COMISSÃO DE ASSUNTOS CONSTITUCIONAIS, DIREITOS,

LIBERDADES E GARANTIAS

Parecer n.º 5/VI/98

Assunto: Projecto de lei n.º 14/VI/97, intitulado «Liberdade de Religião»

 

I

INTRODUÇÃO

1. Por despacho da Senhora Presidente, de 27 de Outubro de 1997, foi admitido o projecto de lei em epígrafe, tendo sido distribuído a esta Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para «exame e elaboração de parecer».

2. Para a análise e emissão de parecer, foram efectuadas diversas reuniões onde se discutiu aprofundadamente, para além do articulado em apreço, a problemática subjacente, bem como outros documentos de indiscutível relevância e conexão com o assunto em questão, de que a seguir se dá notícia resumida.

3. Neste processo de estudo e ponderação, foram tidos em consideração diversos documentos de natureza e proveniência diversas: o projecto de Lei n.º 1/V/95, intitulado «Liberdade religiosa e de culto» (e correspondente Nota Explicativa), e o Parecer n.º 7/96, da CACDLG, incluindo o articulado alternativo então apresentado.

Por outro lado, a Comissão retomou a análise de textos jurídicos relevantes, quer de natureza interna, quer instrumentos de direito internacional.

Assim, para além da legislação vigente, nomeadamente a Lei n.º 4/71, de 21 de Agosto, foram considerados os preceitos constitucionais, bem como os normativos da Lei Básica da futura Região Administrativa Especial de Macau (doravante RAEM), e outros provindos de outras ordens jurídicas por exemplo, da República Popular da China (RPC) e da Região Administrativa Especial de Hong Kong); para além do anteprojecto da «Lei da Liberdade Religiosa», elaborado pela Comissão de Reforma da Lei da Liberdade Religiosa, no âmbito do Ministério da Justiça de Portugal. No plano dos instrumentos de direito internacional, tiveram-se presentes a Declaração Conjunta Luso-Chinesa Sobre a Questão de Macau, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e a Declaração Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Baseadas na Religião ou Convicção, aprovada pela Resolução 36/55, da Assembleia Geral das Nações Unidas, entre outros.

 

II

BREVE MEMÓRIA DO PROCESSO LEGISLATIVO

4. A ideia de se legislar em matéria de liberdade religiosa em Macau, particularmente no âmbito desta Assembleia, remonta já, formalmente, a inícios de 1995, com a apresentação do projecto de lei n.º 1/V/95.

Afigura-se útil, pois, deixar aqui uma breve memória do processo legislativo da liberdade religiosa no seio da Assembleia Legislativa de Macau.

5. Em Março de 1995 deu entrada o primeiro projecto intitulado, como se disse, «Lei da Liberdade Religiosa e de Culto», subscrito por um grupo de seis Deputados (António Félix Pontes, Peter Pan, Beatriz Basto da Silva, Antônio Correia, José Rodrigues do Rosário e Alexandre Ho).

O articulado, então apresentado, assumia «como propósito essencial a actualização do regime legal vigente, ou seja, a Lei n.º 4/71, de 21 de Agosto mandada aplicar ao território», como se pode ler na sua Nota Explicativa; adiante se podia ler constituir este —mais um dos projectos relativos a direitos fundamentais na esteira de outros que esta Assembleia tem considerado por bem aprovar.».

O projecto de lei, depois de uma prolongada reflexão, foi objecto de extenso parecer da CACDLG — o n.º 7/96 — que, depois de se pronunciar favoravelmente, em termos de juízo na generalidade, optou por submeter ao Plenário um articulado alternativo.

O texto apresentado para efeitos de substituição mantinha fundamentalmente inalteradas as linhas de força do projecto de lei; no entanto, procedeu a diversas alterações de redacção, introduziu algumas benfeitorias em alguns preceitos e sugeriu, ainda, a entrada de novos normativos no texto, razões pelas quais foi decidida a apresentação de um texto de substituição.

6. De tudo isto há notícia no referido parecer. Aliás, o presente parecer socorre-se, em largos trechos, do trabalho então produzido, pelo que não deverá surpreender que, aqui e ali, se reproduzam algumas passagens desse parecer n.º 7/96 da CACDLG.

7. Agendado o projecto de lei, já no período de prorrogação da sessão, para o Plenário de 29 de Julho de 1996, deu entrada, entretanto, uma proposta subscrita por vários Deputados que dizia que o projecto de lei sobre a «Liberdade Religiosa» (e outros mais) era um diploma que merecia ponderação profunda. Rematava-se propondo que «seja adiada a apreciação (…) para a próxima legislatura.».

Submetida esta proposta a votação, foi a mesma aprovada. Por conseguinte, aquando da renovação da Legislatura, o projecto de lei n.º 1/V/95 caducou.

8. Posteriormente, já na presente Legislatura, deu entrada o projecto de lei em apreço, subscrito pelo senhor Deputado Ng Kuok Cheong.

No articulado apresentado ressalta, imediatamente, uma característica: grande similitude com o projecto de lei n.º 1/V/95. Ou seja, verifica-se, basicamente, a reprodução dos preceitos originalmente subscritos pelo grupo de Deputados que o apresentara em 1995.

Todavia, alguns preceitos há que, apesar de representarem identidade de filosofia enformadora com os correspondentes do primeiro projecto, acham-se redigidos de uma forma eventualmente menos adequada.

Esta, uma razão mais que impele o actual parecer para o estudo, análise e redacção já efectuadas no ano de 1996.

9. Ao longo deste período, anota-se a grande atenção que o assunto mereceu em diversos planos, nomeadamente ao nível da comunicação social e ao nível da produção de relatórios e recomendações elaborados em instâncias internacionais de monitorização dos Direitos do Homem.

10. Concluída esta breve história, cumpre, então, avançar na concretização deste parecer.

O passo seguinte leva-nos a uma panorâmica de síntese sobre o fenómeno religioso sob uma perspectiva jurídica; ou seja, sobre os direitos fundamentais conexos com a religião: a liberdade religiosa e de culto, em sentido amplo.

 

III

A LIBERDADE RELIGIOSA E DE CULTO

11. Afigura-se importante, para permitir um melhor enquadramento da questão, traçar, ainda que brevemente, algumas linhas gerais subjacentes à liberdade religiosa e de culto. Como se disse, impera aqui uma perspectiva jurídica, neutral portanto, e não uma qualquer tentativa de estudo do fenómeno religioso, qualquer que seja a postura do observador, seja ele crente, agnóstico ou ateu.

12. Prossiga-se, pois, na análise jurídica e histórico-jurídica da questão. Neste domínio, as linhas que se seguem, perfilham, de perto, o que então se escreveu no parecer n.º 7/96.

Os direitos fundamentais que agora se pretendem regulamentar, nomeadamente a liberdade religiosa, ou em outra terminologia, liberdade de religião, e liberdade de culto, encontram-se regulados, na sua essência, por uma lei, de Portugal, com mais de 25 anos de existência — a Lei n.º 4/71.

O regime jurídico, então elaborado, fora-o sob a égide de uma outra Constituição (1933) e de uma outra filosofia enformadora. Justifica-se, pois, como já antes assim acontecia, a elaboração de uma nova lei, local, moderna, capaz de melhor reproduzir as traves mestras constitucionais a que deve obediência, e capaz de perdurar no seio da RAEM.

13. A liberdade de religião e a liberdade de culto têm garantido, ao longo da história constitucional de Macau, um lugar permanente na galeria dos direitos fundamentais consagrados.

Pese embora a diferença de perspectivas, e de alcance ou densidade dos vários textos constitucionais, pode afirmar-se que, desde 1822 — data da primeira Constituição Portuguesa — o fenómeno religioso recebe acolhimento nas fontes supremas do direito português e, por consequência, do território.

É, no entanto, com a "Lei da Separação" (da Igreja e do Estado), de 1911, que a liberdade religiosa ganha contornos relativamente próximos aos do seu actual recorte.

14. A verdade é que o peso tradicional da Igreja Católica sempre se traduziu — em Portugal como em Macau — num diferente estatuto de facto perante outras confissões e, por formas variadas mais ou menos subtis, também o Direito — em Macau como em Portugal — acabou por se enredar nessa postura e, por conseguinte, reflectir essa diferença real de estatuto.

Exemplos conhecidos desta diferença são os da legislação fiscal, ou ainda, o do direito da família.

15. Com a Constituição de 1976, estes direitos fundamentais são amplamente consagrados e garantidos, num traço caracterizante de abertura e tolerância a todos os credos.

E assim se pode pensar que continue, atendendo às disposições da Declaração Conjunta Luso-Chinesa e da Lei Básica da futura RAEM.

Esta nova postura constitucional, constituiria argumento só por si suficiente para a revisão da legislação ordinária vigente.

Por outro lado, a previsão do artigo 5.º n.º 1, constante da Resolução da Assembleia da República que manda publicar em Macau o PIDCP e o PIDESC encerra, no seu espírito, um comando para a alteração de legislação inadequada e difícil, com paginação com esses Pactos Internacionais.

Mas não apenas, também a realidade sócio lógica de Macau (cfr. Huang Qichen, As Religiões em Macau, Revista Administração, número 13/14, págs. 665 e segs.), nos permite adiantar mais um relevante argumento para essa revisão legislativa.

A Comissão entende, pois, pelos motivos expostos, ser de toda a conveniência político-legislativa a aprovação de uma lei sobre a liberdade religiosa e de culto.

16. A liberdade de religião — como se sabe, um direito, liberdade e garantia —constitui uma emanação da liberdade de consciência, aparecendo, nos dispositivos constitucionais, indissociável desta — cfr. o artigo 41.º da CRP.

Liberdade de religião que se posiciona, face ao ordenamento constitucional vigente, como um dos direitos fundamentais integrantes da chamada esfera nuclear dos direitos fundamentais pessoais, beneficiando, por conseguinte, de um estatuto especialmente reforçado, mesmo em situações de estado de excepção.

17. A liberdade de culto — igualmente um direito, liberdade e garantia — por sua vez, congraça o direito individual, e o direito colectivo, de praticar os actos externos de veneração que são próprios de uma dada religião (Gomes Canotilho/Vital Moreira,... Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., pág. 324). Esta liberdade de culto, ou se preferirmos, a face exterior, ou a dimensão externa da liberdade religiosa, deverá ser assegurada sempre na mesma medida em que se pretenda efectivar a liberdade religiosa.

É assim que se pode afirmar que, com o livre exercício do culto, se contribui decididamente para a plenitude da liberdade religiosa (Jaques Robert, La Liberté Religieuse, Revue Internationale de Droit Comparé, 1994, pág. 629).

18. O fenómeno religioso é objecto de consideração e preocupação também ao nível jus-internacional, não se confinando a um tratamento jurídico meramente nacional, ou interno.

Pode mesmo afirmar-se que a comunidade internacional é hoje sensível ao fenômeno religioso (Jónatas Machado, O regime concordatário entre a «libertas ecclesiae» e a liberdade religiosa, Coimbra Editora, 1993, pág. 94.)

Na verdade, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, para citar apenas alguns instrumentos de vocação universal, não se alhearam destas importantes vertentes de uma liberdade de consciência em sentido amplo.

Igualmente, no plano da monitorização, se vêm produzindo diversos relatórios, nomeadamente ao nível das Nações Unidas, e que viram importante expressão na já citada Declaração sobre eliminação de todas as formas de intolerância e de discriminação baseadas na religião.

Liberdades que, onde, e quando, inexistam plenamente, nas suas várias dimensões, obstaculizarão à afirmação de uma plena liberdade cultural e de uma plena liberdade política (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, T. IV, págs. 357-358).

19. Como mera nótula de uma tradicional referência de intenção comparatística a outras ordens jurídicas, a Comissão deixa neste parecer curtas referências aos exemplos mais próximos de Macau: o da RAE de Hong Kong e o da República Popular da China.

Outros ordenamentos jurídicos poderiam ser aqui trazidos, tais como o espanhol, que, pela sua postura moderna, podem ajudar a equacionar soluções pautadas pelos princípios da separação, igualdade e não discriminação.

Em Hong Kong, para além dos preceitos da Lei Básica, correspondentes aos da homóloga lei da RAEM, o Bill of Rights (nesta matéria inalterado), com marcada e assumida influência do PIDCP (Anne Carver, Freedom of Religion, Human Rights in Hong Kong, 1992, pág. 352), estabelece, mormente nos seus artigos 15.º e 23.º, a liberdade religiosa e a liberdade de culto (…to profess and practise their own religion…).

O artigo 1.º, do mesmo acto normativo, não admite discriminações em razão, entre outras, da religião.

A liberdade de culto ( ... to manifest one’s religion..., artigo 151.º (3) ), poderá sofrer limitações fundadas na segurança pública, ordem pública, saúde pública, moral e nos direitos fundamentais de outrem.

Todavia, essas limitações terão de, por um lado, estar previstas na lei, e, por outro lado, têm de se revelar necessárias para a salvaguarda daqueles valores.

Tendo já como pano de fundo a situação após a reversão da soberania sobre Honq Kong — do Reino Unido para a República Popular da China — veja-se, no que toca particularmente à Igreja Católica, o texto de Beatrice Leung, The uneasy balance: the Sino-Hong Kong relations after 1997, in Hong Kong SAR In pursuit of domestic and international order, 1997. Por seu turno, a Constituição da República Popular da China, de 1982, consagra, no seu artigo 360, a liberdade de crença religiosa dos cidadãos da RPC, a garantia de se professar qualquer religião ou de não professar nenhuma e a garantia de não discriminação fundada em motivos religiosos.

Por outro lado, não é admitida qualquer subordinação das instituições religiosas a entidades estrangeiras, estipulando-se, ainda, um grupo de cláusulas limitadoras das actividades religiosas — ordem pública, saúde e educação.

Na RPC existe uma entidade pública especialmente vocacionada para a tutela dos assuntos religiosos, o Departamento de Assuntos Religiosos (Foster Stockwell, Religion in China Today, Beijing, 1993, págs. 31 e segs.)

Ao nível da legislação ordinária, sabe-se que existem dois decretos do Comité Permanente da Assembleia Nacional Popular — 144 e 145 de 31 de Janeiro de 1994. O primeiro refere-se a actividades de cariz religioso de estrangeiros na China, ao passo que o segundo é relativo a realizações religiosas (sobre estes diplomas Chan Kim-Kwong, Bringing Religion into the Socialist Fold, China Review, 1995, pág. 17.8).

Existe ainda, com relevo na matéria, um regulamento do Departamento de Assuntos Religiosos.

Pode ainda consultar-se, para uma panorâmica de síntese, quer ao nível ordenamental, quer ao nível dos factos, o relatório do Conselho de Estado, publicado na Beijing Review, no ano transacto: Freedom of Religious Belief in China, Beijing Review, Nov., 3-9, 1997.

20. Uma referência, ainda, se bem que breve, à legislação vigente, sobretudo a Lei n.º 4/71.

Esta lei de 1971 (estando vigente a Constituição de 1933), como também o Decreto n.º 216/72, de 27 de Junho, pretendeu, à época, operar uma sistematização e concentração de inúmeras fontes então vigentes (Antunes Varela, Lei da Liberdade Religiosa, 1972, págs. 26 e 27)

A sua filosofia enformadora pode, ainda hoje, considerar-se, em muitos aspectos, satisfatória. No entanto, não deixa de conter determinados preceitos que reflectem a postura do regime então instituído face às «Noutras religiões» e, por outra banda, pelo tratamento de favor, base VII, atribuído a uma determinada confissão — a Igreja Católica.

É mister referir que vários dos preceitos desta lei, não se aplicavam à Igreja Católica, detentora de um regime especial (base XVIII), estatuído, sobretudo, na Concordata com a Santa Sé, de 7 de Maio de 1940 (com as alterações introduzidas pelo Protocolo Adicional de 1975), mas também no Acordo Missionário (da mesma data) , publicados no B.O. n.º 37 de 14 de Setembro de 1940.

Ou seja, pode-se afirmar que a Lei n.º 4/71, regula, essencialmente, todas as confissões religiosas que não a Católica; mas, diversamente, — regula a liberdade religiosa e de culto, enquanto direitos individuais e colectivos, de uma forma globalizante.

21. As expressões jurídicas do fenômeno religioso não se confinam, no entanto, aos actos normativos supra citados.

Na verdade, e a título exemplificativo, relevam outros normativos insertos, por exemplo, no Código Penal, no Código de Processo Penal, no Código Civil, ou em diversa legislação de natureza fiscal, na lei eleitoral para a Assembleia Legislativa, no diploma que regula as bases do sistema educativo, no regime de execução das medidas privativas da liberdade, ou, ainda, em outros menos solenes, como o Regulamento do Estabelecimento Prisional de Coloane, aprovado pelo Despacho (normativo) n.º 8/GM/96 .

Assim, e como mero exemplo ilustrativo, veja-se o artigo 282.º do Código Penal, que, sob a epígrafe «Ofensa a sentimentos religiosos», procura aglutinar os crimes tipificados no anterior Código Penal, de «ultraje por motivo de crença ou função religiosa», «impedimento ou perturbação de culto» e de «ultraje a culto religioso». No entanto, este desiderato não foi plenamente conseguido, dado que algumas condutas saíram descriminalizadas.

 

IV

NA GENERALIDADE

22. A Comissão é de parecer que a filosofia enformadora do projecto de lei em apreço, merece a sua concordância, sem prejuízo das alterações e aditamentos sugeridos, que, pela sua monta, e antecipando uma conclusão parcelar, levaram a que se haja decidido pela apresentação de um articulado alternativo sob a forma de texto de substituição, nos termos regimentais aplicáveis.

23. No que respeita à designação do projecto de lei, a Comissão considera ser a expressão de «Liberdade de Religião» a adequada dado ser a que consta quer do normativo constitucional (veja-se o artigo 41.º da CRP), quer do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP). Sugere, no entanto, o aditamento da expressão «e de Culto», dado que, no rigor das coisas, o articulado pretende regular, quer uma, quer a outra.

Em suma, o texto de substituição terá como título «Liberdade de Religião e de Culto».

24. Relativamente à sistematização do articulado apresentado, a Comissão não concorda com essa mesma sistematização, designadamente, com os títulos dos capítulos, 5 ( ou 6?), propostos.

No entanto, em substância, afiguram-se, genericamente, poder ser estas as divisões adequadas à matéria em causa, desde que correctamente identificadas, podendo ter-se, também aqui, seguido o projecto de lei de 1995.

25. A fonte imediata, e fornecedora abundante, do projecto, é o articulado do projecto de lei n.º 1/V/95, como já anteriormente se fez menção.

No que diz respeito às fontes — mediatas — do projecto (Constituição da República Portuguesa, PIDCP, PIDESC, Lei n.º 4/71, entre outros), a Comissão é de parecer que as fontes que serviram de inspiração ao anterior projecto, e por reflexo, ao actual, são as adequadas e relevantes, realçando a expurgação de inconstitucionalidades da lei de 1971.

Com efeito, o articulado erradica os vícios de inconstitucionalidade da legislação actual. Há mesmo quem considere que esta lei de 1971 mantém uma vigência «pouco mais que formal» (Teles Pereira, A liberdade religiosa e as relações Igreja-Estado em Portugal nos anos noventa, Revista do Ministério Público, n.º 65, pág. 79)

Além disso, as soluções propostas procuram assegurar a conformidade dos preceitos com a letra e o espírito da Declaração Conjunta Luso-Chinesa Sobre a Questão de Macau, e bem assim da Lei Básica da futura Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China.

No entanto, cumpre referir que o projecto de lei procura algumas inovações, ao nível da letra, mas também do espírito, do articulado, que se não revelam, no entendimento da Comissão, como as mais adequadas.

26. Na óptica da eventual adequação do projecto à realidade social envolvente, a Comissão é de opinião que o articulado procura não enveredar por qualquer discriminação, designadamente negativa, de algum credo ou confissão. Esta, uma das traves mestras com a qual a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sempre concordou, como se pode verificar pelo parecer n.º 7/96, sobre articulado idêntico, ou parecido.

27. No que toca ao conteúdo, e conforme já adiantado, ele apresenta-se, na sua globalidade, com um cariz positivo — até porque idêntico juízo havia merecido o anterior projecto de lei — sem prejuízo das muitas sugestões adiante expressas.

Ou se a, e tal como o anterior projecto de lei que agora se procura reproduzir, pretende-se a prossecução de vários objectivos idóneos como sejam a actualização e localização da lei vigente.

28. À guisa de conclusão parcelar, a Comissão e, pelo exposto, de parecer favorável aos princípios gerais do projecto, sem prejuízo de, conforme acima referido, formular diversas sugestões, que justificam a apresentação de um articulado alternativo.

De seguida, procede-se à análise na especialidade, dando-se conta das objecções e consequentes sugestões de alteração.

 

V

NA ESPECIALIDADE

28. Artigo 1.º — (Âmbito de aplicação) cfr. Art. 1.º do articulado alternativo — Este artigo recorta o âmbito de aplicação pretendido para a futura lei. Precisa, no seu n.º 1, que se destina a regular a «liberdade das convicções religiosas e a liberdade de prática religiosa que não estejam reguladas por instrumentos de direito internacional vigentes.».

A sua fonte parece ser a do correspondente artigo 1.º do projecto de lei n.º 1/V/95. No entanto, ao proceder à alteração de terminologia, opera-se, salvo melhor opinião, também uma alteração conceptual.

Ora, pergunta-se se o que se deseja mesmo é a regulação da liberdade das «convicções religiosas», bem como a «liberdade de prática religiosa» não reguladas pelo direito internacional.

Quanto à primeira, afigura-se que o que se pretende regular é, não só a liberdade de ter convicção religiosa, mas também a de expressar essas convicções — a liberdade de culto.

Relativamente à segunda questão, esta liberdade, que é a de culto, acha-se garantida em documentos internacionais, mas em forma de princípios gerais. Significa isto que o proponente não quer a sua regulamentação por lei interna? Parece que não, pela leitura de outros preceitos adiante constantes no projecto.

A Comissão não acolhe a redacção proposta para o n.º 1, pelos motivos expostos, mas também por outros que a seguir se assinalam.

No n.º 2, que reproduz o mesmo número do anterior projecto (embora com a alteração de terminologia) , reforça-se a ideia da manutenção da aplicabilidade desses instrumentos de direito internacional.

O que havia no anterior projecto era, sim, uma referência quanto à matéria das confissões religiosas, pretendendo ressalvar, de forma expressa, a aplicabilidade de «instrumentos de direito internacional vigentes», ou seja, a Concordata com a Santa Sé (Vaticano) e o Acordo Missionário, nas partes que se hajam de considerar em vigor e não inconstitucionalizadas pela CRP.

No seio da Comissão, e tendo como pano de fundo a futura RAEM, foi, então, considerada inoportuna a consagração de tal ressalva, apesar da admissibilidade prevista na Lei Básica da continuidade dos instrumentos de direito internacional. A questão voltou a ser ponderada, sendo que a Comissão considerou, na altura, dever alterar-se o articulado suprimindo essas referências.

Na verdade, os instrumentos de direito internacional não necessitam, em rigor, de uma previsão expressa de manutenção, porquanto, revestindo a natureza de convenções internacionais, não poderão, face ao direito constitucional vigente, ser objecto de revogação por lei ordinária.

Ademais, tendo em atenção o posicionamento hierárquico de tais instrumentos no conjunto das fontes do direito, as normas internacionais gozam de primazia face à lei ordinária interna, ex vi, designadamente, do artigo 8.º, n.º 2, da CRP, (Cfr., entre outros, Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., págs. 86 e 87) vigente em Macau por recepção do artigo 2.º do EOM.

Ou seja, as normas da Concordata, e do Acordo Missionário, bem como as normas de qualquer tratado, convenção ou acordo sobre matérias de cariz religioso, prevalecerão sobre as normas -editadas sob a forma de lei.

As relações entre o Direito internacional e o Direito interno poderão, no entanto, alterar-se, quando deixar de vigorar a CRP, uma vez que, na Lei Básica da RAEM, se não prevê expressamente a recepção automática das convenções e acordos internacionais, nem se prevê o seu posicionamento hierárquica, embora esteja contemplada a possibilidade de os Acordos vigentes continuarem a vigorar (bem como a celebração de novos instrumentos) — artigo 138.º da LB.

É verdade que se poderia pensar em dar guarida expressa, se bem que meramente declarativa, às normas de direito internacional vigentes, em nome da certeza e da clareza jurídica, a exemplo de outros diplomas — entre vários outros, artigos 4.º e 5.º do Código Penal, artigo 6.º do Código Comercial.

No entanto, a discussão, em Comissão, levou a crer que não parece possível consensualizar, nesta matéria, uma redacção, pelo que se propõe eliminação do n.º 2.

E, por outro lado, como se deixou expresso, não é necessária.

Aliás, a informação de que se dispõe vai no sentido de, nem a Concordata, nem o Acordo Missionário, constarem do plano de continuidade dos instrumentos de direito internacional.

Em resumo, elimina-se o n.º 2, ao passo que o n.º 1 deverá referir a liberdade religiosa e de culto e as confissões religiosas em geral.

29. Artigo 2.º — (Liberdade de religião) — Este artigo reproduz, ipsis verbis, o n.º 1 do artigo 18.º do PIDCP.

A Comissão não deixa, naturalmente, de concordar com o seu conteúdo material. Todavia, tendo em atenção o preconizado artigo 6.º do projecto, não se alcança qualquer efeito útil nesta repetição de teor declarativo.

Ademais, e tendo por referência o anterior projecto de lei, desaparecem alguns normativos que, em opinião da Comissão, revestem importância e ajudam à harmonia do sistema da lei que se pretende aprovar.

Com efeito, não são contemplados preceitos como o que consagra, em geral, a inviolabilidade da liberdade religiosa.

Na verdade, apenas no artigo 7.º, subordinado a um âmbito de aplicação restrito à dimensão individual da liberdade de religião, parece poder descortinar-se esta regra de inviolabilidade (cfr., no entanto, o uso da expressão "liberdade das convicções religiosas").

Nesta conformidade, a Comissão propõe a substituição integral do preceito, porque não lhe vê utilidade, por um outro de epígrafe e teor diferente — e não repetitivo de outros dispositivos.

O texto pode ser consultado no articulado alternativo, apenas se deixando aqui as suas linhas gerais.

Assim, preconiza-se que tenha por objecto o reconhecimento e garantia da liberdade religiosa, bem como a expressão de que a liberdade religiosa é inviolável (conforme comando constitucional).

Por outro lado, acha-se mais conveniente colocar nesta sede, como n.º 3, a regra da não discriminação (no projecto, prevista, de forma sumida, no n.º 2 do artigo 3.º) , com ressalva expressa do direito à objecção de consciência.

30. Artigo 3.º — (Princípio da igualdade) cfr. Art. 4.º do articulado alternativo — Este preceito é verdadeiro espelho de um dos princípios estruturantes do nosso sistema jurídico e um dos três «princípios de base dos Direitos do Homem» (Karl J. Partsch, As Dimensões Internacionais dos Direitos do Homem, UNESCO, pág. 76)

Resulta dos artigos 13.º e 41.º, n.º 2 da CRP, bem como de diversos preceitos de direito internacional constantes do PIDCP, do PIDESC, da Declaração Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Baseadas na Religião ou Convicção.

Na óptica constitucional — que não apenas nela a liberdade religiosa consagrada significa que «é, necessariamente, uma igual liberdade religiosa» (Jónatas Machado, Liberdade Religiosa numa comunidade constitucional inclusiva, Coimbra, 1996, pág. 285), afirmando-se mesmo uma «íntima relação que se estabelece entre o princípio da igualdade e a ideia de liberdade religiosa» (idem, ibidem).

É, pois, um princípio ineliminável de um qualquer diploma sobre liberdade religiosa que se produza em Macau.

Aliás, vem igualmente formulado na Declaração Conjunta e na Lei Básica —artigo 251.º

O Bill of Rights de Hong Kong (e a Lei Básica) bem como a Constituição da RPC dão também, guarida, embora com formulações não totalmente coincidentes, a este princípio — artigos 1.º e 36.º respectivamente.

A Comissão concorda com a consagração desta regra, sugerindo, no entanto, algumas benfeitorias.

Assim, quanto ao número 1, a Comissão entende, porque mais esclarecedor e por uma questão de harmonização com outros preceitos, alterar a redacção para «são iguais perante a lei»; e, ainda, substituir a expressão «associações religiosas» por, «confissões religiosas», dado ser esta a expressão que tecnicamente é mais adequada (e abrangente de todas as corporizações institucionais religiosas).

Sobre o n.º 2, e conforme o que já anteriormente se assinalou, sugere-se a sua recolocação no artigo 3.º, e bem assim, a sua reformulação no sentido de o tornar mais abrangente e de mais acordo com os textos constitucionais, presente e futuro.

31. Artigo 4.º — (Princípio da separação entre o Governo e a religião) cfr. Art. 3.º do articulado alternativo — Este artigo, no seu número 1, consagra o princípio da separação entre o poder político e a religião, de acordo, aliás, com o se acha expressamente consagrado no artigo 41.º, n.º 4 da CRP.

Por conseguinte, a Comissão, sem prejuízo de um aditamento que entende propor, é de parecer favorável sobre este primeiro número, que é, afinal, um corolário estrutural do direito à liberdade religiosa e do princípio da igualdade (Jónatas Machado, primeira ob. cit., pág. 45)

No entanto, a Comissão deparou, como aquando da análise ao projecto correspondente da anterior Legislatura, com uma dificuldade formal e semântica no enunciado proposto. Com efeito, o articulado do projecto estipula «Este Território não…» Ora, a fórmula utilizada, ou uma similar e que se acha preferível a esta — «O Território de Macau não professa…» — poderia acarretar a necessidade de revisão da lei após 1999.

«Macau não professa…», utilizada no projecto de lei de 1995, como se viu em anterior parecer, também não colhe, dado que, «Macau», não é expressão recta de uma determinada pessoa jurídica, neste caso o Território de Macau.

Ciente da incorrecção, mas também ciente da dificuldade inerente à questão, designadamente no que toca à sobrevivência em bloco desta lei a 20 de Dezembro de 1999, a CACDLG, em parecer da passada Legislatura, chegou a considerar como alternativa possível, se bem que, reconhecidamente, não totalmente satisfatória, a fórmula «Em Macau, as pessoas colectivas públicas não professam…».

Tudo ponderado, a Comissão opta, ainda que consciente da não perfeição da solução, por «O Território de Macau não professa…».

Por outro lado, quer na epígrafe, quer no n.º 2, deverá desaparecer a referência ao «Governo», porque de todo inadequada, confundindo-se a entidade colectiva com um seu órgão, mero centro de imputação de vontades.

Quanto ao aditamento que se entende dever propor, e que é explicativo, é o de que «as suas (Território) relações com as confissões religiosas assentam no principio da separação».

No que tange ao número 2, que, por razões de encadeamento lógico do artigo, deveria ser colocado após a enunciação do princípio que vem prescrito no n.º 3 do projecto, a Comissão concorda com a filosofia que lhe subjaz.

Sugere-se, ainda, o aditamento da expressão «garantindo, ainda, o princípio da não ingerência».

No que respeita ao número 3, verdadeiro corolário do princípio da separação, e inspirado, designadamente, no artigo 41.º, n.º 4 da CRP e no artigo 128.º da Lei Básica, a Comissão manifesta a sua concordância com a consagração desta trave mestra da liberdade religiosa enquanto dimensão colectiva.

A redacção deste normativo deverá, no entanto, ser melhorada, nomeadamente pela adopção de preceito correspondente do anterior projecto de lei, evitando-se redundâncias. Deve ainda, conforme atrás se pontuou, passar para n.º 2.

32. Artigo 5.º — (Respeito pelo direito à reserva da intimidade) cfr. Art. 6.º do articulado alternativo — Este artigo sobre a reserva pessoal das convicções religiosas, é o resultado de várias normas vigentes, merecendo, pois, a concordância de princípio da Comissão.

Trata-se aqui, fundamentalmente, de uma delimitação de uma esfera intelectual e espiritual indevassável (Jónatas Machado, Liberdade cit., pág. 232).

Há, no entanto, algumas observações a formular.

Assim, a sua inserção sistemática não parece ser a mais adequada, porquanto, inserida em sede de princípios gerais, poderia levar um leitor menos atento a concluir que se aplica também às entidades religiosas colectivas — o que não é o caso…

Nesta conformidade, sugere-se, a exemplo de anteriores textos (projecto de 1995 e articulado alternativo) a sua inclusão no capítulo dedicado à dimensão individual da liberdade de religião. Veja-se neste mesmo sentido, no plano doutrinal, entre outros, Jónatas Machado, ob. anteriormente cit., idem).

Por outro lado, não se alcança a razão, menos ainda o benefício, do recorte mais fechado que é dado ao preceito, ao restringir esta garantia às perguntas efectuadas pelos «serviços públicos».

A Comissão prefere a manutenção do preceituado num único número, e não em dois distintos.

A epígrafe deverá perfilhar a de textos anteriores.

Finalmente, e tal como em anterior momento de análise de semelhante normativo, hesitou-se no que respeita à confidencialidade das operações censitárias, mas acabou por se concluir que, com idêntica redacção da CRP, o processamento confidencial dos dados estatísticos tem sido assegurado satisfatoriamente.

33. Artigo 6.º — (Liberdade das convicções) cfr. Art. 5.º do articulado alternativo - No que a este preceito diz respeito, a Comissão é de parecer favorável, concordando, no essencial, com o seu conteúdo, quase transcrito dos textos anteriores e, portanto, com redacção inspirada no artigo 3.º da lei vigente e no artigo 18.º do PIDCP.

Também o artigo 34.º da Lei Básica contém normativos semelhantes, como similares são aqueles que existem em Hong Kong, artigo 15.º, n.º 1 do BOR (para além, naturalmente, da Lei Básica) e, em alguma medida, no já citado preceito da Constituição da RPC.

No entanto, a epígrafe melhora, no entendimento da Comissão, se passar a «conteúdo» (da liberdade religiosa individual).

No que toca às várias alíneas que compõem o artigo, a Comissão concorda na generalidade, embora com alguns acertos de redacção que poderão ser melhor comparados mediante a leitura do articulado alternativo.

Por outro lado, a Comissão é de opinião que a liberdade de, em geral, «exprimir as suas convicções», deve constar de forma expressa, tal como constava do anterior projecto. Aliás, note-se que, no actual projecto de lei, inexiste alínea c)…

34. Artigo 7.º — (Ilimitabilidade da liberdade das convicções) cfr. Art. 2.º do articulado alternativo — A este respeito, remete-se para o que se afirmou a propósito do artigo 2.º do projecto de lei em apreciação.

Restará reafirmar que, com outra redacção, e com outra sistematização, o princípio inerente a este preceito se acha consagrado no articulado alternativo apresentado pela Comissão, no n.º 2 do artigo 2.º

35. Artigo 8.º — (Liberdade das práticas) cfr. Art. 9.º do articulado alternativo — Este artigo reproduz, quase ipsis verbis, o artigo 7.º do anterior projecto de lei. Limita-se, quase só, e sem que se vislumbre algum efeito útil nisso, a alterar a epígrafe — que, ali, era a seguinte: Direito de reunião e de manifestação.

Nesta conformidade, recorde-se o que então se escreveu sobre preceito similar.

O artigo pretende regular as especificidades das reuniões e manifestações religiosas, remetendo para a lei geral, ou seja a lei sobre o direito de reunião e manifestação aprovada por esta Assembleia na passada legislatura (Lei n.º 2/93/M, de 17 de Maio), todas as restantes situações que não aquelas outras.

O seu articulado teve várias fontes, nomeadamente o artigo 5.º da lei vigente, o artigo 45.º da CRP, os artigos 18.º e 21.º do PIDCP e os artigos 34.º e 27.º da Lei Básica.

O articulado apresenta-se, pois, na opinião da Comissão, equilibrado e adequado no tratamento especial dado a determinadas reuniões e manifestações de natureza religiosa, pelo que merece adesão, sem prejuízo de pequenas alterações.

A Comissão sugere a introdução, no número 3, de uma referência, para uma melhor clarificação, de «ou de outros locais a esse fim destinados».

Pense-se, a título meramente ilustrativo, nas casas mortuárias, nas capelas, etc..

Por outro lado, entende a comissão dever alterar a redacção do preceito substituindo, a seguir a templos ou lugares, «a elas especialmente destinados», por «afectos ao culto», por razões de melhor clareza e de melhor harmonização com o aditamento agora sugerido.

Finalmente, sugere-se a alteração da epígrafe, retomando a do anterior projecto, porque mais adequada.

36. Artigo 9.º — (Actividades de ensino de religião) cfr. Art. 10.º do articulado alternativo — Este artigo procura repescar o correspondente preceito do anterior projecto de lei que, sob a epígrafe «Liberdade de ensino e religião» tratava da matéria.

Este preceito regula uma questão sensível que sempre se coloca aquando do tratamento da liberdade de religião.

Os normativos propostos rompem com algumas das soluções da lei de 1971. Aliás, alguns desses preceitos acham-se mesmo inconstitucionalizados, designadamente os números 1 e 2 da base VII. Como elemento confirmativo, chame-se à colação o extenso Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 423/87. Por outro lado, uma das normas, o número 3 da base VII, achava-se já revogada pelo artigo 1886.º do Código Civil, com a redacção que lhe foi dada na reforma de 1977.

Alguns dos preceitos propostos tiveram por fonte — mediata — disposições constitucionais, o artigo 128.º da Lei Básica, e o artigo 18.º números 1 e 4 do PIDCP.

Sobre o conteúdo proposto, a Comissão concorda genericamente, considerando, no entanto, dever proceder a algumas alterações.

No que toca ao número 1, parece mais adequado tratar da liberdade de ensino no âmbito da respectiva confissão em outro preceito subordinado à formação dos crentes e dos ministros de culto.

Deve, sim, afirmar-se, enquanto princípio geral, a liberdade de aprender e de ensinar qualquer religião nos estabelecimentos de ensino — subordinada, no entanto, a algumas regras, que constam dos números seguintes.

No que respeita ao número 2, a Comissão considera dever introduzir-se, para um melhor esclarecimento do alcance do preceito, a consideração da capacidade, nomeadamente material, do estabelecimento em ministrar o ensino requerido de uma determinada religião.

Ou seja, parece ficar claro, sem bulir no propósito essencial do preceito, que um estabelecimento de ensino não se encontra obrigado a ministrar o ensino de determinada religião, por exemplo, — a pedido dos alunos, não sendo, por conseguinte, exigível ao poder público a inclusão nos programas escolares de determinada disciplina, designadamente de natureza religiosa Jónatas Machado, primeira ob. cit., pág. 32)

Esta posição havia já sido tomada no parecer n.º 7/96 da CACDLG.

Ainda, relativamente a este número, a Comissão, para enfatizar o significado da alteração trazida com o projecto, entende dever substituir-se «a pedido», por «o solicitarem».

Relativamente ao n.º 3, ele representa, tão só, a repetição de um princípio já estabelecido no Código Civil, conforme anteriormente se mencionou.

No que diz respeito ao número 4, a Comissão concorda com a estatuição desta presunção, atenta a natureza dos estabelecimentos de ensino em causa.

Cabe referir que, e tal como se deixou longamente expresso no parecer n.º 7/96 — da CACDLG, a redacção sugerida em nada e susceptível de violar qualquer preceito da Lei Básica. Aliás, o artigo 145.º da LB prevê o mecanismo adequado a evitar qualquer situação de desconformidade.

Mas, não menos cuidado deve ser posto na aferição da constitucionalidade do diploma em projecto com a CRP actualmente vigente. Em jeito de conclusão, a Comissão pronuncia-se favoravelmente quanto ao conteúdo deste artigo 9.º, sem prejuízo de colocar nele algumas alterações.

37. Artigo 10.º — (Utilização de meios de comunicação) cfr. Art. 16.º do articulado alternativo — Este artigo reproduz o artigo 14.º do outro projecto de lei, então com a epígrafe «Meios de comunicação social».

Verifica-se apenas, ao nível do conteúdo, a mudança de «confissões religiosas», expressão preterida por «associações religiosas»; não se vê utilidade nesta alteração, até porque uma interpretação mais restrita poderia levar a concluir que apenas as confissões sob a forma de associações disporiam deste direito…

Menção ainda para a sua nova colocação sistemática que, contudo, não convence a Comissão dos seus méritos.

Este preceito radica no número 5 do artigo 41.º da CRP e ainda da análise conjugada de diversos preceitos da Lei Básica.

A Comissão concorda, nos termos atrás expostos, com o articulado proposto.

38. Artigo 11.º — (Limites da Liberdade religiosa) cfr. Art. 11.º do articulado alternativo — o presente preceito, cuja fonte imediata foi o correspondente artigo 10.º do anterior projecto, que por sua vez se havia inspirado no artigo 8.º, número 1 da lei vigente, consagra expressamente limites à liberdade de religião.

A consagração de limites à liberdade de culto é inelutável, podendo apenas variar na sua quantidade e qualidade, bem como no conjunto de requisitos necessários para a correcta aposição de limites.

A Comissão concorda em geral com o conteúdo do artigo, e acha por bem colocar uma menção a «actos expressamente proibidos por lei».

Por outro lado, e como cautela que já hoje é exigida nos termos estatutários constitucionais vigentes, a Comissão sugere a introdução de um novo número 2 que estabeleça a não admissibilidade de restrições à liberdade de culto, senão nos casos previamente previstos na lei.

Entretanto, ponderou-se no decorrer da discussão, em Comissão, a possibilidade de, a exemplo do que fora sugerido anteriormente, introduzir um número a este artigo, com a seguinte redacção: «A liberdade de manifestar a sua religião ou as suas convicções só pode ser objecto de restrições previstas na lei e que sejam necessárias à protecção da segurança, da ordem e da saúde públicas ou da moral e das liberdades e direitos fundamentais de outrem».

Este número corresponde literalmente ao número três, do artigo 18.º do PIDCP.

Em seu favor argumenta-se, ainda, a necessidade de, nos termos do artigo 40.º da Lei Básica, e de uma interpretação que lhe é dada, verter em lei as disposições daquele Pacto. Ademais, só assim se compreenderia a eliminação do artigo 43.º do projecto da LB da RAEM.

Ora, o artigo 5.º, número 2, do PIDCP, bem como o artigo 5.º, número 2, da Resolução da Assembleia da República que estendeu o — referido instrumento de direito internacional a Macau, consagra a «cláusula do indivíduo mais favorecido» (Karel Vasak, Exame analítico dos direitos civis e políticos, em As Dimensões Internacionais dos Direitos do Homem, UNESCO, pág. 187; Karl J. Partsch, The contribution of Universal International Instrumentos em Human Rights, 1986, pág. 66).

Por conseguinte, esta norma, constante também do PIDESC e de outros instrumentos internacionais, está prevista para preservar todos os normativos, nomeadamente internos — anteriores, presentes ou futuros —, que protejam os direitos constantes do Pacto mais amplamente que as disposições do próprio Pacto (Paul Sieghart, The Internacional Protection of Human Rights, 1990, pág. 109; Jorge Miranda, Direito Internacional Público, Lisboa, 1991, págs. 378 e 379).

Aliás, a esta cláusula do indivíduo mais favorecido, se recorreu no Parecer n.º 1/93 da CACDLG, sobre a proposta de lei reguladora do exercício dos direitos de reunião e manifestação, que se viria a consubstanciar no primeiro diploma regulador de direitos fundamentais após a extensão a Macau do PIDCP.

Pelo exposto, torna-se necessário recorrer aos preceitos relevantes hoje vigentes.

Assim, para que as restrições se possam considerar legítimas, precisam, desde logo, e porque de direitos, liberdades e garantias se tratam, de estar conformes com o artigo 18.º da CRP (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit. págs. 148 e 149; Jorge Miranda, ob. cit., págs. 305 e segs.), o que não parece acontecer.

Por outro lado, e como atrás se referiu, está vedado ao legislador interno estabelecer mais restrições além das que vigoravam ao momento da entrada em vigor do PIDCP, ainda que a título de harmonização da lei interna com o mencionado Pacto Internacional.

Finalmente, no actual ordenamento jurídico, a «saúde pública» e a «segurança pública», do artigo 18.º, n.º 3 do PIDCP, afiguram-se, de per si, como limites não admissíveis ao exercício destes direitos (Jorge Miranda, ob, cit. págs. 269 e 270).

Concluída a discussão, a Comissão achou por bem não transpor este preceito para o articulado alternativo que apresenta ao Plenário.

39. Artigo 12.º — (Natureza religiosa) cfr. Art’ 12.º do articulado alternativo — A Comissão concorda com o primeiro enunciado do articulado proposto, que resulta já de uma redacção «pacífica», designadamente na doutrina (Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, pág. 408), e do número 1 da base XII, da lei vigente.

Veja-se, aliás, o correspondente artigo 11.º do anterior projecto de lei.

Por outro lado, a Comissão considera que se deve aditar menção aos institutos que, por certo, por lapso, não consta do projecto.

Finalmente, não se percebe bem por que razão deverá admitir-se a natureza religiosa daquelas entidades «cuja composição seja constituída por aqueles que professam uma determinada religião».

Com efeito, de duas uma, ou tal entidade é já considerada religiosa nos termos da primeira parte — e assim se justifica tal natureza, ou, se tal não acontecer, não será pelo mero facto de os membros de uma qualquer pessoa colectiva professarem uma determinada religião que essa entidade deva ter natureza religiosa — e consequente estatuto.

Pense-se, por exemplo, num clube desportivo patrocinado por uma confissão. Será que esse clube tem natureza religiosa? Parece que não.

40. Artigo 13.º — (Personalidade jurídica das associações religiosas) cfr. Art. 13.º do articulado alternativo — Este artigo corresponde ao preceito similar do anterior projecto de lei — artigo 12.º.

No que tange ao número 1, veja-se a influência do que está disposto na base IX, número 1, da lei vigente, e, na doutrina (Marcello Caetano, ob. e loc. cit.).

No entanto, a Comissão é de opinião que a solução para este problema deve ser a simplicidade. Nesta ordem de orientação, propõe-se que a matéria da personalidade jurídica deve reger-se, na medida do possível, pela lei geral das associações.

Adiante será proposto um preceito relativo ao registo das entidades religiosas.

No que respeita ao número 3, esta é, como em anterior parecer se referiu, a disposição meramente declarativa (Jorge Miranda, ob. cit. pág. 372); logo, em nada bulindo com a existência, de direito e de facto, de personalidade jurídica internacional da Santa Sé/Vaticano.

No seio da Comissão foram levantadas algumas reticências à sua manutenção, fundadas, designadamente, no ordenamento jurídico a vigorar depois de 19 de Dezembro de 1999, apesar da assumpção, que parece clara, feita pela Lei Básica, na parte final do seu artigo 134.º.

Por tal, e tendo presente o que atrás se escreveu a propósito do artigo 1.º, a Comissão considera a eliminação deste número 3.

41. Artigo 14.º — (Autonomia interna) cfr. Art. 15.º do articulado alternativo — Este preceito, que reproduz o artigo 13.º do anterior projecto, decorre directamente do princípio consagrado no artigo 4.º, tem como fontes a base XI da lei em vigor e o artigo 128.º da Lei Básica.

A este propósito se afirmou já que o «direito a uma igual liberdade religiosa, individual e colectiva, em conjunto com o princípio da separação das confissões religiosas do Estado, tem como consequência o reconhecimento de um direito à autodeterminação às confissões religiosas.» (Jónatas Machado, Liberdade cit., pág. 241).

A Comissão concorda, genericamente, com o articulado proposto, sugerindo apenas algumas supressões de carácter meramente formal, nomeadamente substituindo «associações religiosas» por «confissões religiosas».

Poderia ainda pensar-se em eliminar a referência a «após a aquisição de personalidade jurídica», dado tal menção parecer supérflua; no entanto, por razões de certeza jurídica, a Comissão entende deixar ficar a referência.

42. Artigo 15.º — (Relações internacionais) cfr. Art. 18.º do articulado alternativo — O presente preceito constitui uma reafirmação particular do princípio da autonomia das confissões religiosas, que encontra, aliás, guarida na Lei Básica da futura RAEM — artigos 128.º e 134.º.

No seio da Comissão, que concorda genericamente com o princípio proposto, foi novamente questionada a referência final, do preceito, ou seja, a personalidade jurídica internacional, apesar do que vem disposto na futura lei fundamental de Macau (Colectânea de perguntas e respostas relativas à Lei Básica de Macau, 1995, págs. 293 e 294).

A Comissão, ponderada a questão, e entendendo que não é à lei interna de um qualquer ordenamento jurídico que cabe decidir da existência (ou não) de personalidade jurídica internacional, considerou que tal menção se deveria manter. Ou seja, a existirem entidades destas, como parece claro que assim é, a previsão normativa não as deixa de fora; por outro lado, — se eventualmente inexistirem, não é pela norma que agora se preconiza que o estatuto de alguma organização religiosa sairá alterado…

No decurso das reuniões de Comissão realizadas, acordou-se a substituição da epígrafe, de «Relações de âmbito internacional» por «Relações de âmbito externo», a exemplo do que havia sucedido no parecer anterior.

A Comissão propõe, ainda, pequenas melhorias de redacção, bem como o aditamento, já constante na Lei Básica, de uma referência aos crentes individualmente considerados. De resto, igual proposta havia já sido feita a propósito do anterior projecto de lei.

Finalmente, emitiu-se uma opinião no sentido de eliminar a palavra «livremente».

Argumenta-se, em favor desta alteração, uma melhor convergência do preceito com a Lei Básica da futura RAEM. Explicitando, o artigo 133.º daquele documento estabelece que o relacionamento das «organizações religiosas da Região Administrativa Especial de Macau, por um lado, e as associações e organizações congéneres das outras regiões do País, por outro, é baseado nos princípios de não-subordinação e não-ingerência recíprocas e respeito mútuo.».

Daqui se retiraria que as relações externas das entidades religiosas sediadas em Macau teriam de ser levadas a efeito de acordo com os termos da lei (ou seja, — a Lei Básica), e, por outro lado, se essas relações fossem prosseguidas «livremente», então se haveria de concluir que a não-subordinação e, bem assim, a não-ingerência, poderiam ser afastadas em nome dessa mesma liberdade.

Entende-se, no entanto, que, na letra e no espírito das normas que aqui relevam, designadamente as relativas à autonomia das confissões religiosas, também na vertente externa das suas actividades, as confissões religiosas são livres, ou seja, podem manter e desenvolver livremente relações com outras entidades religiosas, escolhendo elas próprias os termos em que essas relações se desenrolam.

De todo o modo, note-se que o preceito da Lei Básica chamado à colação, só respeita às relações com as entidades religiosas da China e não a outras.

Na verdade, quanto às relações com entidades religiosas de fora da China, rege o artigo 134.º, que não prevê os aludidos princípios de não-subordinação e de não-ingerência.

Ora, não se divisa como poderá, actualmente, uma lei de Macau dispor diferentemente sobre relações com entidades religiosas da China por uma banda, e, por outra banda, sobre relações com as restantes entidades religiosas.

Nesta conformidade, e procurando obter uma base consensual de apoio tão alargada quanto possível, no seio da Comissão preconizou-se alterar a epígrafe do preceito, para «relações de âmbito internacional», dado que, após 19 de Dezembro de 1999, as relações com entidades religiosas da RPC seriam sim externas e já não de dole internacional.

Ficaria, assim, salvaguardado o artigo 133.º da Lei Básica, ou, por outras palavras, a lei de liberdade de religião não conflituaria com aquele artigo. Esta sugestão não foi, no entanto, considerada bastante.

Dado que, no rigor das coisas, a expressão pouco adiantará, para além de uma mensagem de realce da autonomia das entidades religiosas, sugere-se a eliminação da palavra «livremente».

Sugere-se a introdução de uma oração intercalar «sem prejuízo da sua autonomia», entre «podem» e «manter». Com esta alteração apenas se pretende vincar a autonomia das confissões religiosas no sentido de não ser legítimo aos poderes públicos dispor, no caso concreto, sobre o conteúdo da relação de uma confissão religiosa local com outra de fora de Macau, sendo certo que é a cada confissão religiosa que cabe densificar qual o grau de autonomia que pretende imprimir em cada relação com outras entidades religiosas.

Ponderou-se, ainda, a introdução de um número 2 que viesse estabelecer que a autonomia das entidades religiosas não poderia ser afectada pelas entidades de fora de Macau.

Ora, no entender da Comissão, uma norma deste teor, que visaria, em primeira linha, a defesa do valor «autonomia», acabava por, ela própria, constituir uma invasão da esfera de autonomia que se pretende consagrar — precisamente por dispor sobre corolários dessa mesma autonomia…

Ou seja, a autonomia das entidades religiosas deve ir ao ponto de, assim seja esse o desejo das entidades religiosas, como atrás se mencionou, admitir autolimitações a esse princípio.

De resto, são sobejamente conhecidos exemplos desta situação.

Exemplo multissecular de relações que assentam em regras de hierarquia é o da Igreja Católica, com o Papa no topo da universalidade das entidades católicas.

No que toca a Hong Kong, enquanto Região Administrativa Especial da RPC, foi já afirmada a ideia de a organização católica do vizinho território poder continuar a funcionar como ponte entre o Vaticano e a RPC, se bem que com algumas dúvidas, ou com diferentes tonalidades (Beatrice Leung, ob. cit., pág. 116).

Logo, as relações entre a Igreja Católica e o Vaticano não só se devem manter como, em alguma medida, se consideram necessárias.

Importa, aqui chegados, e tendo presente o real pano de fundo da questão, deixar bem claro que o (eventual) problema das relações livres da Igreja Católica local com o Vaticano não é uma questão que diga respeito à disciplina da liberdade religiosa (e por isso não cabem neste diploma), mas sim uma questão que envolve um plano diplomático de relações (ou falta delas) entre sujeitos de direito internacional.

Isto é, apenas a circunstância de inexistirem relações diplomáticas entre a RPC e o Estado do Vaticano — e corolários daí advenientes — parecem explicar determinadas reservas neste domínio.

Em síntese, ainda que possa não ser essa a intenção, o preceito se assim ficasse redigido, poderia inculcar uma ideia de limitação e ingerência nas regras internas da confissão católica.

43. Artigo 16.º — (Prestação de serviços sociais) — Este preceito pretende consagrar, por via de lei, uma dimensão social da actividade das confissões religiosas.

Sabe-se que nem todos os credos têm esta vocação de prestação de serviços sociais — como a criação de hospitais e instituições de previdência — e, por outra banda, a criação de escolas nem sempre é feita com esse espírito de apoio social.

Por outro lado, nos termos do artigo 14.º do projecto de lei, já se prevê a possibilidade de as entidades religiosas criarem instituições com outros fins específicos.

Nesta medida, não se vislumbra grande utilidade na consagração deste preceito, pelo que a Comissão não o acolheu no articulado alternativo.

No entanto, e dado que disposições similares constam da futura Lei Básica — 2.º parágrafo do artigo 128.º — a Comissão não vê inconveniente na sua aprovação, se o Plenário assim o entender.

44. Artigo 17.º — (Bens) cfr. Art. 19.º do articulado alternativo — Este artigo, inspirado na base XV da lei vigente e na parte final do artigo 128.º da Lei Básica, merece da Comissão a introdução de algumas alterações no plano formal.

Com efeito, a epígrafe deverá sofrer alteração porquanto o artigo dispõe da aquisição, alienação (e também, na proposta da Comissão, a oneração de bens), logo, para uma maior clareza, deve alterar-se neste sentido a epígrafe, não se limitando a um mero substantivo — bens.

Entretanto, a Comissão entende dever contemplar-se também a oneração, como resulta já do articulado vigente.

A redacção deverá ser alterada, para se ganhar em termos de técnica jurídica, na linha do articulado alternativo apresentado aquando da emissão de parecer sobre o anterior projecto de lei.

O n.º 2 não é claro, nem quanto ao regime, nem quanto ao fim visado, podendo mesmo proporcionar entorses interpretativos, pelo que se propõe a sua eliminação.

45. Artigo 18.º — (Formação dos ministros) cfr. Art. 21.º do articulado alternativo — o presente artigo trata de uma matéria pacífica, constante já da base XVI da lei de 1971, e consagrado no artigo 128.º da Lei Básica.

A Comissão concorda com o articulado proposto, considerando, no entanto, que se deve introduzir uma referência à formação dos fiéis ou crentes da confissão.

Por outro lado, e na esteira de anteriores preceitos, sugere-se a substituição da expressão «associações religiosas» por «confissões religiosas».

Quanto à matéria do número 2, a Comissão acolhe a sua doutrina, mas propõe a sua inclusão no artigo relativo ao sigilo religioso.

No número 3, prescreve-se o aditamento de uma excepção a legislação geral — preconizada no anterior articulado alternativo — e que se traduz na inexistência de poderes inspectivos por parte da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude.

46. Artigo 19.º — (Sigilo) cfr. Art. 22.º do articulado alternativo — Este preceito, que é inspirado na base XIX da lei vigente, reflecte entendimento secular e comummente reconhecido e respeitado.

A Comissão concorda com a redacção do articulado proposto, sugerindo o aditamento de «religioso» na epígrafe.

Propõe, como anteriormente se mencionou, a introdução de um preceito que estabeleça uma definição de ministros do culto.

Sugere-se, ainda, a substituição da expressão «múnus» por funções.

Finalmente, e em matéria de sistematização, a Comissão é de opinião que este preceito — e bem assim de um outro relativo à violação do segredo religioso, que adiante se proporá — constituam um capítulo autónomo.

47. Artigo 20.º — (Revogação) cfr. Art. 24.º do articulado alternativo — A Comissão considera que, sendo verdade que se deveria entender por revogado, dado que desenvolve bases da lei n.º 4/71, por uma questão de defesa da certeza jurídica, o preceito deverá incluir, no entanto, de forma expressa, a revogação do Decreto n.º 216/72, de 27 de Junho — pelo que concorda com o articulado proposto.

Idêntica solução vem preconizada no Anteprojecto actualmente em discussão em Portugal.

Propõe, no entanto, a divisão em alíneas distintas para cada um dos dois diplomas, devendo o prémio dizer: «São revogados».

48. Artigo 21.º — (Vigência) — A Comissão considera que deve ser eliminado porquanto, apenas quando existam razões ponderosas, deverá a regra geral de «vacatío legís» ser inobservada, o que, no caso presente, não se afigura suceder.

Nesta medida, o diploma entrará em vigor 5 dias após a sua publicação.

 

VI

ADITAMENTOS

49. Aditamentos — A Comissão, analisado o projecto, entende dever aditarem-se alguns novos artigos — 6 — que beneficiam o articulado final, e que importarão a necessária remuneração do articulado.

50. (Assistência a actos religiosos) Art. 7.º do articulado alternativo - Este preceito constituirá um corolário natural da chamada liberdade negativa de religião, ou seja, quem não professar determinada religião não pode ser obrigado por uma instituição pública a assistir a qualquer acto de culto de natureza religiosa, seja ela qual for.

Nesta medida, a Comissão propõe o seu aditamento como artigo 7.º, entre o preceito relativo à «reserva pessoal das convicções religiosas» e um outro novo sobre «assistência espiritual».

Preceito de teor idêntico constava já do anterior projecto de lei (ver o seu artigo 8.º).

A este propósito, a Comissão realça a não consagração de um preceito similar ao do número 2 da base VI, da Lei n.º 4/71, o que manifesta o contributo deste diploma na erradicação de inconstitucionalidades.

51. (Assistência espiritual) Art. 8.º do articulado alternativo — A Comissão entende dever aditar um novo artigo subordinado a esta matéria da assistência espiritual.

Preconiza-se que, de harmonia aliás com normativos já vigentes (por exemplo ao nível do EPC), os ministros do culto tenham, enquanto princípio geral, acesso aos hospitais, estabelecimentos prisionais para fins de assistência espiritual.

Aliás, esta assistência, para quem dela necessite, afirma-se mais desejada precisamente neste tipo de estabelecimentos. Naturalmente, esta assistência destina-se, apenas, para quem a pretender.

Este artigo seria colocado entre o novo artigo 7.º e o preceito respeitante ao direito de reunião e manifestação.

52. (Registo das confissões e demais entidades religiosas) Art. 14.º do articulado alternativo — A Comissão é de parecer que, atenta a inconstitucionalidade do sistema de reconhecimento hoje previsto (Jorge Miranda, ob. cit. pág. 374), haveria que encontrar um sucedâneo capaz. O articulado do projecto de lei não contempla, porém, a questão.

A Comissão mantém a sugestão preconizada da aplicação, comedida — ou seja, com as necessárias adaptações — das normas relativas ao direito de associação (Jorge Miranda, ob. cit., pág. 374; Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, pág. 572; Parecer da PGR n.º 171182).

Em conformidade, a Comissão propõe um novo artigo que será o 14.º, com a redacção que consta em anexo a este parecer, a colocar a seguir ao preceito que trata da personalidade jurídica das confissões religiosas.

53. (Períodos de emissão em serviços públicos de teledifusão) Art. 17.º do articulado alternativo — Atendendo a uma prática já hoje existente, bem como à desejabilidade de se assegurar o acesso, em condições de igualdade, aos serviços públicos de rádio e de televisão, a Comissão propõe um novo artigo.

Este novo preceito entraria a seguir ao artigo respeitante aos «Seios de comunicação social».

No decurso dos vários números, consagra-se o princípio de acesso e, entre outros, o respeito pelo princípio da igualdade.

54. (Lugares de culto) Art. 20.º do articulado alternativo — A Comissão considera que, por razões de clarificação, se deve introduzir um preceito, semelhante, na parte constitucionalmente aproveitável, à base XVII da lei vigente.

Ou seja, deve ficar expressamente consagrado o direito de manter, instalar e construir lugares destinados ao culto e actividades religiosas.

Deverá ser inserido a seguir ao artigo relativo à aquisição, alienação e oneração de bens, antes, portanto, do preceito sobre a formação dos ministros de culto.

55. (Violação do sigilo religioso) Art. 23.º do articulado alternativo — A Comissão é de parecer que, por uma questão de mera clarificação, deve introduzir-se um preceito que remeta expressamente para a lei penal a violação do sigilo religioso.

No caso concreto do Código Penal de 1995, para o artigo 189.º — Este novo preceito deverá ser inserido após o artigo que trata do sigilo religioso.

 

VII

OUTRAS QUESTÕES

56. Isenções fiscais — A Comissão ponderou a possibilidade de inserir regras sobre as isenções fiscais, bem como outras isenções, designadamente de emolumentos.

Esta solução é perfilhada no Anteprojecto da Lei da Liberdade Religiosa em Portugal, elaborado pela Comissão de Reforma desta lei — artigo 33.º

No entanto, considerou dever esta temática ser objecto de regulação em outro diploma, que se afigura mais adequado, ou seja, e como já assim sucede, no diploma sobre as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.

Por outro lado, nas diversas leis fiscais, tem vindo a Assembleia Legislativa a consagrar isenções fiscais, e sempre de um modo fiel ao princípio da igualdade das confissões. Esta preocupação é notória, mesmo em aspectos formais - nomeadamente, e diferente do que outrora sucedia, concedendo as isenções em alíneas comuns às várias confissões.

57. Articulado anexo — Por comodidade de referência, em anexo segue um articulado contendo todas as alterações sugeridas em virtude do presente parecer, designadamente os aditamentos, supressões e renumerações operadas.

 

VIII

CONCLUSÕES

58. Em conclusão, a CACDLG é de parecer que:

a) O projecto de lei reúne os requisitos para ser apreciado em Plenário; todavia, pelas razões expostas,

b) Deve fazer uso da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 131.º do Regimento, sugerindo ao Plenário a substituição por outro texto do projecto de lei na generalidade, e que consta em anexo.

Macau, aos 25 de Junho de 1998.

A Comissão, Jorge Neto Valente, Presidente — Chow Kam Fai, David — Hoi Sai Iun — Joaquim Morais Alves — Lau Cheok Va, Secretário.

 

 

ANEXO

TEXTO DE SUBSTITUIÇÃO NA GENERALIDADE

(Artigo 131.º , n.º 1, do Regimento)

Liberdade de Religião e de Culto

 

CAPÍTULO I

Princípios gerais

Artigo 1.º

(Âmbito de aplicação)

A presente lei regula a liberdade de religião e de culto e as confissões religiosas em geral.

 

Artigo 2.º

(Reconhecimento e garantia da liberdade de religião)

1. É reconhecida e garantida a liberdade de religião e de culto das pessoas e assegurada às confissões e demais entidades religiosas a protecção jurídica adequada.

2. A liberdade de religião é inviolável.

3. Ninguém pode ser prejudicado, perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos, por não professar qualquer religião, ou por causa das suas convicções ou práticas religiosas, salvo o direito à objecção de consciência, nos termos da lei.

 

Artigo 3.º

(Princípios da não confessionalidade e da separação)

1. O Território de Macau não professa qualquer religião e as suas relações com as confissões religiosas assentam no princípio da separação.

2. As confissões religiosas são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto.

3. O Território de Macau não interfere na organização das confissões religiosas e no exercício das suas funções e de culto, garantindo, ainda, o princípio da não ingerência.

 

Artigo 4.º

(Princípio da igualdade)

As confissões religiosas são iguais perante a lei.

 

CAPÍTULO II

Da liberdade de religião individual

Artigo 5.º

(Conteúdo)

A liberdade de religião compreende, nomeadamente, o direito a:

a) Ter ou não religião, mudar de confissão ou abandonar a que tinham, agir ou não em conformidade com as prescrições da confissão a que pertençam;

b) Exprimir as suas convicções;

c) Manifestar as suas convicções, separadamente ou em comum, em público ou privado;

d) Difundir, por qualquer meio, a doutrina da religião que professam sem prejuízo do disposto nos artigos 16.º e 17.º da presente lei;

e) Praticar os actos de culto e os ritos próprios da religião professada.

 

Artigo 6.º

(Reserva pessoal das convicções religiosas)

Ninguém pode ser perguntado àcerca das suas convicções ou práticas religiosas, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder.

 

Artigo 7.º

(Assistência a actos religiosos)

A assistência a actos de culto religioso, mesmo quando celebrados em estabelecimentos públicos, é sempre facultativa,

 

Artigo 8.º

(Assistência espiritual)

Os Ministros das confissões religiosas têm, nos termos da legislação aplicável, acesso aos hospitais, estabelecimentos prisionais, centros de acolhimento, asilos, e outros estabelecimentos similares para garantir a assistência espiritual.

 

Artigo 9.º

(Direito de reunião e de manifestação)

1. As pessoas podem reunir-se para a prática comunitária do culto ou para outros fins específicos da vida religiosa.

2. Não dependem de autorização prévia as reuniões mencionadas no número anterior e as manifestações da mesma natureza.

3. Não dependem de aviso prévio as reuniões mencionadas no número 1 deste artigo que se realizem dentro de templos ou lugares afectos ao culto, bem como a celebração dos ritos próprios dos actos fúnebres dentro dos cemitérios ou outros locais a esse fim destinados.

4. Nas restantes reuniões ou manifestações, designadamente as que utilizem locais públicos, aplicam-se, com as necessárias adaptações, as regras gerais sobre reuniões e manifestações.

 

Artigo 10.º

(Liberdade de ensino e de religião)

1. É garantida a liberdade de aprender e ensinar qualquer religião nos estabelecimentos de ensino, nos termos dos números seguintes.

2. O ensino de qualquer religião e sua moral será ministrado, nos estabelecimentos que para tal tenham capacidade, aos alunos cujos pais, ou quem detiver o exercício do poder paternal, o solicitarem.

3. Os alunos com idade igual ou superior aos 16 anos podem exercer eles próprios o direito referido no número anterior.

4. A inscrição em estabelecimentos de ensino mantidos por confissões religiosas implica a presunção da aceitação do ensino da religião e moral por elas adoptadas, salvo declaração em contrário das pessoas referidas nos números 2 e 3 deste artigo consoante os casos.

 

Artigo 11.º

(Âmbito e sentido da liberdade de culto)

1. Ninguém pode invocar a liberdade de culto para a prática de actos que sejam incompatíveis com a vida, a integridade física e moral, a dignidade das pessoas bem como outros actos que sejam expressamente proibidos por lei.

2. Não pode haver restrições à liberdade de culto senão nos casos previamente previstos na lei.

 

CAPÍTULO III

Das confissões religiosas

Artigo 12.º

(Natureza religiosa)

São consideradas religiosas as associações e institutos constituídos com o fim principal da divulgação e sustentação do culto de uma confissão religiosa ou de qualquer actividade especificamente religiosa.

 

Artigo 13.º

(Personalidade jurídica das confissões religiosas)

A aquisição e perda de personalidade jurídica regem-se pela lei geral aplicável às associações.

 

Artigo 14.º

(Registo das confissões e demais entidades religiosas)

1. Às confissões e demais entidades religiosas aplicam-se, com as necessárias adaptações, e sem prejuízo do respeito pelas regras privativas de organização das confissões e entidades religiosas, as normas relativas ao direito de associação, designadamente para efeitos do competente registo.

2. O registo é efectuado junto dos Serviços de Identificação de Macau.

 

Artigo 15.º

(Autonomia interna)

1. As confissões religiosas, após a aquisição de personalidade, podem organizar-se de harmonia com as suas normas internas e administram-se livremente dentro dos limites da lei.

2. Às confissões religiosas previstas no número anterior é permitido formar, dentro de cada uma delas e entre si, associações, institutos ou fundações, dotados ou não de personalidade jurídica, destinados a assegurar o exercício do culto ou a prossecução de outros fins específicos.

 

Artigo 16.º

(Meios de comunicação social)

As confissões religiosas podem criar e utilizar meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades.

 

Artigo 17.º

(Períodos de emissão em serviços públicos de teledifusão)

1. As confissões religiosas podem solicitar aos serviços públicos de rádio e teledifusão, períodos de emissão para a difusão da respectiva doutrina.

2. A decisão quanto à faculdade referida no número anterior e os aspectos ligados à sua duração e horário de transmissão são da exclusiva competência dos órgãos responsáveis pela direcção das empresas de teledifusão e de telecomunicações.

3. A cedência de espaços ou períodos de emissão, a que se refere o número 1 deste artigo, é feita no respeito pelo princípio da igualdade e restantes disposições da presente lei.

 

Artigo 18.º

(Relações de âmbito externo)

As confissões religiosas podem, sem prejuízo da sua autonomia, manter e desenvolver relações com crentes e outras entidades religiosas de fora de Macau, bem como com confissões e organizações religiosas dotadas de personalidade jurídica internacional.

 

Artigo 19.º

(Aquisição, alienação e oneração de bens)

A aquisição pelas confissões religiosas, a título gratuito ou oneroso, dos bens necessários aos seus fins, bem como a alienação ou oneração de quaisquer bens faz-se nos termos da lei geral, sem necessidade de autorização prévia.

 

Artigo 20.º

(Lugares de culto)

As confissões religiosas têm o direito de, nos termos gerais, manter, instalar e construir templos e outros recintos destinados à prática dos respectivos cultos e actividades religiosas.

 

Artigo 21.º

(Formação dos crentes e ministros de culto)

1. As confissões religiosas têm o direito de assegurar a formação de crentes e dos ministros do respectivo culto, podendo criar e gerir os estabelecimentos adequados a esse fim.

2. Os estabelecimentos referidos no número anterior estão sujeitos ao respeito da legislação geral referente aos estabelecimentos de ensino não público, com excepção, dos poderes de inspecção da Direcção dos Serviços de Educação.

 

CAPÍTULO IV

Do sigilo religioso

Artigo 22.º

(Sigilo religioso)

1. Os ministros de qualquer religião ou confissão religiosa devem guardar segredo sobre todos os factos que lhes tenham sido confiados ou de que tenham tomado conhecimento em razão e no exercício das suas funções, não podendo ser inquiridos sobre eles.

2. A obrigação do sigilo persiste ainda que o ministro tenha cessado de exercer as suas funções.

3. Consideram-se ministros da religião ou da confissão religiosa aqueles que, de harmonia com a organização respectiva, exerçam sobre os crentes qualquer espécie de jurisdição.

 

Artigo 23.º

(Violação do sigilo religioso)

A violação do sigilo religioso é punida com a pena prevista no artigo 189.º do Código Penal, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.

 

Artigo 24.º

(Revogações)

São revogados:

a) A Lei n.º 4/71, de 21 de Agosto, tornada extensiva a Macau pela Portaria n.º 14/74, de 10 de Janeiro.

b) O Decreto-Lei n.º 216/72, de 27 de Junho, tornado extensivo a Macau pela Portaria n.º 504/74, de 31 de Agosto.

2. O registo é efectuado junto dos serviços competentes.