Projecto de lei n.º 11/VI/97 *

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A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 31.º do Estatuto Orgânico de Macau, para valer como lei, o seguinte:

 

Alterações à Lei da Imigração Clandestina

 

Artigo 1.º

(Alterações)

Os artigos 4.º e 11.º a 13.º da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio, com a nova redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 11/96/M, de 12 de Fevereiro, passam a ter a seguinte redacção:

 

Artigo 4.º

(Ordem de expulsão)

1. ...........................................................................

2. ...........................................................................

3. Na fixação dos prazos previstos no número anterior devem ser considerados os prazos de procedimento processual, designadamente para os efeitos do artigo 2.º da Lei n.º …/97/M, de … de …………… .

4. Compete à Polícia de Segurança Pública executar a ordem de expulsão.

 

Artigo 11.º

(Falsificação de documentos)

1. ...........................................................................

2. ...........................................................................

3. Quem usar ou possuir qualquer dos documentos falsos referidos nos números anteriores é punido com pena de prisão até 3 anos.

* Os proponentes: os Deputados Rui Afonso, Kou Hoi In, Liu Yuk Lun, Ng Kuok Cheong, Raimundo Rosário.

 

Artigo 12.º

(Falsas declarações sobre a identidade)

1. Quem, com a intenção de se eximir aos efeitos da presente lei, declarar ou atestar falsamente, perante autoridade pública ou funcionário no exercício das suas funções, identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão até 3 anos.

2. ...........................................................................

 

Artigo 13.º

(Uso ou posse de documento alheio)

Quem, com a intenção de frustar os efeitos da presente lei, usar ou possuir como próprio, ou ceder para uso ou posse de terceiro, bilhete de identidade ou outro documento autêntico que sirva para certificar a identidade, o passaporte ou outros documentos de viagem, bem como qualquer dos documentos legalmente exigidos para a entrada e permanência ou os que certifiquem a autorização de residência em Macau, é punido com pena de prisão até 3 anos.

 

Artigo 2.º

(Processo sumário)

São julgados em processo sumário, verificados os demais requisitos previstos no artigo 362.º do Código de Processo Penal, os detidos:

a) Pela prática em cumulação de crimes previstos na Lei n.º 2/90/M puníveis com pena de prisão de limite máximo não superiora 3 anos;

b) Pela prática de crimes puníveis com pena de prisão de limite máximo não superior a 3 anos em cumulação com a prática de qualquer dos crimes referidos na alínea anterior.

 

Artigo 3.º

(Entrada em vigor)

O disposto nesta lei é aplicável aos processos pendentes.

 

Aprovada em de de 1997.

A Presidente da Assembleia Legislativa.

Promulgada em de de 1997.

Publique-se.

O Governador.

 


 

Exposição de motivos

 

1. Durante os trabalhos preparatórios de elaboração do projecto de lei que visa regulamentar a criminalidade organizada, foi por diversas vezes referida na Comissão de Administração, Educação e Segurança a inadequação de alguns preceitos da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio — Lei da Imigração Clandestina — à realidade que visa regular, no âmbito da política de migração definida para o Território.

Entre os aspectos que se considera merecerem reflexão, regista-se a necessidade de actualização de preceitos de natureza substantiva e adjectiva, tendo em vista (a) uma mais adequada reacção penal à menor gravidade de algumas infracções, (b) a clarificação de aspectos processuais relativos à detenção para execução da medida de expulsão de indivíduos em situação de clandestinidade, (c) bem como do próprio processo de expulsão e (d) a adopção de um processo mais célere de julgamento de alguns dos crimes previstos na referida lei.

2. No que respeita ao prazo limite de detenção de indivíduos encontrados em situação de clandestinidade, fixado no artigo 3.º da Lei n.º 2/90/M, em 48 horas, tendo em atenção o limite constitucional imposto para a prisão preventiva sem culpa formada, o Executivo considera-o em certos casos curto para proceder à recolha de informações, bem como para executar a medida de expulsão, quando o local de destino do indivíduo sujeito à medida expulsiva não tem com o Território relação de proximidade espacial ou facilidade de comunicações que permitam a sua execução atempada.

Caracterizando-se como o período de privação de liberdade entre o momento da aplicação da medida detentiva e a sua validação judicial, a libertação do suspeito ou a execução da ordem de expulsão, a detenção prevista no artigo 3.º está sujeita ao limite temporal fixado para a prisão preventiva sem culpa formada, pois tratando-se de uma restrição ao direito à liberdade, beneficia dos princípios que limitam as restrições impostas aos direitos liberdades e garantias.

Nesta medida, a detenção está sujeita desde logo ao principio da proporcionalidade e da necessidade, atento o seu carácter excepcional que decorre, designadamente do princípio da liberdade e do princípio da presunção da inocência.

Tendo subjacente a preocupação de limitar ao máximo a privação do direito à liberdade por via administrativa, especialmente policial, a legislação processual penal vigente prevê expressamente a faculdade de intervenção do Juiz de Instrução Criminal nos processos administrativos referidos no artigo 4.º da Lei n.º 2/90/M, quando o prazo de detenção para expulsão seja superior a 48 horas, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 186.º do Código de Processo Penal.

Os subscritores deste projecto de lei entendem assim não ser necessária qualquer intervenção legislativa em matéria de prazo de detenção, o qual, atentos os limites constitucionais aplicáveis, nunca poderia prolongar-se para além das 48 horas sem validação judicial.

Constata-se sim a necessidade de conjugação dos prazos de julgamento com o prazo de execução da ordem de expulsão, matéria contemplada na redacção proposta para o novo n.º 3 do artigo 4.º

3. Outra matéria que mereceu a ponderação dos proponentes diz respeito à procura de uma justa reacção penal à prática de crimes previstos na Lei n.º 2/90/M, que se considera assumirem menor gravidade.

A exiguidade do Território de Macau e a sua elevada densidade populacional, justificam uma política de migração atenta e preocupada com questões de estabilidade, eminentemente nas suas vertentes económica e social, que assumem especial relevância e se reflectem, designadamente no enquadramento penal particularmente gravoso, fixado na Lei da Imigração Clandestina, para os crimes relacionados com a temática da migração.

No entanto, se algumas das condutas aí previstas e punidas atentam directa ou indirectamente contra bens jurídicos que merecem a tutela severa do direito penal, outras há que, representando esse perigo de uma forma muito remota e, não comportando uma censurabilidade ético-social relevante, se consideram excessivamente gravosas.

Atente-se na moldura penal fixada para os crimes de uso de documentos falsos (artigo 11.º n.º 3) prestação de falsas declarações sobre a identidade (artigo 12.º) e uso ou posse de documento alheio (artigo 13.º), de 2 a 8 anos de prisão.

É idêntica à moldura penal prevista no Código Penal, por exemplo, para os crimes de homicídio privilegiado (artigo 130.º), aborto (artigo 136.º), coacção sexual (artigo 158.º), lenocínio agravado (artigo 164.º), extorsão (artigo 215.º) e tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos (artigo 234.º).

Tem-se todavia a clara percepção que as condutas mencionadas no primeiro caso, assentam em pressupostos que só marginalmente se podem ligar à prossecução de actividades criminosas.

Tais condutas têm como finalidade facilitar a entrada e permanência no Território dos seus autores que aqui pretendem exercer actividade profissional capaz de lhes garantir melhores condições económicas ou os indispensáveis meios de subsistência.

Embora a Lei n.º 2/90/M não criminalize a imigração clandestina, a violação da proibição de reentrada no Território, é punida com pena de prisão até 1 ano, por força do n.º 1 do seu artigo 14.º.

Com o objectivo de iludir o controlo das autoridades sobre a violação de reentrada no Território, é frequente o recurso à prática, cumulativa ou não, dos crimes previstos no n.º 3 do artigo 11.º, ou nos artigos 12.º e 13.º.

Reconhece-se que a censurabilidade de tais condutas, suavizada pelo estado de necessidade que tantas vezes lhe está subjacente, será necessariamente inferior à que corresponde à violação de bens jurídicos relevantes como a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e auto determinação sexuais, o património, a humanidade, nos exemplos atrás mencionados, justificando-se pois no entender dos proponentes, reacções penais abstractamente diferentes.

A severidade das molduras penais fixadas para os crimes em apreço tem tido como contraponto o papel moderador exercido pelos órgãos judiciais.

Constata-se que na determinação da medida da pena, ao valor a conduta do agente, tendo em atenção os factores culpa e prevenção criminal, o tribunal tem exercido uma função de certa forma «correctora» do rigor excessivo das molduras penais fixadas.

Assim, aproveitando a formulação ampla que é dada às circunstâncias susceptíveis de diminuir a ilicitude do acto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, o magistrado lançando mão desses factores, tem aplicado penas significativamente brandas quando se atenta nos limites mínimo e máximo fixados pelo legislador.

Entendem assim os subscritores deste projecto justificar-se uma diminuição das molduras penais aplicáveis aos crimes supramencionados, propondo-se que o limite máximo das penas de prisão seja fixado em 3 anos.

4. Os signatários do presente projecto de lei, debruçaram-se ainda sobre uma matéria que tem vindo a ser apontada como uma das causas do congestionamento dos Tribunais de Macau: a forma processual comum prevista para o julgamento dos crimes previstos na Lei n.º 2/90/M, a que se tem vindo a fazer referência.

Tem-se presente a observação feita nas sessões de trabalho sobre a revisão da Lei n.º 1/78/M, de 4 de Fevereiro, de que cerca de 60% dos julgamentos em Tribunais de Macau dizem respeito à imigração clandestina.

Os factores que determinam a forma de processo a utilizar estão fixados no artigo 362.º do Código de Processo Penal e conta-se entre eles a dosimetria penal aplicável ao crime.

Neste domínio, determina o n.º 1 da referida norma, que o crime deve ser punível com pena de prisão de limite máximo não superior a 3 anos.

Actualmente, a moldura penal abstractamente aplicável aos casos em apreço é, com excepção do crime previsto no artigo 14.º, superior a esse limite.

Pretende-se com a presente iniciativa legislativa, o desagravamento dessas penas, baixando o seu limite máximo para 3 anos de prisão o que, verificando-se os demais requisitos previstos no artigo 362.º do CPP apontaria para a aplicação do processo sumário.

A tramitação simplificada desta forma de processo permitiria um tratamento mais célere destes casos, sem prejuízo para as garantias de defesa do arguido.

Contudo, foi-nos confirmado que estes crimes raramente aparecem isolados.

A violação da proibição de reentrada no Território está frequentemente, senão sempre, associada à prática de pelo menos um dos crimes previstos nos artigos 11.º, n.º 3 , 12.º e 13.º, pelo que a diminuição individual das molduras penais fixadas, não alteraria a forma de processo a final aplicável.

Assim sendo, justifica-se no entender dos subscritores do projecto de lei, o estabelecimento de uma regra especial que defina para estes casos, bem como para outros crimes, menos graves, cometidos por agentes que se encontram numa situação próxima do estado de necessidade, como se entende, ser a dos imigrantes clandestinos, a aplicação da forma processual sumária.

Anote-se que a aplicação da forma sumária a estes processos, daria ao arguido a possibilidade de se defender na audiência, a ter lugar nas 48 horas posteriores à detenção, direito que não exerce habitualmente, tendo em conta que o seu julgamento, seguindo o processo comum, é bastante mais moroso, desenrolando-se normal e necessariamente à revelia.

5. A alteração das penas agora propostas, não significa qualquer menor juízo de reprobabilidade quanto ao fenómeno da imigração clandestina e os crimes com a mesma conexionados.

A imigração clandestina deve continuar a ser combatida e a lei que a proíbe a ser cumprida.

O que se pretende é que os imigrantes clandestinos sejam julgados quando os seus crimes são descobertos, ainda antes da sua expulsão, e não na sua ausência, como actualmente acontece, de modo a tomarem consciência de que na perspectiva das autoridades de Macau os seus comportamentos são censuráveis.

Crê a Comissão que, deste modo, a aplicação de penas com os arguidos presentes a julgamento constituirá um factor preventivo do maior impacto no sentido da não repetição de novas tentativas de imigração clandestina.