1. Os Serviços de Polícia Unitários no contexto do Sistema de Segurança Interna da RAEM.
O sistema de segurança interna da Região Administrativa Especial de Macau positivado no Decreto-Lei n.º 76/90/M, de 26 de Dezembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 26/98/M, de 22 de Junho, organiza-se segundo princípios de natureza orgânico-funcional de entre os quais se destacam, o da cooperação e coordenação das forças e serviços de segurança, o da colaboração dos cidadãos, o da natureza pública, rigorosamente isenta e imparcial das polícias, e ainda, o da exclusividade de actuação de cada força ou serviço de segurança nos limites das respectivas competências orgânicas.1
Porém, a Lei Básica e, mais concretamente, a Lei de Bases da Orgânica do Governo (Lei n.º 2/1999 de 20 de Dezembro) como que excepcionam o último dos princípios enunciados ao introduzirem o instituto dos Serviços de Polícia Unitários dirigidos por um Principal Responsável, sem, contudo, definir o conceito. Cremos que ao abster-se de o fazer pretendeu deixar ao critério do legislador ordinário a integração conceptual do modelo que melhor se adeque ao sistema pré-existente e corresponda aos desígnios de estabilidade da ordem e segurança públicas que quaisquer reformas fracturantes poderiam fazer perigar. A Polícia de Segurança Pública2 e a Polícia Judiciária (PJ) têm constituído as bases da estrutura de segurança interna da RAEM. A PSP como polícia de "proximidade" (ordem pública, protecção de pessoas e bens, prevenção criminal) e administrativa (fiscalização, licenciamento, etc.), a PJ como polícia de investigação criminal, sem embargo daquela também desempenhar funções de investigação criminal, quando de menor complexidade.
Da análise atenta da experiência que se vem colhendo do sistema de forças e serviços de segurança vigente, resulta a necessidade de reforço do grau de coordenação e controlo das entidades envolvidas na árdua tarefa da segurança pública e da prevenção e combate ao crime, o que pensamos realizar, aproveitando o caminho apontado pela Lei Básica bem como pela Lei n.º 2/1999, em torno da figura do principal responsável pelos serviços de polícia unitários, com o objectivo de promover a complementariedade e a convergência das sinergias disponíveis em cada um daqueles organismos.
É neste quadro de complementariedade que, em homenagem à estabilidade, e depois de efectuado um levantamento das vantagens e desvantagens de soluções concorrentes, se chegou a um modelo de Serviços de Polícia Unitários cujas bases organizacional e funcional se propõe seja aprovada.
2. Os Serviços de Polícia Unitários como estrutura de comando/direcção operacional dos organismos policiais.
Na concepção do modelo que se propõe teve-se em conta entre outros os seguintes aspectos mais relevantes:
1) Análise de funções da PSP/PMF/PJ e sua integração no sistema jurídico--penal da RAEM;
2) Diferente natureza estrutural destes organismos policiais com especial destaque para as características militarizadas da PSP e da PMF, fortemente hierarquizadas e dotadas de rituais próprios (juramento de bandeira, ordem unida, honras e continências, uniforme etc.) enquanto a PJ é, no seu todo, um corpo civil;
3) Não correspondência das respectivas carreiras e diferentes grelhas salariais;
4) Filiação em modelos estruturais de tradição distinta;
5) Impossibilidade de fusão sem estrangulamento de carreiras com enormes prejuízos para alguns dos agentes públicos e consequente instabilidade sócio--profissional;
6) Enorme dificuldade de alinhamento hierárquico das carreiras e categorias, atenta a não correspondência respectiva;
7) Diferentes áreas de formação e especialização;
8) Diferentes níveis de autonomia administrativa (a PSP depende administrativamente, em muito, da DSFSM);
9) Especificidades do apetrechamento logístico de cada um dos organismos policiais;
10) Permeabilidade à evolução no sentido de uma eventual unidade de comando e direcção a médio prazo;
11) Possibilidade de centralização a médio prazo dos serviços de apoio logístico, administrativo e de ensino;
12) Aproveitamento de sinergias disponíveis em cada uma das áreas de especialização;
13) Optimização da intervenção conjunta através da melhoria da coordenação e comando/direcção operacional;
14) Efectivação de esquemas de intercomunicabilidade de pessoal e bem assim de reformulação das vias de acesso nas carreiras, designadamente para o exercício de funções de investigação criminal;
15) Possibilidade da exploração de uma imagem pública renovada com afirmação de uma maior confiança da população.
Da ponderação dos aspectos elencados, que certamente, não esgotam a panóplia de questões para cuja reflexão a concepção dos Serviços de Polícia Unitários reclama, resultou a opção por um modelo que não contendendo com as estruturas existentes3 , salvaguarda a autonomia técnica de cada um dos organismos, bem como as competências administrativas e logísticas de cada um dos respectivos dirigentes, próprias ou delegadas, e ainda as decisões operacionais de rotina (mormente em relação à PSP, as relativas ao trânsito, migração, protecção de altas entidades e instalações importantes, patrulhamento, diligências judiciais, etc.), sem prejuízo de chamar a si o exclusivo da direcção e comando operacional conjuntos, dos organismos policias subordinados.
Para o efeito concebeu-se uma estrutura de Serviços de Polícia Unitários dirigidos pelo Principal Responsável, a qual receberá, nos termos em que vier a ser regulamentado, os contributos indispensáveis de duas subunidades. Uma de informações policiais conjuntas, outra de operações policiais conjuntas, tributárias, ambas, das decisões de direcção e comando operacional do seu dirigente máximo sobre aqueles organismos policiais.
Ao Principal Responsável serão também cometidas a funções de comando de Acção Conjunto em situações inerentes à protecção civil.
O modelo concebido alcança igualmente a protecção da estrutura política da RAEM, porquanto delimita bem a área de intervenção do Principal Responsável face ao Secretário para a Segurança, a quem cabem, nos termos do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, as responsabilidades de tutela da Segurança Interna, factor, este, que assume relevante importância para estabilidade interna da jovem RAEM.
3. A simplicidade orgânica dos Serviços de Polícia Unitários
A orgânica da estrutura criada será sustentada por instrumento de extrema simplicidade que se resumirão, para além da componente operativa cuja densidade evoluirá à medida das necessidades, a um órgão de assessoria, a um gabinete vocacionado para a imagem e informação e a uma subunidade de gestão dos recursos humanos e materiais afectos ao SPU.
4. Alteração Legislativa consequente
A instituição dos Serviços de Polícia Unitários determina intervenções legislativas, com vista à respectiva adaptação de alguns dos diplomas que suportam o sistema de Segurança Interna da RAEM, designadamente as leis orgânicas dos diversos organismos e corporações, para além de outras alterações que o fortalecimento da unidade de comando e direcção e da optimização das estruturas de recursos humanos determinará, no sentido do reforço da segurança pública da RAEM.
Este, nas circunstâncias político-estruturais estabilizadas, o modelo de Serviços de Polícia Unitários, que melhor servirá a segurança interna em geral, e em particular a segurança pública e o combate ao crime, como suportes do crescimento e desenvolvimento sócio-económico da RAEM, após o regresso à Pátria.
A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea 1) do artigo 71.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e do n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 2/1999, para valer como lei, o seguinte:
1. São criados os Serviços de Polícia Unitários, adiante designados abreviadamente por SPU, responsáveis pela segurança pública da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).
2. Os SPU constituem o órgão de comando e direcção operacional dos organismos de natureza policial, que lhe ficam subordinados hierarquicamente.
3. Para os efeitos do número anterior, e sem prejuízo de outros que, por lei, venham a merecer igual qualificação, são considerados organismos de natureza policial o Corpo de Polícia de Segurança Pública e a Polícia Judiciária.
4. Os SPU integram o sistema de segurança interna da RAEM.
1. Os SPU têm por atribuição utilizar os organismos policiais subordinados ao seu comando e direcção no desempenho de acções de natureza operacional.
2. Para os efeitos do número anterior compete-lhes:
1) Ordenar missões aos organismos policiais subordinados;
2) Articular eficazmente os dispositivos operacionais dos organismos policiais subordinados;
3) Centralizar e coordenar, sem prejuízo dos poderes de direcção funcional cometidos às autoridades judiciárias, e no respeito pela autonomia técnica e exclusividade de competências conferidas a cada um dos organismos policiais subordinados, enquanto órgãos de polícia criminal, toda a actividade de investigação criminal;
4) Recolher, analisar, tratar e difundir todas as informações relevantes para o cumprimento das suas atribuições;
5) Superintender a execução dos planos, directivas e tarefas dos organismos policiais subordinados.
3. Aos SPU compete, ainda, inspeccionar a capacidade operacional, e respectivo desempenho, dos organismos policiais subordinados.
1. O principal responsável pelos serviços de polícia, previsto na alínea 6) do artigo 50.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, é o Comandante-Geral dos SPU e responde perante o Chefe do Executivo, sem prejuízo da supervisão decorrente das competências cometidas ao Secretário para a Segurança por Regulamento Administrativo.
2. Os SPU são dirigidos pelo Comandante-geral que é coadjuvado pelos seus adjuntos.
3. O Comandante-geral dos SPU exerce a sua autoridade de comando e direcção operacional directamente sobre o comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública e sobre o director da Polícia Judiciária.
4. O Comandante-geral dos SPU exerce as competências de Comandante de Acção Conjunta, nos termos e para os efeitos do disposto na Lei de Segurança Interna.
5. A competência disciplinar do Comandante-geral dos SPU abrange a dos comandantes e directores dos organismos policiais subordinados e é exercida nos limites que lhe forem delegados pelo Chefe do Executivo.
O Comandante-geral dos SPU pode, quando em presença de crime ou de forte suspeita da prática do mesmo, que ponha em risco a liberdade ou a vida de qualquer pessoa e a extrema urgência o determinar, ordenar a prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, sem prejuízo da imediata validação pela autoridade judiciária competente, nos termos do Código de Processo Penal.
Nas suas ausências, faltas ou impedimentos, as funções do Comandante-geral dos SPU são acumuladas pelo Secretário para a Segurança.
1. Os organismos que integram o sistema de forças e serviços de segurança interna da Região Administrativa Especial de Macau, devem prestar cooperação aos SPU, nas áreas técnica, administrativo-logística e operacional, que se mostrar necessária à prossecução da sua missão.
2. O Subgabinete da Interpol faculta ao Comandante-geral dos SPU, nos termos a definir por este, toda a informação operacionalmente relevante.
Os encargos decorrentes da execução da presente lei durante o corrente ano são suportados por conta das disponibilidades existentes nas rubricas de despesa do orçamento e por quaisquer outras dotações que a Direcção dos Serviços de Finanças destine para o efeito.
Quando razões ponderosas relacionadas com o exercício da actividade dos SPU o exija, pode o Chefe do Executivo, sob proposta do Comandante-geral dos SPU, autorizar a realização de despesas independentemente de qualquer formalidade, as quais devem constar de registo secreto.
A organização e o funcionamento dos Serviços de Polícia Unitários são determinados por regulamento administrativo.
Os diplomas orgânicos referentes ao sistema de segurança interna da RAEM são alterados, no prazo de 180 dias após a entrada em vigor da presente lei, com vista à respectiva harmonização.
O Comandante-geral dos SPU tem a qualidade de autoridade de polícia criminal.
A presente lei entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação.
Aprovada em de de 2001.
Assinada em de de 2001.
Publique-se.