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Lei n.º 17/96/M

de 12 de Agosto

Autorização legislativa para aprovação

do Código de Processo Penal

 

Artigo 1.º

(Objecto)

É conferida ao Governador autorização para, no âmbito do novo Código de Processo Penal de Macau, legislar em matéria de prisão preventiva, buscas domiciliárias e quebra do sigilo das comunicações privadas.

 

Artigo 2.º

(Sentido e extensão)

A autorização referida no artigo anterior tem o seguinte sentido e extensão:

a) Constituir um sistema processual penal que se harmonize com o Código Penal, permitindo uma realização célebre da justiça e salvaguardando os direitos fundamentais do arguido, designadamente prevendo a intervenção do juiz de instrução nos actos que afectem mais relevantemente esses direitos;

b) Definir com precisão e clareza os pressupostos e prazos de duração máxima da prisão preventiva, a qual só será aplicável havendo fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos ou em relação a pessoas que tenham penetrado ou permaneçam irregularmente em Macau ou contra as quais estiver em curso processo de entrega a outro Território ou Estado ou de expulsão;

c) Determinar a possibilidade de, em situações de necessidade, se efectuarem buscas domiciliárias e definir as condições em que as mesmas podem ser efectuadas, sendo sempre exigida uma ordem, autorização ou validação judicial para a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade;

d) Consagrar a possibilidade de, em casos especiais, ter lugar a quebra do sigilo das comunicações privadas, designadamente através da apreensão de correspondência e de escutas telefónicas, quando o juiz, através de despacho fundamentado, considere tais actos essenciais para a descoberta da verdade ou para obtenção de provas relevantes.

 

Artigo 3.º

(Duração)

A presente autorização legislativa é válida por um período de 180 dias, a contar da data da sua publicação.

 


 

Proposta de lei n.º 9/V/96

Autorização legislativa para aprovação do

Código de Processo Penal

 

Tendo em atenção o proposto pelo Governador;

Cumpridas as formalidades previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 48.º do Estatuto Orgânico de Macau;

A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 31.º do mesmo Estatuto, para valer como lei no território de Macau, o seguinte:

 

Artigo 1.º

(Objecto)

É conferida ao Governador autorização para, no âmbito do novo Código de Processo Penal de Macau, legislar em matéria de prisão preventiva, buscas domiciliárias e quebra do sigilo das comunicações privadas.

 

Artigo 2.º

(Sentido e extensão)

A autorização referida no artigo anterior tem o seguinte sentido e extensão:

a) Construir um sistema processual penal que se harmonize com o Código Penal, permitindo uma realização célere da justiça e salvaguardando os direitos fundamentais do arguido, designadamente prevendo a intervenção do juiz de instrução nos actos que afectem mais relevantemente esses direitos;

b) Definir com precisão e clareza os pressupostos e prazos de duração máxima da prisão preventiva, a qual só será aplicável havendo fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos ou em relação a pessoas que tenham penetrado ou permaneçam irregularmente em Macau ou contra as quais estiver em curso processo de entrega a outro Território ou Estado ou de expulsão;

c) Determinar a possibilidade de, em situações de necessidade, se efectuarem buscas domiciliárias e definir as condições em que as mesmas podem ser efectuadas, sendo sempre exigida uma ordem, autorização ou validação judicial para a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade;

d) Consagrar a possibilidade de, em casos especiais, ter lugar a quebra do sigilo das comunicações privadas, designadamente através da apreensão de correspondência e de escutas telefónicas, quando o juiz, através de despacho fundamentado, considere tais actos essenciais para a descoberta da verdade ou para obtenção de provas relevantes.

 

Artigo 3.º

(Duração)

A presente autorização legislativa é válida por um período de 180 dias, a contar da data da sua publicação.

Aprovada em    de         de 1996.

A Presidente da Assembleia Legislativa.

Promulgada em    de         de 1996.

  Publique-se.

O Governador.

 


 

Exposicção de Motivos

 

O presente pedido de autorização legislativa visa permitir a aprovação pelo Governador de um novo Código de Processo Penal para Macau.

Nos termos do Estatuto Orgânico de Macau, o Governador, para aprovar o Código de Processo Penal, necessita de autorização da Assembleia Legislativa relativamente a três matérias: prisão preventiva, buscas domiciliárias e sigilo das comunicações privadas.

Estes três institutos representam actos excepcionais que restringem importantes direitos fundamentais dos cidadãos. Daí que, para a sua efectivação, o projecto do Código de Processo Penal exija uma ordem ou autorização judicial, sob pena de nulidade, definindo ainda com clareza e precisão as condições em que essas medidas podem ser concretizadas.

 


 

COMISSÃO DE JUSTIÇA E SEGURANÇA

Relatório preliminar

 

Assunto: Projecto do Código de Processo Penal de Macau

«Eis-me uma vez mais colocado na posição desconfortável, de que a frequência vai já fazendo um hábito, de alguém que transporta sobre ombros frágeis uma espécie de «cabeça de Jano»: uma cabeça que, com os olhos de quem presidiu à Comissão elaboradora do novo Código, é levada a ver neste uma unidade coerente e concludente, enquanto, com o rosto crítico do universitário comprometido com as coisas do processo penal, não pode deixar de problematizar e às vezes mesmo, no mais fundo de si próprio, de pôr em dúvida as soluções do novo direito. E se ao mito de Jano retirarmos o envolvimento próprio da divindade, corremos o risco de que nos fique nas mãos pouco mais que um pesadelo esquizofrénico».

Figueiredo Dias, autor do projecto do Código de Processo Penal de Macau, nas Jornadas de Direito Processual Penal sobre o Novo Código de Processo Penal Português, organizadas pelo Centro de Estudos Judiciários.

 

I – INTRODUÇÃO. NA GENERALIDADE

A adopção de um novo Código, seja qual for o ramo do Direito contemplado, constitui um acto de profundo relevo não só normativo, como também cultural, na medida em que é toda uma filosofia jurídica e um contexto dogmático global que estão na base da codificação, enquanto processo essencial de criação do nosso Direito.

As circunstâncias particulares de um processo invulgar de transferência de soberanias e, mais do que isso, de sucessão cultural na apreensão do fenómeno jurídico, introduzem elementos de incerteza quanto à sorte do modelo adoptado e exigem um profundo conhecimento da realidade social envolvente. A Comissão de Justiça e Segurança, consciente da complexidade técnica decorrente de um processo legislativo com estas características, não pode deixar de salientar o carácter necessariamente «provisório» desta 1.ª leitura do projecto, que se pretende sujeitar a um desejável aperfeiçoamento, fruto da recolha de opiniões dos operadores do direito local e da consideração dos contributos específicos da experiência jurídica macaense.

Sendo inquestionável a necessidade de um novo Código de Processo Penal ou, pelo menos, de uma profunda reforma que proceda à adequação do direito criminal adjectivo não só ao novo Código Penal como à organização judiciária do Território saída da Lei n.º 112/91, de 29 de Agosto e legislação complementar, a via seguida de transposição do código português, com meras adaptações «quantitativas», basicamente ao nível da moldura penal enquanto pressuposto de uma certa consequência processual — determinação da forma do processo, aplicação de uma medida de coacção, atribuição de poderes ao Ministério Público, etc. — já poderá propiciar alguma discussão de fundo, ao nível das opções de política legislativa, ou da ausência destas, nomeadamente quanto ao contexto jurídico penal próprio do Território.

O primeiro destes aspectos, importante pela sua repercussão em todo o processo, diz respeito à deslocação do momento fundamental e decisivo de apuramento dos factos da Instrução para o Inquérito, procedendo-se, em coerência, a um alargamento dos poderes do M.P. e dos órgãos de polícia criminal, subtraindo-se protagonismo ao Juiz de Instrução — que passa a intervir episodicamente — e ao seu papel conformador do respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos suspeitos da prática de um determinado crime.

Sem por em causa a bondade da solução, a Comissão entende ser conveniente proceder ao cotejo deste modelo com a realidade local, nomeadamente quanto aos hábitos, vivências e práticas das várias polícias e deve ponderar-se o grau de consciência cívica dos novos detentores do poder instrutório face às garantias de defesa dos cidadãos.

Por outro lado, o artigo 85.º da Lei Básica ao determinar que se mantém o regime do Tribunal de Instrução Criminal parece apontar para um modelo organizativo de competências mais próximo do actualmente vigente, com a necessária supremacia da fase instrutória e o acento tónico no controlo jurisdicional da investigação criminal.

Uma outra vertente de análise da matéria processual penal compreende, pela sua ampla consagração constitucional, o processo de compatibilização de algumas disposições do projecto com o texto da Lei Fundamental, em vigor em Macau — pelo menos no capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias, como abundantemente tem sido defendido — até 1999. É um exercício necessário, que não encobre qualquer perspectiva redutora da actividade legislativa mas antes pressupõe o respeito de valores essenciais do sistema jurídico português que se pretende que transponham a data de 21 de Dezembro de 1999.

A Comissão enunciou alguns casos de dúvida no confronto constitucional de normas do projecto e, também na especialidade, apontou outros casos em que menos dúvidas se levantarão, quanto ao mencionado vício de inconstitucio-nalidade.

De uma forma geral, é possível encontrar no projecto em análise uma tendência para agravar a posição, jurídico-penal do suspeito da prática de um crime, através do alargamento dos poderes investigatórios dos órgãos de polícia criminal, com o consequente alargamento dos casos em que é dispensado o controlo judicial prévio dos actos a praticar pelas polícias e a inerente diminuição das garan-tias de defesa dos cidadãos no dealbar de uma investigação criminal. Esta observação tem como mero plano de referência as alterações a que o autor do projecto de Macau procedeu relativamente ao Código de Processo Penal Português e constam especialmente sublinhadas na análise na especialidade (a título meramente exemplificativo veja-se o artigo 159.º).

A opção por um modelo de Inquérito — no qual se dilui a intervenção do Juiz como factor de equilíbrio e ponto de referência na protecção dos direitos, liberdades e garantias — deveria, isso sim, significar cuidados suplementares no âmbito da regulamentação da fase essencial e decisiva de apuramento dos factos.

Se é verdade que a solução encontrada — inquérito obrigatório, dirigido pelo M.P. a quem cabe decidir se, em consequência dos factos apurados, acusa ou não, aliado a uma instrução (da competência de um juiz) facultativa — simplificou claramente a estrutura do processo, maxime na sua fase preliminar, a transposição deste desiderato para o projecto de Macau, foi longe de mais, sendo acompanhada do alargamento dos poderes do M.P. e dos órgãos de polícia criminal em que aquele pode delegar o inquérito, o que se traduziu, no caso numa desjurisdicionalização de medidas investigatórias que directa e imediatamente colidem com direitos, liberdades e garantias das pessoas.

Ainda ao nível das grandes questões do projecto, a Comissão manifestou algumas preocupações quanto ao pretendido alargamento da competência do tribunal singular através da fixação, como critério selectivo e residual face ao tribunal colectivo, da medida da pena, abstractamente aplicável, até cinco anos (no código português são três anos) definidora dos crimes a serem julgados por aquele tribunal.

Estará em causa a intervenção de um juiz singular no julgamento de crimes já de uma certa gravidade, relativamente aos quais se admitiria, em tese geral, a dispensa das garantias acrescidas do tribunal colectivo, se o nível de preparação técnica e cultura jurídica dos futuros aplicadores do direito funcionassem, por si só, como garantia suficiente de uma decisão tecnicamente correcta e materialmente justa.

A realidade é, porém, outra e a maioria dos magistrados a exercer funções no Território, com a transferência de soberania, será constituída por juristas chineses, não formados na cultura jurídica portuguesa e com diferentes perspectivas de base no que diz respeito à concretização do ordenamento local, em cada decisão concreta. Compete-nos contrariar este quadro, inevitável, mediante a atribuição ao arguido da garantia de uma melhor ponderação na realização da justiça, através do julgamento por um tribunal colectivo, sempre que esteja em causa um ilícito de certa gravidade.

Por último, em sede de aplicação das medidas de coacção e da obtenção dos meios de prova, são referidas também, na especialidade, várias distorsões de regime que representam a já mencionada tendência genérica de facilitação da actuação policial, no quadro da simplificação da fase preliminar da investigação do crime, em última análise resultado quer da nova posição de dominus do inquérito atribuída ao M.P., quer do novo sentido das relações funcionais entre aquele e os órgãos de polícia criminal.

 

II — ANÁLISE NA ESPECIALIDADE

Artigo 1.º — 1. b) Definições legais

As referências ao Ministério Público, ao longo do Código, devem utilizar maiúsculas, não só procedendo-se como tem sido usual nesta designação mas, igualmente, utilizando a mesma forma do Código Penal.

 

Artigo 8.º Administração da justiça penal

Parece dever concretizar-se melhor a referência aos tribunais, uma vez que nem todos os tribunais têm competências em matéria penal. Em Portugal diz-se os tribunais judiciais. Poderia eventualmente utilizar-se a mesma expressão ou tribunais de jurisdição comum.

 

Artigo 14.º Competência do tribunal singular

Levantam-se muitas reservas quanto ao alargamento da competência do tribunal singular em relação a crimes cuja pena máxima, abstractamente aplicável, for superior a três anos, podendo, no projecto, ir até 5 anos. Deve adoptar-se o mesmo critério do Código de Processo Penal Português: igual ou inferior a três anos.

Embora sem aderir à tese da inconstitucionalidade dos n.os 3 e 4, fica a menção das dúvidas levantadas a este propósito por vários autores, nomeadamente quanto à limitação ao exercício da função jurisdicional pelo Juiz, caso o M.P. entenda que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a três anos ou medida de segurança de internamento por mais do que esse tempo.

 

Artigo 15.º Competência do juiz de instrução

Seria conveniente ter em conta que o artigo 85.º, § 2.º da Lei Básica determina que «Mantém-se o regime do Tribunal de Instrução Criminal».

 

Artigo 21.º Separação dos processos

A referência ao Estado deve ser substituída por Território.

Do ponto de vista da sistematização das alíneas deste artigo poderia integrar-se a alínea c) na alínea a) ficando: «nomeadamente no não prolongamento da prisão preventiva ou no retardamento excessivo do julgamento».

 

Artigo 25.º Casos de conflito e sua cessação

Não se percebe a inclusão do Ministério Público nos conflitos de competência. Com efeito, estando a tratar-se a competência material e funcional dos tribunais em matéria penal, parece que o Ministério Público não deve ser incluído, na medida em que o mesmo não é paralelamente competente, com os tribunais, nem conhece dos crimes na perspectiva do seu julgamento.

 

Artigo 27.º — 4 Resolução do conflito

 

Artigo 30.º — 2 Declaração de impedimento e seu efeito

A utilização num mesmo número de um artigo de vários períodos e o recurso ao «;» não parece a melhor técnica de redacção normativa. Salvo melhor opinião, a cada número ou alínea deve corresponder uma única frase.

 

Artigo 34.º Processo e decisão

Deve avançar-se para uma situação de igualdade dos vários sujeitos processuais, com implicações também nos casos em que o M.P. requerer e for vencido. Parece que deve também ser condenado ao pagamento de soma idêntica à prevista para o arguido, assistente e partes civis.

 

Artigo 43.º Impedimentos, recusas e escusas

Depois de 1999 é que deve ler-se Procurador de Macau e não o inverso. Isto é, a redacção actual deve referir-se ao Procurador-Geral Adjunto.

 

Artigo 55.º — 5 Defensor nomeado

O Código de Processo Penal deveria referir apenas que «o exercício da função de defensor nomeado é sempre remunerado».

Para além disto é proceder a uma regulamentação desinserida sistematicamente do seu local apropriado — a lei da assistência judiciária.

 

Artigo 59.º Representação judiciária dos assistentes

Não se alcançam razões suficientes para a insistente consagração do princípio da representação de todos os assistentes por um único advogado. Deverá também aqui respeitar-se a máxima liberdade na escolha do mandatário que prossiga a defesa de interesses de natureza individual.

 

Artigo 82.º — 1 Língua dos actos e nomeação de intérprete

Este artigo não resolve os verdadeiros problemas levantados pela existência de duas línguas com idêntico estatuto de oficiais. Torna-se necessário regulamentar a articulação entre ambas, nomeadamente pela definição, ou não, de uma língua do processo — a língua veicular — e os termos em que se admite a tradução, bem como o seu valor.

 

Artigo 88.º Exposições, memoriais e requerimentos

O termo «memoriais», embora constante do Código P.P. português, não é muito usual na linguagem jurídica local e poderá levantar algumas dúvidas de interpretação semântica. Porque não utilizar o sinónimo «memorando», mais vulgarizado neste domínio?

 

Artigo 102.º Dificuldades em efectuar notificação ou cumprir mandato

Seria aconselhável, nesta matéria, operar uma remissão para a lei penal substantiva, por forma a incriminar os funcionários que prestem informações falsas relativas à dificuldade em notificar.

No n.º 3, o conceito «sem demora» podia ser substituído por um prazo que introduza certeza na estatuição normativa.

 

Artigo 103.º Falta injustificada de comparecimento

Levanta-se, nesta norma, um problema de constitucionalidade na medida em que a alínea a) do n.º 3 do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (e o artigo 186.º do projecto) apenas admite a prisão preventiva em relação a crimes a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos. Não basta, por isso, que ao crime seja aplicável pena de prisão, para além de que estamos meramente perante a falta injustificada a uma diligência judicial, independentemente do tipo de crime em causa.

Questão diferente é a detenção prevista na alínea e) do mesmo número e regulada nos artigos 237.º-b) e 240.º -1 do projecto, cuja legitimidade não se discute.

Refira-se, ainda, a violação do princípio da subsidiariedade desta medida de coacção.

Duas outras questões foram igualmente levantadas quanto a esta norma:

Por um lado, o montante excessivo a que pode chegar a multa a impor ao faltoso. Com efeito, 4 000 patacas equivalerá a um salário razoável no plano médio das remunerações pagas no Território e, por outro lado, é discutível a atribuição ao M.P. do poder sancionatório consubstanciado na aplicação destas multas. No Código Português este poder compete ao Juiz, mesmo quando a falta injustificada ocorre durante o inquérito.

 

Artigo 122.º — 3 Segredo profissional

Esta norma levanta várias dúvidas, não só ao nível dos princípios, que devem conformar o seu sentido, como também quanto à redacção adoptada em concreto.

Em primeiro lugar alterou-se — relativamente ao Código português — a remissão, quanto aos pressupostos da admissibilidade da quebra de segredo profissional, que ali é feita para o artigo 185.º do Código Penal1 para «que esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal».

Numa matéria tão delicada como esta seria sempre preferível definir com rigor os pressupostos da quebra de segredo profissional em vez de uma invocação genérica e sem contornos de princípios e normas que podem variar consoante as convicções do julgador.

Mas, independentemente da consagração em Portugal, o princípio é sempre discutível no âmbito de uma relação profissional entre advogado e cliente por razões óbvias.

No mínimo deveria introduzir-se uma limitação semelhante à do artigo 172.º, n.º 2 do projecto quanto à existência de fundadas razões para crer que o testemunho que se pretende obter constitui objecto ou elemento de crime.

Refere-se ainda que tem de ser ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa. Em Macau apenas existe tal organismo no que diz respeito aos Advogados, o que poderá constituir uma diminuição de garantias para todas as outras profissões, obrigadas a sigilo profissional mas não organizadas numa associação pública.

Por último, esta audição é em Portugal obrigatória, «ouvido o organismo», ao passo que em Macau é facultativa, «pode ser precedida de audição».

 

Artigo 124.º Segredo do Território

Não se alcança o que seja o «Segredo do Território».

A Lei n.º 6/94, de 7 de Abril, (publicada no B.O. n.º 17 de 26/4/94) define o que é «Segredo de Estado», o mesmo não existindo quanto ao objecto desta norma.

A existência de um sistema de classificação de matérias como «confiden-ciais» não implica a definição de um conceito de «Segredo do Território» que não se coaduna com o seu estatuto jurídico-político e está abrangido no «Segredo de Estado».

 

Artigo 128.º — 3 Primeiro interrogatório judicial de arguido detido

A adopção do sistema português de divisão administrativa territorial, freguesias e concelhos, parece não fazer muito sentido quanto a Macau e, sobretudo, quando a maioria dos arguidos são oriundos da República Popular da China.

 

Artigo 140.º Despacho que ordena a perícia

Qual a razão porque não foi considerada a possibilidade de recurso a consultores técnicos prevista no artigo 155.º do Código português?

 

Artigo 159.º (Revistas e buscas) Pressupostos

Este artigo procede a um aligeiramento dos requisitos para a realização de revistas e buscas, independentemente de autorização da autoridade judiciária.

Assim, enquanto que o Código português limita a referida possibilidade aos casos de:

— terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;

— existam fundados indícios da prática eminente de crime;

— que ponha em causa a vida ou a integridade física de qualquer pessoa.

o projecto do C.P.P. de Macau satisfaz-se com «houver razão para crer que a demora poderia representar grave perigo para bens jurídicos de valor relevante». Diminui-se, por esta via, o controlo judicial (prévio) da realização de revistas e buscas sem, no entanto, contrariar qualquer disposição constitucional.

 

Artigo 162.º Busca domiciliária

Falta a concretização de qual seja o período correspondente à noite, a que o Código português procedeu no n.º 1 do artigo 177.º, ao determinar que: «a busca em casa habitada ou numa sua dependência só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as sete e as vinte e uma horas, sob pena de nulidade».

Poderá entender-se que a não especificação do conceito constitucional de «noite», constante do n.º 3 do artigo 34.º, consubstancia uma inconstitucionalidade por omissão, face ao disposto no artigo 283.º da mesma C.R.P..

O n.º 3 volta a referir-se à associação pública representativa da respectiva profissão, sendo certo que apenas existe a Associação dos Advogados.

 

Artigo 163.º Objectos susceptíveis de apreensão e pressupostos desta

O artigo 163.º do projecto autonomizou o regime das apreensões efectuadas no decurso de buscas ou revistas do regime próprio destas, facilitando a sua prática fora do seu âmbito.

O Código português, no n.º 3 do artigo 178.º, determina que: «As apreensões são autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária, salvo quando efectuadas no decurso de revistas ou de buscas, caso em que lhes são aplicáveis as disposições previstas neste Código para tais diligências».

Isto é, as apreensões só são possíveis, sem prévio despacho da autoridade judiciária, quando tenham lugar no decurso de buscas ou revistas, beneficiando das mesmas restrições à admissibilidade destas:

a) Casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa;
b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou
c) Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão.

O projecto para Macau prevê, no n.º 4 do artigo 163.º, à revelia desta lógica restritiva, a possibilidade de apreensões, sem prévio despacho legitimador, quando as mesmas tenham lugar no âmbito de revistas ou buscas e «quando haja urgência ou perigo na demora».

Por conseguinte, abriu-se uma porta à realização de apreensões — embora sujeitas a validação pela autoridade judiciária a posteriori — fora do quadro das revistas e buscas e sem despacho que as autorize ou ordene.

 

Artigo 184.º Proibição de ausência e de contactos

O Tribunal Constitucional entendeu, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, no Acórdão n.º 7/87, de 9 de Fevereiro, que, estando em causa, através desta medida de coacção, uma privação parcial da liberdade, a mesma deve conformar-se com os requisitos da aplicação da prisão preventiva, isto é, ter por objecto crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos.

A transposição para Macau da versão original do Código português — crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a um ano — incorre em inconstitucionalidade material por violação do artigo 27.º da C.R.P..

 

Artigo 186.º Prisão preventiva

O acrescento da alínea c), tornando admissível a prisão preventiva nos casos em que haja «violação grave das obrigações impostas por aplicação de uma medida de coacção» levanta de novo um problema de constitucionalidade, na medida em que prefigura uma hipótese de prisão preventiva fora dos requisitos do artigo 27.º da C.R.P..

Havendo violação das medidas impostas, o próprio princípio da adequação das medidas de coacção pressupõe a aplicação de uma outra, admissível no caso, como está, aliás, previsto no artigo seguinte (violação das obrigações impostas).

O Código português não consagra esta possibilidade no equivalente artigo 202.º

 

Artigo 188.º (Das condições de aplicação das medidas) Requisitos gerais

A aplicação de qualquer medida de coacção tem como finalidade, para além de outras enunciadas no artigo 188.º, obstar ao perigo de continuidade da actividade criminosa (alínea c) in fine). A aplicação de uma medida de coacção, nesta hipótese, só é compreensível partindo da presunção de que o arguido praticou efectivamente um crime e pretende praticar outros.

Todavia, o n.º 2 do artigo 32.º da C.R.P. obriga-nos a presumir exactamente o contrário, isto é: «Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação». A aplicação de uma medida de coacção nestas circunstâncias parece ser incompatível com o princípio constitucional de presunção de inocência do arguido.

 

Artigo 193.º Aplicação da prisão preventiva em certos crimes

O Código português inverteu o sistema anteriormente vigente de definição de crimes relativamente aos quais era obrigatória a prisão preventiva, os chamados crimes incaucionáveis.

Assim, actualmente, não existindo casos de inadmissibilidade legal de liberdade provisória, é livre a valoração quanto à aplicação da medida adequada, apenas se exigindo uma fundamentação suplementar para a não aplicação da prisão preventiva quanto a certos crimes.

O legislador de Macau entendeu, igualmente, acentuar o carácter subsidiário da prisão preventiva, ao enunciar apenas os casos em que o juiz «deve» aplicar esta medida de coacção.

Não obstante, não foi consagrada nenhuma obrigação adicional de motivação para os casos em que entenda não aplicar a prisão preventiva, o que fragiliza o sentido normativo da imposição de um dever neste contexto.

O n.º 3, in fine, contém um lapso ao referir a «pena de prisão superior a 8 anos». Queria dizer-se, necessariamente 3 anos, porque, senão, estaremos desde logo no âmbito da previsão do n.º 1. O recurso a tipos de crime individualmente considerados pressupõe que a pena aplicável é inferior a 8 anos.

 

Artigo 204.º — 3 Habeas corpus em virtude de detenção ilegal

A remissão efectuada por este número deve ser para o artigo 346.º do Código Penal de Macau.

 

Artigo 208.º Incumprimento da decisão

A remissão efectuada por este artigo deve ser para o artigo 333.º do Código Penal de Macau.

 

Artigo 225.º — n.º 1 b) Denúncia obrigatória

A remissão efectuada por esta alínea deve ser para o artigo 336.º do Código Penal de Macau.

 

Artigo 233.º — 3 Identificação de suspeito e pedido de informações

Optou-se, neste número, por alargar o período constante do n.º 3 do artigo 210.º do Código português de 6 para 12 horas, necessário à identificação, no posto policial, de pessoas que forem incapazes de se identificar ou se recusarem a fazê-lo.

Tratando-se de um constrangimento de natureza pessoal, havendo mera suspeita, e tendo em conta a exiguidade do Território e a maior facilidade nas comunicações, mal se percebe o alargamento deste prazo que colide com a liberdade das pessoas e deve ser limitado a um objectivo preciso de identificação, com o menor alcance possível em sede de restrições aos direitos, liberdades e garantias.

 

Artigo 234.º Revistas e buscas

As revistas e buscas a que previstas configuram medidas cautelares de polícia, cuja urgência exige a sua realização imediata, sob pena de inutilidade, razões pelas quais se admite a sua efectivação independentemente de despacho da autoridade judiciária.

Os termos restritivos em que se admite a sua realização, através do recorte dos pressupostos e condicionalismos de forma bem definida, apontam no sentido de especiais cuidados na formulação.

O autor do projecto de código para Macau entendeu não excepcionar do âmbito desta norma as buscas domiciliárias o que demonstra mais uma vez a tendência para agravar a situação dos suspeitos, atribuindo-se uma maior latitude de poderes aos órgãos de polícia criminal.

Não se deve permitir, em caso algum, a quebra do princípio de que as buscas domiciliárias só podem ser ordenadas ou autorizadas pelo juiz, sob pena de, com base em meros «indícios», permitir-se a violação de direitos fundamentais e a prática de abusos legitimados pela lei.

O n.º 2 do artigo 34.º da C.R.P. diz que: «A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei».

 

Artigo 239.º Flagrante delito

Parece ser preferível a expressão «crime continuado», assim definido no artigo 29.º do Código Penal de Macau, em vez de «crime permanente», cujo conceito se desconhece.

 

Artigo 243.º Condições gerais de efectivação

A redacção deste artigo deve ser melhorada do ponto de vista técnico, não fazendo sentido a utilização de alíneas meramente remissivas.

 

Artigo 252.º Actos que podem ser delegados pelo ministério público nos órgãos de polícia criminal

Também neste domínio o projecto de código de processo penal de Macau se afastou da sua fonte directa o Código português.

Podendo parecer meramente uma questão de forma, onde se diz, em Portugal, «procederem a quaisquer diligências e investigações relativas ao inquérito», alterou-se, no projecto, para «procederem a actos de inquérito».

O inquérito, tal como está estruturado no projecto, é da competência do M.P.2 podendo este, nos termos do n.º 2 proceder a uma delegação genérica nos órgãos de polícia criminal.

Numa matéria tão delicada como esta, a impressão que resulta é a de pura e simplesmente se ter pretendido dissociar o inquérito da tutela do M.P., dando- -lhe um sentido prático de investigação policial, através da figura da delegação genérica, ao arrepio da sua natureza eminentemente judiciária.

Não parece ser a melhor solução, quer do ponto de vista da sua consideração na perspectiva garantística do processo penal, quer no tocante ao equilíbrio que se pretendeu obter com a substituição da instrução — demasiado juris-dicionalizada — por um inquérito, simplificado e eficiente, sem por em causa a conformação e controlo da sua legalidade processual por uma autoridade judi-ciária.

Por outro lado, não incluindo a alínea a) do n.º 2 do artigo 270.º do Código português, admite-se a possibilidade dos órgãos de polícia criminal receberem depoimentos ajuramentados.

Só quando ouvidas pelo M.P. ou pelo juiz as testemunhas devem ser ajuramentadas. No caso de delegação de actos do inquérito que abranjam a recolha de depoimentos estes devem ser prestados, perante a polícia, sem juramento.

 

Artigo 258.º Prazos de duração máxima do inquérito

Seria útil e interessante considerar a adopção do mecanismo do n.º 4 do artigo 276.º do Código português, aliado ao novo instituto da aceleração de processo atrasado (artigos 108.º e 109.º do Código português), atribuindo-se idêntico poder de avocação do processo, quando se excederem os prazos do inquérito, ao Procurador-Geral Adjunto.

 

Artigo 325.º Confissão

Em Portugal basta que o crime seja punível com pena de prisão superior a 3 anos para que não produza efeitos a confissão. No projecto aumentou-se aquele limite para 5 anos. A questão que surge é a de saber qual a diferente valoração da confissão em Macau, para que esta seja admíssivel, com os efeitos previstos na lei, mesmo relativamente a um crime punível com 5 anos de prisão?

Pelo contrário, pareceria mais curial que, num sistema bilíngue, com even-tuais dificuldades de comunicação e possíveis desacertos de tradução, se protegesse melhor o arguido, quando mais grave é o crime de que vem acusado.

 

Artigo 362.º Processo Sumário (Quando tem lugar)

Também aqui se admite o julgamento em processo sumário por crimes puníveis com pena de prisão até 5 anos, ao contrário de Portugal, cujo limite são os três anos.

Valem os mesmos argumentos já avançados quanto ao artigo 325.º, sendo opinião da Comissão que um crime punível com pena de prisão de 5 anos deve ser julgado numa forma processual mais solene e que dê melhores garantias de defesa. Não nos podemos esquecer do profundo processo de localização de quadros e da consequente falta de preparação, pelo menos no espírito do sistema penal português, da maior parte dos aplicadores do direito nos próximos tempos.

 

Artigo 373.º Processo sumaríssimo (Quando tem lugar)

Da pena de seis meses delimitadora da aplicação do processo sumaríssimo em Portugal, alargou-se em Macau para 2 anos.

Valem as mesmas reservas apontadas aos artigos anteriores.

 

Artigo 426.º Publicação do Acórdão

O disposto no n.º 2 deste artigo não faz sentido relativamente ao tipo de competências, todas elas delegadas, dos Secretários Adjuntos. Sem se vislumbrar o sentido útil da norma, no mínimo a remissão deveria ser para o Governador.

 

Artigo 471.º Substituição da multa por dias de trabalho

Seria conveniente apurar da existência de condições de execução desta norma, quando for preenchida a previsão, sob pena de perder-se a ratio do preceito.

 


 

Comissão de Justiça e Segurança

Parecer n.º 5/96

 

Assunto: Projecto do Código de Processo Penal

1. Por Despacho da Senhora Presidente da Assembleia Legislativa, de 9 de Janeiro de 1996, foi remetido a esta Comissão o projecto de Código de Processo Penal de Macau para estudo e análise de eventuais sugestões de alteração, na perspectiva do «desejável contributo da Assembleia Legislativa na definição das opções de política legislativa e no ajustamento das soluções concretas à realidade do Território».

2. Dos trabalhos da Comissão resultou um Relatório Preliminar, nos termos do qual se procedia a uma primeira leitura do projecto do Código do Processo Penal, levantado, quer na generalidade, quer na especialidade, as questões, de alguma forma controvertidas, que mereceram o reparo da Comissão, seja ao nível das opções de política legislativa, seja ao nível da formulação técnica.

3. Ao nível dos princípios estruturadores do projecto destacavam-se as seguintes observações formuladas naquele documento de trabalho:

«O primeiro destes aspectos, importante pela sua repercussão em todo o processo, diz respeito à deslocação do momento fundamental e decisivo de apuramento dos factos da Instrução para o Inquérito, procedendo-se, em coerência, a um alargamento dos poderes do M.P. e dos órgãos de policia criminal, subtraindo-se protagonismo ao Juiz de Instrução — que passa a intervir episodicamente — e ao seu papel conformador do respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos suspeitos da prática de um determinado crime.

Sem pôr em causa a bondade da solução, a Comissão entende ser conveniente proceder ao cotejo deste modelo com a realidade local, nomeadamente quanto aos hábitos, vivências e práticas das várias polícias e deve ponderar-se o grau de consciência cívica dos novos detentores do poder instrutório face às garantias de defesa dos cidadãos.

(...)

Uma outra vertente de análise da matéria processual penal compreende, pela sua ampla consagração constitucional, o processo de compatibilização de algumas disposições do projecto com o texto da Lei Fundamental, em vigor em Macau — pelo menos no capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias, como abundantemente tem sido defendido — até 1999. É um exercício necessário, que não encobre qualquer perspectiva redutora da actividade legislativa mas antes pressupõe o respeito de valores essenciais do sistema jurídico português que se pretende que transponham a data de 21 de Dezembro de 1999.

A Comissão enunciou alguns casos de dúvida no confronto constitucional de normas do projecto e, também na especialidade, apontou outros casos em que menos dúvidas se levantarão quanto ao mencionado vício de inconstitucio-nalidade.

(...)

A opção por um modelo de Inquérito — no qual se dilui a intervenção do Juiz como factor de equilíbrio e ponto de referência na protecção dos direitos, liberdades e garantias — deveria, isso sim, significar cuidados suplementares no âmbito da regulamentação da fase essencial e decisiva de apuramento dos factos.

Se é verdade que a solução encontrada — inquérito obrigatório, dirigido pelo M.P. a quem cabe decidir se, em consequência dos factos apurados, acusa ou não, aliado a uma instrução (da competência de um juiz) facultativa — simplificou claramente a estrutura do processo, maxime na sua fase preliminar, a transposição deste desiderato para o projecto de Macau foi longe de mais, sendo acompanhada do alargamento dos poderes do M.P. e dos órgãos de polícia criminal em que aquele pode delegar o inquérito, o que se traduziu, no caso, numa desjuris-dicionalização de medidas investigatórias que directa e imediatamente colidem com direitos, liberdades e garantias das pessoas.

Ainda ao nível das grandes questões do projecto, a Comissão manifestou algumas preocupações quanto ao pretendido alargamento da competência do tribunal singular através da fixação, como critério selectivo e residual face ao tribunal colectivo, da medida da pena, abstractamente aplicável, até cinco anos (no código português são três anos) definidora dos crimes a serem julgados por aquele tribunal.

(...)

Por último, em sede de aplicação das medidas de coacção e da obtenção dos meios de prova, são referidas também, na especialidade, várias distorsões de regime que representam a já mencionada tendência genérica de facilitação da actuação policial, no quadro da simplificação da fase preliminar da investigação do crime, em última análise resultado quer da nova posição de dominus do inquérito atribuída ao M.P., quer do novo sentido das relações funcionais entre aquele e os órgãos de polícia criminal».

4. Na sequência do Relatório Preliminar realizaram-se várias reuniões de trabalho com a presença do Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça, Dr. Macedo de Almeida, onde foram analisadas as sugestões feitas pela Comissão bem como o acolhimento que estas teriam no texto final do projecto em apreço.

A Comissão entende dever sublinhar a abertura deste membro do Executivo às dúvidas e às sugestões formuladas, maxime na especialidade, sendo disso reflexo a adopção de parte importante das alterações aventadas durante os trabalhos no texto final do projecto, já enviado à Assembleia Legislativa, onde é manifesto o consenso obtido quanto à grande parte das matérias tratadas no Relatório Preliminar.

4.1. Ainda ao nível da instrução, as possibilidades de abertura desta foram aumentadas, não só pelo alargamento das qualificações para constituição como assistente, como pela notificação do arquivamento a mais pessoas, para além da extensão da «acção popular» a todos os crimes públicos em que não há constituição como assistente e, por último, dilatando o prazo de abertura da instrução.

4.2. Foi reequacionada a competência do tribunal singular e limitada aos crimes cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja igual ou inferior a três anos.

4.3. Pela mesma ordem de razões que esteve na base desta alteração, foram alterados os artigos 325.º (no domínio da confissão basta que o crime seja punível com pena da prisão superior a 3 anos para que aquela não seja atendida), 362.º quanto ao processo sumário, a ter lugar por crimes puníveis com pena de prisão até 3 anos.

4.4. Ainda no tocante ao processo sumaríssimo, foi considerada uma maior atenção à vítima, que deve também dar o seu acordo ou não opor-se à solução do recurso a esta forma processual.

4.5. Foi consagrada no n.º 2 do artigo 66.º uma notificação específica para o lesado deduzir o pedido de indemnização cível, no prazo 5 dias, o que não constava do projecto inicial.

4.6. O Executivo acolheu as observações da Comissão no que diz respeito ao artigo 103.º e à possibilidade ali existente de prisão preventiva mas apenas em relação a crimes a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos, respeitando-se o quadro constitucional de admissibilidade da prisão preventiva.

4.7. O mesmo se verificou relativamente ao artigo 186.º, no qual, na alínea c) do n.º 1 era admissível a prisão preventiva quando houvesse violação grave das obrigações impostas por aplicação de uma medida de coacção. Esta alínea foi eliminada tendo em atenção as dúvidas levantadas sobre a sua constitucionali-dade face aos requisitos de aplicação da prisão preventiva — prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos (Vide alínea a) do n.º 3 do artigo 27.º do C.R.P.).

4.8. Procedeu-se, igualmente, à concretização, no artigo 162.º, de qual seja o período correspondente à noite e reduziu-se de 12 para 6 horas o período de detenção para identificação policial.

4.9. Por último, no tocante ao artigo 252.º (Actos que podem ser delegados pelo ministério público nos órgãos da polícia criminal), a Comissão havia suscitado, relativamente ao projecto inicial, as seguintes questões:

«Também neste domínio o projecto de código de processo penal de Macau se afastou da sua fonte directa o Código português.

Podendo parecer meramente uma questão de forma, onde se diz, em Portugal, «procederem a quaisquer diligências e investigações relativas ao inquérito», alterou-se, no projecto, para «procederem a actos de inquérito».

O inquérito, tal como está estruturado no projecto, é da competência do M.P.1 podendo este, nos termos do n.º 2 proceder a uma delegação genérica nos órgãos de polícia criminal.

Numa matéria tão delicada como esta, a impressão que resulta é a de pura e simplesmente se ter pretendido dissociar o inquérito da tutela do M.P., dando-lhe um sentido prático de investigação policial, através da figura da delegação genérica, ao arrepio da sua natureza eminentemente judiciária.

Não parece ser a melhor solução, quer do ponto de vista da sua consideração na perspectiva garantística do processo penal, quer no tocante ao equilíbrio que se pretendeu obter com a substituição da instrução demasiado jurisdicionalizada — por um inquérito, simplificado e eficiente, sem pôr em causa a conformação e controlo da sua legalidade processual por uma autoridade judiciária.

Por outro lado, não incluindo a alínea a) do n.º 2 do artigo 270.º do Código português, admite-se a possibilidade dos órgãos de polícia criminal receberem depoimentos ajuramentados.

Só quando ouvidas pelo M.P. ou pelo juiz as testemunhas devem ser ajuramentadas. No caso de delegação de actos do inquérito que abranjam a recolha de depoimentos estes devem ser prestados, perante a polícia, sem juramento».

Em resultado, condicionaram-se as possibilidades de delegação dos actos de inquérito nos órgãos de polícia criminal, afastando-se a delegação genérica e limitando a delegação a actos de inquérito relativos a tipos legais de crime nela determinados.

5. A alínea c) do artigo 2.º da proposta de lei de autorização legislativa para aprovação do Código de Processo Penal dispõe: «Determinar a possibilidade de, em situações de necessidade, se efectuarem buscas domiciliária e definir as condições em que as mesmas podem ser efectuadas, sendo sempre exigida uma ordem ou autorização judicial para a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade».

5.1. A propósito do correspondente artigo do projecto, 234.º (Revistas e buscas), a Comissão formulou as seguintes observações:

«As revistas e buscas aqui previstas configuram medidas cautelares de polícia, cuja urgência exige a sua realização imediata, sob pena de inutilidade, razões pelas quais se admite a sua efectivação independentemente de despacho da autoridade judiciária.

Os termos restrictivos em que se admite a sua realização, através do recorte dos pressupostos e condicionalismos de forma bem definida, apontam no sentido de especiais cuidados na formulação.

O autor do projecto de código para Macau entendeu não excepcionar do âmbito desta norma as buscas domiciliárias o que demonstra mais uma vez a tendência para agravar a situação dos suspeitos, atribuindo-se uma maior latitude de poderes aos órgãos de polícia criminal.

Não se deve permitir, em caso algum, a quebra do princípio de que as buscas domiciliárias só podem ser ordenadas ou autorizadas pelo juiz, sob pena de, com base em meros «indícios», permitir-se a violação de direitos fundamentais e a prática de abusos legitimados pela lei.

O n.º 2 do artigo 34.º da C.R.P. diz que: A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei».

5.2. O equivalente artigo 251.º do Código de Processo Penal Português contém a seguinte redacção: «1. Para além dos casos previstos no artigo 174.º, n.º 4, os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária, à revista de suspeitos em caso de fuga iminente e a buscas no lugar em que eles se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servir a prova e que, de outra forma, pode-riam perder-se».

Neste sentido, ao não incluir-se no texto do artigo 234.º a excepção «salvo tratando-se de busca domiciliária», parece legítima a conclusão não só da desconformidade constitucional da norma, nos termos referidos, como da contradição face à alínea c) do artigo 2.º da proposta de lei de autorização legislativa.

6. É este, em síntese, o resultado dos trabalhos realizados na Comissão de Justiça e Segurança, tendo por objecto o projecto do Código de Processo Penal de Macau, que mais não pretende do que constituir um quadro de referência da reflexão levada a cabo em torno de tão relevante diploma.

Macau, aos de Julho de 1996.

A Comissão, Rui Afonso (Presidente). — Peter Pan — Raimundo do Rosário — Lau Cheok Va — António Correia (Secretário).

 


 

Extracção parcial do Plenário de 19 de Julho de 1996

 

A Sr.ª Presidente Anabela Sales Ritchie:Vamos aguardar alguns minutos, cumprida que está a primeira parte de nossa reunião para que os Srs. Drs. Macedo de Almeida, Jorge Silveira e Jorge Oliveira tenham a oportunidade de entrar na sala e, neste Plenário, procederem à apresentação de uma proposta de lei de autorização legislativa.

Vamos continuar. Muito boa tarde aos três convidados.

O primeiro ponto da Ordem do Dia de hoje diz respeito à apresentação, na Assembleia Legislativa, do pedido de autorização legislativa para aprovação do "Código de Processo Penal", nas matérias da competência exclusiva da Assembleia, designadamente, prisão preventiva, buscas domiciliárias e quebra de sigilo das comunicações privadas.

Vou dar a palavra ao Sr. Dr. Macedo de Almeida para que faça ao Plenário a apresentação formal do pedido de autorização legislativa.

O Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça (Macedo de Almeida): Sr.ª Presi-dente. Srs. Deputados.

A proposta de lei que hoje é formalmente apresentada à Assembleia Legislativa visa permitir a aprovação de um novo Código de Processo Penal de Macau.

Trata-se de uma iniciativa legislativa fundamental, inscrita pelo Executivo nas Linhas de Acção Governativa nos últimos anos e essencial para o processo de localização das leis desencadeado com a assinatura de Declaração-Conjunta.

O Código de Processo Penal que hoje vigora em Macau é ainda o velho Código de Processo Penal Português de 1929. Aprovado há quase 70 anos, o seu articulado não teve em conta as particulares características de Macau e nunca foi traduzido para a língua chinesa.

O Código de Processo Penal que o Executivo deseja aprovar, uma vez concedida a presente autorização legislativa, baseia-se num anteprojecto apresentado pelo Sr. Professor Figueiredo Dias, o mesmo especialista que preparou o Código Penal de Macau, o que, desde logo, garante a qualidade técnica do articulado e a sua total harmonização com os princípios e soluções consagrados no Código Penal.

O projecto está estruturado numa base acusatória, que assenta numa rigorosa delimitação de funções entre o Ministério Público, o juiz de instrução e o juiz de julgamento. Ao Ministério Público cabe receber a notícia do crime, dirigir o inquérito e deduzir a acusação; ao juiz de instrução compete proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito; e ao juiz de julgamento incumbe decidir as causas e aplicar as penas e medidas de segurança. De salientar também que o projecto confere ao arguido, ao defensor e ao assistente um estatuto de verdadeiros sujeitos processuais, com um efectivo poder de conformação da concreta tramitação do processo como um todo, em vista à sua decisão final.

O Ministério Público surge no processo penal como um órgão de administração da justiça, com a particular função de colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objectividade e estando livre de qualquer interferência.

É dentro deste enquadramento que ao Ministério Público será atribuída a direcção do inquérito, assistido pelos órgãos de polícia criminal, que actuam nesta fase sob a directa orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional, o que é garantia bastante do controlo dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Por outro lado, a intervenção do juiz de instrução no decurso do processo penal reveste-se de particular relevo. Para além de dirigir a instrução, cabe-lhe, durante o inquérito, ordenar, autorizar ou mesmo praticar os actos que se prendem directamente com os direitos, liberdades e garantias do arguido, nomeadamente os relativos à prisão preventiva, às buscas domiciliárias e à violação do sigilo das comunicações privadas.

Pela sua relevância para efeitos do pedido de autorização legislativa agora apresentado a esta Assembleia, justifica-se uma referência mais desenvolvida aos três actos acabados de mencionar.

A prisão preventiva é uma medida de coacção que só pode ser ordenada pelo juiz, não podendo em regra ser aplicada senão relativamente a crimes dolosos punidos com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos. Para crimes com esta gravidade, o Ministério Público e as autoridades de polícia criminal podem ordenar a detenção dos arguidos, devendo nesse caso o detido ser presente ao juiz, para interrogatório, num prazo que não pode ultrapassar as 48 horas.

No que concerne às buscas domiciliárias, elas são autorizadas ou ordenadas por despacho do juiz. Podem, porém, ser ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgãos de polícia criminal, quando houver razões para crer que a demora possa representar grave perigo para bens jurídicos de valor relevante; nestes casos, a realização da busca deve ser imediatamente comunicada ao juiz, para validação.

Finalmente, e em relação aos actos de violação do sigilo das comunicações privadas, cabe exclusivamente ao juiz autorizar ou ordenar a apreensão da correspondência e as escutas telefónicas, valendo o mesmo regime para as conversações ou comunicações transmitidas por qualquer outro meio técnico diferente do telefone.

Devo ainda salientar que o projecto de Código de Processo Penal, que foi inicialmente enriquecido com sugestões apresentadas pelos magistrados do Ministério Público de Macau, está presentemente em fase final de consultas no âmbito do Grupo de Ligação Conjunto, tendo também sido objecto de análise no âmbito da Comissão de Justiça e Segurança da Assembleia Legislativa. Após uma apreciação cuidada do projecto, quer a parte chinesa junto do GLC, quer os Senhores Deputados que fazem parte da referida Comissão, solicitaram diversos esclarecimentos e formularam sugestões úteis quanto à redacção de vários dos seus preceitos, pelo que o seu articulado final representa um consenso generalizado e um instrumento eficaz para o combate ao crime, dentro do respeito dos direitos fundamentais.

Muito obrigado, Sra. Presidente.

A Sr.ª Presidente: Agradeço-lhe, Sr. Secretário-Adjunto, a síntese que nos fez dos elementos essenciais subjacentes ao Código de Processo Penal, pois desta forma, ficamos a par do seu conteúdo geral e também de algumas novidades específicas, dentro do contexto das peculiaridades que caracterizam este território. Foi, efectivamente, uma achega que muito nos ajudará a compreender e a votar a proposta de lei com conhecimento de causa.

Nos termos regimentais, pergunto se algum Sr. Deputado deseja usar da palavra.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Afonso.

O Sr. Deputado Rui Afonso: É só para dar a informação que a Comissão, na sequência daquilo que disse o Sr. Secretário-Adjunto, acompanhou este trabalho e já teve a possibilidade de analisar o texto do Código de Processo Penal que a todos nos foi distribuído.

Em função disso, elaborou um texto que está em tradução e que muito brevemente será distribuído aos Srs. Deputados em tempo útil para o poderem apreciar antes de aqui aprovarmos a autorização legislativa.

A Sr.ª Presidente: Já tenho este relatório há algum tempo. Pormenoriza os trabalhos efectuados no seio da Comissão e, bem assim, algumas questões entretanto ali levantadas. Numa fase posterior, foram presentes ao Executivo muitas sugestões que foram aceites, tal como de resto referiu o Sr. Secretário-Adjunto na parte final da sua apresentação. Creio que muito em breve os Srs. Deputados receberão este relatório, naturalmente nas duas versões, uma vez que está a ser ultimada a tradução para a língua chinesa. Aproveito também para informar que é minha intenção agendar a apreciação deste pedido de autorização legislativa para a próxima sexta-feira, dia 26 de Julho.

Julgo que teremos tempo suficiente para, em consciência, sobre ele nos pronunciarmos, uma vez que o projecto do Código de Processo Penal foi distribuído nos primeiros dias de Janeiro. Tivemos, na verdade, tempo suficiente para estudarmos a matéria com cuidado.

E não havendo mais pedidos de esclarecimento, está feita a apresentação, pelo que agradeço a presença do Sr. Secretário-Adjunto e, bem assim, dos Srs. Drs. Jorge Silveira e Jorge Oliveira.

 


 

Extracção parcial do Plenário de 29 de Julho de 1996

 

A Sr.ª Presidente Anabela Sales Ritchie: Está reaberta a reunião.

Vamos entrar na matéria da Ordem do Dia da reunião de hoje.

Em representação do Executivo, vão assistir à apreciação do primeiro ponto em agenda, o Sr. Secretário-Adjunto, António Macedo de Almeida, entretanto já presente, e, ainda, os Srs. Drs. Jorge Silveira, Jorge Oliveira e Sam Chan Io, cuja presença agradeço a todos em nome do Plenário, assim como o apoio que nos irão prestar.

Vamos dar, então, início à apreciação da proposta de lei de autorização legislativa para aprovação do Código de Processo Penal, Código que a Assembleia recebeu em princípios de Janeiro do corrente ano e que mereceu, estou certa, um estudo atento de todos e particularmente da Comissão de Justiça e Segurança que sobre ele se debruçou e elaborou, primeiro, um relatório preliminar e, depois, o Parecer n.º 5/96. Este parecer relata, como terão observado, os trabalhos da Comissão, chamando a atenção dos Srs. Deputados para algumas questões que levanta e para as soluções relevantes que o Código propõe.

A Assembleia Legislativa regista, com muito agrado, a abertura do Executivo para a aceitação de grande parte das sugestões de alterações preconizadas pela Comissão de Justiça e Segurança, incorporando-as no texto final do projecto do Código que, oportunamente, recebemos nesta Assembleia.

Está aberto o debate, na generalidade, sobre a proposta de lei de "Autorização legislativa".

Dou a palavra ao Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça, Dr. António Macedo de Almeida.

O Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça (António Macedo de Almeida): Muito obrigado, Senhora Presidente.

Srs. Deputados.

Apenas gostaria de prestar dois esclarecimentos a esta Assembleia. O primeiro resulta do facto de, no dia 22 deste mês, a parte chinesa do Grupo de Ligação Conjunto (GLC) ter transmitido à parte portuguesa de que nada tinha a objectar, relativamente ao projecto de decreto-lei que contém e aprova o novo Código de Processo Penal, objecto, por vários meses, de inúmeras reuniões no âmbito do Grupo de Ligação Conjunto. Essa versão a que a parte chinesa teve acesso na parte final das consultas, é já o articulado que incorpora as alterações sugeridas pela Comissão de Justiça e Segurança.

O segundo é para esclarecer que o Executivo também entendeu por bem acolher a última sugestão apresentada pela Comissão de Justiça e Segurança no seu Parecer n.º 5/96 que, em consequência, levou à alteração do artigo 251.º do Código do Processo Penal.

Muito obrigado, Senhora Presidente.

Srs. Deputados.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigada, Sr. Secretário-Adjunto, pelas boas informações que nos forneceu.

Pergunto se algum Sr. Deputado deseja usar da palavra, na generalidade, sobre esta proposta de lei.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Dá-me licença, Senhora Presidente.

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Afonso.

Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Apenas gostaria de notar algo de natureza mais política que propriamente técnica: o facto de, neste processo, Macau vir a possuir um Código de Processo Penal, prova, assim creio, que esta Assembleia, dentro das suas limitações, nomeadamente, da sua capacidade técnica, pode contribuir para a legislação fundamental do Território, tenha ela como fonte principal o Executivo ou, atendendo à sua própria natureza, esta Casa.

Esperamos no futuro, e, aliás, há já indícios disso, que, relativamente aos grandes Códigos, nomeadamente ao Código Civil, cujo processo, embora já encetado, ainda se encontra na fase de gestação, isto é, numa fase prévia a qualquer possibilidade de formalização legislativa, ao Código do Direito Civil e ao Código de Processo Civil que ainda nos faltam, venham a ser uma realidade, já que, quanto ao Direito das Sociedades, como sabemos, foi aqui já anunciado, cabendo depois à Senhora Presidente decidir se deve ou não trazê-lo a Plenário. No entanto, sei que o parecer, aquilo que foi o fruto do nosso trabalho e da nossa reflexão relativamente ao Direito Societário, foi distribuído aos Srs. Deputados.

Em nome da Comissão, agradeço toda a colaboração que nos foi prestada, sempre que a solicitámos, quer pelo Executivo, quer pelos seus colaboradores. Por outro lado, gostaria de sublinhar, ainda, que o produto final tem contributos algo relevantes, fruto dessa reflexão conjunta. Daí crer que Macau terá um Código de Processo Penal importante, porquanto, consagrando toda uma série de direitos, liberdades e garantias (eu diria até que consagra mais direitos e garantias do que qualquer outra lei) é, por natureza, uma lei onde os grandes princípios dos Direitos Humanos, de que, muitas vezes, não nos apercebemos, talvez porque com eles estamos pouco familiarizados, saem salvaguardados. É, por isto, mais importante que qualquer outra lei, em termos de panóplia de garantias que concede aos cidadãos. Daí que me pareça, ao encerrar-se este processo (ou quase, porque agora falta só a publicação do Código), nos devamos congratular pela forma como decorreu e, nomeadamente, pela possibilidade, desde o início, dada a esta Assembleia de intervir no processo.

A nota técnica que aqui gostaria de deixar tem a ver com a vigência. Dos vários operadores de Direito que mais proximamente lidam com esta matéria, recebi uma chamada de atenção durante as conversas que com eles entabulei, (suscitei logo uma opinião sobre o assunto) para a importância de esta lei ter uma "vacatio legis" razoável, pelo menos, de seis meses, com vista a os operadores, não tanto aqueles que têm uma formação jurídica em termos de licenciatura, isto é, os juízes, etc., mas, sim, o pessoal das secretarias ou até a própria polícia, se entrosarem no seu conteúdo, irem elaborando novos impressos e darem as instruções que forem precisas, situações que levarão sempre algum tempo.

Aquilo que depreendi foi, repito, que pelo menos a "vacatio legis", ou seja, o período da entrada em vigor da lei não deveria ser inferior a seis meses.

Deixo esta informação ao Plenário, crendo que também o Sr. Secretário- -Adjunto partilha do mesmo sentimento, pois, eventualmente, tê-la-á tal como eu recolhido algures.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigado, Sr. Deputado.

Tem a palavra o Sr. Secretário-Adjunto.

O Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Relativamente a este ponto específico que diz respeito à vigência do novo Código do Processo Penal, procurei, de facto, indagar junto dos operadores mais directos, designadamente, junto do Ministério Público que futuramente terá um importante papel no âmbito da investigação criminal, datas possíveis. Surgiram três: a primeira seria a 1 de Junho de 1997; a segunda poderia ser a 1 de Maio, uma vez que o Ministério Público entende que o Código deve ter, pelo menos, dois a três meses de prazo, o que seria essencial para que o novo sistema pudesse ser testado antes das férias judiciais do próximo ano; e, por fim, uma terceira data que enveredava por uma vigência mais cedia, ou seja, no dia 1 de Abril. Penso que qualquer uma delas será tida em conta, interessando, sim, que haja tempo para que se instalem os Serviços, se preparem instruções e algumas acções de formação no âmbito das polícias que vão coadjuvar o Ministério Público na investigação criminal e, bem assim, o núcleo de funcionários que irão apoiar a mesma magistratura na aplicação deste Código.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigada, Sr. Secretário-Adjunto.

Perguntava ao Plenário se sente em condições de votar esta proposta de lei na generalidade.

Nada havendo em contrário, passemos, então, à votação da proposta de lei na generalidade.

Os Srs. Deputados que a aprovarem, façam o favor de levantar o braço; os que discordarem, queiram manifestá-lo.

Foi aprovada por unanimidade.

(Pausa)

A Sr.ª Presidente: Ponho à apreciação do Plenário o artigo 1.º.

Julgo podermos passar à sua votação.

Os Srs. Deputados que o aprovarem, façam o favor de levantar o braço; os que discordarem, queiram manifestá-lo.

Foi aprovado por unanimidade.

(Pausa)

A Sr.ª Presidente: Ponho à apreciação do Plenário a matéria do artigo 2.º.

Não havendo nenhum pedido para uso da palavra, passamos à votação da matéria do artigo 2.º.

Os Srs. Deputados que a aprovarem, façam o favor de levantar o braço, os que discordarem, queiram manifestá-lo.

Foi aprovada por unanimidade.

(Pausa)

A Sr.ª Presidente: Ponho à apreciação do Plenário a matéria do artigo 3.º.

Vou passar à votação da matéria do artigo 3.º.

Os Srs. Deputados que a aprovarem, façam o favor de levantar o braço; os que discordarem, queiram manifestá-lo.

Foi aprovada por unanimidade.

Com esta votação, terminámos a aprovação da proposta de lei de "Autorização legislativa".

Dou agora a palavra ao Sr. Secretário-Adjunto.

O Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça: Muito obrigado Senhora Presidente.

Srs. Deputados.

Intervenho apenas para me congratular com a aprovação desta proposta de lei da "Autorização legislativa", relativa ao novo Código Penal que, em breve, será submetido pelo Sr. Governador ao Conselho Consultivo (próxima quarta- -feira), para efeitos de aprovação do respectivo decreto-lei.

Cabe-me ainda registar que, com tal "autorização", concedida por esta Assembleia, se fecha o ciclo dos Códigos dos direitos fundamentais. Aprovado que foi o Código Penal, ficará aprovado o Código de Processo Penal que, juntamente com os pactos internacionais, constituirão uma garantia essencial para a preservação, agora e no futuro, dos direitos fundamentais dos cidadãos de Macau.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Agradeço-lhe, Sr. Secretário-Adjunto, as suas palavras.

Gostaria, fazendo-o também em nome da Assembleia Legislativa, de me congratular com a concessão desta autorização legislativa para a aprovação do Código de Processo Penal. Faço votos, para que, no período de validade desta "Autorização legislativa", o Código venha à luz do dia, pois que esse acto significará um passo gigante no processo da localização de leis que tem vindo a decorrer desde a assinatura da Declaração Conjunta.

Não queria terminar sem deixar de lhe agradecer a presença, sua e demais directos colaboradores e, ainda, todo o apoio que nos prestou ao longo de todo este processo que, em minha opinião, decorreu de forma exemplar.

Interrompo a reunião por alguns minutos.