Assunto: Projecto de lei n.º 1/VI/98, intitulado «Lei de Bases da Política de Emprego».
1. Por despacho da Presidente da Assembleia Legislativa datado de 3 de Fevereiro de 1998, a Comissão de Assuntos Sociais, Educação e Cultura foi chamada a dar parecer sobre o projecto de lei n.º 1/VI/98, intitulado «Lei de bases da política de emprego».
2. A Comissão considera que a apresentação deste projecto de lei representa uma oportunidade singular para analisar a situação do mercado de trabalho e as suas perspectivas futuras. Simultaneamente, para avaliar as características fundamentais das relações laborais típicas de Macau, a evolução registada no direito do trabalho vigente, a protecção jurídica dispensada aos diferentes valores por ele tutelados, em particular os direitos laborais dos trabalhadores, e, de um modo geral, o tipo e o âmbito da intervenção dos poderes públicos na definição e execução de uma política de emprego coerente e eficaz. A necessidade que os proponentes sentiram de dotar o Território de uma lei de bases para enquadrar esta política sectorial é partilhada pela Comissão, uma vez que considera relevante a existência de directrizes estáveis que possam guiar a Administração na adopção de medidas com reflexos na área do emprego.
2.1. A Comissão manifesta a sua concordância com o espírito que está subjacente ao projecto de lei em análise e com a generalidade dos princípios e medidas nele propostos.
3. Da análise do projecto cumpre destacar:
3.1. Ao nível das opções de política legislativa,
i) a consagração do direito ao emprego, de opção de profissão e de igualdade no acesso aos postos de trabalho (artigo 2.º), numa concretização das disposições de direito internacional que regulam esta matéria (vd. apresentação do projecto ao Plenário feita, em 13 de Fevereiro de 1998, pelo Deputado Lau Cheok Va);
ii) a relevância do fomento de emprego ao nível dos princípios de política, sendo o conceito de ‘fomento de emprego’ um termo genérico que abarca quer o conceito económico de ‘pleno emprego’, quer o aumento das oportunidades de emprego e o aperfeiçoamento da estrutura de emprego, quer ainda a melhoria das condições de trabalho (artigo 3.º),
iii) a preocupação em salvaguardar as oportunidades de emprego dos trabalhadores residentes (artigos 2.º, n.º 1, 4.º, n.º 1 e 8.º);
iv) a relevância dada à vertente da formação profissional como forma de evitar o desemprego e de promover as oportunidades de emprego dos trabalhadores (artigo 4.º, n.º 3);
v) a previsão de um salário mínimo e o seu contributo na obtenção da justa remuneração do trabalho (artigo 4.º, n.º 5);
vi) a participação do Conselho Permanente da Concertação Social na definição e acompanhamento da política de emprego (artigos 5.º, n.º 2 e 6.º, n.º 3);
vii) a atribuição ao órgão executivo de uma competência regulamentadora bastante lata.
3.2. Ao nível da técnica legislativa,
i) a generalidade das previsões e a pouca densificação dos conceitos utilizados, com a consequente proliferação de conceitos indeterminados;
ii) a existência de normas supérfluas face à necessária e normal compatibilização com as regras gerais de interpretação, comuns a todo o ordenamento jurídico (como por exemplo, a norma constante do n.º 2 do artigo VI ou a do artigo 9.º, esta última retirada do projecto aquando da sua apresentação a Plenário);
iii) uma certa incoerência sistemática resultante da arrumação das matérias pelos diferentes artigos, não sendo fácil descortinar a diferença material entre os princípios da política (artigo 3.º), o conteúdo da política (artigo 4.º), a definição das políticas (artigo 5.º) e a execução das políticas (artigo 6.º
3.3. Para além dos aspectos acima referenciados, a análise do projecto revela a ausência de aspectos fundamentais na definição de uma política de emprego equilibrada e susceptível de ser aplicada a diferentes conjunturas socioeconómicas.
A Comissão concorda com os proponentes quando estes afirmam que «actualmente a situação de emprego já não se restringe apenas ao âmbito pessoal, antes envolve a valorização dos recursos humanos e da competitividade integral, o impulsionar do desenvolvimento económico e do progresso do Território, a manutenção da estabilidade social, bem como o melhoramento das condições de vida da sociedade civil (vd. exposição de motivos)». Precisamente por isso, a Comissão considera que aspectos fundamentais, tais como a responsabilização de todos os parceiros sociais na definição e acompanhamento da execução da política de emprego, a consagração a nível de uma lei de bases do modelo de concertação social tripartido, a consagração de direitos laborais e o alargamento do seu âmbito de aplicação, entre outros, devem ser consagrados na «Lei de bases da política de emprego», enquanto instrumento basilar desta política sectorial.
4. Pelo exposto, a Comissão considera oportuna a apresentação, nos termos do n.º 1 do artigo 131.º do Regimento da Assembleia Legislativa, de um texto de substituição do projecto de lei que, por um lado seja mais correcto ao nível da técnica legislativa e, por outro, seja mais completo ao nível das vertentes a ter em consideração na definição da política de emprego. Por fim, que apresente injunções políticas mais concretas a dar aos órgãos que, através de medidas legislativas ou outras, implementem os princípios ora definidos.
4.1. O articulado agora proposto, para além de comungar das mesmas preocupações subjacentes ao projecto de lei inicial, recorre às mesmas fontes inspiradoras. De facto, o modelo de tutela do direito ao trabalho pelo poder público e o elenco de direitos laborais ora proposto são recortados tanto da Constituição da República Portuguesa, como dos textos de direito internacional da área do trabalho vigentes em Macau, numa concretização de múltiplas recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Fontes estas, aliás, que também estiveram na base do projecto de lei inicial, como foi expressamente afirmado na sua apresentação ao Plenário e na exposição de motivos que o acompanha.
4.2. Um segundo aspecto genérico que cumpre destacar diz respeito ao alargamento dos objectivos da política de emprego enunciados no articulado (vd., em particular, artigo 6.º). Tal alargamento foi feito na tentativa de inserir a presente iniciativa legislativa na linha de rumo que tem vindo a ser seguida na última década e que está plasmada nas Linhas de Acção Governativa anualmente aprovadas pela Assembleia Legislativa (vd. anexo 1). Pretende-se, assim, que as medidas a adoptar no futuro sejam um elemento de estabilidade, tanto do mercado de emprego, como da economia e da sociedade em geral, e não sejam um elemento perturbador pela inovação e descontinuidade.
Exemplo claro da influência das opções expressas nas Linhas de Acção Governativa no texto de diploma agora apresentado é o reforço do papel da concertação social e dos parceiros sociais, consagrado como fundamento e limite da política de emprego (artigo 2.º, n.º 2) e como objectivo estratégico [artigo 6.º, alíneas h) e i)], num modelo institucional tripartido (artigo 3.º».
4.3. O reforço dos direitos laborais é outro aspecto que a Comissão entende como bastante relevante. A evolução da consciência social deve apontar para uma progressão constante, ainda que faseada, no sentido da melhoria das condições de vida de toda a população e, como vem enunciado na alínea a) do artigo 6.º, de uma maior justiça social. Sem dúvida que o direito do trabalho é um instrumento privilegiado para efectivar tal progressão e os direitos laborais um aferidor concreto da situação actual da mencionada consciência social.
A liberdade de escolha de profissão e acesso ao emprego (artigo 4.º), originário do projecto de lei inicial, é um elemento essencial no funcionamento de um mercado de trabalho justo e flexível, capaz de conjugar a vertente da realização profissional de cada indivíduo com a vertente da mobilidade profissional. É também o ponto de partida para os demais direitos laborais, previstos neste projecto ou constantes da demais legislação.
O elenco de direitos laborais constante do artigo 5.º não é inovador no ordenamento jurídico local. Vários diplomas legais na área do direito do trabalho — com especial destaque para a lei das «Relações de trabalho de Macau» (Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho), consagram e regulamentam os direitos agora elencados. A vantagem de fazer de novo esta proclamação reside no facto de, pela primeira vez, estarem reunidos num único diploma legal, de valor reforçado, capaz de condicionar a legislação regulamentadora. Ou seja, depois de inscritos na «lei de bases da política de emprego» será mais difícil ao legislador ordinário restringir ou abolir estes direitos. De referir ainda que estes são os direitos considerados basilares e estão previstos no seu núcleo essencial. Quer isto dizer que ao legislador ordinário cumpre definir os contornos específicos de cada direito.
No entanto, inovadora é a sua extensão a todos os trabalhadores. É socialmente inaceitável que exista uma situação real de desprotecção jurídica dos trabalhadores não residentes, resultante do âmbito de aplicação restrito da Lei das Relações de Trabalho. Esta, por força do disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 3.º, exclui do seu âmbito de aplicação «as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não-residentes», não gozando estes da generalidade de direitos laborais previsto na legislação de Macau.
A Comissão entende que os condicionalismos na prestação de trabalho por trabalhadores não residentes, deve ser feita tão-só ao nível da admissibilidade da sua contratação (conforme o disposto no artigo 9.º do texto de substituição) e não ao nível do gozo de direitos básicos.
A Comissão tem consciência da necessidade de compatibilizar a previsão de mais direitos, ou a extensão do seu âmbito de aplicação, com os interesses da economia em geral, bem como com os interesses específicos de empregadores e de trabalhadores residentes. No entanto, o reforço dos direitos laborais não pode ser entendido como um factor de entrave ao crescimento económico. Este depende fortemente da existência de uma mão-de-obra técnica e fisicamente apta a dar o melhor da sua capacidade de trabalho, e isso só é atingível com a aplicação prática da maioria dos direitos previstos no n.º 1 do artigo 5.º.
4.4. Ao nível das medidas a adoptar na prossecução dos objectivos definidos (artigo 7.º), a Comissão entende dever ficar, desde já, registado ao nível de uma lei de bases, campos de actuação preferenciais que o órgão executivo deverá privilegiar na concretização, por via legislativa ou táctica, das bases agora previstas.
4.5. A Comissão, ciente da generalidade inerente a uma lei de bases e da necessária intervenção do órgão executivo na materialização dos conceitos vagos inevitavelmente utilizados, pretende a responsabilização dos vários órgãos de governo próprio, dos parceiros sociais e da população em geral na execução da política de emprego agora delineada.
5. Pelo exposto a Comissão é de parecer que:
a) O projecto reúne as condições formais para ser apreciado em Plenário;
b) O articulado sofre de algumas incorrecções e omissões que podem prejudicar a sua eficácia, pelo que decide apresentar, nos termos do n.º 1 do artigo 131.º do Regimento da Assembleia Legislativa, um texto de substituição do projecto de lei, junto em anexo (anexo II);
c) Deve fazer-se uso da faculdade conferida pelo n.º 2 do artigo 37.º do Estatuto Orgânico de Macau.
Macau, 5 de Junho de 1998. — A Comissão, Leong Heng Teng, Presidente. — Kwan Tsui Hang — Leonel A. Alves — Susana Chou — Maria Edith Silva, Secretária
A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 30.º do Estatuto Orgânico de Macau, para valer como lei, o seguinte:
A presente lei define as bases da política de emprego.
1. A política de emprego assenta na manutenção da estrutura económica, no regular funcionamento do mercado, no respeito dos direitos dos trabalhadores e no reconhecimento do valor social do trabalho.
2. A política de emprego abrange a participação solidária dos parceiros sociais, institucionalmente organizada, e pressupõe o respeito da sua autonomia colectiva.
3. A política de emprego deve ser coordenada com as demais políticas socioeconómicas, na prossecução dos objectivos enunciados na presente lei.
1. A Administração reconhece a função dos parceiros sociais enquanto co-responsáveis na execução da política de emprego e garante as condições necessárias à sua liberdade, independência e representatividade.
2. A Administração garante o funcionamento de uma estrutura autónoma de concertação social tripartida, composta por representantes dos empregadores, dos trabalhadores e do Governador.
1. Os residentes de Macau gozam da liberdade de escolha de profissão ou de gênero de trabalho, salvas as restrições legais.
2. É proibida qualquer limitação discriminatória que prejudique a igualdade de acesso ao emprego.
3. A exigência de qualificações profissionais ou acadêmicas específicas não constitui limitação discriminatória para os efeitos do disposto no número anterior.
4. É assegurada a igualdade de oportunidades de promoção no trabalho a categoria superior apropriada, sujeita a nenhuma outra consideração além da antiguidade de serviço e da aptidão individual.
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, nacionalidade ou território de origem, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade;
b) À igualdade de salário entre trabalho igual ou de valor igual;
c) À prestação do trabalho em condições de higiene e segurança;
d) À assistência na doença;
e) A um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas, bem como a receber remuneração nos dias feriados;
f) À filiação em associação representativa dos seus interesses.
2. É garantida especial protecção às mulheres trabalhadoras, nomeadamente durante a gravidez e depois do parto, aos menores e aos deficientes em situação de trabalho.
São objectivos da política de emprego:
a) Garantir o desenvolvimento sustentado da economia e a justiça social;
b) Atingir a situação de pleno emprego;
c) Aperfeiçoar a estrutura de emprego;
d) Promover as condições de vida dos trabalhadores e defender os seus direitos laborais;
e) Promover as capacidades técnicas dos trabalhadores e incentivar a sua formação;
f) Eliminar preventivamente as causas de desemprego;
g) Auxiliar os trabalhadores em situação de desemprego;
h) Reforçar a participação dos parceiros sociais na concretização da política de emprego;
i) Promover a resolução concertada dos conflitos sócio-laborais.
A prossecução dos objectivos constantes do artigo anterior pressupõe a adopção de medidas que visem, nomeadamente:
a) O aperfeiçoamento da legislação sobre as relações de trabalho e a revisão do seu regime sancionatório;
b) O reforço da formação, reconversão e orientação profissionais;
c) O estabelecimento de um salário mínimo e a sua actualização regular;
d) A manutenção de um serviço público gratuito de colocação e a supervisão das actividades privadas de colocação;
e) A promoção da mobilidade profissional, na medida necessária ao equilíbrio entre a oferta e a procura de emprego;
f) A protecção da saúde dos trabalhadores e a prevenção e reparação dos acidentes de trabalho;
g) A atribuição de prioridade aos trabalhadores residentes no acesso ao emprego em obras públicas e na prestação de serviços públicos;
h) A erradicação do trabalho infantil;
i) O recrutamento de deficientes para a prestação de trabalho consentâneo com a sua condição;
j) O aperfeiçoamento do regime de segurança social;
1. O reforço da formação e da reconversão profissionais pressupõe a adopção de medidas que visem, designadamente:
a) Reforçar a coordenação da formação profissional;
b) Criar cursos de formação com planos curriculares que correspondam às reais necessidades da economia;
c) Incentivar a formação de trabalhadores prestada pelas entidades patronais;
d) Apoiar a inserção no mercado de trabalho dos formandos que concluam cursos de formação profissional;
e) Prevenir o surgimento de desemprego tecnológico.
2. A orientação profissional, a executar em colaboração com as estruturas do sistema de ensino, abrange os domínios da informação sobre o conteúdo, perspectivas, possibilidades de promoção e condições de trabalho das diferentes profissões, bem como da escolha de uma profissão e respectiva formação profissional.
1. A contratação de trabalhadores não residentes apenas é admitida quando, cumulativamente, vise suprir a inexistência ou insuficiência de trabalhadores residentes aptos a prestar trabalho em condições de igualdade de custos e de eficiência e seja limitada temporalmente.
2. A contratação de trabalhadores não residentes não é admitida quando, apesar de verificados os requisitos constantes do número anterior, contribua de forma significativa para a redução dos direitos laborais ou provoque, directa ou indirectamente, a cessação, sem justa causa, dos seus contratos de trabalho.
3. A contratação de trabalhadores não residentes depende de autorização administrativa a conceder por unidade produtiva.
4. O recurso à prestação de trabalho por trabalhadores não residentes pode ser definida por sectores de actividade económica, consoante as necessidade do mercado, a conjuntura económica e as tendências de crescimento sectoriais.
O Governador adoptará as providências necessárias ao desenvolvimento, concretização e execução das bases constantes da presente lei.