(Propostas de substituição)

Projecto de lei n.º 8/VI/97

Lei da criminalidade organizada

 

A Assembleia Legislativa decreta, nos termos das alíneas a) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 31.º do Estatuto Orgânico de Macau, para valer como lei, o seguinte:

 

CAPÍTULO I

Disposições penais

 

SECÇÃO I

Associação ou sociedade secreta

 

Artigo 1.º

(Crime de associação ou sociedade secreta)

1. Quem promover ou fundar uma associação ou sociedade secreta, quem dela faça parte ou quem a apoie, nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, guarda ou locais para as reuniões, angariando subscrições, exigindo ou concedendo fundos ou qualquer auxílio para que se recrutem novos membros, designadamente, aliciando ou fazendo propaganda, é punido com pena de prisão de 5 a 12 anos.

2. Quem exercer funções de direcção ou chefia em qualquer grau, é punido com pena de prisão de 8 a 15 anos.

3. A pena prevista no n.º 1 é agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se o recrutamento, o aliciamento, a propaganda ou a exigência de fundos se dirigirem a menores de 18 anos.

4. Se os crimes previstos nos números anteriores forem praticados por fun-cionário, as respectivas penas são agravadas de um terço nos seus limites mínimos e máximos.

 

Artigo 2.º

(Definição de associação ou sociedade secreta)

1. Para efeitos do disposto na presente lei, considera-se associação ou sociedade secreta a organização clandestina ou legalmente constituída, quando os que dela fazem parte se aproveitem da força de intimidação do vínculo associativo, da sujeição ou da regra de silêncio que dele derivam, para obter benefícios ou vantagens ilícitas, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação e para a prática, cumulativa ou não, designadamente, dos seguintes ilícitos:

a) Homicídio e ofensas à integridade física;

b) Sequestro, rapto e tráfico internacional de pessoas;

c) Ameaça, coacção e extorsão a pretexto de protecção;

d) Exploração de prostituição, lenocínio e lenocínio de menores;

e) Usura criminosa;

f) Furto, roubo e dano;

g) Aliciamento e auxílio à migração clandestina;

h) Exploração ilícita de jogo ou de lotarias e apostas mútuas, e cartei ilícito para jogo;

i) Ilícitos relacionados com corridas de animais;

j) Usura para jogo;

l) Importação, exportação, compra, venda, fabrico, uso, porte e detenção de armas e de munições proibidas e substâncias explosivas ou incendiárias, ou ainda quaisquer engenhos ou artefactos adequados à prática dos crimes a que se referem os artigos 264.º e 265.º do Código Penal;

m) Ilícitos eleitorais e de recenseamento;

n) Especulação sobre títulos de transporte;

o) Falsificação de moeda, de títulos de crédito, de cartões de crédito e de documentos de identificação e de viagem;

p) Corrupção activa;

q) Extorsão de documento;

r) Retenção indevida de documentos de identificação e de viagem;

s) Abuso de cartão de garantia ou de crédito;

t) Operações de comércio externo fora dos locais autorizados;

u) Conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos;

v) Posse ilegal de meios técnicos susceptíveis de intromissão activa ou passiva nas comunicações das forças e serviços policiais ou de segurança.

2. Para a existência da associação ou sociedade secreta referida no número anterior não énecessário:

a) Que tenha sede ou lugar determinado para reuniões;

b) Que os membros se conheçam entre si e se reunam periodicamente;

c) Que tenha comando, direcção ou hierarquia organizada que lhe dê unidade e impulso;

d) Que tenha convenção escrita reguladora da sua constituição ou actividade, ou da distribuição dos seus lucros ou encargos.

 

Artigo 3.º

(Indícios probatórios)

1. Constitui indício da existência de uma associação ou sociedade secreta a conjugação de esforços e vontades que se dirija à prática reiterada dos ilícitos constantes do n.º 1 do artigo anterior.

2. Constituem indícios da qualidade de membro de uma associação ou socie-dade secreta os seguintes factos:

a) A prática dos ilícitos previstos e punidos na presente lei, com excepção dos referidos no n.º 1 do artigo 14.º e nos artigos 15.º e 16.º;

b) A invocação pelo próprio da qualidade de membro, filiado ou patrocinador de associação ou sociedade secreta, por atitudes, palavras ou actos adequados a criarem a convicção de tal qualidade;

c) A guarda ou o controlo de livros, extractos de livros ou contas de associação ou sociedade secreta, de relação de membros ou de traje especificamente adequado às cerimónias rituais da associação ou sociedade;

d) A participação em cerimónias rituais de associação ou sociedade secreta;

e) A participação em reuniões de associação ou sociedade secreta;

f) A utilização de senhas ou códigos de qualquer natureza, característicos de associação ou sociedade secreta;

g) A detenção de armas e munições proibidas e de armas e munições permitidas sem a competente licença ou autorização legal;

i) O exercício ilegal de funções de segurança privada;

j) Os constantes de registo criminal proveniente de entidades competentes de outros países ou territórios;

l) A posse não justificada de património manifestamente desproporcional aos rendimentos expectáveis das actividades profissionais ou económicas desenvolvidas, quando conjugada com a verificação de indício constante de qualquer das alíneas anteriores.

3. Constitui indício do exercício de funções de direcção ou de chefia o uso por membro de associação ou sociedade secreta de designações, numerais ou títulos característicos daquelas funções.

 

SECÇÃO II

Outros crimes em especial

 

Artigo 4.º

(Homicídio especialmente qualificado)

O homicídio praticado por dois ou mais agentes, actuando concertadamente, com armas ou outros meios especialmente perigosos, ainda que não se prove a relação de pertença a uma associação ou sociedade secreta, é punido com a pena prevista no n.º 1 do artigo 129.º do Código Penal.

 

Artigo 5.º

(Ofensa à integridade física especialmente qualificada)

A ofensa à integridade física praticada por dois ou mais agentes, actuando concertadamente, com armas ou outros meios que possam pôr em risco a vida ou a saúde do ofendido, ainda que não se prove a relação de pertença a uma associação ou sociedade secreta, é susceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade do agente, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 140.º do Código Penal.

 

Artigo 6.º

(Sequestro e rapto especialmente qualificados)

O sequestro e o rapto praticados por dois ou mais agentes, actuando concer-tadamente, ainda que não se prove a relação de pertença a uma associação ou sociedade secreta, são punidos, se outra pena mais grave não lhes couber, com as penas previstas, respectivamente, no n.º 2 do artigo 152.º e no n.º 2 do artigo 154.º do Código Penal.

 

Artigo 7.º

(Extorsão a pretexto de protecção)

1. Quem propuser protecção a pessoas ou bens, em nome de uma associação ou sociedade secreta, ou invocando esta e mediante ameaça de represálias contra pessoas ou bens, com o propósito de obter vantagens patrimoniais ou outras, é punido com a pena de prisão de 2 a 10 anos.

2. Na mesma pena incorre quem, em nome de uma associação ou sociedade secreta, ou invocando esta e mediante ameaça de represálias contra pessoas ou bens, fizer exigência de contrapartida para a obtenção de emprego, abertura de estabelecimento ou prática de actividade rendosa.

3. Os crimes previstos nos números anteriores verificam-se ainda que a ameaça de represálias, o pedido de remuneração ou a invocação da associação ou sociedade secreta não sejam feitos declaradamente, desde que o sejam por modo a que razoavelmente os façam pressupor no espírito do ofendido.

4. Se tais represálias forem efectuadas, o agente é punido, em acumulação material com a pena do n.º 1, com a pena de prisão de 2 a 10 anos, se pena mais grave lhe não couber.

 

Artigo 8.º

(Invocação de pertença a associação ou sociedade secreta)

1. Quem invocar relação de pertença a associação ou sociedade secreta ou ligação a elementos destas, ou razoavelmente fizer pressupor tal pertença ou ligação, de forma a provocar medo ou inquietação noutra pessoa ou prejudicar a sua liberdade de determinação, designadamente constrangendo-a a uma acção ou a uma omissão ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

2. Se na coacção prevista no número anterior se verificar o requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo 149.º do Código Penal, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 5 anos.

 

Artigo 9.º

(Retenção indevida de documento)

Quem, com intenção de obter para si ou para outrem benefício ilegítimo, de causar prejuízo a outra pessoa ou de a constranger a uma acção ou omissão ou a suportar uma actividade, retiver documento de identificação ou de viagem alheios, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

 

Artigo 10.º

(Cartel ilícito para jogo)

Quem, de forma concertada, controlar, orientar ou, por qualquer forma, manipular ou viciar jogo de fortuna ou azar ou a distribuição de prémio, dividendo ou equivalente, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

 

Artigo 11.º

(Conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos)

1. Quem, sem prejuízo do disposto nos artigos 227.º e 228.º do Código Penal, sabendo que os bens ou produtos são provenientes da prática de crime:

a) Converter, transferir, auxiliar ou por qualquer meio facilitar alguma operação de conversão ou transferência desses bens ou produtos, no todo ou em parte, directa ou indirectamente, com o fim de ocultar ou dissimular a sua origem ilícita ou de auxiliar uma pessoa implicada na prática de crime a eximirse às consequências jurídicas dos seus actos, é punido com pena de prisão de 5 a 12 anos;

b) Ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação, propriedade desses bens ou produtos ou de direitos a eles relativos, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos;

c) Os adquirir ou receber a qualquer título, utilizar, deter ou conservar, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

2. A punição pelos crimes previstos no número anterior tem lugar ainda que a prática dos crimes de que resultam os referidos bens ou produtos haja ocorrido fora do território de Macau.

3. A punição pelos crimes previstos no n.º 1 não excederá a aplicável às correspondentes infracções que deram origem aos bens ou produtos.

4. Quando os crimes previstos no nº 1 forem praticados por pessoa colectiva, a pena é de multa até 600 dias.

 

Artigo 12.º

(Armas e material inflamável)

Consideram-se preenchidos os tipos dos crimes previstos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 262.º do Código Penal quando as condutas disserem respeito a substância ou material inflamável.

 

Artigo 13.º

(Tráfico internacional de pessoas)

1. Quem, para satisfazer interesses de outrem, angariar, aliciar, seduzir ou desviar pessoa para a prática de prostituição noutro país ou território, ainda que os diversos actos constitutivos da infracção tenham sido praticados em países ou territórios diferentes, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

2. A pena prevista no número anterior é agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo quando o ilícito incidir sobre menores.

3. Tratando-se de menores de 14 anos, o crime previsto no n.º 1 é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.

 

Artigo 14.º

(Exploração de prostituição)

1. Quem aliciar, atrair ou desviar outra pessoa, mesmo com o acordo desta, com vista à prostituição, ou que explore a prostituição de outrem, mesmo com o seu consentimento, é punido com pena de prisão de 1 a 3 anos.

2. Quem, com remuneração ou sem ela, angariar clientes para pessoas que se prostituem ou, por qualquer modo, favorecer ou facilitar o exercício da pros-tituição, é punido com pena de prisão até 3 anos.

3. A tentativa é punível.

 

Artigo 15.º

(Violação de segredo de justiça)

1. Quem ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de facto ou acto de processo penal relativo a crime previsto e punido na presente lei que se encontre coberto por segredo de justiça ou a cujo decurso não for permitida a assistência, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

2. Se o crime previsto no número anterior for cometido por revelação ou divulgação da identidade dos intervenientes processuais previstos no n.º 2 do artigo 32.º e no artigo 34.º, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

3. Sempre que a revelação ou divulgação for feita por pessoa abrangida por segredo profissional, o tribunal ordena a prestação de depoimento com quebra do segredo.

4. A protecção da identidade dos intervenientes processuais referidos no nº 2 mantém-se em segredo de justiça, mesmo após o trânsito em julgado da decisão final, incluindo a de arquivamento, por um período de 10 anos.

 

SECÇÃO III

Disposições comuns

 

Artigo 16.º

(Responsabilidade penal das pessoas colectivas privadas)

1. As pessoas colectivas privadas, ainda que irregularmente constituídas, e as associações sem personalidade jurídica são responsáveis pelas infracções cometidas pelos seus fundadores, administradores, titulares dos respectivos órgãos e titulares de cargos de direcção, chefia ou gerência, no exercício das suas funções, bem como pelas infracções cometidas por representantes ou mandatários das entidades em actos praticados em nome e no interesse destas.

2. A invalidade e a ineficácia jurídicas dos actos em que se funde a relação entre o agente individual e as entidades não obstam a que seja aplicado o disposto no número anterior.

3. A responsabilidade é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito.

4. A responsabilidade das entidades referidas no n.º 1 não preclude a responsabilidade individual dos seus fundadores, dos membros dos respectivos órgãos, dos mandatários, de quem naquele detenha participações sociais, exerça cargos de direcção, chefia ou gerência, ou actue em sua representação legal ou voluntária.

 

Artigo 17.º

(Condutas não puníveis)

1. Não é punível a conduta de funcionário de investigação criminal ou de terceiro actuando sob controlo de uma autoridade de polícia criminal que, para fins de prevenção ou repressão criminal, com ocultação da sua qualidade ou identidade, se infiltre na associação ou sociedade secreta, adquira a qualidade de membro, e na sua sequência, e a solicitação de quem se dedique às actividades criminosas da associação, aceite, detenha, guarde, transporte ou entregue armas, munições ou instrumentos de crime, dê guarida aos membros, angarie subscrições ou forneça locais para reuniões.

2. A conduta referida no n.º 1 depende de prévia autorização da autoridade judiciária competente, a proferir no prazo máximo de 5 dias e a conceder por período determinado.

3. Em caso de urgência relativa à aquisição da prova, a conduta referida no n.º 1 é realizada mesmo antes da obtenção da autorização da autoridade judiciária competente, mas deve ser por esta validada no primeiro dia útil posterior, sob pena de nulidade.

4. A autoridade de polícia criminal fará o relato da intervenção do funcionário ou do terceiro à autoridade judiciária competente no prazo máximo de 48 horas após o seu termo.

 

Artigo 18.º

(Liberdade condicional)

Em caso de reincidência no crime previsto no artigo 1.º, não há lugar a concessão de liberdade condicional.

 

Artigo 19.º

(Penas acessórias)

1. Quem for condenado pelo crime previsto no artigo 1.º, atenta a gravidade do facto e a sua projecção na idoneidade cívica do agente, pode ser:

a) Suspenso de direitos políticos, por um período de 2 a 10 anos;

b) Proibido do exercício de funções públicas, por um período de 10 a 20 anos;

c) Proibido do exercício de profissão ou actividade que dependa de título público ou de autorização ou homologação de autoridade pública, por um período de 2 a 10 anos;

d) Proibido do exercício de funções de administração, de fiscalização ou de outra natureza em pessoas colectivas públicas, em empresas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos ou em empresas concessionárias de serviços ou bens públicos, por um período de 2 a 10 anos;

e) Proibido do exercício de quaisquer funções em sociedades que explorem actividades em regime de exclusivo, por um período de 2 a 10 anos;

f) Proibido de contactar com determinadas pessoas, por um período de 2 a 5 anos;

g) Proibido de frequentar certos meios ou lugares, por um período de 2 a 10 anos;

h) Inibido do exercício do poder paternal, de tutela, de curatela e de administração de bens, por um período de 2 a 10 anos.

i) Inibido da faculdade de conduzir veículos motorizados e de pilotar aeronaves ou embarcações, por um período de 2 a 5 anos;

j) Proibido de sair do Território, ou de sair sem autorização, por um período de 2 a 5 anos;

l) Não sendo residente, expulso e interdito de entrar no Território por um período de 5 a 10 anos;

2. A pena acessória prevista na alínea b) do número anterior é sempre aplicada quando o agente for funcionário.

3. Pelo crime previsto no artigo 11.º podem ainda ser aplicadas as penas acessórias de:

a) Encerramento temporário de estabelecimento, até 5 anos;

b) Encerramento definitivo de estabelecimento;

c) Dissolução judicial.

4. Não obsta à aplicação das penas previstas no número anterior a transmissão ou a cedência de direitos de qualquer natureza relacionados com o exercício da profissão ou actividade, efectuadas depois da instauração do procedimento criminal ou depois da prática do crime, excepto se o transmissário ou cessionário se encontrar de boa fé.

5. A cessação da relação laboral que ocorra em virtude da aplicação da pena de dissolução judicial ou de encerramento do estabelecimento considerase, para todos os efeitos, como sendo rescisão sem justa causa.

6. As penas acessórias podem ser aplicadas cumulativamente.

7. Não conta para os prazos referidos no nº 1 o tempo em que o agente estiver privdo da liberdade por decisão judicial.

 

Artigo 20.º

(Dissolução judicial de associações ou sociedades legalmente constituídas)

As associações ou sociedades do tipo a que se refere o artgo 2º legalmente constituídas são dissolvidas na decisão judicial que condenar algum ou alguns dos respectivos membros.

 

Artigo 21.º

(regime especial)

As penas previstas no artigo 1º podem ser especialmente atenuadas ou substituídas por pena não privativa da liberdade, podendo ainda haver lugar a dispensa de pena ou o facto deixar de ser punível, caso o agente impeça ou se esforce seriamente por impedir a continuação da associação ou sociedade secreta ou comunique à autoridade a sua existência, designadamente, declarando a identidade de outros membros ou apoiantes e revelando os fins, planos ou actividades dessas associações, de modo a esta poder evitar a prática de crimes.

 

Artigo 22.º

(Reincidência)

Não obsta à reincidência nos crimes previstos nos artigos 1º e 4º a 7º, o facto de terem decorrido mais de 5 anos entre a prática dos crimes.

 

Artigo 23.º

(Prorrogação da pena)

1. A pena de prisão efectiva pela prática de crime previsto nos artigos 1.º e 4.º a 7.º, é prorrogada por dois períodos sucessivos até 3 anos cada, se:

a) O agente tiver anteriormente cometido crime previsto nos mesmos artigos ou enunciado no n.º 1 do artigo 2.º, a que tenha sido aplicada também prisão efectiva; e

b) Ao expirar da pena ou da primeira prorrogação for fundadamente de esperar, atendendo às circunstâncias do caso, à vida anterior do agente, à sua personalidade e à evolução desta durante a execução da pena e aos indícios de continuidade de vinculação ou ligação a associação ou sociedade secreta, que o condenado, uma vez em liberdade, não conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes.

2. Para efeitos de prorrogação da pena, são consideradas as penas de prisão efectiva aplicadas fora de Macau pela prática de crimes referidos na alínea a) do número anterior.

 

Artigo 24.º

(Internamento de menores)

Os menores inimputáveis que pratiquem algum dos factos ilícitos previstos e punidos nos artigos 1.º e 4.º a 7.º da presente lei são sujeitos a regime de internamento adequado à sua idade e perigosidade.

 

Artigo 25.º

(Procedimento criminal)

O procedimento criminal pelos crimes previstos e punidos na presente lei não depende de queixa.

 

CAPíTULO II

Disposições processuais penais

 

SECÇÃO I

Disposições gerais

 

Artigo 26.º

(Criminalidade violenta ou altamente organizada)

Os crimes previstos nos artigos 1.º e 5.º a 7.º da presente lei integram o conceito de criminalidade violenta ou altamente organizada a que se refere o n.º 2 do artigo 1.º do Código de Processo Penal.

 

Artigo 27.º

(Publicidade)

Nos processos por crime de associação ou sociedade secreta, determinados actos processuais podem decorrer com exclusão da publicidade.

 

Artigo 28.º

(Registo e declarações para memória futura)

1. O registo escrito do auto respeitante a recolha de declarações ou depoi-mentos e ao interrogatório do arguido deve, sempre que possível, ser acom-panhado de registo gravado, através de meios magnetofónicos ou audiovisuais, aplicando-se o disposto no n.º 3 do artigo 91.º do Código de Processo Penal.

2. Havendo razões para crer que o ofendido, uma testemunha, o assistente, a parte civil ou perito, possam, designadamente por temor de represálias, vir a deslocar-se para o exterior, ou por qualquer forma manifestar impossibilidade de serem ouvidos em julgamento, procede-se à tomada de declarações para memória futura, nos termos dos artigos 253.º e 276.º, com os efeitos da alínea a) do n.º 2 do artigo 337.º do Código de Processo Penal.

 

Artigo 29.º

(Meios de prova admissíveis)

1. São admitidos, nos mesmos termos em que o são os previstos no Código de Processo Penal, os seguintes meios de prova:

a) Os registos em suporte informático, videográfico ou magnetofónico, mesmo que obtidos em locais de acesso público reservado;

b) As sentenças penais proferidas fora de Macau.

2. É permitida a leitura em audiência de declarações do ofendido, do assistente, de testemunha, de perito ou da parte civil mesmo que prestadas perante o Ministério Público ou órgão de polícia criminal, quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias sensíveis.

 

Artigo 30.º

(Protecção de funcionário e de terceiro infiltrados)

1. A autoridade judiciária apenas ordena a junção ao processo do relato a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º se a reputar absolutamente indispensável em termos probatórios, garantindo-se o segredo sobre a identidade do funcionário ou do terceiro.

2. A apreciação da indispensabilidade pode ser remetida para o termo do inquérito ou da instrução, ficando entretanto o expediente, mediante prévio registo, na posse da autoridade de polícia criminal.

3. Nos casos em que o juiz determine, por indispensabilidade da prova, a comparência em audiência de julgamento do funcionário ou do terceiro infiltrados, observar-se-á sempre o disposto no n.º 1 do artigo 86º do Código de Processo Penal.

4. O juiz toma as providências adequadas a impedir a revelação da identidade do funcionário ou do terceiro, ficando esta coberta por segredo de justiça.

 

Artigo 31.º

(Identificação de suspeito e pedido de informações)

Para os efeitos previstos no artigo 233.º do Código de Processo Penal relativamente a crimes previstos nos artigos 1.º e 4.º a 7.º da presente lei, o limite de permanência em estabelecimento policial é de 12 horas.

 

Artigo 32.º

(Prisão preventiva)

Se o crime imputado for um dos previstos nos artigos 1.º e 4.º a 7.º, o juiz deve aplicar ao arguido a medida de prisão preventiva.

 

SECÇÃO II

Apreensões

 

Artigo 33.º

(Apreensão de coisas e direitos)

1. A autoridade judiciária procede à apreensão de bens imóveis ou móveis, direitos, títulos, valores, quantias e quaisquer outros objectos depositados em bancos ou outras instituições de crédito, mesmo que em cofres individuais, em nome do arguido ou de terceiro, quando tiver fundadas razões para crer que eles estão relacionados com os crimes dos artigos 1.º, 4.º a 7.º, 9.º a 11.º, 13.º e 14.º, se destinam à actividade criminosa de associação ou sociedade secreta, que constituem o produto ou lucro dessa actividade ou a recompensa emergente dos crimes dos artigos 1.º, 4.º a 7.º, 9.º a 11.º, 13.º e 14.º, ou que resultaram de transformação ou conversão do produto, lucro ou recompensa de tais actividades ilícitas.

2. As instituições financeiras ou equiparadas, associações, sociedades civis ou comerciais, repartições de registo ou fiscais e demais entidades públicas ou privadas não podem recusar o cumprimento de pedido de informação ou apresentação de documentos efectuados pelo juiz, respeitantes a bens, depósitos ou valores a que se refere o número anterior.

3. Nos casos dos crimes artigos 1.º, 4.º a 11.º, 13.º e 14.º, o arguido está obrigado a responder com verdade às perguntas que lhe forem feitas pela autoridade judiciária sobre a sua situação económica e financeira, rendimento mensal proveniente de actividade profissional e bens próprios, sob pena de incorrer na punição prevista nos artigos 312.º ou 323.º do Código Penal.

4. Constitui indício da origem ilícita dos bens, depósitos ou valores a que se refere o n.º 1 a sua desproporcionalidade face aos rendimentos mensais declarados pelo arguido e a impossibilidade de determinar a licitude da sua proveniência.

 

Artigo 34.º

(Defesa de direitos de terceiro de boa fé)

1. Tomado conhecimento da apreensão, o terceiro que invoque a titularidade de coisas, direitos ou valores apreendidos, nos termos do artigo anterior, pode deduzir no processo a defesa dos seus direitos, através de requerimento em que alegue boa fé.

2. Entende-se por boa fé a ignorância desculpável de que as coisas, direitos ou valores se relacionavam com actividades ilícitas.

3. O requerimento a que se refere o n.º 1 é autuado por apenso, notificando-se o Ministério Público para, em 10 dias, deduzir oposição.

4. A decisão é proferida pelo juiz logo que se encontrem realizadas as diligências que considere necessárias, salvo se quanto à titularidade das coisas direitos ou valores a questão se revelar complexa ou susceptível de causar perturbação ao normal andamento do processo, casos em que o juiz pode remeter o terceiro para os meios cíveis.

 

SECÇÃO III

Revisão especial de sentença

 

Artigo 35.º

(Revisão especial de sentença)

1. Sem prejuízo do disposto no artigo 431.º do Código de Processo Penal, é admissível a revisão da sentença condenatória a pena de prisão transitada em julgado pela prática de qualquer crime, quando o condenado adopte alguma das condutas mencionadas no artigo 21.º.

2. À revisão prevista no número anterior é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto no artigos 434.º, 437.º, 438.º e 447.º do Código de Processo Penal.

 

Artigo 36.º

(Tramitação)

1. Têm legitimidade para requerer a revisão:

a) O condenado ou o seu defensor;

b) O Ministério Público.

2. O requerimento a pedir a revisão é apresentado no Tribunal Superior de Justiça e indica as condutas que o condenado se propõe adoptar.

3. Na vista que tenha no Tribunal Superior de Justiça, o Ministério Público propõe, quando seja o caso, o montante da redução da pena e a respectiva fundamentação, documentando, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas pelo condenado.

4. Na decisão de revisão, o Tribunal Superior de Justiça fixa o montante da redução da pena de prisão a que o requerente fora condenado.

5. Da decisão do Tribunal Superior de Justiça não é admissivel recurso.

 

Artigo 37.º

(Condenado preso)

Manifestada a vontade pelo condenado preso de adoptar alguma das condutas previstas no artigo 21.º, a autoridade competente toma as providências adequadas à salvaguarda da sua integridade física.

 

CAPÍTULO III

Disposições complementares

 

Artigo 38.º

(Prostituição)

1. Quem, em local público ou de acesso público, aliciar ou fizer proposta para a prática de actos sexuais de relevo com o intuito de obter remuneração pecuniária ou outro proveito económico, é punido com multa de 5 000 a 20 000 patacas.

2. A aplicação da sanção prevista no número anterior faz cessar o direito de permanência no território aos não residentes.

3. É competente para a aplicação da sanção prevista no n.º 1 o Comandante da Polícia de Segurança Pública.

4. A decisão referida no nº 1 é impugnável nos termos gerais.

 

Artigo 39.º

(Interdição em salas de jogos)

É decretada pela Direcção da Inspecção e Coordenação de Jogos a interdição da entrada nas salas de jogos dos casinos de quem seja seu frequentador habitual sem efectuar apostas, ou fazendo-as apenas simbolicamente para justificar a sua permanência, ou desenvolvendo actividades marginais ao acto de jogo de outrem.

 

Artigo 40.º

(Comunicação de sentença)

1. Para efeitos de eventual tomada de decisão administrativa, designadamente cancelamento de licença ou desclassificação de estabelecimento, o tribunal envia às autoridades competentes certidão das sentenças, transitadas em julgado, que condenem por crimes previstos e punidos na presente lei:

a) Pessoas colectivas;

b) Seus fundadores e membros dos respectivos órgãos;

c) Titulares de cargos de direcção, chefia ou gerência, no exercício das suas funções;

d) Representantes ou mandatários de pessoas colectivas, em actos praticados em nome e no interesse daquelas.

2. O tribunal envia ainda às autoridades competentes certidão das sentenças condenatórias, transitadas em julgado, por crimes ocorridos em estabelecimento sujeito a qualquer licenciamento ou classificação.

 

Artigo 41.º

(Proibição de entrada no Território)

1. Será interdita a entrada no Território aos não residentes inscritos em lista de pessoas não admissíveis elaborada pelos serviços competentes, em virtude de:

a) Condenação por crime previsto no artigo 1.º, ou de idêntica natureza, ainda que por tribunal fora de Macau;

b) Existência de fortes indícios de pertença ou ligação a associação criminosa, nomeadamente do tipo de associação ou sociedade secreta, ainda que esta aqui não desenvolva qualquer actividade;

c) Existência de fortes indícios da intenção de prática de delito grave;

d) Existência de fortes indícios de que constituem ameaça para a ordem pública ou para a segurança do Território;

e) Vigência de período de interdição de entrada no Território.

2. A decisão da autoridade administrativa competente pode ser impugnada nos termos gerais.

 

CAPÍTULO IV

Disposições finais e transitórias

 

Artigo 42.º

(Crimes públicos)

Também não depende de queixa o procedimento criminal pelos crimes de:

a) Furto e dano de veículos motorizados;

b) Furto e dano de coisa de valor superior a 10 000 patacas;

c) Ofensa simples à integridade física de que resulte doença ou impossibilidade para o trabalho por mais de 10 dias;

d) Violação de segredo por funcionário.

 

Artigo 43.º

(Aplicação do processo de revisão especial)

O disposto nos artigos 41.º a 43.º aplica-se às sentenças transitadas em julgado à data da entrada em vigor da presente lei.

 

Artigo 44.º

(Direito subsidiário)

Na falta de disposição específica da presente lei, são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código Penal e do Código de Processo Penal.

 

Artigo 45.º

(Norma revogatória)

É revogada a Lei n.º 1/78/M, de 4 de Fevereiro.

 

Aprovada em de de 1997.

A Presidente da Assembleia Legislativa.

Promulgada em de de 1997.

O Governador.

 


 

COMISSÃO DE ADMINISTRAÇÃO, EDUCAÇÃO E SEGURANÇA

Nota Justificativa

 

2.ª versão do Projecto de Lei designado por

"Lei da Criminalidade Organizada"

1. O Plenário de 22 de Maio de 1997, para o qual se encontrava agendada a apreciação do projecto de lei sobre "Criminalidade organizada", deliberou reenviar tal texto à Comissão em cujo seio tinha sido escrito, para esta o reapreciar, introduzindo-lhe eventuais alterações, atentas, designadamente, as reacções que o mesmo havia provocado em várias entidades, quer no sentido da correcção das soluções preconizadas quer na necessidade de uma maior abrangência a matérias relacionadas com o seu objecto.

2. A Comissão procurou corresponder à expectativa do Plenário, o qual fixara para esse desiderato um prazo de 15 dias, analisando as sugestões que lhe tinham sido remetidas, quase sempre com a participação dos respectivos autores, e contando com uma alargada comparticipação nos seus trabalhos de outros Colegas, do que resultou um novo texto bem mais extenso do que o inicialmente produzido.

3. O projecto de lei que ora se apresenta é, como não podia deixar de o ser, da responsabilidade exclusiva de quem o subscreve, pelo que todos aqueles que deram o seu contributo para a respectiva feitura e não viram as suas propostas consagradas, integral ou parcialmente, não devem ver na atitude da Comissão qualquer juízo de desvalor relativamente às mesmas, mas tão só o reflexo das naturais dúvidas de quem tem de decidir em tempo breve sobre questões graves e complexas.

4. De qualquer jeito, o processo legislativo encontra-se no seu começo, pelo sempre poderão ser reequacionados todos os aspectos que se entenda serem correctos acrescentar ou modificar no projecto na sua nova versão, a fim de Macau poder ser dotado de uma lei que constitua um instrumento efectivo de combate à criminalidade organizada.

5. Pela sua colaboração no labor legislativo da Comissão, merecem menção expressa e o nosso agradecimento os contributos dos Senhores Secre-tários-Adjuntos para a Justiça e para a Segurança, que quer pessoalmente quer através de técnicos dos seus Gabinetes acompanharam o processo de elaboração projecto de lei desde a primeira hora, do Senhor Procurador Geral-Adjunto, do Senhor Alto Comissário Contra a Corrupção e a Ilegalidade Administrativa, dos Senhores Juizes do Tribunal de Competência Genérica; de entre os Senhores Deputados cabe salientar o grande empenho demonstrado pelos Colegas Jorge Neto Valente, Leonel Alves, José Manuel Rodrigues, Morais Alves, Tong Chi Kin, Vitor Ng e Leong Heng Teng, que com prejuízo dos trabalhos das Comissões de que são membros, dispenderam muitas horas do seu labor no decurso das 7 reuniões tidas para o efeito; à Senhora Dra. Leonor Assunção, assistente da Faculdade de Direito de Macau, é igualmente devida uma palavra de merecimento pelos seus contributos para uma maior perfeição técnica-jurídica do projecto, colaboração que vem na linha do aconselhamento a esta Comissão na preparação da legislação penal avulsa aprovada na anterior legislatura; por fim, mas sem menor mérito, deverá ser realçado o trabalho executado pelos Senhores assessores Drs. Fernanda Rodrigues, Paulo Cardinal, Nuno Bastos e Pedro Sena, sem o qual esta Comissão deixaria de ter cumprido o mandato de que fora incumbida pelo Plenário dentro do prazo fixado.

6. Gostaria a Comissão de ter podido dispôr de tempo suficiente para narrar nesta nota os seus trabalhos que conduziram à apresentacão da 2.ª versão do projecto de lei, comprometendo-se, na ausência de tal relato, a prestar em Plenário todos os esclarecimentos que lhes forem solicitados sobre o assunto.