfeiçoamento e actualização, ou o da inovação, quer em termos substantivos quer sistemáticos, optando-se pela adopção de um novo texto normativo que substituísse a legislação anterior.

3. A segunda via foi a seguida, resultando num texto unitário, de vocação codificadora, orientado para a prossecução de novos objectivos de política legislativa como sejam:

"(1) Simplificação e economicidade dos procedimentos, quer na constituição quer na vida das sociedades;

(2) Adequação das soluções às necessidades dos agentes económicos, considerando a especificidade do Território e da Zona Ásia-Pacífico, sem prejuízo da tutela dos interesses da sociedade, de terceiros e do interesse público;

(3) Máxima transparência, como condição da liberdade de organização e funcionamento, e responsabilização dos titulares dos órgãos e dos sócios, como condição de segurança e fiabilidade nas relações com terceiros (credores, sócios minoritários e o público em geral)."

4. As questões quanto à opção de fundo relativa à aprovação de um novo Código, a escassos três anos da data da transferência de soberania, foram amplamente discutidos no seio da Comissão, não sendo possível distrair alguns indicadores de apreensão no que diz respeito à oportunidade da inovação, tendo em vista a eficácia e funcionalidade do novo modelo.

Pese embora a consciência real das vicissitudes próprias da aplicação da nova lei, verificáveis em qualquer processo de alteração substancial do direito vigente, a qualidade do texto normativo em presença, a consideração de novos elementos, específicos da experiência jurídica local, o longo período de efectivo debate público destas matérias e a perspectiva sistematizador do novo Código são de molde a facilitar a assimilação pela ordem jurídica local deste importante instrumento de redefinição dos quadros societários face à nova ordem económica.

5. Torna-se, destarte, necessário promover, desde já, a divulgação do novo Código junto dos operadores económicos e do direito desenvolvendo simultanea-mente uma ampla publicitação das novas soluções junto da comunidade em geral, por forma a garantir a adesão dos destinatários da nova lei.

6. O sucesso do novo Código passará em larga medida pela adopção de legislação complementar da máxima relevância prática.

6.1. Assim, é fundamental a definição do Estatuto dos Auditores de Contas, aliada à criação de uma associação ou outro organismo, eventualmente dependente da Administração, que defina os requisitos do acesso à profissão e as regras de certificação de contas.

É importante levar em linha de conta que só em parte se encontram regulamentadas no projecto as contas das sociedades. Como igualmente se menciona na Nota Introdutória do anteprojecto: «Pensa-se que tal matéria deverá ser desenvolvida numa espécie de Plano Oficial de Contabilidade (POC) a conjugar com a criação do regime legal dos auditores e a reforma fiscal em matéria de contribuição industrial e imposto complementar para as sociedades comerciais».

Nas várias reuniões havidas com os representantes dos auditores de contas foram enunciados vários tópicos relativos a estas questões, nomeadamente:

a) Nos Serviços de Finanças apenas está regulamentada a inscrição dos auditores;
b) Não existem normas sobre o exercício da auditoria;
c) No domínio do investimento estrangeiro é frequente a indagação pelos interessados sobre os padrões exigidos na auditoria;
d) Necessidade absoluta de criar uma única instituição que congregue os profissionais das contas e supervisione a actividade da classe.

6.2. Por outro lado, constitui um pressuposto essencial da reflexão em torno do projecto, o conhecimento e discussão do modelo escolhido para o registo comercial, garantindo a sua adequação às soluções do Código, sob pena de se perder no funcionamento do registo aquilo que se pretende simplificar na lei substantiva.

O registo deve ter natureza constitutiva mas não deverá operar-se, por seu intermédio, o controlo da legalidade dos actos. Neste sentido a Comissão adere à ideia do sistema de depósito de documentos e a sua mera conferência formal, remetendo-se o controlo da legalidade para as instâncias judiciais. Esta é, aliás, a solução adoptada em Hong Kong e Singapura, cuja eficácia tem sido abundantemente salientada.

7. Tendo em atenção a abertura da economia de Macau ao exterior e a facilidade de estabelecimento no Território é essencial fazer acompanhar a atracção de investimento estrangeiro com uma definição precisa da autonomia patrimonial das sucursais e filiais de empresas com sede no exterior e, ao mesmo tempo, criar mecanismos legais que facilitem a execução dos bens afectos a essa actividade (protecção dos credores) e que constituem o seu património, prevenindo-se algumas dificuldades surgidas no passado, maxime no tocante à actividade bancária.

8. Do mesmo modo salienta-se a conveniência de regulamentar, simultaneamente com a entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais, os consórcios e os agrupamentos complementares de empresas.

9. No que diz respeito aos quatro tipos societários e à sua manutenção no projecto é importante desenvolver algumas ideias, fundamentalmente no que concerne à sociedade em comandita e ao sentido da sua consagração legal.

O recurso à sociedade em comandita tem vindo a registar nos vários países um assinalável decréscimo para o qual são apontados como causas, para referir as mais significativas, a preferência por formas societárias com limitação da responsabilidade dos sócios, o maior sucesso de outras formas de concentração de capitais, como as sociedades anónimas, e o facto de os sócios comanditários não deterem poderes concretos de fiscalização da vida da sociedade, na medida em que não podem intervir na administração da comandita.

O critério essencial da definição deste tipo societário prende-se com a coexistência de sócios de responsabilidade ilimitada (os sócios comanditados, que podem ser uma sociedade por quotas ou anónima) e de responsabilidade limitada (os sócios comanditários).

A questão de fundo que importa descortinar, com vista a manutenção ou não deste tipo, diz respeito, precisamente, às razões do seu abandono: a desadequação técnica ou apenas uma alteração dos interesses determinantes da escolha do tipo societário.

Daquilo que nos foi possível perceber das indicações doutrinárias, a comandita não foi substituída como instrumento técnico.

Isto é, as sociedades em comandita ainda encerram a virtualidade de prevenir fenómenos como a subcapitalização das sociedades em responsabilidade limitada em que o capital é insuficiente para a realização dos seus fins e, nas palavras do Prof. Raúl Ventura: «verifica-se uma descarga do risco empresarial sobre os credores da sociedade».

Neste sentido, e estando em causa a necessidade de subsistência do conceito de responsabilidade ilimitada, o tipo legal da comandita continuará a justificar- -se, que mais não seja para evitar uma descaracterização da sociedade por quotas.

Como referem Fernando Olavo e Gil Miranda, em Sociedade em Comandita, Notas justificativas, «A sociedade por quotas de responsabilidade limitada, única figura que por alguns tem sido por vezes apontada como candidata à substituição da sociedade em comandita, sofre ela mesma de crises e problemas, cuja solução leva alguns a buscar apoio num alargamento da responsabilidade dos sócios.

Tudo indica, pois, que não seria de boa política legislativa empobrecer o leque de tipos de sociedade constante da lei, mediante a abolição da comandita».

Tudo visto e levando ainda em linha de conta a existência de comanditas na legislação comercial de países próximos como a Coreia, o Japão e Taiwan, a Comissão perfilha o entendimento da manutenção do tipo legal da sociedade em comandita no Código das Sociedades Comerciais de Macau.

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III. Na especialidade

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1. A Comissão entende dever manter-se o processo de constituição das socie-dades com recurso à escritura pública.

A questão da desformalização do acto constitutivo deve ser analisada em relação com os serviços notariais disponíveis em Macau.

Na medida em que, actualmente, o número de notários privados e a eficácia, do serviço prestado permite a constituição rápida de sociedades, dando-se assim resposta às necessidades do tráfego jurídico, a opção por uma maior solenidade na criação das sociedades não só se apresenta como factor de certeza e segurança jurídicas como parece ir de encontro ao desejo dos interessados, que revelam uma acentuada preferência pelo recurso à escritura pública.

Assim, a Comissão entende dever manter-se a forma da escritura pública para a constituição das sociedades comerciais.

2. Questão conexa com a forma do acto constitutivo, diz respeito aos elevados emolumentos notariais praticados, com assinalável repercussão no custo global do processo de constituição das sociedades.

Sendo este um aspecto que poderá influir não só na dinâmica do comércio jurídico, como na captação de investimento externo e até pode condicionar a própria determinação do capital social ¡X promovendo o recurso sistemático a um valor reduzido ou meramente simbólico ¡X a Comissão entende que deve inverter-se o sistema em vigor, adoptando-se uma forma de oneração emolu-mentar fixa, eventualmente seguindo o exemplo dos «actos de valor indeter-minado».

3. No que diz respeito à realização do capital social, foram levantadas algumas dúvidas quanto ao sistema proposto da exigência de comprovação dessa realização, sendo certo que também não será suficiente a mera declaração dos sócios.

Poderá eventualmente equacionar-se a solução ficarem os sócios equacionar--se a solução de ficarem os sócios responsáveis solidária e ilimitadamente pela realização do capital, sujeitos, simultaneamente, à responsabilidade penal decorrente de eventuais falsas declarações.

No mínimo, a manter-se o proposto, deverão ser flexibilizados os prazos de levantamento do capital realizado, previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 15.º do projecto.

4. No tocante ao Conselho Fiscal ficou patente no seio da Comissão a ideia de que o Conselho Fiscal de sócios deve evoluir no sentido da fiscalização por auditores, cuja responsabilidade deve ser acrescida.

O ideal seria avançar no sentido da eliminação do Conselho Fiscal, enquanto órgão da sociedade, e transformá-lo numa auditoria externa e obrigatória a efectuar por auditores ou sociedades de auditores de contas.

Tendo em atenção o que vem proposto neste domínio, deve, no caso de não ter acolhimento uma reforma mais profunda que dê expressão aos princípios acima enunciados, criar-se um leque de hipóteses mais amplo que consagre todas as possibilidades de adopção, ou não, do Conselho Fiscal.

Para tanto, ao n.º 4 do artigo 68.º do projecto deve ser aditado «não se procedendo então à eleição daquele ou procedendo-se à eleição daquele sem integrar um auditor de contas».

5. A existência da figura do Secretário nas Sociedades por Quotas pode levantar alguns problemas. A mobilidade dos funcionários em Macau, tratando--se do responsável por todos os assuntos da sociedade, pode interferir no próprio funcionamento das sociedades.

Poderia considerar-se a possibilidade de, quanto ao Secretário, ao Conselho Fiscal e à Mesa da Assembleia Geral, tornar a sua adopção facultativa, em certos casos, definindo-se o limiar mínimo para a sua imposição.

É também questionável a participação dos Administradores nas reuniões da Assembleia Geral, devendo antes consagrar-se a sua disponibilização para prestar esclarecimentos, se não forem dispensados.

De igual forma é convicção da Comissão que o funcionamento da Assembleia Geral poderá ser facilitado se a condução dos trabalhos competir a um presidente eleito, de entre os sócios, em vez do modelo previsto no n.º 1 do artigo 52.º que atribui aquela presidência ao Presidente da Administração ou outro Administrador.

6. O acto constitutivo deve ser feito nas duas línguas ou, a adoptar-se uma em alternativa, como prevalecente, deve constar de extractos na outra.

Em matéria de Firma, para além do disposto no artigo 8.º, o que é importante é que a análise da confundibilidade das firmas seja feita à luz, não só dos caracteres, como da romanização e tradução dela constantes.

O problema fundamental é o da ausência de definição de critérios para a versão na outra língua pelo que, assim sendo, o caminho a seguir deverá ser o da admissibilidade da existência de várias denominações, controladas quanto aos seus requisitos, individualmente.

7. Considera-se suficiente, para efeitos do artigo 153.º, a publicação dos actos a ela sujeitos, apenas no Boletim Oficial.

Macau, aos 24 de Julho de 1996.

A Comissão, Rui Afonso (Presidente). ¡X Peter Pan ¡X Lau Cheok Va ¡X Raimundo do Rosário ¡X António Correia (Secretário).