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COMISSÃO EVENTUAL DESTINADA A ACOMPANHAR

E PARTICIPAR NA ELABORAÇÃO DOS PROJECTOS

RELATIVOS AOS CÓDIGOS CIVIL, PROCESSUAL CIVIL

E COMERCIAL (CEDAPEPRCCPCC)

Parecer n.º 3/99

Assunto: Apreciação do Projecto relativo ao novo Código de Processo Civil de Macau

1. Constituída por deliberação do Plenário tomada em 3 de Fevereiro de 1997, ao abrigo do artigo 42.º do Regimento da Assembleia Legislativa, a CEDAPEPRCCPCC (adiante «Comissão») teve, ao longo de mais de dois anos de existência, um trabalho de difícil agendamento e, também, de complicada compaginação com factores de índole exógena que, de alguma forma, cercearam a consecução, ao ritmo desejável, dos objectivos que a Comissão se propunha atingir.

Em boa hora tomou este órgão de governo próprio a iniciativa de se fazer ouvir nos procedimentos legislativos dos chamados «Grandes Códigos».

Consciente da exiguidade do tempo sobrante até ao termo do primeiro pe-ríodo de transição — incompatível com a maior morosidade ínsita à actividade legiferante colegial — e, também, da complexidade técnico-jurídica das grandes codificações — a exigir um labor exclusivo, intensivo e exaustivo de juristas especializados, naturalmente inviável numa assembleia com competências e preo-cupações político-legislativas genéricas —, a Assembleia Legislativa (adiante «AL») não quis deixar de se pronunciar sobre tamanha tarefa de edificação jurídica e de conformação e tutela dos direitos subjectivos, das relações privadas, do comércio jurídico; numa palavra, de uma importante dimensão da «maneira de viver» existente em Macau, o tal modus a perdurar, de harmonia com o princípio da continuidade, pelo menos até 2049, nos termos da Declaração Conjunta Luso--Chinesa sobre a Questão de Macau. (DCLC).

Na verdade, sendo a AL o único órgão constitucional localmente constituído, o seu contributo, legitimado pela representatividade política dos seus Deputados, afigura-se desejável, exigível até, e capaz de fomentar um maior consenso em torno dos novos códigos.

2. A circunstância de a elaboração dos projectos dos Códigos Civil, Comercial e de Processo Civil ter arrancado somente em 1996, seguindo um esquema faseado por Livros, após consulta no seio das respectivas comissões consultivas, determinou que os textos fossem enviados à Comissão em datas muitos recentes, e de forma necessariamente parcelar, impedindo, como é natural, uma análise estruturada e cabal, na generalidade, dos domínios normativos em causa.

O contexto descrito condicionou, objectivamente, a actividade da Comissão, a qual preferiu, no intuito de obter uma mais completa — e sistemática — visão de conjunto dos projectos em causa, aguardar pela disponibilização de todos os textos definitivos atinentes a cada um dos Códigos, nas suas versões em língua portuguesa e chinesa.

3. No que ao projecto do CPC (adiante «P-CPC») se refere, o seu 5.º e último Livro foi remetido a esta Comissão apenas em 11 de Janeiro deste ano, tendo-se naturalmente esperado pela finalização, ocorrida em 11 de Fevereiro, da longa sequência de reuniões de trabalho tidas com o Executivo, sempre representado pelo Senhor Secretário-Adjunto para a Justiça, Dr. Jorge Silveira, pelo Coordenador da comissão de redacção do projecto, Juiz Desembargador Dr. Borges Soeiro, pela Assessora do Gabinete do Secretário-Adjunto para a Justiça (GSAJ), Dr.ª Isabel Alexandre, e por Técnicos do Gabinete para a Tradução Jurídica e do Gabinete para os Assuntos Legislativos.

Refira-se, desde já, a pronta disponibilidade, atenção e entusiasmo sempre demonstrados à Comissão, que só pode aplaudir o esforço, a dedicação e o saber que nortearam, desde o início, os trabalhos de elaboração do P-CPC.

Noutro plano, é de elementar justiça realçar a excelência da qualidade técnica e científica que perpassa todo o P-CPC: independentemente de se concordar ou não com algumas das directrizes de política legislativa subjacentes, ou com as soluções normativas concretamente propostas, deve reconhecer-se que com o novo Código de Processo Civil (adiante «CPC»), fruto deste projecto, ter-se-á logrado atingir, de forma feliz, o objectivo da modernização técnico-legislativa em sede de direito adjectivo de Macau.

4. Achou por bem a Comissão colher ainda os resultados da importante sessão pública de esclarecimento realizada, sob a égide do GSAJ, no último dia 6 de Março, onde os operadores do Direito local — magistrados, advogados, docentes universitários e juristas da Administração — suscitaram dúvidas várias e formularam pertinentes sugestões e reparos ao texto do P-CPC.

Finda esta série de iniciativas, a Comissão determinou à Assessoria da AL, em finais de Março, a elaboração de um parecer técnico-jurídico (doravante «parecer da Assessoria») sobre o P-CPC, tendo por base a versão distribuída sob a forma de livro (Projecto do Código de Processo Civil de Macau, Governo de Macau, 1998), e que, constando em anexo, faz parte integrante do presente parecer.

Finalmente, a notícia do acordo havido no seio do Grupo de Ligação Conjunto (GLC) foi acompanhada do envio, à Comissão, da versão final do P-CPC, por ofício do Senhor Secretário-Adjunto para Justiça, datado de 9 de Setembro.

Com vista à dilucidação das novidades constantes desta última versão, realizou-se mais uma reunião com o Executivo, no passado dia 17 do corrente mês, tendo sido prestados também esclarecimentos sobre o projecto de decreto preambular do novo CPC, cuja entrega à Comissão ocorreu, precisamente, durante essa reunião.

5. Registado o longo historial do procedimento interna corporis do P-CPC, cumpre agora destacar 3 aspectos: (1) As alterações introduzidas na versão final do projecto; (2) Uma breve apreciação do projecto de decreto preambular, e (3) Os juízos da Comissão em matéria de opções essenciais de política legislativa vertidas no P-CPC.

6. O texto final do P-CPC apresenta três grandes diferenças em relação à versão anterior. A saber, as consultas realizadas no GLC e a existência de algumas objecções levantadas pela parte chinesa foram determinantes no sentido:

a) Da alteração das regras de competência atinentes aos tribunais de 1.ª instância, tendo ficado excluída a possibilidade de um «desdobramento» das causas de valor não superior à respectiva alçada por dois níveis de tribunais: o Tribunal de Competência Genérica (TCG), por um lado, e tribunais de pequenas causas ou de pequena instância, por outro lado (cfr., por exemplo, a nova redacção do n.º 3 do artigo 26.º ).

A título informativo, refira-se que o Senhor Secretário-Adjunto discordou desta solução restritiva, porquanto, no seu entender, o grande movimento processual do TCG reclama medidas de descongestionamento, sendo a criação de tribunais de pequenas causas um instrumento particularmente idóneo para o efeito.

Diga-se, também, que o que estava em jogo era apenas um conjunto de regras de competência dentro da 1.ª instância — não havendo, por isso, a criação de uma instância nova, em violação da estrutura tríplice prevista na Lei Básica — e que, como tal, aparentemente nada justificaria a exclusão da permissão legal para a criação desses órgãos judiciais, há muito reclamados pela AL (cfr. págs. 104 a 105 do parecer da Assessoria, onde se faz referência à questão);

b) Da nova solução encontrada para a garantia do bilinguismo no processo civil.

Veja-se a redacção dada, na versão final, ao artigo 194.º (citação edital por incerteza do lugar): em lugar da publicação de anúncios em ambas as línguas oficiais, optou-se por consagrar um sistema de utilização da língua em que presumivelmente se expressa o citando.

Porém, nas situações de citação por incerteza da pessoa do citando, ou quando não seja possível presumir-se a língua em que este se expresse, havendo incerteza apenas quanto ao lugar em que se encontre, far-se-á a publicação dos anúncios e a afixação dos éditos nas duas línguas oficiais;

c) Da eliminação do instituto da uniformização de jurisprudência no Tribunal de Última Instância, em via de julgamento ampliado do recurso (recurso de «revista ampliada»), previsto nos artigos 653.º a 656.º do P-CPC.

Foi explicado à Comissão que a supressão dos normativos atinentes a esse recurso extraordinário se deveu a incertezas da parte chinesa no GLC quanto à bondade da existência de jurisprudência obrigatória para os tribunais locais. Caso, no futuro, se opte pela consagração desse mecanismo, a respectiva regulamentação poderá ficar inserida em lei extravagante ou, até, no futuro diploma da organização judiciária local.

7. No que toca ao projecto de decreto preambular, a Comissão entende dever salientar três áreas de consideração.

A primeira refere-se à redacção, salvo melhor opinião, tecnicamente menos conseguida, da alínea a) do n.º 6 do artigo 2.º.

Na verdade, afigura-se que seria mais clara a solução do diferimento da entrada em vigor do capítulo atinente aos recursos para a data do inicio do funcionamento dos tribunais de 2.ª e de Última Instância e, simultaneamente, prever a aplicação das disposições correspondentes do CPC ora vigente, a todos os recursos que sejam interpostos até àquela data ou que depois desta estejam pendentes. Nesta sequência, a revogação do actual CPC, nesta parte, ficaria necessariamente diferida para a mesma data.

Note-se que a conjugação do n.º 1 com a alínea a) do n.º 6 do artigo 2.º leva à conclusão de que entrando todo o novo CPC em vigor na mesma data (1 de Novembro de 1999), teremos, pelo menos formalmente, dois domínios normativos aplicáveis aos recursos interpostos até ou pendentes à data do início do funcionamento dos novos tribunais superiores de Macau... o que manifestamente não pode suceder.

Refira-se, ainda, que a «ultra-actividade» do CPC hoje em vigor, em matéria de recursos, deve ser compreendida nos estritos termos decorrentes da Lei n.º 112/91, de 29 de Agosto (Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau) — por força do artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 17/92/M, de 2 de Março, de desenvolvimento daquela lei de bases, os recursos de revista e de agravo em 2.ª instância foram, como se sabe, abolidos no ordenamento jurídico local.

Registe-se, por fim, a regra contida no n.º 2 do artigo 2.º: operou-se, com fundamento na segurança e certeza jurídicas, a inversão da regra geral da aplicação imediata da lei adjectiva. Assim, o novo CPC apenas se aplicará aos processos intentados após a sua entrada em vigor, ficando os pendentes sob o domínio do CPC ora em vigor, sem prejuízo das regras específicas relativas aos recursos.

A segunda questão a merecer tratamento prende-se com a omissão, no projecto de decreto preambular, do estabelecimento de uma comissão de acompanhamento, à guisa do que ficou previsto no diploma preambular do Código Comercial de Macau (cfr. artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 40/99/M, de 3 de Agosto).

É de toda a conveniência que a aplicação de tão inovador CPC de Macau seja objecto de um acompanhamento por parte da comunidade jurídica, a fim de se poder aquilatar, na prática, da adequabilidade das novas soluções processuais e, se necessário for, das futuras modificações que o Código deva sofrer.

A terceira e última matéria digna de realce é a da extinção, com a entrada em vigor do novo CPC, da profissão de solicitador, prevista no artigo 5.º Mais não se fez do que constatar uma tendência natural de desertificação desta actividade auxiliar da justiça, verificada há já alguns anos a esta parte –– hoje apenas meia dúzia de solicitadores desempenha activamente as suas funções.

Naturalmente, devem ficar salvaguardados os direitos adquiridos por estes últimos, os quais passam a estar disciplinarmente sujeitos a uma comissão independente, e deontologicamente vinculados em moldes semelhantes aos dos advogados.

A Comissão concorda com estas regras, não deixando, todavia, de salientar que é mister prever regras precisas que esclareçam a designação, em língua chinesa, dos solicitadores, assim evitando as consabidas confusões que os particulares sentem na distinção entre aquela designação e a dos advogados.

8. Em sede de juízos opinativos sobre as directrizes de política legislativa vertidas no P-CPC, a Comissão mostra alguma preocupação com os efeitos práticos do reforço dos poderes inquisitórios do juiz face à matriz tradicional do princípio dispositivo. Note-se que esta temática constitui o fio condutor fundamental que perpassa todo o P-CPC e que caracteriza o seu cariz essencial. Assim sendo, a Comissão abordará unicamente esta matéria.

Entende a Comissão que a procura da verdade material, embora louvável, não deve fazer perder de vista a natureza essencialmente privatística e contraditória do processo civil, em que não pode cair-se na tentação de atribuir ao juiz poderes inter partes, quando a sua função deverá ser supra partes.

Por outro lado, e nesta esteira, não deve confundir-se o ónus subjectivo de invocação dos factos que interessam à lide, com o princípio da oficialidade em matéria probatória — o juiz, perante os factos carreados ao pretório pode, ex officio, determinar os actos probatórios que considere necessários para o apuramento da verdade. Só que essa «verdade» deve, segundo a Comissão, resultar da livre disponibilidade das partes e não da actividade do juiz.

Como ficou salientado a págs. 59 e segs. do parecer da Assessoria, corre-se o risco de uma excessiva intervenção do juiz desvirtuar a ratio essendi do processo civil, aproximando-o injustificadamente do processo penal, o qual é marcadamente objectivo.

Apenas a praxis poderá revelar a componente vitoriosa da tensão dialéctica princípio dispositivo-princípio inquisitório, daí que seja conveniente a criação da mencionada comissão de acompanhamento.

Acresce que a profunda reforma do processo civil local — para cuja descrição se remete para o parecer da Assessoria —, aliada a uma curta vacatio legis, exige uma rápida e adequada divulgação e formação dos operadores do Direito (magistrados, advogados, funcionários judiciais).

A Comissão apela, pois, ao Executivo, para que torne as medidas necessá-rias para uma suave transição do «velho» para o novo CPC.

Para a elucidação dos numerosos aspectos inovadores do P-CPC, remete-se para o parecer da Assessoria, o qual não reflecte a posição político-legislativa da Comissão, mas pode servir de instrumento de trabalho e de preparação das opiniões que os Colegas queiram manifestar.

Finalmente, cumpre reiterar que a ausência de uma nova organização judi-ciária compatível com a Lei Básica impedirá que do novo CPC se retirem todas as suas virtualidades, mormente em sede de recursos. A Comissão faz votos para que o impasse actual seja rapidamente resolvido, por forma a que o CPC possa vigorar em pleno o mais rapidamente possível.

9. Termos em que a Comissão:

a) Se pronuncia favoravelmente pela aprovação do P-CPC, sem prejuízo do acolhimento, pelo Executivo, das dúvidas, observações, críticas e sugestões oportunamente aduzidas no presente parecer e no seu anexo;

b) Solicita à Senhora Presidente a distribuição do presente, incluindo o seu anexo, a todos os Senhores Deputados, ficando a Comissão disponível para auscultar os seus comentários.

Macau, aos 28 de Setembro de 1999.

A Comissão, José Manuel Rodrigues (Presidente). — Leonel Alves — Jorge Neto Valente — Vitor Ng — Henrique Miguel de Senna Fernandes — Tong Chi Kin — Leong Heng Teng (não assina por se encontrar ausente do Território) — Chan Kai Kit.

 

 

ANEXO

Parecer da Assessoria

 

PARECER

 

Assunto: Apreciação técnico-jurídica do Projecto relativo ao novo Código de Processo Civil de Macau (P-CPC)

Sumário:

§ 1.º Intróito: o contexto subjacente ao parecer

§ 2.º Parâmetro:

A importância substantiva do processo civil e o Direito Fundamental do acesso ao Direito e à Justiça

§ 3.º Parâmetro:

Um novo CPC de e para Macau: localização, adaptação e modernização — a reforma e as opções de política legislativa

§ 4.º Parâmetro:

Apreciação do P-CPC na generalidade — algumas questões e princí-pios fundamentais

§ 5.º Parâmetro:

Apreciação do P-CPC na especialidade — breve abordagem de alguns aspectos salientes

§ 6.º Parâmetro:

Outras questões gerais e conexas a atender

§ 7.º Parâmetro:

Conclusões finais
 
 

§ 1.º Intróito: o contexto subjacente ao parecer

1. Constituída por deliberação do Plenário tomada em 3 de Fevereiro de 1997, ao abrigo do artigo 42.º do Regimento da Assembleia Legislativa, a Comissão Eventual Destinada a Acompanhar e Participar na Elaboração dos Projectos Relativos aos Códigos Civil, de Processo Civil e Comercial (adiante «Comissão») teve, ao longo de mais de dois anos de existência, um trabalho de difícil agendamento e, também, de complicada compaginação com factores de índole exógena que, de alguma forma, cercearam a consecução, ao ritmo desejável, dos objectivos que a Comissão se propunha, e se propõe, atingir.

Em boa hora tomou este órgão de governo próprio a iniciativa de se fazer ouvir nos procedimentos legislativos dos chamados «Grandes Códigos».

Consciente da exiguidade do tempo sobrante até ao termo do primeiro pe-ríodo de transição — incompatível com a maior morosidade ínsita à actividade legiferante colegial — e, também, da complexidade técnico-jurídica das grandes codificações — a exigir um labor exclusivo, intensivo e exaustivo de juristas especializados, naturalmente inviável numa assembleia com competências e preo-cupações político-legislativas genéricas —, a Assembleia Legislativa (adiante «AL») não quis, efectivamente, deixar de se pronunciar sobre tamanha tarefa de edificação jurídica e de conformação e tutela dos direitos subjectivos, das relações privadas, do comércio jurídico; numa palavra, de uma importante dimensão da «maneira de viver» existente em Macau, o tal modus a perdurar, de harmonia com o princípio da continuidade, pelo menos até 2049, nos termos da Declaração Conjunta Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau (DCLC).

Na verdade, sendo a AL o único órgão constitucional localmente constituído, o seu contributo, legitimado pela representatividade política dos seus Deputados, afigura-se desejável, exigível até, e capaz de fomentar um maior consenso em tomo dos novos códigos.

2. A circunstância de a elaboração dos projectos dos Códigos Civil, Comercial e de Processo Civil (este último adiante «CPC») ter arrancado somente em 1996, seguindo um esquema faseado por Livros, após consulta no seio das respectivas comissões consultivas, determinou que os textos fossem enviados à Comissão em datas muitos recentes, e de forma necessariamente parcelar, impedindo, como é natural, uma análise estruturada e cabal, na generalidade, dos domínios normativos em causa.

O contexto descrito condicionou, objectivamente, a actividade da Comissão, a qual preferiu, no óbvio intuito de obter uma mais completa — e sistemática — visão de conjunto dos projectos em causa, aguardar pela disponibilização de todos os textos definitivos atinentes a cada um dos Códigos, nas suas versões em língua portuguesa e chinesa.

3. No que ao projecto do CPC (adiante «P-CPC») se refere, o seu 5.º e último Livro foi remetido a esta Comissão apenas em 11 de Janeiro deste ano, tendo-se naturalmente esperado pela finalização, ocorrida em 11 de Fevereiro, da longa sequência de reuniões de trabalho tidas com o Executivo, representado pelo Senhor Secretário-Adjunto para a Justiça, Dr. Jorge Silveira, pelo Coordenador da comissão de redacção do projecto, Juiz Desembargador Dr. Borges Soeiro, pela Assessora do Gabinete do Secretário-Adjunto para a Justiça (GSAP, Dr.ª Isabel Alexandre, e por Técnicos do Gabinete para a Tradução Jurídica e do Gabinete para os Assuntos Legislativos.

4. Finalmente, terá achado por bem a Comissão colher ainda os resultados da importante sessão pública de esclarecimento realizada, sob a égide do GSAJ, no último dia 6 de Março, onde os operadores do Direito local — magistrados, advogados, docentes universitários e juristas da Administração — suscitaram dúvidas várias e formularam pertinentes sugestões e reparos ao texto do P-CPC.

5. Nesta conformidade, concluídos estes trabalhos preparatórios, o Senhor Presidente da Comissão solicitou-nos a elaboração de um parecer de índole exclusivamente técnico-jurídica sobre o P-CPC, subordinado a um conjunto de cinco parâmetros analíticos (§ 2.º a § 6.º) e um conclusivo (§ 7.º), conforme se depreende do sumário supra.

O parecer que ora se apresenta expressa única e exclusivamente as opiniões pessoais do seu autor, não sendo estas imputáveis à Comissão, nem constituindo fundamento de quaisquer orientações de política legislativa que a Comissão oportunamente tomará e explicitará, em relatório autónomo.

O objectivo deste trabalho é, simplesmente, o de proporcionar aos Senhores Deputados algumas ideias, elementos, pistas e argumentos técnicos que melhor os possam habilitar a pronunciar-se no plano político-legislativo. Por este motivo, o Senhor Presidente da Comissão determinou, ainda, que o presente documento fosse adjunto ao competente parecer final da dita Comissão.

 

§ 2.º Parâmetro:

A importância substantiva do processo civil

e o Direito Fundamental do acesso ao Direito e à Justiça

 

«as formas processuais são inimigas juradas do arbítrio e irmãs gémeas da liberdade»

Rudolf von IHERING (1818-1892)

 

6. Primeiramente, há que desfazer o «mito» do processo civil como um rito vocacionado, tão-só, para a descoberta da verdade formal — isto é, apenas a verdade eventualmente alegada, in concreto, ao longo do iter procedimental, dependendo tal fornecimento de provas da arte e engenho do advogado pleiteante ou da própria «sorte» do caso —, como uma luta entre partes iguais munidas de «armas» idênticas, no âmbito de uma composição de litígios de índole exclusivamente particular.

Visto, na opinião tradicional, como um ramo de direito «reservado» aos operadores judiciários, aos especialistas forenses - caracterizado, na óptica do grande público, pelos seus procedimentos incompreendidos, complicados, formalísticos, ineficazes, demasiado morosos e com relevância apenas inter partes, sem impacto ou importância social — o moderno processo civil, no quadro de uma comunidade jurídico-política fundada sobre o princípio do Estado de Direito, não mais pode ser assim entendido, nem deve ser desse modo configurado.

Na verdade, o processo civil, sendo Direito adjectivo, não é, contudo, Direito não «substantivado», porque é deveras substantivo no sentido de que irrompe, todo ele, de um direito material: o «direito ao processo», o «direito à acção».

É que o procedimento regulado nos Códigos processuais civis modernos, de matriz romano-germânica, vai buscar a sua própria razão de ser ao direito fundamental à tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos, de todos e perante todos, sejam entidades, públicas ou privadas, sejam pessoas, singulares ou colectivas.

7. Essa protecção, conferida pelos órgãos de administração da justiça — os Tribunais e apenas estes — vem claramente plasmada no artigo 1.º 1 do P-CPC, sob a epígrafe significativa «Garantia de acesso aos tribunais», e parcialmente enunciadora da densificação de um princípio constitucional fundamental — o acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional, profusamente consagrado e imanente, tanto no presente como no futuro, ao ordenamento jurídico de Macau.

Veja-se o que dispõem o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), recebido em Macau, como se sabe, pelo artigo 2.º do Estatuto Orgânico (EOM); o n.º 1 do artigo 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP); o artigo 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 2; o artigo 52.º do EOM; o artigo 2.º da Lei n.º 112/91, de 29 de Agosto (Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau — LBOJM); o artigo 2.º de Decreto-Lei n.º 17/92/M, de 2 de Março, de desenvolvimento da LBOJM; o ponto V do Anexo I da DCLC; e, ainda, o artigo 36.º da Lei Básica (LB) da futura Região Administrativa. Especial de Macau (RAEM).

8. A densificação completa deste macro-princípio impõe uma micro-análise dos diversos aspectos e, sobretudo, dos direitos que dele emergem.

Em primeiro lugar, o direito de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (cf., entre outros, GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Ed., Coimbra, pág. 142) e, ao abrigo do artigo 17.º da CRP, beneficia, in toto, do regime material previsto nos artigos 18.º, 19.º, 21.º, 22.º e 271.º da Lei Fundamental, o qual, sumariamente, determina:

a) A aplicabilidade directa do direito, sendo desnecessária a intermediação legislativa;

b) A vinculação de quaisquer entidades, públicas ou privadas;

c) A exigência de autorização expressa da CRP para a produção de leis restritivas desse direito;

d) A restrição máxima dessas restrições, com submissão aos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, e às exigências de abstracção, generalidade e irrectroactividade da lei restritiva;

e) A inviolabilidade, em qualquer caso, do conteúdo essencial desse direito fundamental;

f) A proibição da suspensão do exercício desse direito, salvo, e sob certas condições, em caso de estado de sítio ou de estado de emergência;

g) A garantia de autodefesa lícita 3 e do direito de resistência a qualquer lesão ou ofensa ao direito em foco;

h) A responsabilização do Território e dos seus funcionários e agentes pela violação do referido direito.

9. Em segundo lugar, este direito fundamental, embora «pensado», prima facie, em termos do respectivo exercício, para os particulares, é, na realidade, um mecanismo de interesse público, colectivo, de natureza imprescindível para um efectivo «primado do Direito».

Mais ainda: a efectivação dos direitos fundamentais, a sua concreta protecção, deve ser garantida perante toda e qualquer actuação, pública — no uso do poder legislativo, executivo, administrativo ou mesmo judicial — ou privada, sendo esses direitos, por natureza, passíveis de «autotutela» e de «autoaplicação» [cf. AYALA CORAO, «El Derecho de los Derechos Humanos» (La convergencia entre el Derecho Constitucional y el Derecho Internacional de los Derechos Humanos)», in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. 35, n.º 1, 1994, págs. 42 e 43].

É que a garantia da tutela jurisdicional de direitos, rectius, o próprio direito a essa tutela, é um meio indeclinável de defesa, da própria ordem constitucional e legal, isto é, do ordenamento jurídico em si (cf., entre outros, KLAUS STERN, Das Staatsrecht der Bundesrepublick Deutschland [trad. castelhana: Derecho del Estado de la Republica Federal Alemana, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1987, pág. 382]).

Explicitando melhor, «a unidade última do Ordenamento resulta de um regime de controle jurisdicional [efectivo]» (REQUEJO PAGÉS, Sistemas normativos, Constitución y Ordenamiento La Constitución como norma sobre la aplicación de normas, McGraw-Hill, Madrid, 1995, pág. 111).

Significa isto que coarctar — por qualquer forma, meio ou artifício, ainda que legalmente previsto — o livre e pleno exercício individual do direito ao acesso ao Direito ou a Justiça jurisdicionalizada equivale, do ponto de vista da normatividade e, também, da facticidade do ordenamento jurídico, a uma lesão da comunidade sócio-política de onde dimana o sistema jurídico.

Por outras palavras, a violação deste direito fundamental — e de quaisquer outros — consubstancia um abalo às expectivas legítimas que uma comunidade deve ter na protecção conferida pelas normas jurídicas em que acredita (tese da prevenção geral positiva de GÜNTHER JAKOBS).

10. Não é por acaso que, por exemplo, o Código Penal de Macau prevê como bem jurídico fundamental a boa administração ou realização da justiça, punindo, nos artigos 323.º a 335.º, algumas condutas que atentam contra a prossecução do fim que se pretende obter através do exercício do direito de acesso aos Tribunais: a própria Justiça.

Quer-se com esta constatação afirmar que a Justiça, como bem jurídico, como valor supremo, apenas se torna realizável quando se seja efectivado o uso, livre e não viciado, dos meios processuais — judiciais — ao dispor do particular.

Repare-se, ainda, que os aludidos crimes estão sistematizados no Código como «crimes contra o Território» (Título V da Parte Especial), o que se afigura lógico e inevitável em face do que supra se disse: uma intromissão grave e lesiva na esfera da «justiça realizanda», ao carecer de tutela juspenal, é considerado um facto prenhe de elevada danosidade para o próprio Território, porquanto este se alicerça sobre a intangibilidade do Direito Justo.

11. Concluindo, intercalarmente, dir-se-á, com toda a propriedade, que num Estado ou Território de Direito, existe um «princípio garantista de carácter geral [que] é o da jurisdicionalidade: para que as lesões dos direitos fundamentais (…) sejam sancionadas e eliminadas, é necessário que tais direitos sejam todos justiciáveis, quer dizer, accionáveis em juízo frente aos sujeitos responsáveis pela sua violação, seja por comissão ou por omissão» (LUIGI FERRAJOLI, Diritto e Ragione. Teoria del Garantismo Penale [trad. castelhana: Derecho y Razón. Teoría del Garantismo Penal, 3.ª Ed., Editorial Trotta, Madrid, 1998, pág. 917]).

12. Em terceiro lugar, o direito fundamental em apreciação congrega um conjunto de direitos parcelares, de corolários intercomplementares e interpenetrantes, ínsitos ao núcleo ou conteúdo essencial daquele.

Na sua abrangência máxima, partindo do artigo 20.º da CRP e do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 17/92/M, de 2 de Março, diversas «modelações» são discerníveis, no âmbito de um conceito amplo de protecção jurídica da pessoa humana.

13. A primeira é a do «acesso ao direito» stricto sensu, compreendendo a informação jurídica, a consulta jurídica e o apoio judiciário (n.º 2 do artigo 20.º da CRP). Por sua vez, o apoio judiciário assume uma dupla feição: a gratuitidade (ou menor onerosidade) do acesso aos Tribunais, através da dispensa, total ou parcial de pagamento de preparos e custas, e o patrocínio oficioso, em que ao mandatário forense não são devidos honorários pelo sujeito processual.

Todas estas modalidades visam discriminar positivamente as pessoas que, devido a carências de ordem económica, não estejam em condições de suportar as despesas de um pleito, dando-se cumprimento aos princípios constitucionais da universalidade e, sobretudo, da igualdade na titularidade e gozo dos direitos (cf. artigos 12.º e 13.º da CRP).

Particularmente, cumpre-se o comando previsto no n.º 1, in fine, do artigo 20.º da CRP, no n.º 1, in fine e no n.º 3 do artigo 2.º do referido Decreto-Lei, que expressam um importante corolário do princípio geral da protecção jurídica: a proibição de denegação da justiça por motivo de insuficiência de meios económicos.

Em Macau, esta matéria está consignada na Lei n.º 21/88/M, de 15 de Agosto — quanto à informação jurídica, que hoje é prestada, com bons resultados, quer pelo Centro de Atendimento e Informação ao Público da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública 4, quer pelo serviço de atendimento a fun-cionar nos Serviços de Apoio à AL, sempre com intervenção directa e pessoal de um Deputado —, e no Decreto-Lei n.º 41/94/M, de 1 de Agosto — quanto ao apoio judiciário.

Note-se, por exclusão de partes, que ainda se está perante uma omissão legislativa do Governador quanto ao domínio da consulta jurídica proprio sensu, em violação parcial do determinado no artigo 14.º da referida Lei da AL — até hoje não se conhece nenhum mecanismo, institucionalizado no seio da Administração, de verdadeira consulta jurídica gratuita.

Não pode deixar-se de alertar para este facto, o qual ensombra os salutares esforços que têm sido feitos, nesta sede, quer pela Associação dos Advogados de Macau, quer pelos Serviços do Ministério Público. Numa altura em que tanto se aposta na resolução extrajudicial de litígios, com recurso aos vários meios e instâncias arbitrais já existentes no Território, seria importante que ficasse finalmente completo o edifício da protecção jurídica não judicial.

14. A segunda vertente — ou o segundo corolário principal — do princípio da protecção jurídica é o anteriormente assinalado direito à tutela jurisdicional efectiva.

Este direito fundamental material implica uma série de consequências — na verdade, sub-corolários — que moldam o seu regime jurídico, com vista a evitar que possa degradar-se num redutor «direito fundamental formal» (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. cit., pág. 163), vazio e inoperante.

15. Tentemos proceder à respectiva enumeração, necessariamente não taxativa, tendo por base de apoio normativo o estipulado na 1.ª parte do n.º 1, no n.º 2, in fine, e nos números 4 e 5 do artigo 20.º da CRP:

a) O «direito potestativo de acção» (CHIOVENDA) ou o «direito abstracto de agir» (ROCCO; ALBERTO DOS REIS); toda a pessoa tem o direito de, no uso de um procedimento — o correlativo «direito ao processo» (GOMES CANOTILHO) — solicitar a um órgão jurisdicional a apreciação da sua pretensão (tese instrumentalista de LIEBMAN e de ANSELMO DE CASTRO), não podendo a entidade competente — seja Tribunal singular ou colectivo, seja de 1.ª ou de última instância — eximir-se da sua função jurisdicional, nem declinar ou abster-se da obrigação de julgar a causa5 (cf., o artigo 2.º da LBOJM, o n.º 1 do artigo 8.º6 do Código Civil vigente, o n.º 1 do artigo 156.º do CPC7, o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 55/92/M, de 18 de Agosto);

b) Sem prejuízo do direito ao patrocínio oficioso o direito à assistência por Advogado, como «órgão» independente e adjuvante da boa administração da justiça, a quem, por sua vez, devem ser garantidos a plena admissibilidade da sua posição assistencial ou patrocinadora, exercida irrestritamente quanto ao objecto do mandato, de forma livre de quaisquer interferências, e com a colaboração e as condições condignas proporcionadas por todos os órgãos, autoridades e funcionários, judiciais e administrativos (cf., para mais pormenores, ARMANDO ISAAC, «O Advogado e o Novo Código de Processo Penal: Algumas Breves Notas», in Revista Jurídica de Macau, Vol. IV, n.º 2, 1997, págs. 25 e 26);

c) O direito a um processo célere, económico, e «limpo» de dilações indevidas ou não justificáveis, e a uma decisão final proferida em prazo razoável e com efeito temporalmente útil, porque «a justiça tardia equivale a uma denegação da justiça» (SANTAMARÍA PASTOR);

d) O direito a um processo com respeito integral das garantias constitucionais de defesa, do contraditório, da imparcialidade, da independência dos julgadores, do princípio do juiz natural ou a da proibição, de desaforamento (cf. o artigo 53.º do EOM, o artigo 3.º da LBOJM e o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 17/92/M, de 2 de Março);

e) O direito a uma tramitação, a regras instrutórias e a meios de obtenção da prova que não desvirtuem a procura da verdade material, e de uma solução ou composição justa dos interesses ou dos direitos lesados;

f) A inadmissibilidade de pressupostos ou requisitos processuais, previstos ou não na lei, que constituam formalismos desvirtuantes do sentido nuclear do direito à tutela jurisdicional efectiva (GONZÁLEZ PÉREZ, El derecho a la tutela jurisdicional, 2.ª Ed., Editorial Civitas, Madrid, 1989, págs. 62 e segs.)

g) A adopção da interpretação jurídica mais favorável possível à admissão das pretensões processuais, no momento da aplicação das normas que prevejam pressupostos ou requisitos não atinentes a questões de mérito ou ao themum decidendum (cf., por ex., GONZÁLEZ PÉREZ, ob cit., pág. 65);

h) A proibição de prejuízo à causa quer por inadmissão de pretensão irregularmente deduzida, quer por decaimento da lide devido à prática intempestiva de determinado acto, sempre que tais vícios sejam sanáveis; isto é, simultaneamente, a restrição do princípio processual da preclusão e o privilegiamento, das decisões de mérito sobre as formais (cf. TEIXEIRA DE SOUSA, «Sobre o sentido e função dos pressupostos processuais», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 49.º, I, págs. 85 e segs.; ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil. 1 — Princípios Fundamentais. 2 — Fase Inicial do Processo Declarativo, Almedina, Coimbra, 1997, págs. 20 e segs.);

i) O direito à utilização de meios imediatamente paralisadores de uma lesão de direitos e/ou cautelares da (1) defesa ou da manutenção de um direito ameaçado ou (2) do «efeito útil da acção»8, para combate da periculum in mora, lançando-se mão de procedimentos cautelares, ainda que inominados, não expressamente regulados, sendo aplicável, nestes casos, o novel princípio da adequação formal, previsto no artigo 7.º do P-CPC;

j) O direito à efectividade das decisões declarativas, isto é, o direito a um processo executivo realmente eficaz, com utilidade prática;

l) O direito a um processo de recurso, em duplo grau de jurisdição, impugnatório de decisões ilegais ou desfavoráveis, dentro dos limites razoáveis da lei;

m) O direito a um processo acrescidamente célere, prioritário e simplificado, quando esteja em causa a defesa — contra violações ou meras ameaças de violação — de direitos fundamentais, maxime, dos direitos, liberdades e garantias pessoais e dos que lhes sejam análogos, sendo a tramitação moldada, se necessário, ao abrigo do aludido princípio, adequação formal.

Cumprirá referir que o ordenamento jurídico de Macau não é virgem nesta matéria, vigorando dois tipos de «acção de defesa» contra a violação de direitos fundamentais, a saber:

(1) O habeas corpus contra detenção ou prisão ilegal (havendo, por isso, violação ilegítima do direito à liberdade pessoal), regulado nos artigos 204.º a 208.º do Código de Processo Penal;

(2) O «recurso»9 directo, desformalizado e isento de preparos, «interposto» para o Tribunal Superior de Justiça (TSJ), nos termos do artigo 12.º da Lei n.º 2//93/M, de 17 de Maio, das decisões de poderes públicos que violem o direito de reunião e de manifestação;

n) O direito ao pleno exercício de um outro direito fundamental: a propositura da acção — com nomen iuris impróprio de «recurso» — de amparo10, prevista no artigo 17.º da LBOJM, sempre que o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva seja lesado:

(1) Por violação/incumprimento11 de qualquer uma das alíneas anteriores e//ou, ainda,

(2) Quando, independentemente da subsumibilidade da agressão a uma dessas alíneas, tenha ocorrido — pela prática de um qualquer acto, jurídico ou material, comissivo, omissivo ou silente, ou de uma simples «via de facto»12 de todo e qualquer poder público (incluindo, portanto, o próprio poder judicial) — uma lesão ao princípio-direito em apreço.

Este «recurso» para o plenário do TSJ, na modalidade prevista no n.º 1 do artigo 17.º da LBOJM, é directo, no sentido de dispensar por completo o esgotamento prévio de quaisquer outras vias impugnatórias ou de recurso, ordinário ou extraordinário, e destina-se, em última análise, à «reparação» ou «recons-titução» da situação ex ante, existente no momento da prolação da decisão judicial violadora do direito fundamental do «recorrente».

Finalmente, assinale-se que o «recurso» de amparo é perfeitamente distinto — quer quanto à natureza, quer quanto ao objecto — do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade. Bastará dizer que, no primeiro caso, existe um processo dirigido «a um acto», seja decisão judicial (n.º 1 do artigo 17.º), seja um acto ou «via de facto» de quaisquer poderes públicos; no segundo caso, ataca-se apenas a desconformidade constitucional de normas jurídicas proprio sensu.

o) O direito a suscitar — embora indirectamente, em regime incidental e difuso, não permissivo de uma declaração abstracta13, com força obrigatória geral —, a fiscalização concreta da constitucionalidade de normas, a que se alia o princípio da constitucionalidade da função jurisdicional, o qual expressamente proíbe os Tribunais de aplicar normas inconstitucionais, ou de interpretar quaisquer normas em violação dos princípios constitucionais ou dos direitos fundamentais vigentes em Macau14 (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 17/92/M, de 2 de Março); note-se que no último caso referido se abre, de imediato, a via directa do amparo, como supra se focou;

p) O direito ao ressarciamento dos danos — os emergentes e os lucros cessantes, os patrimoniais e os morais — eventualmente imputáveis à violação do direito à tutela jurisdicional efectiva (ou de qualquer outro direito fundamental), incorrendo o Território na obrigação de indemnizar o particular ferido no seu direito, a vários níveis:

(1) Em matéria penal — por privação da liberdade — de harmonia com o disposto nos artigos 209.º, 210.º (por detenção ou prisão ilegal ou injustificada) e 444.º (em resultado de decisão absolutória que, em recurso de revisão, revogue anterior condenação), todos do Código de Processo Penal;

(2) No domínio da responsabilidade civil extracontratual (objectiva), em regime de solidariedade com os autores dos factos, ao abrigo do artigo 22.º da CRP e nos termos regulados no Decreto-Lei n.º 28/91/M, de 22 de Abril — tratando- -se de actos ou omissões ocorridos no exercício de actividade de gestão pública — e, à luz do artigo 501.º do Código Civil em vigor15 —no caso de exercicío de actividade de gestão privada;

(3) Em matéria de responsabilidade civil extracontratual delitual ou subjectiva dos funcionários ou agentes do Território e demais entidades públicas, por força do n.º 1 do artigo 271.º da CRP e nos termos gerais do Código Civil.

16. Do excurso se colhe uma impressiva ilação: sem processo não há protecção segura dos direitos, e sem tutela jurisdicional efectiva o processo não passa de um conjunto de «actos em sequência», sem valor substantivo, sem poder orientar-se para a justa resolução do caso concreto.

A tutela jurídica através do recurso às vias judiciais constitui o grande ba-luarte da Justiça e, neste garantismo ritualizado, o processo civil desempenha um papel insubstituível e central no nosso sistema jurídico, porquanto não só funciona como matriz de todos os direitos adjectivos — sendo de aplicação subsidiária a uma pléiade de ramos do Direito, desde o direito processual administrativo, ao direito processual laboral, ao direito processual penal… —, como também é directamente regulador de quase todas as questões do quotidiano que se possam colocar ao cidadão comum da rua — é que se o processo civil é o «receptáculo» omniabrangente do direito material, então os Códigos Civil e Comercial formam o seu «conteúdo» por excelência.

«A universalidade material do ordenamento jurídico é assegurada por (...)normas de conteúdo (…) que permitem seleccionar as matérias para as quais deve haver regulamentação jurídica e aquelas que desta devem ficar excluídas. (...) Com as premissas de universalidade e de lógica interna o sistema jurídico está apto a tornar-se eficaz. A coercibilidade exercida através do uso da função jurisdicional, principalmente nas situações de violação da norma jurídica, completa as condições para aquela eficácia». (TEIXEIRA DE SOUSA, Sobre a Teoria do Processo Declarativo, Coimbra, 1980, pág. 16.) — dito de outro modo, um «bom» direito processual, mormente, o civil, é condição sine qua non para a construção de um sistema jurídico inimigo do arbítrio, funcional, eficaz e justo para o universo dos seus operadores e destinários.

E este ramo do direito adjectivo deve ser, ele mesmo, «amparante» de uma tutela judicial efectiva, porquanto o direito a esta tutela ou o «direito à jurisdição» (na linguagem de TEIXEIRA DE SOUSA, próxima da de LIEBMAN) — sendo, repita-se, de índole fundamental — tem um escopo, uma amplitude, reconduzíveis à noção lata de amparo remediante.

Este «remédio» abrange as decisões declaratórias de ofensas ao Direito, eficazmente executadas, devendo aquelas, também, ser condenatórias na prática dos actos devidos à reposição integral da dignidade do direito fundamental, e na reparação das situações lesadas através da violação desse direito (cf. GOMES CANOTILHO, ob. cit.; PAULO CARDINAL, ob. cit; e COELLO de PORTUGAL, «El recurso de amparo y el ordenamiento» in. Civitas. Revista Española de Derecho Administrativo, n.º 93, Jan./Mar. 1997, pág. 55).

 

§ 3.º Parâmetro:

Um novo CPC de e para Macau:

localização, adaptação e modernização — a reforma

e as opções de política legislativa

«(…) a localização não é um objectivo que se justifique por si próprio. Não se trata de localizar por localizar. Trata-se de localizar em função de determinadas finalidades a atingir (…) de preparar o território de Macau para se auto-sustentar.»

 

17. Na abordagem da temática da localização do Direito, deve dar-se como assente que a prossecução irreversível de tal objectivo corresponde a imperativos de ordem política — imprimidos pela dinâmica própria que assumiu o processo de transição — e, também, de ordem realista, baseada no reconhecimento das especificidades do Território.

Por outras palavras, localizar as leis é, na sua substância, uma tarefa de adaptação à realidade local e, quando necessário, um labor de modernização legislativa.

18. Aprofundando melhor este assunto, é hoje pacífico que a localização não decorre de qualquer obrigação de prévia «transformação» da legislação dimanada da República Portuguesa em actos normativos locais. Nem a DCLC, nem a LB o impõem — antes pelo contrário — porquanto o crivo da conformidade com a LB apenas funciona pela «negativa», isto é, apenas no tocante às leis que possam infrigir as suas disposições.

O Direito de Macau, como um todo, transitará, basicamente intacto, para a RAEM, de harmonia com o princípio da continuidade ou da inalterabilidade substancial do ordenamento jurídico local, ancorado, como se sabe, no princípio «um país, dois sistemas», e previsto, com carácter injuntivo, quer na DCLC, quer na LB. Aliás, os artigos 8.º e 145.º da LB reforçam esta ideia, ao traduzirem a suprareferida permanência de todo o Direito que não seja declarado, pelo Comité Permanente da Assembléia Popular Nacional da RPC, incompatível com a LB.

Em decorrência directa deste entendimento, o conceito de «leis previamente vigentes», para os efeitos do disposto no artigo 8.º da LB, reporta-se a toda a legislação em vigor no Território à data da transferência do exercício da soberania, sem qualquer distinção quanto aos órgãos emissores ou aos ordenamentos jurídicos originários.

Dito de outra forma, a localização das leis não é — do ponto de vista estritamente jurídico — sequer obrigatória ou necessária.

Quer isto dizer que os diplomas oriundos da República, que eventualmente não sejam localizados, mantêm e manterão toda a sua validade, força jurídica, eficácia, vinculatividade e invocabilidade na futura RAEM, integrando, na perfeição, a sua ordem jurídica, salvo se — e frise-se: se e apenas se — violarem a LB.

Neste ponto a doutrina local mostra sinais de um muito amplo consenso. Exemplificando apenas, defendeu recentemente ZHAO GUOQIANG, de forma inequívoca, que «quanto a este conceito [de «leis previamente vigentes», à luz do artigo 8.º da LB], creio que se refere a todas as leis vigentes em Macau à data do estabelecimento da RAEM, em 20 de Dezembro de 1999. Neste sentido, podemos afirmar que quer as leis portuguesas, quer as locais, vigentes antes da criação da RAEM, podem ser incluídas na categoria das «leis previamente vigentes».

Dúvidas não restam, pois, que as determinantes básicas do enorme esforço localizante destes últimos anos devem ser enquadradas, sob a óptica da sua necessidade objectiva, noutras latitudes.

19. A primeira destas latitudes de compreensão do descrito fenómeno radica na adaptação dos textos normativos à realidade local, muito diversa da portuguesa, de onde foram estendidos alguns dos principais diplomas-alicerces do Direito local.

É o caso do CPC, aprovado na República pelo Decreto-Lei n.º 44.129, de 28 de Dezembro de 1961, e posto em vigor em Macau, a partir de 1 de Janeiro de 1963, pela Portaria n.º 19.305, de 30 de Julho de 1962.

O texto do CPC local sofreu, entretanto, diversas vicissitudes sempre através do mecanismo da extensão — , sendo de salientar, pela sua importância, a compatibilização com o Código Civil de 1966, a convergência com a Reforma de 1977 do mesmo Código, e a «reforma intercalar» efectuada pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho (mandado publicar em Macau apenas em 1988).

Note-se, desde logo, que o P-CPC se inspira, precisamente, na grande Reforma de 1995/1996 do CPC português, o que permitiu, com excepção de algumas matérias — maxime, a do recursos, em que o P-CPC vai mesmo mais longe «aproximar» bastante o direito processual civil local — se bem que ainda num prisma de jure constituendo — da actualização e da modernização ocorridas na última década em Portugal, e que tiveram na aludida Reforma o seu ponto de cristalização.

Dizer-se que o CPC português constituiu a fonte primacial do P-CPC – um facto expressamente reconhecido por BORGES SOEIRO, «As Linhas Mestras do Novo Código de Processo Civil de Macau», Macau, 1997, pág. 28 — não equivale à negação do carácter deste como texto tendencialmente adaptado à realidade macaense.

Nem tão pouco se deve preceder a uma simples «importação» ou «transposição» do direito português, ou de uma nova «extensão» legislativa, na substância, mas não no nome.

Referindo-se à mesma questão, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da AL já se tinha pronunciado, no Parecer n.º 21/VI/98 (sobre as Linhas de Acção Governativa para 1999, na área na Justiça), em idêntico sentido: «a Comissão é de opinião que a modernização e localização (…) incluindo os «grandes códigos», deverá ter em conta a realidade e as necessidades de Macau, não se devendo limitar a uma mera transcrição dos textos hoje vigentes» (pág. 9).

20. Mas é, na verdade, muito natural que o já consensualizado desiderato da manutenção e consolidação do Direito de matriz portuguesa implique um olhar atento à evolução sofrida por este ramo do direito adjectivo no mundo jurídico luso e, também, noutras ordens jurídicas da grande família romano-germânica.

Assim se entende que no decurso dos trabalhos preparatórios também, ao que parece, tivessem sido levados em devida conta as experiências do direito comparado (vd. a notícia dada na nota justificativa de BORGES SOEIRO, «O Novo Código de Processo Civil de Macau», in Projecto do Código de Processo Civil de Macau, Governo de Macau, 1998, pág. V).

Tal recurso a experiências exteriores, mas da mesma família jurídica, é de importância fundamental do ponto de vista dogmático-científico e técnico- -jurídico, o que, no entanto não pode conduzir à emulação cega ou à importação precipitada de modelos político-legislativos ou de soluções normativas concretas, porquanto o Direito eficaz e exequível — e, logo, justo — deve ser adequado ao seu terreno de aplicação e às características dos seus utentes: aqui reside o desafio da localização, entendida como adaptação à realidade local.

Em completa sintonia, ANABELA SALES RITCHIE assinalou também que tendo a localização «por objectivo dar resposta a tarefa de melhor adaptar a ordem jurídica vigente às circunstâncias particulares de Macau e ao seu progresso económico e social», é preciso notar que:

«(…) se é verdade que decorre do princípio da continuidade do ordenamento jurídico vigentes antes de 1999 a não obrigatoriedade da «localização», entendida como reaprovação das leis actualmente vigentes, pelos órgãos de governo próprio do Território, é imprescindível não esquecer que a legislação que não se adequar às realidades e condições de Macau deve ser alterada no sentido da sua adaptação e modernização, abrindo-se, assim, caminho para que essa legislação, de matriz cultural portuguesa, possa continuar depois da transferência de Administração.»

21. Para uma melhor elucidação desta problemática — imersa na interessante dialéctica entre a adaptação legislativa, por um lado, e o objectivo da manutenção de um sistema jurídico de matriz portuguesa, por outro — justifica-se um pequeno trajecto pela história do nosso processo civil, por forma a surpreender alguns dos seus traços distintivos e apontar caminhos erróneos percorridos.

Sobretudo, há que deixar as pistas para uma reforma consistente, nos planos científico e prático, e necessariamente provida de verdadeiro efeito útil na luta contra «o problema real do processo civil, conflituante com o fundamental direito de acesso à Justiça, [que] está na morosidade. Logo, o que tem de se perguntar, perante qualquer reforma, é se vai tornar a Justiça mais célere, mais justa, na situação real em que tem de ser aplicada.» (PAIS DE SOUSA/CARDONA FERREIRA, Processo Civil, Rei dos Livros, Lisboa, 1997, pág. 10).

22. A evolução do processo civil português neste século está indissociavelmente ligada a duas figuras: ALBERTO DOS REIS e ANTUNES VARELA. O primeiro foi o «pai» do CPC de 1939, tendo o segundo sido o responsável pelo CPC de 1961 — e que alguma doutrina considera, não sem alguma razão, como se constatará, uma «mera» modernização dos princípios norteadores do Código de 1939 — e pelo famoso mas esquecido Anteprojecto de 1988, depois revisto em 1993.

Na raiz de qualquer destas codificações está o pensamento de KLEIN e de CHIOVENDA, percursores, juntamente com CARNELUTTI e CALAMANDREI, de toda a doutrina processualista pós-liberal dominante, neste século, nos países de língua alemã e latinos, incluindo Portugal, tendo inspirado o CPC de 1939 e o CPC italiano de 1940.

Esta processualística, mantida, na sua essência, no CPC português de 1961, ora em vigor em Macau, com as modificações nele introduzidas até 1985, arranca, basicamente, de quatro ideias-mestras que iriam temperar o clássico princípio do dispositivo:

a) O princípio do inquisitório ou da inquisitoriedade, concretizado no sub- -princípio da oficialidade dos actos do juiz, que passa a dirigir a fase da instrução (sub-princípio da actividade do juiz);

b) O princípio da oralidade na discussão da matéria de facto, o qual, por sua vez, implica:

c) O princípio da imediação da prova;

d) O princípio da concentração da prova;

(para mais detalhes, vd. ADELINO DA PALMA CARLOS, Linhas Gerais do Processo Civil Português, Cosmos, Lisboa, 1991, págs. 11 a 43; TERESA ANSELMO VAZ, «Novas Tendências do Processo Civil», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 55.º, III, 1995, págs. 855 a 861.).

Tais vectores, inovatórios para a época — a primeira reforma «anti-liberal» europeia fora a reforma de 1924 do CPC alemão de 1877 —, vieram corrigir as deficiências do processo civil novecentista, de cariz individualista-liberal, típico do capitalismo burguês, e ritualizado à medida da capacidade interventiva e da iniciativa probatória das partes, sendo demasiado dependente do princípio do dispositivo e, como tal, funcionalizado, na prática, apenas para a descoberta da verdade formal, em detrimento da justiça material do caso.

23. Mau grado a (aparente) inauguração, em Portugal, deste novo estádio do processo civil, conhecido por concepção «social», por oposição ao «liberal» e ao «socialista», de matriz soviética, assistiu-se a um retrocesso garantístico no seio do novo sistema, atribuível a uma exacerbação purista do arquétipo da oralidade.

Na realidade, o legislador português de 1939 levou a prova oralizada a extremos que pouco ou nada tinham a ver com os modelos em que supostamente tinha ido buscar a sua ratio essendi: o exemplo juspositivo dado pelo CPC aus-tríaco de 1895, tributário do pensamento de KLEIN, e os ensinamentos de CARNELUTTI e, principalmente, CHIOVENDA, vertidos nos seus projectos do CPC italiano. Na percepção do legislador português, estes doutrinadores foram tidos como «oralistas» puros.

Todavia, como lucidamente explica PESSOA VAZ, o «fanatismo da oralidade (…) nos Códigos de Processo Civil de 1939 e 1961, conduziu a que faltassem até há pouco entre nós três das mais importantes e clássicas garantias judiciárias, hoje consagradas em todo o mundo civilizado, precisamente sob a égide do princípio oralidade e princípios conexos (…). Pretende aludir-se à garantia duma fiel e minuciosa documentação da prova oral produzida durante a instrução da causa em primeira instância — a que todos os oralistas (…) atribuem papel de primordial importância como base das garantias da motivação e do recurso da decisão de facto» (Direito Processual Civil. Do Antigo ao Novo Código, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 144).

Prossegue impressivamente este Autor: «até 1995 o processo português constituía, ao que se supõe, um exemplo único no mundo (entre as nações mais civilizadas do nosso tempo), em que as referidas garantias clássicas da documentação da prova, do recurso da matéria de facto e da motivação das sentenças de facto foram pura e simplesmente postergadas» (PESSOA VAZ, ob. cit., pág. 145).

Parece, assim, que se terá partido de um equívoco: à guisa de um propósito legiferante moderno, baseado na oralidade — a qual proporciona, e pressupõe, a imediatidade e a concentração da produção da prova perante o Tribunal, em audiência de discussão e julgamento, eliminando-se, desta forma, a morosidade característica da apreciação de prova escrita — adoptou-se um sistema que nenhum processualista «oralista» alguma vez defendera.

Em boa verdade, todos eles realçaram a necessidade da mitigação da própria oralidade com a imprescindível documentação, reduzida a escrito, dessa prova, como modo de garantir uma efectiva sindicância das decisões de mérito e de defesa do princípio do contraditório.

E, na sociedade tecnológica de hoje — mais conhecida por «sociedade da informação» — a pléiade quase inesgotável de meios técnicos ao dispor de todos permite — exige — uma ainda maior fidedignidade das formas de registo e de reprodução da prova (cf. PESSOA VAZ, ob. cit., págs. 373 e segs.).

Tinha, pois, razão CASTRO MENDES quando afirmava que o CPC de 1961 «não é na realidade mais que uma nova redacção do Código de 1939» (Direito Processual Civil, I, AAFDL, Lisboa, 1986, pág. 143.).

É que apesar das benfeitorias então introduzidas ao nível dos incidentes da instância; dos procedimentos cautelares; dos articulados supervenientes; da reunião, num único acto processual, do saneador, especificação e questionário; da separação da discussão da matéria de facto da matéria de direito; da reformulação dos meios de prova (cf. ADELINO DA PALMA CARLOS, ob. cit., págs. 42 a 43; ANTUNES VARELA/MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª Ed., Coimbra, 1985, págs. 36 a 38), é o próprio diploma preambular do CPC de 1961 que vem reconhecer a evidência de essa reforma não ter representado «uma substituição dos princípios fundamentais que a legislação processual vigente abraçou» (§ 6.º do n.º 3 do relatório do Decreto-Lei n.º 44 129).

24. Este estado de coisas, ora abordado, por imperativos de brevidade, tão- -somente a partir da crítica ao princípio da oralidade pura, já seria, em nosso entender, razão bastante para se reclamar a reforma do CPC de Macau — é que o texto aqui vigente padece de muitos dos vícios que enfermavam o CPC de 1939, assente, como está, numa prevalência da prova oral não registada ou reduzida a escrito, o que traz incerteza, insegurança, injustiça… e, por inevitável arrastamento, falta de confiança no poder judicial e no Direito em geral: é a derrocada do sistema jurídico.

Numa palavra, o CPC actual não dá suficiente guarida adjectiva ao direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva (cf. supra, § 1.º), porquanto, e para além do já alegado:

a) Tolhe o direito à defesa e ao contraditório, uma vez que é infringido o princípio da motivação (de facto e de direito) das decisões judiciais: não existe defesa perante um acto não fundamentado, porque não cognoscível.

É imperioso entender que a «motivação das decisões estrutura-se como garantia fundamental da racionalidade da decisão, para além de traduzir um imperativo constitucional (artigo 208.º da Constituição, da República). A fundamentação pressuposta pela Lei Fundamental não se pode cingir à fundamentação jurídica, conhecida que é a força condicionante da factualidade provada.

A fundamentação de facto deverá abranger não só os factos considerados provados, como também os não provados, de modo a garantir a objectividade e permitir o controle da decisão. Trata-se simultaneamente de um requisito da publicidade do processo e de garantia das partes, assumindo-se como condição de prestígio do próprio tribunal e de eficácia das decisões» (MARCIA PORTELA, «Disciplina dos actos processuais. Dos princípios à realidade», in Sub Judice. Justiça e Sociedade, n.º 5, 1993, pág. 25).

Ora bem, se a prova oral, seja a testemunhal, seja a obtida através de de-poimento de parte, não for registada, devidamente documentada e fielmente reproduzível, será de todo impossível atingir os nobres desígnios constitucionalmente impostos (cf. MENÉRES PIMENTEL, «A documentação da prova como garantia constitucional dos cidadãos perante a administração da justiça», in Sub Judice. Justiça e Sociedade, n.º 6, págs. 143 a 147.);

b) Prejudica, em directa consequência, o exercício do direito ao recurso, por «prévia subtracção» da matéria de facto-fundamento para a impugnação da sentença: pura e simplesmente não existirá factualidade de novo carreável ao pretório, ainda por cima se os tribunais de 1.ª instância mantiverem o hábito de remeter, laconicamente, a fundamentação de facto para os meios de obtenção da prova (exemplo de uma «minuta» destas: «a convicção do tribunal formou-se com base nos documentos juntos aos autos, nos depoimentos das testemunhas inquiridas e nas declarações prestadas pelos peritos» [MARCIA PORTELA, ob. cit., loc. cit., informa que tal «hábito» não tem merecido reparos sérios por parte dos tribunais superiores portugueses; ao que se julga saber, em Macau também a prática dos tribunais de 1.ª instância não tem andado longe]).

Significa isto, num ápice, que o disposto no n.º 2 do artigo 653.º (motivação da convicção do tribunal) e no n.º 3 do artigo 712.º (possibilidade de o tribunal ad quem, em recurso de apelação, exigir do tribunal colectivo a quo a fundamentação das respostas aos quesitos) do CPC ora vigente em Macau prevêem regimes muito parcos na densificação do princípio da motivação — se assim não fosse, muitos acórdãos da 1.ª instância teriam mesmo de ser considerados nulos, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º!

25. Outro dos aspectos carentes de profunda reforma — referenciado supra em termos mais abstractos — é o do mal, muito concreto, da morosidade da justiça cível macaense, atribuível a vários factores, a saber:

a) As deficiências do CPC, ao nível da celeridade, economicidade e eficácia da tramitação processual, designadamente, no que respeita:

(1) Às dificuldades sentidas na fase inicial de qualquer processo, desde logo quanto à citação;

(2) À natureza, duração e regras de contagem dos prazos processuais;

(3) Aos sucessivos adiamentos das audiências de discussão e julgamento;

(4) Ao processo executivo, sabendo-se que é rara a execução efectiva, com efeito útil e atempado, das sentenças declarativas (ou mesmo dos restantes títulos executivos, como, por exemplo, as letras e as livranças);

(5) À fase dos recursos, sempre demorada e que tem sobrecarregado desnecessariamente o Tribunal Superior de Justiça (TSJ) — vd. infra, alínea d);

b) A natural e compreensível inexperiência e menor preparação prática dos Magistrados locais, apenas recentemente formados;

c) As lacunas, qualitativas e quantitativas — menos compreensíveis ––, sentidas na logística do sistema, no âmbito dos recursos humanos da administração da Justiça e, nomeadamente, nas secretarias judiciais;

d) A inexistência das três instâncias — sendo duas de recurso, a primeira em matéria de facto e de direito, e a segunda apenas para a matéria de direito –– pressupostas pelo CPC (e pelo P-CPC), algo problemática em face da actual organização judiciária de Macau, decorrente da LBOJM, a qual apenas prevê um único Tribunal local de recurso, o TSJ; embora se possa, prima facie, argumentar que uma estrutura tríplice tornaria o sistema ainda menos célere, note-se que o patamar cimeiro da pirâmide jurisdicional será, nos termos do P-CPC, reservado, e bem, para a judicação de questões de direito.

Deixar-se-á para o § 6.º infra (parâmetro das «Outras questões gerais e conexas a atender») a discussão das alíneas c) e d). A alínea a) ficará para os § 4.º e § 5.º

26. Importa, também, ensaiar uma pequena visão sobre algumas recentes reformas da legislação processual civil no direito comparado,

Apenas se avocarão os casos alemão, italiano (por serem da nossa família romano-germânica) e japonês (também da mesma família e por se tratar de um país desta região do mundo).

Ficarão de fora as experiências belga de 1967, e francesa iniciada, por fases, em 1975, por se terem tratado de Códigos verdadeiramente novos, representando rupturas claras, substanciais, de índole estrutural. A exclusão destes exemplos tem justificação na natureza reformadora — e não descontinuante com o texto actual –– da localização em curso do CPC.

Na verdade, consideramos, salvo melhor opinião, que o P-CPC — apesar de qualificado pelo Dr. BORGES SOEIRO como «um código novo e não uma mera reforma» —, não consubstancia um novo Código, no sentido de revolucionário ou radicalmente distinto do CPC vigente. Infra explicitar-se-á o porquê deste entendimento, na certeza, porém, de que esta crítica — ou, melhor dizendo, este comentário rectificativo — se prende tão-somente com a forma designativa em foco, e não com a substância, essa sim profunda e válida, da reforma operada pelo P-CPC.

27. Nesta fase dos trabalhos, será também omitida uma análise da recente Reforma ocorrida na República, pela boa e simples razão de que o P-CPC segue, em muitíssimos aspectos, as linhas de orientação daquela tentativa de modernização do processo civil, pelo que se justifica, em termos sistemáticos, que se faça apenas infra, no § 3.º, o necessário confronto entre o CPC vigente, o CPC revisto de Portugal, e o P-CPC.

28. O moderno processo civil alemão teve origem na Zivilprocessordnung (ZPO) de 1877, profundamente revisto por diversas vezes.

O percurso do ZPO foi sempre no sentido do enriquecimento da concepção social, pós-liberal do processo civil, tendo a primeira grande reforma sido em 1924, ao limitar, na esteira do ZPO austríaco, o princípio do dispositivo com o alargamento dos princípios do inquisitório, da oficialidade e da preclusão.

A última reforma de vulto foi em 1976 — a «emenda da simplificação» tendo sido reforçados os princípios da concentração, da oralidade, da oficiosidade e da aquisição processual na produção da prova e na discussão da quaestio facti; por outro lado, foram bastante flexibilizados os princípios da preclusão e do dispositivo, mas neste último aspecto só quanto à prova, mantendo-se a inicia-tiva das partes quanto à configuração do objecto do processo e, logo, no tocante à invocação dos factos (a provar) que sustentam a causa de pedir. (cf. TERESA ANSELMO VAZ, ob. cit., págs. 879 a 881).

A tramitação tornou-se mais informal, havendo um contacto preparatório, directo e oral, entre as partes e o juiz da causa. A «nossa» fase da especificação e questionário é feita pelo juiz imediatamente após a abertura da audiência de discussão e julgamento, produzindo-se logo a prova. Os resultado têm sido tão bons que não se sente a necessidade de criar tribunais de pequenas causas ou de «pequena instância».

Actualmente, as tendências da reforma do ZPO seguem uma linha geral de concentração do processado na 1.ª instância, evitando, sempre que possível, a abertura das vias de recurso, excepto em matéria de direito ou havendo irreguralidades formais no processo. De resto, a repetição do julgamento deve ser limitada ao máximo.

Por outra banda, têm-se vindo a privilegiar os métodos de resolução alternativa (extra-judidal) de litígios, com recurso à arbitragem (cf. PETER GOTTWALD, «Civil Procedure Reform in Germany», in The American Journal of Comparative Law, Vol. XLV, n.º 4, 1997, págs. 753 a 766).

29. O actual CPC italiano data de 1940 (com início de vigência em 1942), tendo estado na sua génese GIUSEPPE CHIOVENDA. Não se entrará a fundo na versão originária deste código, remetendo-se para a análise feita, supra, no ponto 22.

A reforma importante que cumpre referir é a de 1990, em plena vigência a partir de 1995. O legislador pretendeu responder às abundantes críticas que se faziam ao modelo da organização judiciária italiana e à morosidade caracterís-tica dos procedimentos cíveis.

As principais inovações foram as seguintes:

a) O incremento das competências do juiz singular de julgamento, agora prevalente sobre o tribunal colectivo;

b) O reforço do princípio da preclusão ou da eventualidade, com a previsão de prazos peremptórios para a prática dos actos processuais, quer pela partes, quer, mesmo, pelo juiz;

c) A divisão do iter processual prévio ao julgamento, em duas partes: uma, introdutória, terminando com uma audiência preparatória onde o juiz pode decidir logo a causa, se tiver prova bastante e apenas restar a discussão do aspecto jurídico da mesma; ou, caso contrário, pode dar instruções para o desenrolar da segunda parte, a fase instrutória, da recolha de prova que ainda tiver de ser oferecida; ou, ainda, havendo, na primeira audiência, acordo das partes quanto ao esgotamento dos meios de prova, o juiz admite-os, mas a produção dessa prova é feita apenas numa segunda audiência, a marcar discricionariamente (note- -se, contudo, que a fase instrutória, quando tem lugar, segue o regime anterior, com a intervenção do juiz de instrução, inspirado no modelo francês);

d) Na fase do julgamento da lide, a audiência para produção de as alegações orais de direito é relegada para segundo plano, devendo os mandatários forenses alegar por escrito;

e) Aumentou-se o conjunto de meios de tutela antecipatória, podendo o juiz, mesmo antes do julgamento, ordenar o pagamento de quantias, desde que líquidas, ou a entrega de coisa certa, com base na prova indiciada na fase da instrução;

f) Reformularam-se as providências cautelares, criando um conjunto de regras comuns;

g) A criação — agora no âmbito da organização judiciária e não no do CPC — da figura do juiz da paz, para cuja nomeação apenas se exige o preenchimento de dois requisitos: (1) idade não inferior a 30 anos; e (2) titularidade de licenciatura em Direito.

Este juiz tem competência para decidir: causas cíveis de valor não superior a 5 000 000,00 de liras (cerca de MOP $ 25 000,00); a composição de litígios atinentes ao arbitramento de indemnizações por danos resultantes de acidentes de viação, no montante máximo de 30.000.000,00 liras; a resolução de conflitos de vizinhança (p. ex., perturbação causada por vizinhos); e tem, finalmente, funções de conciliação extrajudicial;

(Cf. VINCENZO VARANO, «Civil Procedure Reform in Italy», in The American Journal of Comparative Law, Vol. XLV, n.º 4, 1997, págs. 657 a 766).

30. O caso japonês merece análise atenta, sendo especialmente interessante, por revelar uma pacífica — e desejada — recepção de princípios, ideias e modelos jurídicos e judiciais, oriundos do Ocidente, por parte de uma milenar civilização oriental e, ainda, a evolução autónoma do respectivo sistema jurídico, sem nunca perder de vista a matriz originária, continuando, pois, a receber os influxos jurisprudenciais e doutrinais desta.

O primeiro CPC do Japão é de 1890, tendo como matriz directa o ZPO alemão de 1877, cuja influência continua a constituir a espinha dorsal do CPC, mau grado as profundas reformas de 1926 e de 1996, esta a última, com início de vigência em 1 de Janeiro de 1998.

A estrutura e a filosofia do novo CPC mostram-se, não obstante, moldados por desenvolvimentos legados pela História ou pensados para as particularidades do Japão industrializado.

Na verdade, a ocupação americana do pós-guerra explica a introdução de mecanismos próximos do adversarial system de jaez anglo-saxónico — como a realização das audiências perante o «pleno de juízes» (o tribunal colectivo) de forma contínua, na esteira do trial americano —; por outro lado, a necessidade de adaptar o processo civil às novas realidades nipónicas deste fim de século, explicam a flexibilização do iter até à fase do julgamento, com a previsão, na reforma de 1996, de diversos tipos de audiências preparatórias, de fito conciliatório das partes.

A aludida reforma, fiel à matriz genética, foi também recolher ensinamentos à revisão de 1976 do ZPO, mormente em termos de potenciação da celeridade processual, no que toca à produção concentrada da prova oral, e à possibilidade de substituição da inquirição presencial de testemunhas por depoimento escrito das mesmas, sem prejuízo, ao que se julga, dos incidentes da acareação ou da contradita.

Em matéria de recursos, reduziu-se a impugnabilidade dos acórdãos dos tribunais de 2.ª instância para o Supremo Tribunal do Japão. Seguindo uma tendência quase universal, os recursos que corram termos em processos cíveis passam, em regra, a terminar na instância intermédia, quando esteja em causa matéria de facto controvertida.

Apenas se poderá admitir o acesso à última instância em questões jurídicas ou quando a 2.ª instância tenha violado jurisprudência do tribunal superior — no Japão instituíu-se, contra a opinião de muitos juristas, um sistema dos writs de certiorari anglo-americanos, mediante o qual o Supremo Tribunal rejeita os requerimentos de interposição de recurso que não satisfaçam aqueles requisitos e, nos restantes casos, goza de poderes discricionários na decisão sobre a admissi-bilidade.

Outros aspectos há em que a reforma japonesa mostra algumas virtualidades assinaláveis:

a) Em lugar da criação de múltiplos tribunais de pequena instância, adoptou-se um novo procedimento — designado de «pequenas causas» — em que se vai além do efeito cominatório pleno característica das acções declarativas com forma de processo sumaríssimo dos códigos latinos; na verdade, quando se trate de cobrança de dívidas de montante não superior a 300 000,00 yen (aprox. MOP $ 40 000,00) e o autor optar por intentar uma acção de acordo com este trâmite específico, o réu não pode reconvencionar, existe apenas uma audiência, e juiz é livre de, na condenação, fixar os termos do pagamento, podendo determinar a sua liquidação faseada por prestações, sendo a sentença irrecorrível;

b) Introduziu-se o princípio da boa fé processual;

c) Adoptou-se, ao nível da legitimidade processual activa, a figura americana da class ation, com a designação de «acção representativa» — com muitas afinidades com a tutela de interesses difusos europeia, mas divergente, entre outros aspectos, no tocante à relação subjacente entre os litigantes e os titulares dos interesses defendidos: é que no sistema japonês os autores da lide são mandatários de um conjunto de pessoas perfeitamente determinado (ou deter-minável), lesado no seu interesse grupal;

d) Abriu-se a possibilidade de propositura de acções em regime de pluralidade subjectiva passiva subsidiária;

e) Aumentou-se o poder decisório dos juízes, admitindo-se a determinação ex officio de montantes indemnizatórios em causas mais difíceis, ultrapassando, assim, os problemas que se colocam à prova dos respectivos danos e à sustentação dos pedidos formulados;

f) A segunda instância é vista como a continuação da primeira, de modo que são admitidas, mesmo em via de recurso, a invocação de novos factos e a apre-sentação, desde que tempestiva, dos respectivos meios de prova para esclarecimento da verdade material.

(Cf. YASUHEI TANIGUCHI, «The 1996 Code of Civil Procedure of JapanA Procedure for the Coming Century?», in The American Journal of Comparative Law, Vol. XLV, n.º 4,1997, págs. 767 a 791).

31. Feita esta pequena incursão comparatística, cumpre retirar umas quantas ilações gerais sobre as recentes tendências reformadoras do processo civil.

Em primeiro lugar, todas as revisões seguiram o caminho da simplificação processual, tentando abreviar as etapas a percorrer entre a propositura da acção e o julgamento.

Em segundo lugar, o princípio do dispositivo, tão caro ao processo civil novecentista, manteve-se intacto apenas no tocante à alegação dos factos e à formulação do pedido; no que tange à recolha de prova, nota-se uma crescente intervenção do juiz, ao abrigo dos princípios do inquisitório e da oficialidade, reforçados na hoje dominante concepção social do processo civil, finalisticamente orientada para a justiça material.

Em terceiro lugar, assiste-se ao reforço, de cariz juspublicístico, da concentração, da oralidade e da imediação na produção da prova, sem prejuízo da sentida necessidade de um adequado registo e documentação da mesma, com respeito pelo princípio da motivação, essencial para a eficaz consecução de um recurso com duplo grau de jurisdição em matéria de facto e, consequentemente, para o cabal cumprimento do princípio da tutela jurisdicional efectiva.

Em quarto lugar, dá-se a crescente desvalorização do triplo grau de jurisdição em matéria de facto, ficando a última das três instâncias judiciais com competências «residuais» em matéria de direito, a fim de descongestionar os tribunais superiores e de tornar a justiça mais célere.

Em quinto lugar, introduziram-se «paliativos» à inquisitoriedade, através dos princípios da cooperação e da boa fé.

Em sexto lugar, flexibilizaram-se as fórmulas tramitacionais, passando pela previsão de «cláusulas gerais» permissivas de uma densificação particularizante à medida da justiça de cada caso concreto — na reforma portuguesa, através do novel princípio da adequação formal («recebido» pelo P-CPC, no seu artigo 7.º);

Em sétimo lugar, atenuou-se o princípio da preclusão, em harmonia com o princípio da prevalência das decisões de mérito sobre as decisões meramente formais, com o princípio do contraditório e com as exigências de defesa.

Em oitavo lugar, o processo executivo ficou mais célere, tendo-se criado, sem prejuízo dos direitos de defesa do executado, mecanismos de executoriedade imediata de decisões declarativas, com o propósito de salvaguardar o efeito útil e a efectividade da acção.

Em nono lugar, as providências cautelares foram valorizadas, como meio de afastar ou de prevenir, com eficácia, lesões ou ameaças de lesões aos direitos dos particulares.

Em décimo lugar, enveredou-se pelo trilho, nem sempre fácil, da simplificação e condensação dos processos especiais e dos processos de jurisdição voluntária, com a redução do seu elenco nominado e a generalização das regras comuns.

32. Grosso modo, foram estas, na verdade, as principais ideias subjacentes à Reforma portuguesa, como se pode depreender do respectivo documento norteador, As Linhas Orientadoras da Nova Legislação Processual Civil, baseado no qual foi elaborado o texto em anexo (BORGES SOEIRO, «As Linhas Mestras do Novo Código de Processo Civil de Macau», Macau, 24 de Fevereiro de 1997) — veja-se ainda, para elucidação deste assunto, LEBRE DE FREITAS E OUTROS, «Novo Processo Civil. As Linhas Orientadoras da Nova Legislação Processual Civil», in Sub Judice. Justiça e Sociedade, n.º 4, 1992, págs. 37 a 47.

33. Do cotejo das razões determinantes da localização legislativa na área do processo civil, com os padrões observados ao nível da evolução internacional nesta matéria, sobressaem traços validamente atendíveis para uma reforma convincente do CPC local.

Para começar, urge definir uma opção basilar de política legislativa: que fazer com o CPC em vigor?

Entendemos que a resposta correcta só poderá ser a seguinte: não existem razões para uma ruptura com o sistema vigente, o qual, apesar de enfermado de alguns graves inconvenientes e de aspectos antiquados, não conducentes a uma tutela judicial célere e justa, tem, de um modo geral, servido razoavelmente bem a população de Macau.

Note-se, de resto, que a designação «Novo Código» decorre apenas da circunstância de vir a tratar-se do primeiro CPC produzido e aprovado em Macau, privativo do seu ordenamento jurídico, e revogatório, em bloco, de um CPC dimanado da República. Formalmente, será, sim, um Código novo.

Porém, substancialmente, o P-CPC, com excepção da matéria atinente aos recursos — que é verdadeiramente inovadora —, segue de muito perto as pisadas da Reforma portuguesa.

Numa palavra, a reforma em curso é profunda, mas não deixa de ser uma reforma proprio sensu.

De resto, conforme já se salientou, outro qualquer caminho seria desa-conselhável. Uma mera revisão não lograria atingir o objectivo da modernização e adaptação legislativas; ao passo que um corte radical com o CPC vigente poderia representar uma frustração do objectivo, imposto pela DCLC, da contínua ligação cultural, dogmática e técnica ao Direito de matriz portuguesa, para além de conduzir a um desnecessário esforço acrescido de assimilação, por parte dos operadores forenses.

Aliás, de um ponto de vista estratégico, atento à realidade dos nossos dias, também seria de repudiar uma revolução legislativa.

A este respeito, ensina lapidarmente YASUHEI TANIGUCHI:

«(…) já não vivemos na era das codificações grandiosas. Hoje, nenhuma lei escrita consegue acompanhar o ritmo das transformações sociais (…). Em qualquer caso, temos de tomar consciência de que esta é uma área do Direito em que mudanças radicais não são possíveis nem desejáveis. (…)

O processo [civil] está intimamente ligado à cultura jurídica, ao actuar dos práticos do Direito, à natureza do sistema judiciário, etc. A prática judiciária poderá mesmo ser a última coisa que se consiga mudar apenas com [legislação](...).

Muito bem andou o Executivo ao ter optado pela via reformista.

34. Resolvida esta questão prévia, é altura de discorrer sobre as linhas de força a seguir no domínio da reforma do CPC.

Para tal, o melhor será apreciar primeiro as principais directrizes seguidas pelo P-CPC, para depois avançar com os juízos opinativos que ao caso couberem.

 

§ 4.º Parâmetro:

Apreciação do P-CPC na generalidade

— algumas questões e princípios fundamentais

«O trabalho de interpretação é o de concreti-zar a lei em cada caso concreto — i.e., é um trabalho de aplicação. A suplementação criativa da lei (…) é uma tarefa reservada ao juiz, mas ele está sujeito à lei do mesmo modo que todo e qualquer membro da comunidade. Faz parte da ideia do primado da lei que o juízo de um juiz não pode provir de uma decisão arbitrária e imprevisível, mas do justo pesar do todo [v.g. o caso concreto]».

Hans-Georg GADAMER

35. Cada utente do aparelho judiciário, no exercício do seu direito à tutela jurisdicional efectiva, é portador da legítima expectativa de que o juiz, o decisor do processo, faça justiça.

Para esse efeito, não basta que existam normas materiais invocáveis, é necessário que exista um corpo de regras instrumentais para a concretização de uma resolução justa da situação individual apresentada ao pretório. É condição sine qua non da realização da justiça que o processo respeite a materialidade subjacente à lide.

Destarte, a relação de forças — e respectivas consequências — entre os diversos intervenientes processuais consubstancia o primeiro patamar aferidor da justiciabilidade do caso concreto.

O P-CPC não foge a esta questão e procede a um reenquadramento da clássica dialéctica entre o princípio do dispositivo e o princípio do inquisitório.

36. Como é sabido, o princípio do dispositivo marca a ratio essendi do processo civil. Incumbe às partes intentar e contraditar as acções, formular o pedido e a causa de pedir, deduzir e responder às reconvenções, cabendo-lhes ainda o ónus de alegar e de provar os factos que, subsumíveis aos princípios e normas jurídicas aplicáveis, permitam um juízo de procedência ou de improcedência das pretensões deduzidas.

Facilmente se constata que é dentro desta livre iniciativa e disponibilidade dos sujeitos do processo, dos adversários no litígio, que irrompe o correlativo princípio do contraditório, apanágio da luta em que efectivamente se encontram autor e réu, requerente e requerido, exequente e executado, embargante e embargado, recorrente e recorrido.

Ambos os princípios aparecem agora no P-CPC com novas vestes, sofrendo limitações genéricas resultantes de uma nova articulação com o princípio do inquisitório, onde assenta a função ex officio do julgador, qual fiel da balança, que, numa posição supra partes (e não inter partes, como no caso dos árbitros), deve aplicar o Direito e realizar a justiça, de modo imparcial e independente de qualquer dos contendores.

37. O enunciado do princípio do dispositivo lato sensu aparece logo na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 3.º e no artigo 5.º do P-CPC, sendo complementado, naquele número, in fine, pelo princípio do contraditório, concretizado no n.º 3, em moldes que demonstram a indissociabilidade entre ambos.

Na formulação prevista no artigo 3.º, o dispositivo revela-se restrito ao princípio do pedido, «da demanda» (CARNELUTTI) ou da iniciativa processual, enquanto que no artigo 5.ºº transparece a ideia de ónus subjectivo (ANSELMO DE CASTRO) de alegação dos factos que interessam à prova da causa de pedir.

Assim, o dispositivo compreende, no artigo 3.º, uma primeira faceta: a ini-ciativa de dedução da pretensão e de livre disponibilidade do objecto processual (na acepção de pedido juntamente com a causa petendi), que em caso algum pode ser toldado pelo juiz, constituindo o dispositivo um limite inultrapassável do poder inquisitório, nos termos do n.º 1 do artigo 564.º do P-CPC.

Outra faceta, decorrente mas diferente da anterior e constante do artigo 5.º, é a das manifestações do princípio do dispositivo ao nível da matéria de facto, incumbindo às partes o ónus de os alegar e invocar, mas em moldes que rompem com a fisionomia do CPC vigente.

Neste âmbito, note-se o alcance do artigo 567.º, in fine, do P-CPC — limitação do poder cognitivo do juiz aos factos alegados pelas partes —, o qual, contrariamente à regra rígida contida no actual artigo 664.º, não está excepcionado apenas no tocante aos factos notórios (artigo 514.º do CPC) ou aos casos de simulação ou fraude processual (artigo 665.º ), sendo genericamente delimitado pelo próprio artigo 5.º Ora, este último preceito prevê importantes novidades, consequentes de um alargamento, neste domínio, do princípio do inquisitório/ /oficialidade e, ainda, do princípio da aquisição processual.

Sumariamente, o artigo 5.º, «herdeiro» do actual artigo 264.º, estipula que:

a) Os «factos instrumentais», resultantes da instrução e discussão do processo, ainda que não alegados pelas partes, são de conhecimento oficioso, nos termos do n.º 2;

b) Mesmo os «factos essenciais» não directamente invocados pelas partes, que sejam decorrentes ou complementares de outros factos nucleares alegados, são agora sempre atendíveis, desde que a parte que deles se queira prevalecer manifeste essa vontade, e tenha sido dada oportunidade de defesa à contraparte, nos termos do n.º 3 (aliás concretizador do n.º 3 do artigo 3.º);

c) Ou seja, a procura da verdade material e o incremento da intervenção do juiz vêm introduzir também uma flexibilização ampliadora na tradicional fixação da matéria de facto — princípio da estabilidade ou da imodificabilidade do objecto — na fase do saneador, salvo a atendibilidade de factos jurídicos supervenientes (actual artigo 663.º).

Estas inovações partem da classificação dos factos em essenciais e instrumentais, sendo os primeiros os que consubstanciam a causa de pedir (os fundamentos que sustentam o pedido) e os segundos, também conhecidos por probatórios ou acessórios, são os factos que «indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para prova destes» (TEIXEIRA DE SOUSA, «Apreciação de Alguns Aspectos da «Revisão do Processo Civil — Projecto», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 55.º, 11, 1995, pág. 359).

Veja-se agora a «dinâmica» tramitacional introduzida pela nova regra do n.º 3 do artigo 5.º (cf. ABRANTES GERALDES, ob. cit., págs. 52 a 58):

a) Primeiro, os factos essenciais, embora não tendo sido expressamente alegados, devem resultar da produção de prova, não podendo ser atendidos quaisquer factos eventualmente invocados em alegações de direito (discussão do aspecto jurídico da causa — artigo 560.º  do P-CPC);

b) Os novos factos devem ser complementares ou concretizadores dos factos essenciais alegados; ou seja, devem ser factos novos que completem uma causa de pedir ou factos que reforcem ou esclareçam, de um ponto de vista fáctico e nunca normativo, outros, alegados, de índole conclusivo;

c) A parte interessada deve requerer a apresentação de tais factos, assistindo à outra parte o direito de contraditar, opondo-se à ampliação da base factual do pleito;

d) É dever do juiz presidente do colectivo providenciar pela alteração da matéria de facto (alínea f) do n.º 2 do artigo 553.º), não podendo, ao que parece, indeferir o requerimento aludido na alínea anterior, salvo se os requisitos do n.º 3 do artigo 5.º não estiverem preenchidos;

e) O presidente pronuncia-se sobre eventuais reclamações à nova factualidade controvertida, isto é, à base instrutória agora fixada pelo juiz (números 2 e 3 do artigo 430.º ex vi n.º 5 do artigo 553.º);

f) Segue-se a discussão, produção de prova e de contraprova relativamente aos novos factos (números 3 e 4 do artigo 553.º); e

g) Os novos factos são objecto de decisão sobre se foram ou não dados como provados (artigo 556.º).

Sendo boa a filosofia subjacente ao artigo 5.º, entendemos, no entanto, que o preceito em causa devia ser melhor conjugado com o artigo 3.º, por tratarem de aspectos parcelares de um mesmo princípio fundamental, sendo que o princípio do contraditório se manifesta com igual incidência em ambos os normativos.

38. Por outro lado, afigura-se desnecessário o passo descrito na alínea c) (o requerimento da parte que queira aproveitar os novos factos).

Secundando TEIXEIRA DE SOUSA, «o cumprimento desse requisito é normalmente inútil, dado que a parte tem manifesto interesse no seu aproveitamento e dificilmente se concebe que não os deseje ver considerados no processo; se não for inútil, é prejudicial, dado que, se a parte obstar ao aproveitamento dos factos apurados, isso constitui um entrave à actividade decisória do juiz (…)» — recorde-se que o juiz apenas poderá, de acordo com o P-CPC, carrear ofi-ciosamente para o processo os factos notórios (n.º 1 do artigo 434.º), os conhecidos em virtude do exercício da função jurisdicional (n.º 2 do artigo 434.º), os revelados pelo uso simulado ou fraudulento do pleito (artigo 568.º), e os instrumentais (n.º 2 do artigo 5.º).

Acresce, salvo melhor entendimento, que, na parte em foco, o n.º 3 do artigo 5.º não concretizará cabalmente o ínsito princípio da aquisição processual, previsto no artigo 436.º

De acordo com este princípio, inspirado no ZPO austríaco, o onus probandi dos factos alegados tem cariz objectivista; por outras palavras, o direito probatório material é marcadamente objectivo (ANTUNES VARELA/MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, ob. cit., pág. 450) e, no plano adjectivo, implica a atendibilidade de todas as provas, ainda que desfavoráveis para a parte onerada com a sua produção, ou que possam aproveitar à contraparte. Esta solução já resulta, de resto, dos artigos 515.º, 567.º e 571.º do CPC vigente.

Ora, a não atendibilidade imediata de factos essenciais que pressupõem a previa invocação e cumprimento do ónus de prova em relação a outros factos da mesma natureza constitui, na prática, uma restrição contraproducente, embora indirecta, ao princípio da aquisição processual — na verdade, fazer depender a atendibilidade destes factos da vontade da parte onerada com a sua eventual prova significa sacrificar a verdade material, objectiva, a critérios que no esquema geral do P-CPC estão subtraídos ao princípio do dispositivo, pois, como adiante se elucidará, este não funciona em matéria de prova.

Assim, sugerimos que esses factos — se tiverem eventualmente sido cognoscidos pelo tribunal — possam ser objecto de um dever de aclaração, mediante um convite à parte potencialmente interessada para dizer o que se lhe possa oferecer sobre os factos, dando oportunidade à contraparte para contraditar, a fim de que, no uso dos poderes inquisitórios previstos no n.º 3 do artigo 6.º, possa a verdade substancial ser apurada.

Não parece, prima facie, que a alteração proposta possa pôr em causa o ónus subjectivo de alegação dos factos, dependente da iniciativa das partes, uma vez que os factos sub judice pressupõem a existência de factos principais já invocados sem a interferência do juiz.

Aliás, o actual artigo 645.º já aflora a ideia da oficiosidade do tribunal no apuramento dos factos relevantes para a boa decisão da causa, e a ideia ora expressa encontra cabimento no espírito do reformulado, princípio da cooperação (cf., em especial, o n.º 2 do artigo 8.º).

Caso o juiz os venha a admitir, sem fundamento bastante — p. ex., os factos carreados não complementam nem concretizam factos previamente alegados, antes constituem factos completamente inovatórios — a parte prejudicada poderá sempre lançar mão da reclamação prevista no n.º 5 do artigo 553.º e, a final, recorrer do despacho que indefira a impugnação (n.º 3 do artigo 430.º).

39. Diga-se ainda, quanto a este tema, que o artigo 567.º, in fine, nos parece despiciendo e redundante, em face ao conteúdo do novel artigo 5.º — sendo o P-CPC tributário da ideia de simplificação e de uma construção jurídica com recurso a formulações genéricas e abrangentes, com o máximo de desritualização e de desnormação taxativa, não se justifica a repetição de enunciados normativos.

40. É no âmbito da prova que o princípio do dispositivo sofre, com o P-CPC, as maiores restrições na sua concatenação com o do inquisitório.

Com toda a propriedade, assinalou ANSELMO DE CASTRO, no contexto do CPC vigente, que:

«Entre o regime legal e a realidade abre-se, todavia, uma larga distância: raros são os casos em que o tribunal use da iniciativa probatória [n.º 3 do artigo 264.º e artigo 645.º], que continua a pesar assim, na prática, exclusivamente sobre as partes. Quer dizer: legalmente, o princípio é de oficialidade e de ónus da prova meramente objectivo; mas de facto, é um regime dispositivo e de ónus da prova subjectivo, idêntico ao da alegação dos factos».

Esta realidade é combatida, na esteira da Reforma portuguesa, através dos seguintes preceitos acentuadores da investigação oficiosa:

a) O n.º 3 do artigo 6.º, de cariz genérico, conferindo ao juiz uma grande amplitude no exercício do poder-dever (ou dever funcional) inquisitório, obrigando-o mesmo, ao que parece, a proceder, oficiosamente, às diligências probatórias que considere necessárias para o apuramento da verdade material da lide.

Esta disposição difere da actualmente vigente — o n.º 3 do artigo 264.º —, na medida em que no CPC a iniciativa probatória do juiz constitui apenas um poder, persistindo muitas dúvidas na doutrina sobre a natureza jurídica dos poderes do juiz.

Enquanto que para uns o poder inquisitório previsto no n.º 3 do artigo 264.º é vinculado e, portanto, sindicável pela via de recurso da respectiva decisão, para outros tratar-se-á de um poder discrionário e, como tal, qualquer despacho que indeferisse a produção de prova será irrecorrível, nos termos do artigo 679.º

Apesar de algumas vozes críticas, que referem nada ter esclarecido a nova redacção do n.º 3 artigo 264.º em Portugal — praticamente idêntica à do n.º 3 do artigo 6.º do P-CPC — quanto a esta dúvida, poderá afirmar-se que a mens legislatoris foi no sentido de resolver a contenda, optando pelo carácter vinculado do poder inquisitório. Lebre de Freitas defende esta tese, referindo a infelicidade da redacção em apreço, que «devia deixar claro que nele [preceito] não se consagra um poder discricionário, mas um dever, do juiz» («Revisão do Processo Civil», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 55.º, II, 1995, pág. 430).

Aceitando a bondade desta conclusão, reforçada no P-CPC pela omissão do vocábulo «mesmo» a anteceder «oficiosamente», poderá afirmar-se a recor-ribilidade de, por exemplo, uma recusa injustificada do juiz de ordenar ou realizar diligências de prova ou de qualquer outro despacho incumpridor do n.º 3 do artigo 6.º, sem risco de subsunção no domínio das matérias «confiadas ao prudente arbítrio do julgador» (n.º 4 do artigo 106.º do P-CPC), i.e., em que se assiste ao uso de poderes discricionários;

b) O disposto no n.º 4 do artigo 8.º e no artigo 462.º, quanto à prova documental;

c) O disposto no n.º 1 do artigo 447.º, no respeitante ao depoimento de parte;

d) O disposto nos artigos 500.º e 509.º e no n.º 2 do artigo 510.º, em relação à prova pericial;

e) O disposto no artigo 548.º, no tocante à prova testemunhal.

De toda a sorte, parece aconselhável uma redacção mais clara e precisa do n.º 3 do artigo 6.º, para que não possam suscitar-se interpretações díspares sobre o seu real alcance.

Sem prejuízo de concordar com a ideia subjacente a esse preceito, parece- -nos que o poder investigatório do juiz deve ser exercido de forma contida, equilibrada, imparcial e respeitadora do princípio da igualdade material das partes, previsto no artigo 4.º do P-CPC.

Este alerta não será inútil, se levarmos em conta que o dever funcional em causa pode abrir «as portas a eventuais imponderaçõs e subjectivismos, se não mesmo a fazer vingar pré-juízos» (ABÍLIO NETO, Código de Processo Civil Anotado, 14.ª Ed., Ediforum, Lisboa, 1997, pág. 304), se se perder de vista a natureza dispositiva da matéria de facto e o respectivo ónus subjectivo de alegar.

Na verdade, uma coisa é a iniciativa processual das partes quanto à factualidade a dar a conhecer ao tribunal; outra coisa é a instrução, o ónus objectivo de provar os factos alegados.

Se quanto à actividade probatória não se levantam objecções ao reforço do princípio da oficialidade, já no que diz respeito ao «ónus de afirmação dos factos» (Anselmo de Castro), será sem dúvida preferível a manutenção, sem concessões, da estrutura dispositiva e contraditória do processo civil, isto é, do ónus meramente subjectivo, sob pena de desvirtualização da razão de ser deste iter procedimental tutelador de interesses eminentemente privados.

41. É quanto a esta questão fundamental que o P-CPC mostra algumas incongruências.

Repare-se que, voltando as costas à Reforma portuguesa, o P-CPC manteve — e ainda bem — o despacho liminar (artigo 394.º) previsto no artigo 474.º do CPC. É, por isso lógico que o despacho de aperfeiçoamento (cf. artigo 397.º) da petição inicial (p.i.) tivesse o seu lugar garantido, seguindo a orientação do actual código.

Já se percebe menos bem a solução de, não obstante se ter rejeitado a ideia inicial de introduzir uma audiência preliminar, se ter «recebido» a redacção do n.º 3 do artigo 427.º do P-CPC. Assiste-se aqui a dois fenómenos:

a) A uma duplicação desnecessária das tarefas do juiz,

b) À criação da suspeita, por parte do legislador, de uma menor credibilização da competência técnica dos advogados, os quais devem ser duplamente «corrigidos» pelo juiz.

Este último aspecto deve ser analisado através do confronto entre a redacção actual a do P-CPC, no que tange ao despacho de aperfeiçoamento. É que o n.º 1 do artigo 397.º proposto atribui ao juiz o poder de sindicar a própria alegação da matéria de facto, quando estipula que o despacho de aperfeiçoamento abarca a situação de a p.i. apresentar «insuficiências ou imprecisões na apresentação da matéria de facto alegada».

Esta formulação parece não ser compatível com o princípio do dispositivo; o mesmo se diga do n.º 3 do artigo 427.º, com a agravante de se tratar de uma pura redundância em relação à p.i.

Prosseguindo neste raciocínio, é preciso entender a ratio do artigo 427.º ao abrigo do artigo 4.º: pretende-se instituir, à luz do princípio da igualdade de armas, a possibilidade de todos os articulados — quer os do autor, quer do réu — poderem ser aperfeiçoados, o que se afigura correcto, se ressalvarmos a matéria de facto.

Se assim é, deve concluir-se que a analisada duplicação de aperfeiçoamentos — de que beneficia apenas o autor, na p.i. — viola claramente o desiderato da igualdade formal.

Tudo ponderado, sugerimos:

a) Que seja eliminado o artigo 397.º, por desnecessário face ao artigo 427.º, e por violação do direito à igualdade do réu;

b) Que sejam eliminados a alínea b) do n.º 1, o n.º 3 e o n.º 6 do artigo 427.º (e, em consequência, alterados e renumerados os números 4 e 5), de modo a limitar a intervenção do juiz a questões processuais, sem relevância para o mérito da causa, mas mantendo a invocabilidade, pelas partes, de quaisquer factos novos, de acordo com o princípio do dispositivo, agora reforçado com o n.º 3 do artigo 5.º (argumento a maiori ad minus: se mesmo durante a audiência de discussão e julgamento novos factos são afirmáveis, então quaisquer factos não articulados, essenciais ou instrumentais, são invocáveis na fase do saneamento).

Não se pode confundir o princípio do conhecimento ex officio do direito (1.ª parte do artigo 567.º) e o princípio da oficialidade em matéria probatória — a que se aliam os princípios da imediação, da concentração (artigo 439.º) e da livre apreciação da prova (artigo 558.º) — por um lado, e o princípio do ónus subjectivo da formação da base instrutória (a matéria de facto em que se alicerça a causa de pedir), exclusivamente afecta à disponibilidade das partes, por outro lado.

Por ser assim é que o princípio da estabilidade da instância (artigo 212.º) pode ser, quanto ao objecto do processo, excepcionado em qualquer momento quando haja acordo das partes (artigo 216.º). Por isso também é que a confissão, a desistência e a transacção são livres, podendo ser feitas em qualquer altura da lide (artigo 235.º).

42. Um outro princípio angular, e complementar dos antecedentes, deve ser agora avocado: o do contraditório.

Genericamente, este princípio está previsto, conforme se aludiu, no n.º 1 do artigo 3.º, in fine, no n.º 3 do artigo 3.º, e no n.º 3 do artigo 5.º, in fine.

No entanto, e na fase dos articulados e em matéria probatória formal que está mais exaustivamente concretizado: nos artigos 407.º a 411.º, 419.º, a 423.º, 432.º, 438.º, 441.º, 453.º, 455.º e 456.º, 465.º, 469.º a 475.º, n.º 2 do artigo 485.º, artigo 486.º, n.º 2 do artigo 490.º, artigos 506.º, 507.º, 514.º, 537.º a 539.º, 543.º a 546.º, números 3 a 5 do artigo 553.º, alíneas a), d) e e) do n.º 1 e n.º 7 do artigo 555.º, etc, etc.

O cerne da ideia de contraditoriedade está na efectivação do direito de defesa de cada parte perante os factos, as provas e os argumentos jurídicos apresentadas pela contraparte. Isto é, a qualquer intervenção processual de uma parte, deve seguir-se, como regime-regra, a possibilidade de dedução de defesa pela outra.

Logo, nenhuma decisão, seja ela de forma ou de mérito, consegue ser justa, imparcial e devidamente fundamentada se não tiver sido dado igual tratamento (a «igualdade de armas») a ambas as partes.

Significativa é a inovação constante do n.º 3 do artigo 3.º, como instrumento idóneo para a erradicação das chamadas «decisões-surpresa», perfeitamente ao arrepio da contraditoriedade das partes, que se vêm impedidas de reagir a decisões inesperadas — embora pudessem ser tecnicamente correctas — proferidas ao abrigo do velho princípio jus novit curia ou do conhecimento oficioso do direito por parte do juiz (1.ª parte do artigo 567.º) e, ainda, de harmonia com a oficialidade característica do conhecimento das excepções dilatórias e peremptórias, e do suprimento, quando possível, dos pressupostos processuais (cf., respectivamente, artigos 414.º, 415.º e n.º 2 do artigo 6.º).

Ora, no CPC vigente não existem quaisquer limitações à possibilidade de o juiz interpretar, aplicar, subsumir ou integrar o direito, pelo que não só poderão existir qualificações jurídicas dos factos diversas das invocadas pelas partes, como podem as normas relevantes in casu serem pura e simplesmente desaplicadas ou substituídas pelas de outro regime que o juiz considere aplicável.

O grande problema nestes casos é o risco de frustração de uma decisão de fundo, sobretudo quando se dá a extinção da instância, por verificação de uma excepção dilatória não invocada por qualquer uma das partes (cf. artigo 230.º do P-CPC e artigo 288.º do CPC).

Não pode deixar de merecer inteiro acolhimento a introdução deste «travão» ao princípio da oficialidade.

Em suma, o «pleno respeito pelo princípio do contraditório implicará que sejam banidas as «decisões surpresa» ao longo de todo o processo, incluindo a instância de recurso. Assim, não deverá ser lícito ao tribunal decidir as próprias questões de conhecimento oficioso sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem (…)» (LEBRE DE FREITAS E OUTROS, ob. cit., pág. 39; vd., ainda, ABRANTES GERALDES, ob. cit., págs 66 a 70; LEBRE DE FREITAS, ob. cit., págs. 423 e 424).

O princípio do contraditório, para ser plenamente respeitado, exige também que às excepções deduzidas no último articulado admissível (conforme os casos, a tréplica, a resposta à contestação, ou os articulados supervenientes) possa ser exercido o direito de defesa.

Em lugar de prever esta importante concretização do contraditório no artigo 3.º, talqualmente se fez na Reforma portuguesa, o P-CPC insere o respectivo normativo no artigo 423.º, em termos que, não sendo talvez os melhores, merecem acolhimento, porquanto não se trata do enunciar de uma cláusula geral — está-se em face de uma regra concreta densificadora de um princípio geral.

43. Princípio de menção inevitável na constelação dos «fios condutores» do processo civil é o da eventualidade ou da preclusão.

A ideia, outrora muito rígida, desde 1985 mais flexível e ora projectada em termos ainda menos severos, é basicamente esta: fica afastada e irreversivelmente precludida a prática de actos das partes fora das fases em que por lei deveriam ter sido praticados, ou quando tenham sido ultrapassados os prazos legais ou fixados pelo juiz, para o efeito, com a inevitável extinção do respectivo direito de agir no processo.

Este princípio traz, no texto vigente em Macau, diversos inconvenientes e obstáculos ao apuramento da verdade material, às garantias de defesa das partes e, bem se vê, ao princípio do contraditório.

Revela-se especialmente pernicioso no respeitante aos efeitos cominatórios, sejam os semi-plenos — ligados à figura da revelia (artigos 483.º a 485.º do CPC) e ao ónus da impugnação especificada (artigo 490.º do CPC) —, sejam os plenos, próprios dos processos sumário e sumaríssimo, em que a falta de contestação implica (salvo no que toca, no 1.º caso, a situações em que não há revelia e, em ambos os casos, quando o réu seja pessoa colectiva ou incapaz) a chamada «condenação de preceito» — i.e., a condenação, ope judicis, imediata, no pedido (cf. artigo 784.º, n.º 1 do artigo 794.º e artigo 795.º, todos do CPC).

Todavia, e como supra, no ponto 30., se concluiu, a tendência universal é para uma limitação cada vez maior da preclusão dos actos das partes. Neste aspecto também, o P-CPC não briga com esta linha evolutiva e ensaia soluções aceitáveis, a saber:

a) A prorrogabilidade de um prazo, dilatório ou peremptório, quando haja acordo das partes, por uma vez e por igual período (n.º 2 do artigo 97.º);

b) A prorrogação automática de qualquer prazo das partes por 3 dias úteis seguintes ao respectivo termo, já contemplada no artigo 145.º do CPC, mas agora com a faculdade de o juiz reduzir os montantes das multas (cf. n.º 5 do artigo 95.º do P-CPC), cujo pagamento impede o efeito preclusivo da extemporaneidade;

c) A invocação de justo impedimento em moldes mais justos para a parte impedida, a qual passa apenas a ter de provar a ocorrência de qualquer facto que lhe não seja imputável, ou seja, culposamente atribuível (artigo 96.º);

d) A invocabilidade, em qualquer momento, das excepções dilatórias da incapacidade judiciária, da irregularidade da representação (artigo 56.º), bem como da falta, insuficiência ou irregularidade do mandato forense (artigo 82.º).

Saliente-se, neste âmbito, que a muito utilizada disposição do n.º 5 do artigo 300.º do CPC — aplicada para obstar à nulidade quando o mandatário aja em juízo como gestor de negócios, por não estar devidamente munido de poderes especiais para desistir, confessar ou transigir — passa para o n.º 3 do artigo 243.º do P-CPC.

e) A possibilidade, inovadora, de fazer aditamentos ao rol de testemunhas (artigo 432.º);

f) A abolição da forma de processo sumaríssima (cf. artigos 370.º e 371.º).

44. A nova filosofia de distinguir, dentro da acção declarativa, entre apenas duas formas de processo comum — a ordinária e a sumária — merece alguma atenção.

Em primeiro lugar, tal simplificação, ou «redução da complexidade» das formas de processo apenas surtirá os efeitos desejados — descongestionamento dos tribunais, que ficam libertos de causas de pouco significado económico, em que a intervenção do juiz é burocrática, por ser muito frequente a não contestação das acções, o que leva ao referido efeito cominatório pleno — se, paralelamente, forem criadas as condições para a resolução extrajudicial, com recurso à arbi-tragem, dos pleitos de valor pecuniário pequeno (vd., infra, § 5.º).

Em segundo lugar, é curioso notar que a tramitação do processo sumário regulado no P-CPC se baseia no processo sumaríssimo, saído da Reforma portuguesa. Tal poderá representar uma perda relativa das garantias de defesa das partes e, muito particularmente, dos demandados, já que passa a inexistir um processo de complexidade intermédia que «equilibre» a tremenda celeridade e aformalismo do novo processo sumário, e a ritualização e morosidade próprias da forma ordinária.

Em terceiro lugar, há que enquadrar a solução mantida no artigo 373.º, do famoso «processo civil simplificado», introduzido no artigo 464.º-A do CPC pela «reforma intercalar» de 1985.

É útil examinar a experiência portuguesa neste domínio. Já em 1991, o dito procedimento abreviado foi retirado do CPC e ficou regulado, desde então, pelo Decreto-Lei n.º 211/91, de 14 de Junho, sem grandes resultados práticos, por falta de interesse em recorrer a esse mecanismo.

Noticia MOURAZ LOPES que «o sistema não tem tido, pura e simplesmente, utilização nos tribunais. Nem as benesses de índole tributária concedidas — possibilidade de redução de taxa de justiça e atribuição de uma percentagem da mesma às instituições corporativas dos mandatários — foram suficientes para despoletar este mecanismo processual na prática judiciária» («Processo civil simplificado», in Sub Judice. Justiça e Sociedade, n.º 5, 1993, pág. 138).

Temos algumas dúvidas quanto à utilidade desta forma de processo, pois, bem vistas as coisas, o residente comum, tão avesso que é à litigiosidade, preferirá lançar mão de meios conciliatórios ou arbitrais, em vez que de subscrever uma p.i. conjunta com a contraparte — apesar da aparência de acordo neste acto, o certo é que existe matéria controvertida, e o recurso à via judicial traz outra «carga» emocional para as pessoas.

Ademais, o artigo 373.º, de per si, não chega: tem de ser regulamentado, sob pena de vir a ser objecto da modelação processual admitida pelo princípio da adequação formal (artigo 7.º).

Afigura-se ainda estranho, dada a sua extrema simplicidade, que o processo sumario estabelecido no P-CPC possa ser ainda mais condensado e reduzido.

Finalmente, o referenciado princípio da adequação formal não bastará para o encontrar de trâmites simplificados para litígios que os justifiquem?

45. A questão dos prazos foi também revista de forma satisfatória.

Desde logo, pela mutação da sua natureza, tendo passado a prazos contínuos, contados do mesmo modo que os previstos na lei substantiva (artigo 279.º do Código Civil vigente e artigos 272.º e 289.º do projecto do Código Civil de Macau), com benefícios ao nível do seu cômputo.

Em «compensação», a duração dos principais prazos legais foi, naturalmente, prolongada no P-CPC, sendo agora o prazo geral supletivo para os actos das partes de 10 dias (artigo 103.º), sendo idêntico o prazo para os magistrados (n.º 1 do artigo 110.º).

Já o prazo residual para os actos de mero expediente dos magistrados, para os actos da secretaria e para os dos oficiais judiciais que se limitem a cumprir despachos do juiz, é de apenas 5 dias (cf. n.º 2 do artigo 110.º, e artigos 115.º e 116.º). Também se nota uma uniformização salutar dos prazos, passando a haver, genericamente, apenas prazos de 5, 10, 15, 20 e 30 dias.

A importância desta temática não deve ser esquecida, uma vez que a aplicação subsidiária do artigo 144.º do CPC a diversos diplomas adjectivos irá, com o novo código, sujeitar todos os prazos processuais à nova regra da continuidade.

Naturalmente, o diploma preambular do futuro CPC terá de proceder à adaptação dos prazos existentes (cf., por exemplo, o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 329º-A/95, de 12 de Dezembro).

46. Para além da simplificação dos prazos, com efeitos adjuvantes da celeridade processual (os prazos não urgentes apenas se suspenderão em férias judiciais), outras novidades há que vão no sentido do combate à morosidade da realização da justiça.

Em primeiro lugar, a eliminação de factores que levavam ao sucessivo adiamento da audiência final. É que apesar da redacção actual do artigo 651.º do CPC, ninguém duvida que outras causas influem nos adiamentos para além das expressamente previstas nesse normativo.

Assim, é ainda comum o adiamento quando, designadamente:

a) Se dá notícia ao tribunal da iminência de acordo entre as partes;

b) Falte a notificação de pessoa cuja comparência seja indispensável (parte, testemunha, perito);

c) Falte o advogado de uma das partes, e sem embargo da regra estabelecida no n.º 2 do referido artigo 651.º.

Com vista à atenuação - que não solução completa, já que o artigo 554.º do projecto pouco difere do artigo 651.º ora vigente, salvo no tocante ao não adiamento por falta de uma ou de ambas as partes à tentativa de conciliação (n.º 6) — destes problemas, o P-CPC introduziu, como manifestação, aliás, do princípio da cooperação, o mecanismo previsto no artigo 105.º

Trata-se de uma disposição em tudo idêntica à do artigo 155.º do CPC português actual, e que permitirá, assim se espera, suplantar os sucessivos adiamentos das audiências por falta dos advogados, através de uma prévia marcação concertada entre o juiz e os mandatários forenses das partes (um «encontro de agendas» na expressão de BORGES SOEIRO, «O Novo Código de Processo Civil de Macau», cit., pág. VII).

Parece, contudo, que fica por resolver a falta de testemunhas de que a parte não prescinda. Para esta situação talvez se possa sugerir a regra de que, ressalvados as hipóteses previstas no artigo 522.º, todas as testemunhas que deponham em audiência devam ser a apresentar, caindo-se, assim, no regime do n.º 1 do artigo 531.º (correspondente ao artigo 630.º em vigor), o qual limita a dois o número de adiamentos totais da inquirição, e condiciona o adiamento por falta de testemunhas não notificadas ao acordo das partes.

Sendo Macau um espaço territorial de dimensões muito exíguas, onde os trajectos são curtos e rápidos, não se antevê razão para a não obrigatoriedade de apresentação das testemunhas pela parte que as tenha arrolado. E, como «válvula de escape», poderia evitar-se a realização da audiência — mesmo faltando testemunhas — apenas quando a não comparência destas se deva, nos termos gerais, a justo impedimento.

47. Em prol da celeridade, a fase da citação foi também diversificada e melhorada.

Normalmente o primeiro entrave para uma justiça rápida — nalgumas ordens jurídicas, como a italiana, pelo menos estatisticamente tal não acontecerá com tanta gravidade, porquanto se considera intentada a acção apenas com a citação do réu —- é preciso, no entanto, não enveredar por soluções drásticas que, à guisa de uma mais acelerada efectivação da demanda e, maxime, dos direitos dos credores, possam obnubilar as garantias de defesa dos demandados.

No P-CPC adoptou-se como regra geral que a citação pessoal é feita por carta registada com aviso de recepção (alínea a) do n.º 2 do artigo 180.º e artigo 182.º), afastando a vigente regra da citação através de funcionário judicial (artigo 228.º-A do CPC) e a previsão da citação por carta como regime geral privativo para as pessoas colectivas (actual artigo 238.º-A).

Apenas se passa à citação por funcionário em caso de impossibilidade da citação pela via postal (185.º), mantendo-se as formas, hoje existentes, de citação na pessoa no citando, mas com hora certa, e de citação em pessoa diversa da citanda. Note-se que neste último caso, o citado é sempre advertido da ocorrência (artigo 187.º).

Quando o citando esteja ausente em parte certa, no exterior de Macau, tenta-se nova citação por carta para o local onde se encontre, ou, se assim o entender o juiz, pode decidir que deve aguardar-se pelo seu regresso (artigo 189.º).

Esta última ideia poderá não ser adequada, uma vez que a ausência do réu, se bem que por definição temporária, pode ser muito prolongada, dado ser de conhecimento geral que muitos residentes de Macau têm também direito de residência noutros países.

Consideramos que, ou se elimina o poder discricionário do juiz previsto no artigo 189.º, in fine, ou, então se defina um prazo máximo para o regresso do citando, decorrido o qual se passará à modalidade de citação de réu residente no exterior (artigo 193.º).

Por sua vez, a citação edital — de pessoas certas — é a via residual, utilizada apenas quando não seja possível citar pessoalmente e em caso de incerteza do lugar onde se encontre citando ausente no exterior (artigo 190.º, n.º 6 do artigo 193.º e artigo 194.º). Também a via dos éditos e dos anúncios é adoptada, nos termos do artigo 197.º, quando haja indeterminação das pessoas a citar (p.ex. acção proposta contra incertos).

Mas a inovação mais significativa nesta matéria é a possibilidade de citação pessoal através de mandatário ou de pessoa auxiliar da justiça que trabalhe por conta daquele, devidamente credenciada pela Associação dos Advogados de Macau (cf. artigos 191.º e n.º 4 do artigo 111.º).

Este regime propicia óbvias vantagens para a redução, ao mínimo, da citação pessoal por funcionário judicial, em caso de citação frustrada pela via postal, o que, só por si, vem aliviar as tarefas das secretarias. E, além disso, incute um sentido de co-responsabilização do advogado na realização da justiça, traduzindo uma outra manifestação do princípio da colaboração (artigo 8.º), e potencia um andamento mais atempado do processo, beneficiando o cliente/demandante.

Aplaude-se esta inovação, baseada nos artigos 245.º e 246.º do CPC portu-guês revisto.

Uma discutível novidade incorporada na Reforma portuguesa foi a da dispensa de despacho prévio do juiz a ordenar a citação. Fez muito bem o P-CPC em manter o status quo, tal como foi lúcida a não eliminação do despacho liminar hoje regulado no artigo 474.º do CPC.

Duas razões ponderosas são invocáveis para sustentar esta ratio legislatoris: primeiro, os funcionários judiciais locais não têm preparação nem experiência suficientes para, ex officio, verificarem a regularidade de uma p.i., através de um mero acto da secretaria. Segundo, convém que haja sempre um controle jurisdicional dos momentos essenciais do desenvolvimento de uma acção.

48. Cumpre referir um último, grande princípio norteador do P-CPC, este genuinamente novo: o princípio da adequação formal (artigo 7.º).

Aparentemente decalcado do artigo 265.º-A introduzido pela Reforma portuguesa, o preceito homólogo do P-CPC contém uma diferença assinalável: a omissão da referência final «bem como as necessárias adaptações».

Esta particularidade implica não só um sentido diverso a dar ao preceito macaense, mas também um maior alcance prático, como se verá.

Este princípio permite a prática de actos processuais inominados, não previstos na lei, desde que o juiz conclua, após audição das partes, que os trâmites estabelecidos na lei adjectiva não se adequem à materialidade da situação jurídica objecto da lide.

Transparece, mais uma vez, a ideia de justiça material do caso concreto, fazendo aproximar a solução judicialmente encontrada da realidade substantiva, permitindo a obtenção, tanto quanto possível, de uma «justa composição do litígio».

É, neste sentido, um princípio que reflecte o estipulado no n.º 2 do artigo 1.º do P-CPC («a todo o direito […] corresponde a acção adequada»), o qual, amplamente discutido supra no § 2.º, consubstancia, como é reconhecido, uma faceta importantíssima do direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva — pode mesmo afirmar-se que a ideia da adequação da forma à substância do objecto processual constituirá o princípio-regra instrumental privilegiado para a densificação do referido corolário.

Como se deverá processar essa adequação?

O relatório do Decreto-Lei n.º 329.º-A/95, de 12 de Dezembro explica que se faculta ao juiz «sempre que a tramitação processual prevista na lei não se adeque perfeitamente às exigências da acção proposta, a possibilidade de adaptar o processado à especificação da causa, através da prática dos actos que melhor se adequem ao apuramento da verdade e acerto da decisão, prescindindo dos que se revelem inidóneos para o fim do processo».

Ora, este entendimento pode não corresponder à mais ampla e, assim, mais «adequada» interpretação do que seja a adequação formal. Reduz, mesmo, o domínio normativo e as virtualidades desta cláusula geral.

É que não pode configurar-se uma cláusula geral (ou um conceito indeterminado), com limites endógeneos que a esvaziem da sua própria função, teleologicamente orientada para o cumprimento de um princípio ou de um objectivo material subjacente à sua génese.

Esta textura dos princípios gerais vagos — carecidos de densificação, de concreção, de preenchimento — previstos no P-CPC tem uma razão de ser carregada de significado: destina-se a redisciplinar o processo civil de modo a que não mais se possa falar da «hipervalorização do comportamento processual levar a tudo tentar prever e regulamentar com minúcia, transformando o CPC numa cartilha sem casos omissos nem liberdades de actuação» (LEBRE DE FREITAS, «Em Torno da Revisão do Direito Processual Civil», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 55.º, I, 1995, pág. 10).

Indo mais ao fundo da questão, e elucidativo o que refere ABRANTES GERALDES (ob. cit., pág. 70, nota 62), a propósito de uma outra cláusula geral consagrada no CPC revisto de Portugal:

«A formulação da norma do n.º 3 do artigo 3.º [princípio do contraditório], tal como outras disseminadas pelo Código, obedeceu a uma mudança de orientação do legislador relativamente a anteriores opções. No lugar de preceitos de conteúdo fechado, fez-se a opção por conceitos indeterminados ou cláusulas gerais caracterizadas por maior maleabilidade que garanta efectivamente a instrumentalidade do processo face ao direito substantivo, sem, no entanto, dispensar o necessário e profundo tratamento doutrinal e jurisprudencial (…) cabe ao juiz um papel fundamental na compatibilização dos diversos interesses que no processo se interligam (…) também é certo que a interpretação do preceito não pode contribuir para o surgimento de mais um obstáculo à celeridade processual já de si afectada por outras circunstâncias ligadas ao processo ou a factores externos.».

É por isso que numerosos processos especiais hoje regulados foram extintos no P-CPC (as acções de arbitramento, com excepção da divisão de coisa comum, as acções possessórias, a posse judicial avulsa…) porque cabem perfeitamente no processo comum, não havendo nenhuma especificidade substancial das matérias que justifique uma tramitação especial.

Também neste contexto se compreende a previsão de um procedimento cautelar comum (artigos 326º a 336.º), de aplicação subsidiária aos procedimentos nominados (artigo 337.º), e directamente aplicáveis com vista a integração dos inominados; e o estabelecimento de uma tramitação comum para os processos de jurisdição voluntária (artigos 1206.º a 1209.º).

Olhemos agora para a redacção do artigo 265.º-A do CPC português, na interpretação dada pelo próprio legislador em que «parece estar a pensar-se numa adaptação meramente parcial do processo» (TEIXEIRA DE SOUSA, «Apre-ciação de Alguns Aspectos da «Revisão do Processo Civil — Projecto», cit., pág. 364).

Em primeiro lugar, a ideia da adequação não pode limitar-se apenas à escolha, de entre os trâmites previstos na lei, daqueles que mais se possam compatabilizar com as especificidades da causa, sob pena de se estar perante um mecanismo de mera simplificação procedimental e não de uma genuína congruência entre a forma e a substância do pleito.

Em segundo lugar, e em consequência da asserção anterior, o raciocínio do juiz não deve limitar-se à mera filtragem dos actos potencialmente praticáveis, elegendo os mais adequados, e excluindo os que se revelem menos idóneos.

Em terceiro lugar, concluindo, com a adequação formal fica constituído um poder vinculado do juiz — e não discricionário — que o obriga a inovar, a criar uma tramitação que pode basear-se, ou não, nas formas legalmente previstas.

No fundo, o seu raciocínio deverá ser analógico, nos termos dos números 2 e 3 do artigo 10.º do Código Civil vigente, mas com uma ressalva importante: não se tratará de preencher lacunas legis ou iuris — apenas se utilizarão argumentos e juízos de semelhança nesta operação densificadora, para escolher, combinar ou modificar trâmites existentes que possam, em função dos interesses e as particularidades do litígio material, ser in casu aplicáveis.

Caso não existam actos já regulados que satisfaçam o fim da adequação da lei a um caso concreto, o juiz deverá criar a tramitação que considere mais consentânea, fazendo apelo ao espírito do sistema, sendo este enformado pelos princípios supra analisados neste.

Apenas mais uma pequena achega: a nosso ver, nada parece impedir, no entanto, que o juiz resolva passar de imediato à segunda etapa analógica — tudo depende da concordância prática a fazer entre o apego à tramitação-instrumento e a substancialidade específica do objecto processual e, ainda, do balanceamento a fazer face ao princípio da igualdade das partes e ao princípio do contraditório, que funcionariam, assim, como limites exógenos legítimos, à adaptação formal.

Regressando ao diploma português, logo se depreende que a aludida parte final — sobretudo a expressão «bem como», propensa a induzir à obrigatoriedade de uma adaptação apenas a partir de trâmites existentes — poderá desenquadrar um juiz menos sensível aos interesses a ponderar, dirigindo-o, precisamente, a um mero «corte e costura» de uma tramitação já prevista e, assim, dar por completa a concretização do princípio da adequação formal!

Não é por acaso que TEIXEIRA DE SOUSA (ob. ant. cit., págs. 364 e 365) propôs, ainda antes da aprovação do diploma de revisão, a seguinte redacção alternativa para o preceito português:

«1. Quando nenhuma tramitação processual se adeque às especialidades da acção proposta, o juiz deve adaptá-la, a requerimento ou oficiosamente, especificando os actos processuais adequados.

2. Na execução da atribuição referida no número anterior, o juiz determina a realização dos actos que, garantindo a igualdade das partes e todos os seus direitos e deveres, melhor sirvam o apuramento da verdade.»

Melhor redacção foi proposta no artigo 7.º do P-CPC, dado que a eliminação da dita parte terminal poderá conduzir a uma mais fácil aceitação da linha de pensamento aqui defendida.

Naturalmente, não se duvida da extrema bondade deste princípio; porém, só a praxis nos dirá se os operadores judiciais estão preparados para trilhar estes caminhos, desconhecidos.

Faltará, antes de terminar, indicar, com brevidade, algumas manifestações específicas do amplo princípio da adequação formal:

a) Ao nível da coligação, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º;

b) Ao nível da formulação de pedidos subsidiários, nos termos do n.º 3 do artigo 390.º e n.º 4 do artigo 65.º;

c) Ao nível da cumulação inicial e sucessiva de pedidos na acção declarativa, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 391.º e n.º 4 do artigo 65.º;

d) Ao nível da reconvenção, nos termos do n.º 3 do artigo 218.º e do n.º 4 do artigo 65.º;

e) Ao nível da cumulação, inicial e sucessiva de execuções, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 684.º, alínea c) do n.º 1 do artigo 71.º, n.º 4 do artigo 65.º, e artigo 685.º

Frise-se, por fim, que o princípio em apreço poderá ser determinante para a adequação formal da concreta tramitação a seguir, nos processos de jurisdição voluntária.

Dentro destes processos não contenciosos, destaque-se a tutela dos direitos de personalidade (artigo 1210.º do P-CPC e n.º 3 do artigo 67.º do projecto do Código Civil de Macau), onde podem «misturar-se» providências cautelares — n.º 4 do artigo 67.º desse projecto — com, após a acção declarativa, condenatória ou inibitória, uma fase executiva complicada, pois, tratando-se de assegurar a defesa contra actos lesivos da personalidade, parece que se entrará em terreno fértil, para:

a) Execuções para pagamento de quantia certa, fundadas em condenações no pagamento de indemnizações pela prática de ilícitos civis (responsabilidade civil delitual);

Execuções para prestação de factos negativos, i.e., a efectivação de um non facere — a cessação da agressão, a abstenção, a simples «suportação» (ou obrigação de pati, conforme ensina PAULO CUNHA).

 

Afigura-se que, atendendo aos valores fundamentais em presença, o juiz deverá sempre adequar os trâmites — por exemplo, o artigo 834.º do P-CPC, manifestamente desajustado à tutela da personalidade — às providências que seja necessário decretar com vista à salvaguarda da integridade dos direitos de personalidade consagrados na lei civil (cf. artigos 67.º a 82.º do aludido projecto).

Note-se, em reforço do aduzido, que podendo haver cumulação de execuções contra o mesmo sujeito passivo, nos termos dos artigos 684.º ou 685.º, sempre se teria de lançar mão do nobre princípio da adequação formal, como supra, na página 91.º, ficou explicitado.

49. É altura de passar a abordar, em sede de especialidade, alguns tópicos menos genéricos do P-CPC.

 

§ 5.º Parâmetro:

Apreciação do P-CPC na especialidade

breve abordagem de alguns aspectos salientes

 

50. Entrando agora em áreas mais parcelares do processo civil, adoptar-se-á uma exposição menos desenvolvida, e atinente apenas às principais inovações — não focadas no § anterior — do P-CPC em confronto com o CPC.

51. Em sede de pressupostos processuais, a primeira observação vai para a resolução de uma querela doutrinária velha de décadas sobre o conceito de legitimidade previsto no artigo 26.º do CPC.

No artigo 58.º do P-CPC sai vencedora a tese de BARBOSA DE MAGALHÃES, formulada no longínquo ano de 1919, que afere a legitimidade processual em razão da alegada titularidade de uma posição na relação material litigiosa subjacente, tal como esta é definida pelo autor (artigo 58.º do P-CPC), afastando a doutrina da sua aferição em face da efectiva titularidade do objecto do processo (posição de ALBERTO DOS REIS e ANTUNES VARELA).

Mas o ênfase nesta matéria vai para a novidade da consagração expressa do interesse processual como pressuposto, expurgando-se, assim, da legitimidade, o elemento do interesse.

Assim, haverá interesse na lide sempre que a «situação de carência do autor justifique o recurso às vias judiciais» (artigo 72.º).

Adoptou-se uma formulação objectivista, assente na aferição do interesse pela necessidade de tutela judicial para obter a realização do direito subjectivo do autor ou demandante, não tendo acolhida outras perspectivas de autores que há muito defendem a autonomização do pressuposto do interesse.

Designadamente, não se atendeu à proposta de TEIXEIRA DE SOUSA para a Reforma portuguesa (onde o interesse processual continua «misturado» com a legitimidade):

«1. A parte deve possuir interesse em demandar.

2. O interesse processual e demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção».

De resto, o artigo 73.º segue de perto a doutrina deste Autor (Cf. TEIXEIRA DE SOUSA, O Interesse Processual…, cit., págs. 23 e segs).

Outra inovação benvinda é o reconhecimento da legitimidade processual para as propositura de acções e de providências cautelares de tutela dos seguintes interesses de natureza difusa (artigo 59.º):

— saúde pública;

— ambiente;

— qualidade de vida;

— património cultural;

— domínio público.

Decalcado do CPC português, o preceito do P-CPC omite a referência final, contida no artigo 260.º-A daquele, a "nos termos previstos na lei", porquanto não existe (ainda) legislação local que permita formas de intervenção processual típicas de uma «acção popular» para defesa de interesses difusos, i.e., dos «interesses cuja titularidade pertence a todos e a cada um dos membros de uma comunidade ou de um grupo, mas que não são susceptíveis de apropriação individual por qualquer desses membros» (TEIXEIRA DE SOUSA, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, Lisboa, 1995, pág. 55).

Na verdade, a consabida falta de publicação, no Território, do Código Administrativo — conducente à sua não vigência — impede a aplicação dos normativos que nele legitimam o contencioso administrativo, de iniciativa popular para defesa da legalidade, contra deliberações de órgãos municipais (artigo 822.º), o qual representa o precedente histórico da moderna acção popular portuguesa.

Tal constatação não permite, todavia, concluir que em Macau se não encontre nenhuma manifestação da ideia de acção popular: a acção inibitória contra cláusulas contratuais gerais proibidas, prevista nos artigos 17.º e segs. da Lei n.º 17/92/M, de 28 de Setembro, constitui um exemplo eloquente.

Em Portugal, a acção popular proprio sensu encontra regulação na Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, a qual instituiu uma dupla via processual: a acção popular administrativa e a acção popular civil, ambas para defesa dos interesses difusos previstos quer no CPC de Portugal, quer no P-CPC, com dispensa do preenchimento do pressuposto processual do interesse directo e pessoal na demanda (n.º 1 do artigo 2.º).

Esse diploma determina as regras adjectivas especiais a seguir nos procedimentos judiciais intentados pelos titulares dos ditos interesses difusos, os quais seguem «qualquer das formas previstas no Código de Processo Civil» (n.º 2 do artigo 12.º dessa lei), no caso da acção civil, e as previstas para as acções do contencioso por atribuição (artigos 69.º a 94.º da Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, vigente em Macau), ou do recurso de anulação quando haja actos lesivos desses interesses, no caso da acção administrativa.

Ora, a omissão localmente densificante do disposto no n.º 3 do artigo 52.º da CRP, consubstanciador do direito fundamental à acção popular — ao lado do direito de petição, regulado em Macau pela Lei n.º 5/94/M, de 1 de Agosto — implica que a concreta protecção jurisdicional civil dos interesses difusos deverá ser encontrada através da aplicação do importante princípio da adequação formal, sob pena de se cair na tentação, errónea e ilegítima, de invocar a inexequibilidade da novel ideia ínsita no artigo 59.º do P-CPC, com pretexto no evidente vazio de tramitação própria.

Por esta razão também se toma significativa a ratio do artigo 59.º do P-CPC, ao não remeter para a lei a estipulação das formas através das quais se possa efectivar a tutela dos interesses difusos: pretende-se, clara e louvavelmente, não condicionar a accionabilidade do direito de defesa popular desses interesses à existência de legislação específica.

Finalmente, sugere-se a introdução de uma figura próxima e já abordada, supra, no ponto 30.: a class action de inspiração americana.

A class action assemelha-se ao litisconsórcio activo facultativo em termos de legitimidade activa plural, podendo esta ser originária ou superveniente (com intervenção principal de terceiros), mas constitui, como no litisconsórcio necessário, uma única acção. E, ao invés da acção popular, não tem por objecto quaisquer interesses gerais comuns aos litigantes, mas sim interesses, directos e individual ou grupalmente apropriáveis, de todos os autores, que poderiam, aliás, ser defendidos com uma pluralidade de acções coligadas.

52. Aderimos à simplificação dos procedimentos cautelares (artigos 326.º a 368.º), sendo correcta a previsão de um regime genérico e comum neste domínio. Também é justo deixar aqui expressa a concordância quanto à condensação das formas de intervenção de terceiros no processo (artigos 262.º a 300.º), embora a alteração das designações técnicas venha a implicar um período de adpatação por parte dos utentes.

São acertadas a integração nos incidentes da instância dos regimes dos impedimentos e das suspeições, e a passagem do incidente da falsidade para a instrução do processo, em sede de prova documental.

No entanto, algumas reservas merecem ser feitas, a nível sistemático:

a) O incidente da liquidação ficaria melhor enquadrado no âmbito do pedido genérico previsto no artigo 392.º;

b) O «incidente» do valor da causa poderia passar para o Livro I, figurando logo a seguir aos pressupostos processuais da acção;

c) A habilitação e a intervenção de terceiros deveriam sair do capítulo dos incidentes da instância, integrando-se no Capítulo I do Título II do Livro II, no âmbito das modificações subjectivas da instância (cf. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, II, AAFDL, Lisboa, 1987, págs. 293 e 294).

Em conclusão, os únicos incidentes da instância nominados proprio sensu seriam os impedimentos e as suspeições.

53. Ao nível do registo da prova, pode dizer-se que as objecções levantadas supra no ponto 24. ficaram razoavelmente sanadas no P-CPC.

Com efeito, quer o princípio da motivação de facto das decisões de mérito, quer a garantia de uma efectiva recorribilidade destas são objecto de importantes benfeitorias no sistema actualmente vigente.

Os artigos 448.º e 449.º parecem dar suficientes garantias de que os factos alegados e as respectivas provas produzidas em audiência — concentrada e oralmente, nos termos dos artigos 439.º e 440.º — ficarão devidamente documentadas, dando corpo ao universalmente aceite princípio do duplo grau de jurisdição em matéria de facto.

Acresce a redacção feliz do n.º 2 do artigo 556.º, ao determinar uma decisão de mérito baseada numa análise cuidadosa e crítica de todos os factos — os provados e os não provados —, com a especificação de todos os fundamentos — designadamente a prova produzida (proibindo, assim, a prática deplorável da mera indicação dos meios de prova) — que formaram a convicção do tribunal.

Não obstante, fica-se sem perceber o porquê da inclusão, no artigo 448.º, da possibilidade de as partes poderem prescindir da documentação da prova.

É preciso não esquecer que a realização da verdade material e a garantia de uma decisão justa — não desfasada da factualidade subjacente ao processo — não é um mero direito disponível das partes — como já se frisou, em matéria de ónus da prova, o nosso sistema processual civil é objectivista, dando grande preponderância aos princípios do inquisitório e da oficialidade. As partes alegam os factos, mas incumbe ao tribunal realizar ou ordenar a realização de todas as diligências de prova que julgue necessárias (n.º 3 do artigo 6.º).

Se assim é, qual o sentido limitativo da prescindibilidade da gravação da prova pelas partes — até porque antes de começar a audiência nenhuma das partes pode estar certa dos novos factos e das novas provas a aduzir pela parte contrária —, ou a atribuição da mera faculdade de o juiz ordenar esse registo ex officio? E com a agravante de se saber que a parte que prescindir do registo fica impossibilitado de recorrer da decisão de facto, atendendo ao que se dispõe na alínea b) do n.º 1 e nos números 2 e 3 do artigo 599.º!!

Fazemos, por isso, nossas, as palavras certeiras de PAIS DE SOUSA/CARDONA FERREIRA, quando opinam que «teríamos preferido que o registo dos actos judiciais não dependesse da possibilidade de recurso — como continua, redutoramente, a depender».

Repare-se que nos termos do artigo 599.º, a ausência de gravação da prova produzida impede o cumprimento do ónus, que incumbe ao recorrente, de alegar, especificadamente e reportando-se à respectiva gravação — cujas passagens tem de indicar — a matéria de facto incorrectamente julgada.

Sugere-se, pois, que o artigo 448.º passe a consagrar a obrigatoriedade do registo da prova em todas as fases do processo: não apenas na audiência de discussão e julgamento, mas também em todos actos em que seja recolhida prova pela via oral — isto é, a introdução de um princípio geral da necessidade do registo integral e imediato de toda a prova.

Porquê?

Porque a documentação não serve apenas o fim único da motivação das decisões para efeitos de recurso. Reconheça-se, na verdade, que a ausência de gravação da prova limita a capacidade de o juiz poder dar cabal cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 556.º…

É revelador que o primeiro relatório, de 1987, da Comissão de Peritos encarregada da elaboração do Projecto do Código de Processo Civil Europeu, abordou esta questão, tendo gizado um «princípio da documentação», de que decorrem os seguintes fins do registo da prova:

«1 — como auxiliar da memória do juiz;

2 — como «informação para o tribunal superior»;

3 — como elemento de «fidelidade das declarações das testemunhas»;

4 — e como «elemento eventualmente importante para a aceleração da justiça».

Argumentos suficientes existirão para se reponderar não só a redacção, como também, a conjugação, dos artigos 448.º e 599.º do P-CPC.

Acresce, ainda, que a sofisticação dos meios técnicos previstos no artigo 449.º — gravação em sistema «vídeo», enquanto que em Portugal a regra é a da gravação sonora — exige um esforço de adaptação dos intervenientes no foro, mormente por parte dos funcionários incumbidos do manuseamento do equipamento, e por banda dos juízes que deverão decidir de facto — na sentença ou em recurso — com base nas gravações.

Não se pode olvidar, finalmente, a necessidade de os tribunais ficarem devidamente apetrechados para a utilização desses meios, o que implicara uma nova logística arquivística, onde as gravações possam ser guardadas e catalogadas por referência aos respectivos autos, facultando-se instalações adequadas para o visionamento (e/ou confiando uma cópia da gravação às partes e seus mandatários).

54. Onde mais se inovou no P-CPC foi, sem dúvida, em relação à matéria contida no Capítulo VI do Livro III — os recursos.

Em termos gerais, o esquema das impugnações das decisões judiciais — que não sejam irrecorríveis, isto é, fora das de mero expediente ou proferidas no uso de poderes discricionários — é composto pelos seguintes traços distintivos:

a) A extinção das dualidades apelação/agravo, e revista/agravo em 2.ª instância;

b) A extinção do recurso para o tribunal pleno;

c) A introdução de uma tramitação unitária (como hoje acontece no Código de Processo Penal), havendo uma única espécie de recurso ordinário entre cada uma das futuras três instâncias, havendo apenas diferenciações quanto ao regime (nos próprios autos ou em separado) e ao momento (imediata ou diferida) da subida, aos efeitos do recurso (suspensivo ou meramente devolutivo) — artigos 600.º a 612.º — e, naturalmente, no que diz respeito às regras do julgamento em cada tribunal superior, em função das suas competências e dos seus poderes cognitivos;

d) Um duplo grau de jurisdição quanto aos factos, com a última palavra, em termos de decisão (re)apreciativa para assentar definitivamente a matéria de facto, a pertencer ao futuro Tribunal de 2.ª Instância — artigos 629.º e 650.º;

e) A intervenção residual do Tribunal de Última Instância (TUI), que apenas conhece de direito — artigo 639.º;

f) A prolação de acórdãos de uniformização de jurisprudência em substituição da figura dos assentos — pelo TUI, com força obrigatória para todos os tribunais de Macau, na sequência de julgamento ampliado de recurso para esse tribunal (conhecida por «revista ampliada») — artigos 638.º e 653.º e segs;

g) A não consagração — e bem — do recurso per saltum em matéria de direito, do tribunal de 1.ª Instância para o TUI, à semelhança do artigo 725.º do CPC português;

h) A manutenção dos actuais recursos extraordinários contra decisões que constituam caso julgado (revisão e oposição de terceiro) artigos 657.º a 669.º;

55. Ao nível dos processos especiais, refira-se, em primeiro lugar, que os processos relativos às interdições e inabilitações deveriam transitar para a sua — ao que se julga — sede própria: os processos de jurisdição voluntária.

Em segundo lugar, destaque-se o processo de inventário, normalmente muito moroso, onde algumas novidades positivas se denotam, em termos de simplificação do seu regime:

a) A abolição das regras atinentes aos incidentes específicos do inventário, previstos nos artigos 1399.º a 1403.º do CPC, os quais passam a regular-se ao abrigo das normas gerais dos incidentes (artigos 244.º a 246.º do P-CPC);

b) A abolição da primeira avaliação, por louvado, dos bens relacionados, nos termos dos artigos 1347.º e segs. do CPC vigente;

c) A possibilidade de suspensão do processo (artigo 970.º);

d) O aperfeiçoamento do mecanismo das citações e notificações (artigo 979.º);

e) A possibilidade de venda dos bens a partilhar, havendo acordo de todos na conferência de interessados (alínea c) do n.º 1 do artigo 990.º);

f) A possibilidade de se pôr termo ao processo na própria conferência de interessados, sendo a partilha homologada no auto (artigo 991.º);

g) A possibilidade de arbitramento prévio ao acordo sobre a composição dos quinhões na conferência de interessados (n.º 3 do artigo 990.º);

h) A abolição do segundo arbitramento, em decorrência da eliminação da prova por avaliação de bens (artigos 603.º a 611.º do CPC);

i) A possibilidade de avaliação prévia à decisão da conferência de interessados sobre reclamações contra o valor atribuído aos bens relacionados (n.º 4 do artigo 1000.º e artigo 1007.º);

Um aspecto que urge reflexão é a manutenção da obrigatoriedade da aceitação da herança em benefício de inventário, quando o herdeiro seja um menor (vd. artigo 1891.º do projecto do Código Civil de Macau).

Não parece justificar-se esta medida, porquanto:

«Crê-se não subsistirem hoje as razões que — fundadas na desconfiança com que o legislador e a Administração encaravam os cidadãos e, neste particular, os pais e representantes legais do menor — exigiam ao Ministério Público, em regra, a instauração obrigatória de inventário sempre que estava em causa a aceitação de herança por menor. (…) a manutenção da integração e coesão familiares aponta iniludivelmente para o princípio de que ninguém melhor do que os pais ou representantes legais do menor para definir, em cada caso, o que, de forma mais eficaz, defende os interesses dele. (…) é o pai ou o representante legal quem se encontra melhor posicionado para decidir, no caso, se a respectiva partilha se deve fazer por via judicial ou extrajudicial. Sendo assim, haveria, coerentemente, que eliminar a actual obrigatoriedade de inventário prévio à aceitação de herança por menor (…)» (Relatório do Decreto-Lei n.º 227/94, de 8 de Setembro).

Repare-se, em abono desta posição, que os menores manterão a capacidade para receber doações, nos termos do artigo 944.º do projecto do Código Civil local.

Naturalmente, uma opção legislativa conducente ao inventário facultativo de herança diferida a menor pressupõe uma estreita articulação com o texto da lei civil substantiva, e por forma a salvaguardar sempre os interesses do menor.

Assim, uma forma possível de efectivação dessa tutela poderia passar pela exigência de prévia autorização do juiz para a partilha extrajudicial, através de um processo de jurisdição voluntária (cf. o artigo 1439.º do CPC e os artigos 1251.º a 1253.º do P-CPC).

Simultaneamente, alterar-se-ia o disposto no artigo 1744.º do projecto do Código Civil, aí incluindo a referida condição, ao lado de outros actos cuja validade depende de autorização judicial, como sejam, por exemplo, a alienação de bens do menor.

56. No que aos processos especiais ainda cumpre referir, apenas umas breves notas sobre os processos ditos de jurisdição voluntária.

Não será desmedido dizer que no P-CPC se mantém um elenco demasiado extenso e prolixo de trâmites de natureza graciosa, caracterizados por não consubstanciarem um litígio entre partes, e por o juiz, na decisão que toma — chamada resolução, sem valor de caso julgado — não estar limitado nem pelo princípio do dispositivo, nem por critérios de legalidade estrita, podendo decidir segundo juízos de equidade, oportunidade e conveniência.

Daí que as resoluções sejam modificáveis e irrecorríveis para o TUI, quando não estiverem questões de direito na base da decisão judicial (cf. artigos 1409.º a 1411.º do CPC e artigos 1206.º a 1209.º do P-CPC).

Não é dogmaticamente fácil distinguir o processo civil stricto sensu — a jurisdição contenciosa — da jurisdição voluntária ou graciosa. Há mesmo quem defenda que estes últimos não são voluntários nem implicam qualquer tipo de jurisdição (CHIOVENDA), ou que consubstanciam uma gestão de negócios privados por parte dos tribunais (ANTUNES VARELA/MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, ob. cit., pág. 70.)

Mais uma razão a somar às delineadas supra, no ponto 47., para que fossem reduzidas as formas processuais previstas no Título XV do Livro V do P-CPC, ficando de pé apenas as mais significativas do ponto de vista da sua utilidade — como a tutela dos direitos de personalidade, o divórcio por mútuo consentimento, o exercício de direitos sociais, certas autorizações para a prática de actos, os procedimentos relativos à propriedade horizontal.

No restante, bastariam as regras genéricas e comuns estabelecidas nos artigos 1206.º a 1209.º e, no que não fosse suficiente, far-se-ía uso do princípio da adequação formal.

57. Variados tópicos ficarão inevitavelmente por apreciar de forma con-sistente.

Destes, destaquem-se os processos falimentar e executivo, os quais não sofreram — comparativamente com grande parte das matérias acima abordadas — inovações de grande vulto, tendo sido identicamente conformados, nas alterações sofridas, pelos abjectivos da celeridade, da eficácia e da obtenção de efeito útil da acção.

A reforma nestas áreas terá sido algo tímida, mas aponta caminhos certeiros.

 

§ 6.º Parâmetro:

Outras questões gerais e conexas a atender

 

58. O presente trabalho não poderia ficar concluído sem uma pequena referência a algumas questões directamente complementares do sucesso do P-CPC.

59. Em primeiro lugar, ainda não se teve conhecimento do teor do projecto de Decreto-Lei preambular do futuro CPC de Macau.

Seria de toda a utilidade uma apreciação do conteúdo desse incontornável diploma, já que é nele que muitos aspectos terão, provável e racionalmente, sede legal: as questões de direito inter-temporal e as eventuais excepções ao princípio geral da aplicação imediata do direito adjectivo, a adaptação dos processos pendentes, o valor dos assentos de pretérito, a vacatio legis relativa ao novo CPC, as normas revogatórias e remissivas, o regime transitório a aplicar caso o TUI não seja instalado antes da entrada em vigor do Código, e as regras a adoptar em face da investidura dos tribunais locais na (quase) plenitude e exclusividade da jurisdição, com efeitos a partir de 1 de Junho, etc…

60. Em segundo lugar, causa bastante preocupação o actual estado das consultas, ao nível do Grupo de Ligação Conjunto, relativamente ao diploma orgânico da futura organização judiciária.

Nenhuma lei processual pode ter aspirações a uma vigência sem sobressaltos se estiver carecida do suporte normativo que enquadre a função exercida pelos órgãos jurisdicionais.

Mais do que qualquer outro «Grande Código», o P-CPC está, todo ele, pensado para ser aplicado ao abrigo de uma nova organização dos tribunais que é, precisamente, a adequada para a estrutura hierárquica prevista na LB.

Há ainda matérias essenciais, de cariz adjectivo, que devem constar dos diplomas orgânicos: a alçada dos tribunais; as férias judiciais; a competência em razão da matéria (competência genérica, especializada ou específica) e em razão da hierarquia; a delimitação das situações em que o julgamento é feito por um juiz ou com a intervenção do tribunal colectivo; para não falar dos estatutos dos magistrados judiciais e do Ministério Público, etc.

Parece-nos que a entrada em vigor do novo CPC deve ser simultânea ou precedida da publicação dos referidos diplomas em falta, sob pena de se gerarem situações de transitoriedade confusa para todos os utentes da justiça.

61. Há ainda três áreas normativas carentes de atenção:

a) A localização do Código das Custas Judiciais, que está, naturalmente, dependente do novo CPC e da futura organização judiciária a;

b) A regulamentação da consulta jurídica gratuita e universal;

c) A vexata questio da criação de um Tribunal de Pequenas Causas.

Este último aspecto foi objecto de pronúncia frequente da AL em sentido positivo, tendo o Executivo prestado, já em 1995, a informação de que «existe já um projecto de diploma que cria o Tribunal de Pequenas Causas (…) com este novo órgãos judicial pretende-se que a resolução de muitos litígios, designadamente os relacionados com o condomínio em prédios urbanos e o consumo, se paute por procedimentos simples e céleres bem como por encargos reduzidos» (Parecer n.º 4/95, da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias).

Até hoje não foi desmentida a criação desta pequena instância. E se for cria-do este tribunal, qual será a sua competência em razão da matéria e do valor, e que tipo de processo aplicará? O comum na forma sumária (já que a sumaríssima será eliminada)? Será introduzida uma tramitação própria em face da inadequação dos processos previstos no P-CPC? Será uma tramitação baseada, por exemplo, na experiência portuguesa do recente Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (Regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do Tribunal de 1.ª Instância)?

Paredes meias com esta temática estão, compreensivelmente, os mecanismos extrajudiciais de conciliação, mediação e arbitragem.

E, apesar de, ao abrigo dos Decretos-Lei n.º 29/96/M, de 11 de junho, e n.º 40/96/M, de 22 de julho, terem sido institucionalizados pelo menos dois Centros de Arbitragens Voluntárias de âmbito geral (na Associação dos Advogados de Macau e no World Trade Center), e um Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo (a funcionar no Conselho de Consumidores), o facto de terem sido autorizados a funcionar apenas em 1998 não permite retirar ilações sólidas sobre a procura que os cidadãos têm revelado.

A aposta nas vias não judiciais deve continuar, sendo desejável que um tribunal de pequena instância possa contribuir, no âmbito dos conflitos de valor reduzido, para evitar o aparecimento da litigiosidade insignificante nos restantes tribunais.

62. Uma última palavra sobre o factor humano no processo civil.

Sem prejuízo de haver magistrados e advogados mais ou menos experientes, é em face das carências das secretarias judiciais que a eficiência e a celeridade da Justiça têm estado a ficar negativamente afectadas.

No supracitado Parecer n.º 21/VI/98 da Comissão de Assuntos Cons-titucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, já se dizia que «a situação que vem persistindo ao nível das secretarias judiciais foi objecto de algumas críticas pela Comissão tendo em conta a escassez, em geral, de meios humanos e, bem assim, a escassez de pessoal qualificado, pelo que se deseja que sejam envidados esforços no sentido de ultrapassar, ou, pelo menos, minorar estas carências, que afectam toda a máquina judicial». Essas palavras são, reconhecidamente, ainda mais válidas nesta data.

 

§ 7.º Conclusões finais

 

63. É de elementar justiça realçar a excelência da qualidade técnica e científica que perpassa todo o P-CPC: independentemente de se concordar ou não com algumas das directrizes de política legislativa subjacentes, ou com as soluções normativas concretamente propostas, deve reconhecer-se que com o um novo CPC que seja fruto deste projecto, ter-se-á logrado atingir, de forma minimamente feliz, o objectivo da modernização técnico-legislativa em sede de direito privado adjectivo de Macau.

Nesta conformidade, e ressalvando as dúvidas, observações, críticas e sugestões aduzidas, cumpre-nos emitir um juízo global francamente favorável à construção dogmática e às soluções técnico-jurídicas consagradas no P-CPC.

Este é, salvo melhor opinião, o nosso parecer.

Macau, aos 7 de Abril de 1999.

O Assessor, Armando Isaac.

 

AS LINHAS MESTRAS DO NOVO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL DE MACAU

 

I — PRINCÍPIOS GERAIS ORIENTADORES DO PROCESSO CIVIL

1. Garantia de acesso aos tribunais e direito de acção judicial

Os princípios gerais estruturantes do processo civil, em qualquer das suas fases, deverão representar um desenvolvimento e uma concretização sistemática do princípio constitucional do acesso à justiça — direito fundamental consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) e no artigo 2.º do Estatuto Orgânico de Macau (E.O.M.).

Tal princípio não se esgota na mera consagração tradicional do direito de (ou à) acção judicial, na faculdade de qualquer cidadão propor acções em tribunal, com o fim de obter uma protecção jurídica eficaz e temporalmente adequada.

A aludida garantia constitucional implica antes de tudo, o direito ao patro-cínio judiciário, sem limitações ou obstáculos decorrentes da condição social ou económica, mas, igualmente, o direito a obter, em prazo razoável, decisão judi-cial que aprecie com força de caso julgado a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como, e, sempre que se mostre necessário, de a fazer executar, por via judicial.

O direito de acesso aos tribunais envolverá, ainda, a eliminação de todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de mérito, que opere ajusta e definitiva composição do litígio.

Assim, por exemplo, não faz sentido suspender-se a instância até que a parte faça prova de que cumpriu as obrigações fiscais directa ou indirectamente rela-cionadas com o objecto da causa.

Pretende-se, pois, privilegiar claramente a obtenção de decisões de fundo sobre as meras decisões de forma.

A obtenção de uma decisão judicial que aprecie o mérito da pretensão deduzida ou ordene as providências cautelares ou executivas, destinadas a assegurá-la ou realizá-la, coercivamente, dependerá tão somente da verificação dos pressupostos processuais de que a lei faz depender a regularidade da instância.

Mas, ainda, no sentido de privilegiar a decisão de fundo, é de consagrar como regra que a falta de pressupostos processuais é sanável, salvo naquelas situações em que a lei de processo, com fundamento em motivos e interesses justificados, considere que a irregularidade cometida deve comprometer inexoravelmente a apreciação do mérito.

Deve, assim, incumbir ao juiz oficiosamente providenciar pela sanação da falta de pressupostos processuais, desencadeando ele próprio os mecanismos indispensáveis à regularização da instância (v.g. admissibilidade de sanação da incapacidade judiciária, da ilegal cumulação de pedidos ou coligação de partes, etc.).

Finalmente, o direito de acesso à justiça envolve a possibilidade de os economicamente carenciados obterem o indispensável apoio judiciário que lhes permita alcançar a plena e eficaz garantia dos seus direitos.

Trata-se de matéria que terá de ser reequacionada em termos legislativos, quer no âmbito geral do apoio judiciário, quer na revisão que se impõe do arcaico Código das Custas Judiciais do Ultramar, ainda em vigor em Macau.

Dever-se-á partir do princípio que o patrocínio oficioso não pode significar menor intervenção processual nem subestimação, face ao mandato forense.

Importará rever os critérios de condenação em custas, nomeadamente nas situações que conduzam a soluções de flagrante injustiça, como, por exemplo, na acção executiva a tributação do exequente, quando não sejam encontrados bens ao executado, mesmo tratando-se de execução de sentença.

Nesta sede, importa, também, ponderar cuidadosamente o regime de tributação dos incidentes e muito particularmente dos designados incidentes «anómalos», quando as mais das vezes essa tributação não tem correspondência numa actuação acrescida, por parte do tribunal.

2. Direito de defesa e, princípio do contraditório

A tutela efectiva do direito de defesa implica, desde logo, que nenhuma pretensão possa ser apreciada sem que ao legítimo contraditor seja facultada a oportunidade de deduzir oposição.

Nas situações excepcionais em que ao tribunal seja lícito tomar providências contra um interessado sem a sua prévia audição, dever-se-á facultar meios de impugnação ou de oposição superveniente adequados a reagir contra a decisão que o tenha prejudicado.

A ênfase posta na tutela do direito de defesa implicará, ainda, a atenuação da excessiva rigidez de certos efeitos cominatórios ou preclusivos, sem prejuízo de não serem derrogáveis os princípios da autoresponsabilidade das partes e da celeridade processual.

Assim, poderá equacionar-se:

a) a eliminação do efeito cominatório pleno, sem prejuízo de se prever a máxima simplificação formal da sentença em casos do tipo das actuais acções sumaríssimas não contestadas, ficando, no entanto, assegurada a possibilidade de o juiz apreciar se a pretensão deduzida merece a tutela do direito.

b) a manutenção do efeito cominatório semi-pleno, com as excepções actualmente existentes no processo declarativo ordinário, dispensando, em regra, a realização de audiência de discussão e julgamento nas acções não contestadas, mas instituindo-se uma maior margem de ilidiblidade da presunção de que a citação foi conhecida pelo seu destinatário.

Esta solução sempre seria imposta pela generalização da citação por via postal e poderá, nomeadamente, traduzir-se:

— no alargamento das situações de falta de citação, de modo a englobar nesta nulidade principal todas as situações em que, sem culpa do réu, a citação não tenha efectivamente chegado ao seu conhecimento ou que para ele não tenha sido inteligível.

— na possibilidade, nas situações de regular citação edital seguida de revelia do réu, de este vir supervenientemente deduzir oposição (embargos) ou impugnação (recurso de revisão), face à sentença proferida, sempre que a falta de efectivo contraditório e a inviabilidade de produção de prova em seu benefício haja ocasionado injustiça grave.

c) a atenuação do excessivo rigor formal do ónus da impugnação especificada, sem que tal implique que se dispense a parte de tomar posição clara sobre as alegações de facto feitas pela parte contrária. Dispensar-se-á o cumprimento de tal ónus quando a parte litigue com patrocínio judiciário.

d) o respeito pleno pelo direito de defesa implicará que a decisão final deva ser notificada à parte revel, em termos análogos ao previsto para a efectivação da citação, sempre que a sua localização ou domicílio conste dos autos.

Por sua vez, a atenuação do rígido princípio da preclusão terá como con-sequência:

a) a flexibilização do conceito de justo impedimento, por forma que permita abranger situações em que a omissão ou retardamento da parte se haja devido a motivos justificados ou desculpáveis, que não envolvam culpa ou negligência séria, e deixando a justificação de ter de ser apresentada no próprio acto ou dentro do prazo excedido.

b) a ampliação razoável dos prazos fundamentais, que condicionam a prática de actos que exijam maior análise ou estudo por parte dos mandatários (articulados, alegações de recurso, etc.), sem por em causa a celeridade processual.

c) a admissão da prorrogação razoável de prazos processuais peremptórios, designadamente para apresentação de articulados, desde que ocorra motivo justificado, dentro de limites temporais que não afectem a regularidade e a celeridade no andamento da causa.

d) a admissão da apresentação de requerimentos probatórios em momento ulterior ao previsto, desde que tal não ponha em causa o regular andamento da causa, nomeadamente com a realização da audiência, nem afecte o respeito pelos princípios da boa fé, da igualdade das partes e do contraditório.

e) a admissão de articulados supervenientes sem dependência de prazo certo, como sucede actualmente, permitindo-se que qualquer das partes invoque factos supervenientes, desde que tal não perturbe o normal e célere andamento do processo.

O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, encarado como possibilitando a efectiva participação no desenvolvimento do litígio, não podendo fundar a decisão em factos, meios de prova ou razões de direito que não hajam previamente sido submetidos ao regular contraditório de ambas as partes na causa.

O absoluto respeito pelo princípio do contraditório implicará que deixem de ocorrer as "decisões surpresa", ao longo de todo o processo, incluindo a fase do recurso. Pelo que, não deverá ser lícito ao tribunal decidir as próprias questões de conhecimento oficioso sem que previamente haja sido facultado às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem; tal como não deverá poder o juiz decidir com base em qualificação jurídica substancialmente inovadora que as partes não hajam considerado sem antes lhes dar a possibilidade de produzirem as suas alegações, perspectivando o enquadramento jurídico antevisto pelo tribunal.

3. Princípio da igualdade de armas

Quer a lei de processo, quer o próprio tribunal, no uso dos seus poderes de direcção, deverão assegurar a manutenção, ao longo de toda a instância, de um estatuto de plena igualdade das partes não numa perspectiva formal, mas substancial.

Com vista a assegurar uma real igualdade das partes, deverá possibilitar-se ao juiz convidar a parte não patrocinada a constituir advogado, nos casos em que a complexidade da questão o justifique, apesar de a lei de processo não exigir o patrocínio obrigatório.

Em nome, ainda, do princípio da igualdade serão derrogados os privilégios de que goza o Ministério Público, nomeadamente no que se refere à prorrogação do prazo para a junção dos articulados, colocando assim qualquer parte litigante em pé de igualdade.

4. Articulação dos princípios dispositivos e inquisitório

Não se antevêem razões para se introduzirem alterações no princípio da iniciativa processual.

Consequentemente, não poderá o tribunal resolver a lide sem que tal lhe seja requerido por quem tiver legitimidade.

Tratando-se de acções que versem sobre interesses colectivos ou difusos, deverá ser outorgada legitimidade para nelas intervir ao Ministério Público, às pessoas colectivas cujo fim se relacione com os interesses lesados ou ameaçados e a todos os sujeitos que, em regra, seja consentido o exercício da acção popular.

Como corolário do princípio da iniciativa processual, deverá ser consentido às partes porem livremente termo à instância, desde que não se esteja perante uma relação jurídica indisponível.

O princípio do dispositivo implica que pertence às partes delimitar, através da dedução das respectivas pretensões, os sujeitos e o objecto do litígio, incumbindo ao juiz apreciar essas pretensões, sem as exceder.

Não se vêm razões ponderosas para introduzir no ordenamento jurídico de Macau a «iussu judicis», mesmo em relação a situações de preterição do litisconsórcio necessário.

Por outro lado, o juiz apenas deve poder fundar a decisão nos factos alegados pelas partes ou na sequência de convite por ele formulado (visando o aperfeiçoamento dos articulados apresentados), bem como nos factos instrumentais que, por indagação oficiosa, lhe sirvam de base.

Com vista a possibilitar uma maior aproximação à verdade material, deverá consagrar-se o dever de o juiz considerar na decisão factos essenciais à procedência da pretensão formulada pelo autor ou da excepção ou reconvenção deduzidas pelo réu, que, embora insuficientemente ou incompletamente alegados pela parte interessada (complemento de uma causa de pedir complexa, concretização de conceitos de direito, etc), resultem da instrução e discussão da causa, desde que aquela manifeste intenção de os aproveitar e à parte contrária tenha sido facultada a produção de contra-prova.

Como concretização do princípio do inquisitório deverá manter-se a regra segundo a qual o juiz não está sujeito às alegações das partes, no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, sem prejuízo da proibição das chamadas «decisões surpresa».

Incumbirá, ainda, ao juiz o dever de realizar ou ordenar, a requerimento das partes ou mesmo oficiosamente, todas as diligências probatórias necessárias ao apuramento da verdade material, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.

Dever-se-á partir do pressuposto de que o poder de direcção do processo incumbe ao juiz que deverá providenciar pelo célere andamento da causa, promovendo as diligências necessárias ao normal andamento da lide, recusando, ao invés, tudo o que for impertinente ou dilatório.

5. Princípio da cooperação

Sem prejuízo de a direcção do processo incumbir ao juiz, devem, na sua condução, o tribunal, as partes e os seus mandatários cooperar entre si, concorrendo para que se obtenha, com celeridade e eficácia, a justa composição do litígio.

Este princípio implica o dever genérico de agir de boa fé, um especial e recíproco dever de urbanidade e respeito de todos os intervenientes processuais, um dever de pontualidade que vinculará o tribunal e as partes e seus mandatários; maior transparência e inteligibilidade no que respeita às notificações; verificação de prévio acordo entre o tribunal e os mandatários judiciais no que respeita à marcação de dia e hora para a realização de diligências; dever de suprimento de obstáculo, para o tribunal, sempre que alguma das partes mostre séria dificuldade na obtenção de documento ou informações susceptíveis de condicionar o eficaz exercício da faculdade ou cumprimento de ónus ou dever processual.

Serão, por seu lado, condenados em multa todos aqueles — partes ou terceiros — que deixem de cumprir o dever de cooperação na administração da justiça ou violem o dever de agir com boa fé e urbanidade.

Também cabe ao tribunal apreciar livremente a conduta da parte para efeitos probatórios, sempre que ela, sem justo motivo, se recuse a comparecer, a prestar os esclarecimentos ou a cooperação requeridos.

O princípio da cooperação encontra, no plano da tramitação do processo declarativo, plena concretização na consagração de uma audiência preliminar, destinada a propiciar o diálogo entre o juiz e os mandatários das partes, eliminando o mais cedo possível as irregularidades que inquinem a instância, definindo clara e definitivamente o objecto do processo e fixando a respectiva base instrutória.

6. Princípio da adequação formal

Este princípio estabelece, como uma das linhas orientadoras do processo civil, o princípio da adequação, facultando ao juiz, obtido o acordo das partes, e sempre que a tramitação processual prevista na lei não se adeque perfeitamente às exigências da acção proposta, a possibilidade de adaptar o processado à especificidade da causa, através da prática dos actos que melhor se adequem ao apuramento da verdade e acerto da decisão, prescindindo dos que se revelem inidóneos para o fim do processo.

Traduz, ainda, a concretização de outro princípio geral, segundo o qual a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo valer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente.

É, também um expediente paralelo ao consagrado no n.º 3 do artigo 10.º do Código Civil para a integração das lacunas da lei substantiva na falta de caso análogo, ao mandar resolver a situação «segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema».

7. Disciplina dos actos processuais e audiências

Aplicação efectiva do princípio da economia processual, não devendo realizar-se no processo actos inúteis e devendo ser realizados no mais curto lapso de tempo e pela forma que se revele mais simples, eficaz, rápida e económica.

Importa ainda flexibilizar a tramitação processual, dando vincado incremento ao princípio da adequação formal.

Afirmação do princípio de que incumbe às secretarias judiciais assegurar plenamente o expediente e a tramitação dos processos, em conformidade com a lei de processo e sob a direcção e na dependência funcional do juiz, não carecendo de despacho prévio a prática de actos de mero expediente, dos que resultem da lei processual, não envolvam a resolução de questões de direito ou não contendam com as garantias e direitos das partes.

Por outro lado, impõe-se a manutenção dos princípios da publicidade, concentração, oralidade e imediação da audiência de discussão e julgamento.

Como se impõe o estabelecimento de uma disciplina rigorosa para os adiamentos, evitando que o primeiro adiamento constitua regra e privilegiando o início da audiência com a produção dos meios probatórios logo disponíveis e a sua continuação com a produção de algumas das provas que haja sido impossível produzir no dia do seu inicio, sem prejuízo da continuidade da audiência.

Equacionar-se-á, ainda, a possibilidade de ser consagrado o princípio do registo ou gravação das audiências e da prova que nelas for produzida.

Consagrar-se-á, finalmente, o dever de fundamentação da decisão de facto, abrangendo também os factos que não hajam sido considerados provados.

 

II — TRAMITAÇÃO DO PROCESSO COMUM DE DECLARAÇÃO

1. Formas de processo

Serão instituídas apenas duas formas de processo : a ordinária e a sumária.

Entre uma e outra existirá como elemento diferenciador o valor da causa, situando-se a forma sumária sempre dentro da alçada dos tribunais de 1.ª instância.

2. Processo ordinário

Fases

As fases processuais assumirão maior relevo sistemático e doutrinal do que processual, o que conduzirá a perspectivas diferentes da actual diferenciação estanque e de rígida separação de cada uma das fases perante as demais.

Existirão, no entanto, as seguintes fases:

1.º — Fase dos articulados;

2º — Fase da audiência preliminar;

3.º — Fase da audiência de julgamento.

Fase dos articulados

Na estrutura do processo declarativo que se preconiza, os articulados deixarão de ser a única e exclusiva via para delimitar o objecto da acção e trazer ao processo a matéria de facto relevante, cumprindo-lhes antes a função de operar uma enunciação dos termos essenciais do litígio, sem prejuízo de, na audiência preliminar, se proceder aos aditamentos, ajustamentos ou correcções que se mostrem necessários ao bom andamento do processo, garantindo-se sempre o princípio do contraditório.

Assim, parece adequado estruturar esta fase em função da existência, como regra, de dois articulados — petição e contestação - seguidos de um terceiro — resposta à contestação — nas situações em que tenha ocorrido a dedução de excepções ou de reconvenção, expressamente identificadas como tal pela parte que as deduz.

Elimina-se o despacho liminar, situando-se a primeira intervenção do juiz no processo depois de findos os articulados, incumbindo assim, à secretaria a efectivação da citação.

A sua eliminação fica a dever-se a três ordens de razões.

A primeira é que, na grande maioria das vezes, o mesmo é meramente tabelar, não havendo, por parte do juiz, uma análise detalhada da petição inicial.

A segunda razão é que, em situações em que é proferido despacho de indeferimento liminar, as mais das vezes esse despacho é revogado, em via de recurso.

A última razão e talvez a mais relevante tem a ver com o princípio da igualdade de armas.

No sistema actual, só o autor podia ser convidado pelo juiz a corrigir a petição inicial.

Abolindo-se o despacho liminar, findos os articulados, o juiz tanto pode convidar o autor como o réu a corrigir ou a petição inicial ou a contestação, dando--se assim guarida, nesta sede, ao referido princípio da igualdade de armas.

Por sua vez, a citação, em regra, deverá operar-se por via postal, devendo a nota de citação conter todos os elementos de identificação do processo e advertências rigorosas e claras relativamente à natureza da causa, às partes, aos deveres do réu e aos prazos e cominações.

Caberá à secretaria promover oficiosamente as diligências adequadas à efectivação da citação, munindo-se dos elementos que obtiver e que, face ao dever de cooperação, o autor lhe vier a comunicar.

Quando o processo estiver em condições de prosseguir, a secretaria fará ou autos conclusos para que o juiz, se nada tiver a sanar ou a mandar corrigir, determinar a realização da audiência preliminar.

Fase da Audiência Preliminar

Esta fase significa a total reestruturação da actual fase do saneamento e condensação do processo.

Serão postos em marcha os princípios supra referidos, nomeadamente os deveres de cooperação recíproca, boa fé processual e verdade material.

Os objectivos da audiência preliminar são :

a) Operar a tentativa de conciliação, sendo obrigatória, em regra, a comparência pessoal das partes.

b) Sanear o processo, apreciando-se e discutindo-se a existência de quaisquer excepções dilatórias.

c) Decisão sobre o mérito da causa no todo ou em parte, apreciando o juiz o pedido ou algum dos pedidos deduzidos, ou decidindo-se da procedência de alguma excepção peremptória, sempre que o estado dos autos o permita, sendo tal decisão sempre precedida de discussão e alegações dos mandatários judiciais, acerca do enquadramento normativo, e possíveis soluções jurídicas do pleito.

d) Preparação do processo para julgamento, através da realização da base instrutória, onde serão determinados os factos provados e a provar, mediante debate instrutório.

e) Indicação das provas a produzir e fixação de prazos para o seu oferecimento ou realização, seja a requerimento das partes, seja por determinação oficiosa do juiz.

f) Designação, sempre que possível, da data para a realização da audiência de discussão e julgamento, mediante acordo de agendas do juiz e dos mandatá-rios judiciais.

Simplificação da matéria dos procedimentos cautelares,

incidentes da instância e intervenção de terceiros

No que se refere às providências cautelares, afigura-se adequado operar uma recondução das diversas providências nominadas actualmente previstas na lei ao esquema genérico de uma única providência-tipo, à semelhança do que se verifica noutros ordenamentos jurídicos.

Tal regulamentação genérica poderá ter como matriz o regime das actuais providências cautelares não especificadas.

Para tanto, ampliar-se-ia o campo de aplicação do actual artigo 399.º, prevendo a genérica possibilidade de o tribunal prescrever quaisquer medidas conservativas ou de reposição que se mostrem concretamente adequadas à prevenção do dano ou ao acautelar do efeito útil da decisão da causa principal.

A título meramente exemplificativo, poderiam elencarem-se algumas das medidas possíveis, como a apreensão judicial dos bens objecto da acção ou que constituem garantia patrimonial da dívida, a restituição dos bens ao seu pretenso titular, a imposição dum dever de abstenção ou de não inovação, o decretamento da suspensão da executoriedade de actos ou deliberações, a autorização da prática de determinados actos que, em princípio, estariam vedados.

Excepcionalmente, e também de forma inovadora, poderia ainda o tribunal antecipar o objecto da própria decisão final, concedendo ao credor a realização antecipada da prestação, nos casos v.g. de obrigação de alimentos ou de arbitramento provisório de indemnização.

Incidentes da Instância

Também se afigura adequado alterar o actual esquema de enumeração dos incidentes da instância, devendo na parte geral do futuro Código limitar-se a prever um esquema-tipo, aplicável a qualquer incidente.

O regime actual enferma do vício de qualificar como incidentes situações que o não são, por não revestirem qualquer autonomia processual na tramitação da causa (por exemplo: verificação do valor da causa, falsidade requerida e respondida com os articulados); e de deixar de referir outras situações que revestem — essas sim — verdadeira natureza incidental (v.g. os impedimentos e suspeições).

Assim, do ponto de vista sistemático, as regras referentes à determinação e fixação do valor da causa transitariam para o capítulo introdutório referente à «acção judicial».

A habilitação e a intervenção de terceiros seriam regulamentadas no capítulo atinente às modificações subjectivas da instância, simplificando-se, em termos significativos, a tramitação do incidente da habilitação.

A falsidade seria prevista e regulada a propósito da disciplina da prova documental e dos actos processuais, diluindo-se no esquema geral das impugnações e excepções probatórias.

Aproveitar-se-ia o ensejo para simplificar grandemente a actual tramitação do incidente da falsidade.

Quanto à liquidação, consubstanciando-se na apresentação de um verdadeiro articulado superveniente, que quantifica os danos, seria colocada, aquando da previsão do pedido genérico ou ilíquido.

Intervenção de Terceiros

Com vista a evitar a sobreposição dos campos de aplicação dos diferentes tipos de intervenção previstos na lei, com manifestos inconvenientes, geradores de dúvidas e incertezas na exacta delimitação do âmbito a cada um deles reservado, impõe-se uma profunda alteração do regime actualmente existente.

Partir-se-á da análise dos vários tipos de interesse em intervir — ou ser chamado a intervir — e dos elos que devem ser estabelecidos entre esse interesse e a relação jurídica controvertida entre as partes primitivas.

Tentar-se-á construir uma cláusula geral que possa cobrir toda esta realidade, mas se tal se antever de difícil consumação, caminhar-se-á para a recondução a três as formas de intervenção. Quais sejam:

— a assistência

— a intervenção

— a oposição

Sendo certo que as formas de intervenção de terceiros não se cingem ao processo declarativo, mas que também podem surgir na instância executiva ou cautelar, será de equacionar se os «embargos de terceiro» deverão perder o seu pendor possessório para se transformarem, antes, numa oposição espontânea e, como tal, virem a integrar a intervenção de terceiros, opondo o terceiro- -embargante um direito próprio incompatível com a subsistência das providên-cias executivas ou cautelares ordenadas.

 

III — RECURSOS

Visa-se, em primeira linha, operar uma simplificação substancial dos regimes de tramitação, subida e efeitos dos recursos, caminhando-se para uma única espécie de recurso ordinário, abolindo-se o actual sistema dualista (apelação e agravo).

O recurso ordinário será instruído no Tribunal da 1.ª Instância, podendo ser reparado sempre que não se trate de decisão final que conheça do mérito da causa.

Serão acrescidas as competências do juiz relator, de molde a ser-lhe permitido deixar de conhecer de recursos manifestamente dilatórios ou infundados, nomeadamente quando haja, no tocante à questão em apreço, jurisprudência uniforme do tribunal de recurso.

Desse despacho haverá, naturalmente, reclamação para a conferência.

Aproveitar-se-á o ensejo para clarificar algumas questões controvertidas, explicitando-se os regimes relativos à determinação do objecto do recurso e à função delimintadora das alegações e conclusões.

Caso se entenda dever ser assegurada uma real e efectiva existência de um segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, ter-se-á de caminhar decididamente para o registo da prova.

A ser assim, na regulamentação a que se terá de proceder, deverá ser deli-neado um regime que, em termos pragmáticos, consiga conciliar as agora acrescidas garantias das partes com as exigências de celeridade na obtenção da decisão, evitando que este novo regime seja factor de morosidade no tribunal de recurso.

Tornar-se-á imperioso, consequentemente, reformular o ónus de alegação pelo recorrente que impugne a matéria de facto, incumbindo-lhe a indicação precisa, clara e determinada dos concretos pontos de facto em que diverge da apreciação do tribunal, devendo fundamentar a sua divergência com expressa referência às provas (gravadas) produzidas.

Ao recorrente pertencerá ainda indicar, nas suas alegações, quais os actos de produção de prova cuja gravação ou registo deverá ser objecto de produção no tribunal de recurso, por discordar da decisão que, com base nelas, foi tomada quanto à correspondente matéria de facto.

Igual procedimento será usado pelo recorrido na sua contra-alegação.

Atento o princípio da verdade material, deverão os juízes do tribunal de recurso poder reproduzir a gravação efectuada não só nas partes indicadas, na alegação e contra-alegação, mas também em quaisquer outras que julguem necessário para a adequada apreciação do objecto do recurso.

Face à orientação uniforme que vem tomando o Tribunal Constitucional em matéria de assentos, ter-se-á de caminhar, como ocorreu na República, para a eliminação dos assentos, passando pela revogação do artigo 2.º do Código Civil.

No entanto, e com vista a uniformizar a jurisprudência, prever-se-á um recurso extraordinário com esse disiderato a interpor ou para o plenário do Tribunal Superior de Justiça ou para o Tribunal de Última Instância, conforme for a opção de política-legislativa, propendendo, no entanto, nós para a segunda alternativa.

Uma nota final para referir que é de toda a conveniência ser reponderada a questão do montante das alçadas, se bem que tal matéria seja, naturalmente, mais da órbita da legislação que regula a organização judiciária.

 

IV — ACÇÃO EXECUTIVA

Um dos capítulos que carece de maior revisão é o atinente à execução.

Toma-se imperioso modernizar a tramitação da acção executiva, de modo a conferir-lhe o grau de eficácia que tem naturalmente de revestir.

Ter-se-á, em primeira linha, de rever aspectos notoriamente arcaicos, desnecessariamente complexos ou tecnicamente pouco elaborados do actual processo de execução.

A título exemplificativo, refira-se, nomeadamente a injustificada enumeração taxativa das excepções dilatórias que fundamentam a dedução de embargos de executado, a determinação de limites e excepções a penhorabilidade dos bens, alguns deles de conteúdo marcadamente arcaizante, a inexistência de um genérico meio de oposição à penhora privativo do executado, a estruturação, em termos claros, da matéria da cumulação de execuções e do litisconsórcio na acção executiva, etc.

Por outro lado, torna-se necessário conferir a maior eficácia aos momentos nucleares do processo executivo, a saber: a efectivação da penhora, com o consequente depósito dos bens penhorados e a realização da venda.

É de salientar que também na acção executiva reveste a maior relevância a afirmação inequívoca do princípio da cooperação, nomeadamente no maior empenho por parte do tribunal, a requerimento do exequente, com vista a ter as informações necessárias à efectivação da penhora.

Ao próprio executado deverão poder ser solicitadas informações àcerca do seu património, sendo responsabilizado, caso as não preste.

Torna-se, ainda, imperioso dar maior celeridade à fase da penhora, simplificando-a e desburocratizando-a, eliminado-se muitos formalismos inúteis.

Também a fase da venda - em particular, a modalidade da arrematação em hasta pública, hoje, o regime-regra - terá de ser repensado, no sentido de ser conseguida uma maior transparência e moralização.

Apontar-se-á para que o regime regra passe a ser a venda por propostas em carta fechada.

A fase da convocação dos credores, verificação e graduação de créditos terá de ser reformulada, por forma a que cesse a proliferação actualmente existente de garantias reais que funcionam à margem do registo predial.

Com este desiderato, tornar-se-á necessário, que, quer a Administração, quer a Segurança Social surjam numa posição igualitária, desprovida de privilégios, a par dos demais credores, chamados ao concurso.

Uma última nota para referir que se torna também ajustado proceder a uma alteração profunda, no que se reporta à forma de processo.

Distinguir-se-á a acção executiva que se funda em sentença ou noutros títulos executivos.

Relativamente à primeira, ser-lhe-á imprimido um grau acrescido de eficácia e celeridade, sendo de adoptar um regime semelhante ao da actual execução sumaríssima, realizando-se de imediato a penhora e só após esta se permitirá a oposição à execução e à própria penhora.

No tocante à execução fundada noutros títulos executivos, o processo ini-ciar-se-á com a citação do executado, não sendo, agora, a citação oficiosa, como se defende para o processo declarativo, pressupondo, antes, o despacho liminar proferido pelo juiz.

A razão de ser da diferença radica no facto de ser adequado um controle judiciário antes de se proceder, (sem que haja sentença), a uma agressão ao património do executado, conseguido através da penhora.

 

V — PROCESSOS ESPECIAIS E DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA

No que se refere aos processos especiais, torna-se necessário desenvolver um esforço de sistematização e simplificação, eliminado os processos que sem grande dificuldade possa ser aplicado o processo declarativo comum.

Só deverão, assim, subsistir como processos especiais aqueles cuja respectiva tramitação importe desvios significativo ao figurino previsto no processo comum.

Acresce que, face ao apontado «supra» princípio da adequação formal, o juiz tem um importante instrumento para escolher o melhor encaminhamento a dar a um determinado processo.

Consequentemente não se anteolham razões para manter como processos especiais v.g. a cessação do arrendamento, as acções possessórias, a venda do penhor, a generalidade das acções de arbitramento (com excepção da divisão de coisa comum), e, eventualmente, o divórcio e separação litigiosas.

Torna-se imperioso rever o processo de inventário, eliminando disposições excessivamente regulamentares e, muitas delas, manifestamente desactualizadas, abolindo, também, incidentes e actos que bloqueiam o célere andamento do processo.

Finalmente, importa analisar, com detalhe, o capítulo relativo à jurisdição voluntária, repensando-o com coerência, por forma a ser devidamente estruturado e sistematizado.

 

VI — CONCLUSÃO

Pretendeu-se dar a conhecer com este documento as linhas orientadoras que nos parecem ser as mais adequadas para uma revisão do actual Código de Processo Civil e para a consequente edificação do novo Código de Processo Civil de Macau.

Ao longo deste trabalho, em muitos pontos que foram focados, seguiu-se muito de perto uma pequena edição de Novembro de 1992 intitulada «Linhas Orientadoras da Nova Legislação Processual Civil», editada pelo Ministério da Justiça da República, que viria, mais tarde, a dar origem ao Decreto-Lei n.º 329//A/95, de 12 e Dezembro, que reformou profundamente o Código de Processo Civil e que o signatário teve a honra de ser também, o coordenador.

Não significa com isto que o novo Código de Processo Civil de Macau venha ser só o Código de Processo Civil, tal como foi reformado e revisto na República, recentemente.

Contudo, temos consciência que também não poderá deixar de ser uma importante referência, como o serão outras experiências, ao nível do direito comparado.

O que importa, para finalizar, é que este singelo e sucinto documento suscite um amplo debate por parte dos diversos operadores judiciários de Macau e que se for notório o consenso construído à volta das soluções que se propõem, o caminho a encetar será, talvez, um pouco menos penoso.

Macau, 24 de Fevereiro de 1997.

O Coordenador da Revisão do Código de Processo Civil, José Manuel Borges Soeiro.