2.7 Promessas de Alienação e Oneração Hipotecária de Imóveis

 

 

2.ª COMISSÃO PERMANENTE

Parecer n.º 5/2001

Assunto: Proposta de lei intitulada "Promessas de alienação e oneração hipotecária de imóveis".

I

Introdução

1. A proposta de lei em epígrafe foi aprovada na generalidade no dia 8 de Maio de 2001, tendo sido distribuída à presente Comissão, para exame na especialidade e pelo prazo de 15 dias, por Despacho da Senhora Presidente da mesma data. Tal prazo foi sucessivamente prorrogado, nos termos regimentais, por 15 e 60 dias, por actos da Senhora Presidente e do Plenário, respectivamente, nos dias 23 de Maio e 14 de Junho. A justificação para as prorrogações radicou na complexidade técnico–jurídica do articulado e a necessidade de se proceder a uma cuidadosa ponderação da bondade e do alcance sócio-económico das soluções propugnadas pelo Governo.

2. A Comissão reuniu por inúmeras vezes, sendo de mencionar os encontros de trabalho tidos no dia 10 de Maio e no dia 26 de Junho, com representantes do Governo; no dia 23 de Maio, com representantes da Associação dos Advogados de Macau; no dia 12 de Junho, com o Sr. Dr. Gonçalves Marques, docente da Faculdade de Direito da Universidade de Macau e especialista em Direitos Reais e Registo Predial; e no dia 13 de Junho, com representantes da Associação de Bancos de Macau.

A participação das entidades acima referidas muito contribuiu para uma produtiva análise do texto da proposta, sendo de inegável utilidade para uma melhor apreciação crítica das linhas de política legislativa, bem como da adequabilidade e correcção técnica dos mecanismos jurídicos gizados.

Cumpre referir que a Comissão teve ainda algumas reuniões com o Governo sobre uma outra matéria –– a do regime legal atinente aos procedimentos da escritura pública e de registo das aquisições de imóveis –– que, embora conexa com o presente assunto, não cabe no âmbito dos presentes trabalhos, mas cuja abordagem se revelou de interesse e adjuvante de uma melhor compreensão da própria proposta.

II

Apreciação na globalidade

3. A Comissão entende dever emitir alguns juízos globais que permitam um melhor enquadramento das questões a levantar na especialidade.

De acordo com a nota justificativa da proposta de lei existem, actualmente, inúmeros "contratos tripartidos", actos de alienação e hipoteca de imóveis, efectuados mediante a assinatura de um documento contratual entre o comprador, o vendedor e o banco. No entanto, o regime jurídico civil em vigor prevê que os actos de transmissão ou oneração de imóveis se celebram por escritura pública, o que significa que os "contratos tripartidos" não podem ser considerados como fonte de registo definitivo dos referidos direitos; por conseguinte, não são dotados de qualquer garantia jurídica eficaz. O reconhecimento dos "contratos tripartidos" como forma de transacção dos imóveis e a atribuição de eficácia jurídica aos mesmos constitui, são medidas necessárias para assegurar a segurança e estabilidade das transacções, para além de constituírem uma resposta atempada à realidade.

Note-se que, embora seja a priori desejável a progressiva inutilização desses instrumentos –– e, a crescente eliminação da fase preparatória, com vista a uma mais célere realização das escrituras públicas de aquisição e de oneração hipotecárias –– , não pode perder-se do horizonte a prática actual.

Importa também, e por isso, fazer acrescer à relação triangular em causa efeitos reais, por um lado, no que diz respeito às promessas de compra e venda e de oneração hipotecária –– para maior protecção dos promitentes, dada a oponibilidade perante terceiros, derivada do registo, de um direito real, e não apenas de um direito de natureza meramente obrigacional –– , e, por outro lado, uma mais forte tutela dos mutuantes que, na maior parte dos casos, de pouco podem lançar mão para reagirem contra o incumprimento das promessas de oneração hipotecária dos imóveis objecto das promessas de aquisição, quando se verifique o prévio incumprimento destas últimas promessas.

Efectivamente, os problemas decorridos dos processos de funcionamento do mercado imobiliário, têm origem, na sua maioria, no regime jurídico civil em vigor, daí a impossibilidade da sua resolução pela raiz com a presente proposta de lei. Portanto, a legislação sobre o "contrato tripartido" destina-se a ser uma medida transitória, para responder com celeridade a uma necessidade social. Numa perspectiva de longo prazo, será fundamental uma avaliação global do funcionamento do mercado imobiliário, por forma a que se atinja um grau mais ambicioso de regulação jurídica da matéria.

III

Apreciação na especialidade

4. Artigo 1.º:

A proposta de lei definiu, em primeiro lugar, a denominação e a constituição do "contrato tripartido", tendo-o classificado como contrato-tipo trilateral, onde existem, simultaneamente, três relações jurídicas – promessas de compra e venda e de hipoteca, e um mútuo.

A Comissão acolhe a redacção deste preceito, apenas chamando a atenção para alguns pormenores.

O primeiro é a expressão "contratos-tipo", na versão em língua portuguesa. Esta formulação não parece ser a mais correcta, por possível confusão com os contratos de adesão, caracterizados pelo seu teor reduzido a cláusulas contratuais gerais. É, por conseguinte, preferível a referência a "contratos típicos", assim se afirmando a existência de um novo negócio jurídico consagrado na lei, dotado de tipicidade e nomen iuris próprios.

O segundo aspecto, relativo ainda à versão portuguesa, é a menção, na alínea 3), do imóvel "objecto da compra e venda". Houve aqui um lapso, uma vez que na verão chinesa se prevê, correctamente, "objecto da promessa de compra e venda".

Convém, finalmente, não olvidar que este novo tipo de contrato não faz perder a autonomia das diversas relações jurídico--negociais nela integrantes, sobretudo para efeitos de registo. O que a unificação tipicizante permite é que todos os outorgantes, ainda que não sejam sujeitos directos nessas relações –– que são bilaterais –– possam nelas ter um interesse juridicamente tutelado e, em consequência, uma posição interventora, enquanto interessados, nos termos gerais da lei civil, nomeadamente em situações patológicas (ex.: legitimidade para acções de incumprimento, arguição de nulidade ou anulabilidade, resolução, redução ou conversão do negócio, etc.).

5. Artigo 2.º:

O artigo 2.º da proposta de lei introduziu uma inovação, definindo que o "contrato tripartido" se celebra por documento particular, sendo as assinaturas dos outorgantes objecto de reconhecimento notarial. Verifica-se, no entanto, a diferença entre essa solução e a consagrada no artigo 407.º do Código Civil, onde se prevê que "a promessa a que as partes atribuam eficácia real deve constar de documento autenticado". Considerando que a não exigência do documento autenticado pode simplificar a forma de celebração de contratos, a Comissão não deixou de manifestar as suas preocupações quanto à possibilidade de abuso desta medida, nomeadamente a de falsificação de nomes.

Segundo a resposta dos representantes do Governo, a forma definida na proposta de lei garante maior facilidade e celeridade nas transacções, enquanto que a forma da escritura pública assegura maior segurança. É necessário encontrar equilíbrios e optar entre essas duas soluções, tendo a proposta contemplado todos os aspectos da questão.

Em conclusão, a comissão aplaude a simplificação da forma legal dos contratos em apreço, visto ser o reconhecimento notarial uma formalidade suficiente para dotar o instrumento negocial da fé necessária.

6. Artigo 3.º:

A Comissão concorda com a aplicação da regra geral do n.º 1 do artigo 407.º do Código Civil, respeitante à atribuição de eficácia real às promessas.

O n.º 3 do artigo 3.º, na sua redacção originária, suscitou vivo debate no seio da Comissão, por consubstanciar precisamente uma das inovações de monta da proposta.

A Comissão colocou dúvidas quanto ao n.º 3 do artigo 3.º, relativo ao exercício pelo mutuante, de determinados direitos sujeitos a sub-rogação. Os representantes do Governo responderam que esta norma, inspirada no artigo 601.º do Código Civil, relativo à faculdade de o credor exercer os direitos do devedor, visa a protecção dos interesses dos bancos e dos interesses económicos em geral.

Na sequência do debate havido, a maioria dos membros da Comissão entende ser de acolher a redacção proposta pelo Governo, a qual se circunscreve apenas à sub-rogação do mutuante no mutuário.

Todavia, alguns membros da Comissão consideram que, se é certo que a figura da sub-rogação aqui inserido se inspira numa ideia com alguns contornos parecidos com o instituto da sub-rogação do credor no devedor –– prevista nos artigos 601.º a 604.º do Código Civi –– , é também inquestionável que com ele se não confunde, por se tratar de uma sub-rogação diferente de todas as previstas na lei, e por conseguinte, atípica. Na verdade, quando o mutuante se sub-roga na posição do mutuário e executa especificamente o promitente-vendedor, ele não está a sub-rogar-se na posição do seu devedor, no contexto da relação de mútuo.

Ademais, veja-se que à luz do n.º 1 do artigo 779.º e do artigo 807.º do Código Civil, se a escritura pública de hipoteca se não realizar em virtude de incumprimento da promessa de compra e venda, imputável ao promitente--vendedor, o mutuário e promitente da hipoteca não é considerado infiel, por se ter verificado a impossibilidade objectiva de cumprimento da sua prestação (celebração da escritura pública de constituição da hipoteca), a qual não constitui, sequer, causa de pedir nas acções coactivas de cumprimento. Por isso, há todo o interesse em que o mutuante possa actuar contra o vendedor, para defesa dos lesados pela sua conduta: o mutuante e o mutuário.

Face à natureza atípica da sub-rogação em causa, e aos interesses trilaterais em jogo neste tipo de contratos, deverá, numa eventual iniciativa legislativa futura, ponderar-se a admissibilidade da sub-rogação do mutante também no promitente--vendedor, municiando-se todo o instituto de um mecanismo procedimental próprio, atento o imperativo de segurança jurídica e o respeito pelo direito de acção do contraente sub-rogado. Assim, esses Deputados sugerem o seguinte preceito para consideração futura:

"Artigo X.º

Execução específica

1. O mutuante tem a faculdade de se sub-rogar ao mutuário, ou ao promitente--vendedor, conforme o caso, no exercício dos direitos previstos no artigo 820.º do Código Civil que a cada um destes assistam, agindo na qualidade de promitente fiel contra promitente faltoso.

2. A sub-rogação prevista no número anterior depende de prévia notificação judicial avulsa do promitente fiel, requerida pelo mutuante.

3. O promitente fiel notificado dispõe do prazo de 10 dias para, querendo, dizer se pretende exercer os direitos a sub-rogar.

4. Nada dizendo o notificado, ou se este declarar não se opor à sub-rogação, o mutuante deve exercer os respectivos direitos no prazo de 30 dias contados, conforme o caso, do termo do prazo previsto no número anterior ou da não oposição, havendo-a, sob pena de já não poder invocar a faculdade conferida nos termos do n.º 2.

5. Se o notificado se opuser à sub-rogação, deve exercer os direitos em causa no prazo de 30 dias contados da resposta; caso o não fizer, o mutuante considera-se para todos os efeitos sub-rogado no exercício desses direitos".

7. Artigo 4.º:

A Comissão considera merecedora de ponderação a elimi-nação da expressão "obrigatoriamente, em simultâneo", constante do n.º 2, por lhe parecer desnecessariamente repetitiva do preceituado no n.º 1.

Relativamente ao cancelamento da inscrição da promessa de aquisição, previsto no n.º 5 do artigo 4.º, a Comissão também manifestou as suas dúvidas quanto ao reconhecimento da assinatura do contrato. É o contrato de promessa de aquisição ou o de hipoteca? Porque, logicamente, o cancelamento da promessa de hipoteca depende do cancelamento da promessa de aquisição, e o cancelamento da segunda implica o cancelamento da primeira, daí que ambas as promessas devam sujeitar-se a cancelamento. Os representantes do Governo referiram que a proposta de lei pretendia referir-se aos contratos de concessão de empréstimo pelos bancos.

Na opinião da Comissão, a expressão "contratos...são registados", constante do n.º 6 do artigo 4.º, não será muito correcta, atendendo à impossibilidade de se registarem contratos. O facto emergente do contrato é que está sujeito a registo. Os representantes do Governo concordaram com as explicações da Comissão e admitiram a existência de problemas de redacção.

Relativamente ao mesmo número, a Comissão manifestou a sua discordância face à solução de os contratos prometidos de compra e venda e de constituição de hipoteca serem registados por averbamento às respectivas inscrições de promessa, considerando dever ser mantida a actual forma autónoma ou seja, por inscrição. No entanto, os representantes do Governo esclareceram que a adopção da forma de averbamento, em substituição da inscrição, se deve a duas considerações. Uma tem a ver com a cobrança de emolumentos: cada registo implica um novo pagamento de emolumentos, o que poderá levar a uma dupla cobrança e à necessidade de adaptar a correspondente tabela de emolumentos. Outra prende-se com a maior ou menor complexidade dos procedimentos de registo, uma vez que a técnica do averbamento pode tornar tal operação mais clara e mais facilitada.

Propõe-se, portanto, a alteração do n.º 6, que passaria a ter a seguinte redacção:

"6. A aquisição e a hipoteca emergentes dos contratos prometidos são registadas por averbamento às inscrições das respectivas promessas."

Alguns membros da Comissão deixam, para reflexão futura, a sugestão de um novo n.º 5, a estabelecer o seguinte:

"5. Os registos provisórios por natureza da aquisição e da hipoteca, antes de titulados os respectivos contratos prometidos, podem ser feitos com dispensa das formalidades previstas no artigo 41.º do Código do Registo Predial, desde que as correspondentes promessas de alienação e de oneração hipotecária já tenham sido registadas nos termos previstos nos números anteriores."

A redacção acima referida parte da ideia de que não existe qualquer repetição de registos –– do que se trata é de aligeirar as exigências formais do registo provisório da aquisição e da oneração, que pode ser feito, já hoje, sempre que haja sido celebrado um contrato-promessa, e independentemente de a esta ter sido ou não atribuída eficácia real. De acordo com a sua tese, uma coisa é o registo definitivo de situações emergentes de um contrato-promessa (que só pode ser feito perante um com eficácia real), outra, diversa, é o registo provisório das situações emergentes dos contratos prometidos.

8. Artigo 5.º:

A Comissão considera excessiva a sanção constante do n.º 2, dados os efeitos restitutivos decorrentes da declaração de nulidade (cf. artigo 282.º do Código Civil) –– será preciso repetir tudo e, logo, celebrar nova escritura de compra e venda, desta vez acompanhada da constituição de hipoteca.

Com a devida vénia, a Comissão faz sua, com ligeiras modificações, a redacção proposta pelo Dr. Gonçalves Marques –– o que implica a substituição do n.º 2, o aditamento de novos números 3 e 4, e a consequente renumeração do actual n.º 3 –– , a qual assenta na solução da ineficácia perante o mutuante, por um lado, e da recusa de registo, por outro lado, de compra e venda desacom-panhada da constituição de hipoteca (cf. Anexo B):

"2. É ineficaz em relação ao mutuante o contrato prometido de compra e venda que não seja celebrado em conjunto com o da constituição de hipoteca, não podendo a aquisição ser admitida a registo, enquanto não for titulada a oneração hipotecária, e pedido simultaneamente o seu registo.

3. Não se aplica o disposto no número anterior quando tenha havido prévia autorização escrita do mutuante, ou sempre que se comprove o cancelamento da inscrição da promessa de oneração hipotecária, feito com base em declaração do mutuário, ou em documento de quitação integral da importância mutuada, sendo de qualquer destas circunstâncias feita menção expressa na escritura pública de compra e venda.

4. As assinaturas apostas à autorização e à declaração previstas no número anterior estão sujeitas a reconhecimento notarial.".

No que diz respeito à sugestão da Associação de Bancos de Macau, de incluir nos contratos de mútuo com promessas as facilidades de crédito contempladas no n.º 3 do artigo 5.º, a Comissão mostra-se em oposição, porquanto entende que um tal clausulado escaparia ao âmbito destes contratos típicos e seria contrário ao princípio da exclusividade estabelecido no corpo do artigo 1.º.

Igualmente se deixa a indicação, sugerida por alguns membros da Comissão, de dois números inovadores — 6 e 7 — para reflexão numa próxima oportunidade:

"6. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o contrato prometido de compra e venda pode ser celebrado logo que emitida a licença de utilização do prédio e, tratando-se de edifício sujeito ao regime de propriedade horizontal, o respectivo título constitutivo se encontre registado, ainda que provisoriamente.

7. Se o prédio estiver omisso na matriz e não tiver sido apresentada a participação para a respectiva inscrição, o notário deverá enviar à Repartição de Finanças cópia da escritura pública de compra e venda.".

9. Artigo 6.º:

A Comissão concorda com o preceituado neste artigo.

10. Artigo 7.º:

Quanto ao artigo 7.º da proposta de lei, respeitante ao tratamento dos contratos tripartidos de pretérito, existem pontos de vista diferentes. Um é o de considerar que aos referidos "contratos tripartidos" já tenha sido atribuída eficácia real. Esta solução, apesar de se apresentar vantajosa no que respeita à simplificação e facilidade em termos de funcionamento, implica alterar o Código Civil e pode levar a situações de retroactividade, o que merece ponderação, nomeadamente quanto à sua adequabilidade. Outro ponto de vista é o autonomizar o tratamento dos contratos de pretérito. De qualquer maneira, a atribuição de eficácia real deve estar conforme com as condições fixadas no n.º 1 do artigo 407.º do Código Civil, ou seja, mediante declaração expressa das duas partes e inscrição no registo. Se antes não tiver sido feita declaração expressa, poderá essa ser efectuada posteriormente, em documento avulso. Repita-se que a atribuição de eficácia real depende do reconhecimento das assinaturas dos contraentes e do registo das promessas em causa.

A Comissão aderiu ao segundo ponto de vista e concordou, por isso, com o artigo 7.º.

A epígrafe talvez deva ser mudada para "Situações de pretérito", uma vez que não se trata, em bom rigor, nem de contratos de mútuo com promessas celebrados em dada anterior (quando não havia sequer tais contratos, como e enquanto tais), nem de regular situações transitórias ou autenticamente inter-temporais.

Todavia, a Comissão é sensível às críticas que o Dr. Gonçalves Marques teceu a propósito deste artigo (cf. Anexo B), as quais devem ser tidas em conta para uma boa interpretação do preceito. Por fim, sublinhe-se a necessidade do aditamento de um novo número, atinente à regularização das exigências para o registo das situações de pretérito:

"3. A aplicação do disposto no n.º 1 depende, porém, da regularização, se necessária, das exigências previstas no artigo 38.º do Código do Registo Predial, através de declarações complementares.".

11. Artigo 8.º:

A Comissão concorda com a opinião dos representantes da Associação dos Advogados de Macau, segundo a qual esta não será a sede própria para abordar os simples contratos-promessa de compra e venda, cujo regime jurídico se encontra plasmado no Código Civil.

Nesta conformidade, propõe-se a eliminação do artigo 8.º.

12. Artigo 9.º:

A Comissão opina no sentido da eliminação deste artigo, notando-se, todavia, duas correntes diferentes no que à fundamentação dessa alteração diz respeito.

A maioria tem em conta o estipulado no Regulamento do Imposto do Selo, com as alterações introduzidas pela recente Lei n.o 8/2001: já não faria sentido este artigo 9.º, ante a exigência de pagamento do imposto do selo como condição de admissibilidade a registo das promessas contidas nos "contratos tripartidos".

No entanto, certos membros da Comissão têm uma posição muito próxima da do Sr. Dr. Gonçalves Marques (cf. Anexo B). Em primeiro lugar, não existirá fundamento válido para a supressão da menção à cessão da posição contratual (alteração ao artigo 2.º do Código). Em segundo lugar, a modificação do artigo 13.º do Código viria a "desnaturar" o próprio direito real de aquisição ínsito às promessas com eficácia real, ficando essa eficácia temporalmente limitada e destituída de valor, porque, podendo caducar, deixaria o respectivo registo de ser verdadeiramente definitivo –– passaria, na prática, a ser um registo provisório sui generis.

Por fim, fica uma nota final, em jeito de sugestão de alguns membros da comissão, para memória futura, consubstanciada numa eventual alternativa ao artigo 9.º:

 

"Artigo 9.º

Alterações ao Código do Registo Predial

O artigo 87.º do Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46/99/M, de 20 de Setembro, passa a ter a seguinte redacção:

 

"Artigo 87.º

(Manutenção e caducidade de algumas inscrições

provisórias por natureza)

1. ................................................................

2. As inscrições previstas no artigo anterior, nas alíneas d), h) a m) do n.º 1, bem como as referidas nas alíneas d), sem prejuízo do disposto nos números 3 e 5 do artigo 152.º, e e) do n.º 2, se não forem também provisórias com outro fundamento, mantêm-se em vigor pelo prazo de 3 anos, renovável por períodos de igual duração, a pedido dos interessados, mediante documento que comprove a subsistência da razão da provisoriedade.

3. ................................................................

4. ................................................................

5. ................................................................

6. ................................................................

7. As inscrições previstas nas alíneas b), f) e g) do n.º 1 do artigo anterior se não forem também provisórias com outro fundamento, mantêm-se em vigor até à sua conversão em definitivas.

8. Sem prejuízo do disposto no número anterior, também se mantêm em vigor, até à sua conversão em definitivas, as inscrições previstas nas alíneas f) e g) do n.º 1 do artigo anterior, quando baseadas em contratos-promessa de aquisição ou oneração, ou em contrato de mútuo com promessas, nos termos da Lei n.º....../2001.".

13. Artigos 10.º e 12.º:

A Comissão acolhe, sem reservas, o disposto nestes artigos.

14. Artigo 11.º:

Este preceito deve ser eliminado, porque não se mostra compatível com a liberdade de normação do legislador, e é de efeito prático nulo, porquanto a Assembleia Legislativa poderá, a todo o tempo e de acordo com procedimentos legais, alterar ou revogar esta lei projectanda –– respeitados que sejam alguns princípios materiais fundamentais, como, por exemplo, o da salvaguarda de direitos adquiridos e das situações estabilizadas de pretérito, sobretudo se forem favoráveis aos particulares.

IV

Conclusões

15. Termos em que a Comissão é de parecer que:

a) A proposta de lei está em condições de ser submetida a Plenário, para discussão e votação na especialidade;

b) Sugere-se a reapreciação dos artigos 10.º e 13.º do Código do Registo Predial, tendo em referência o explicitado pelo Dr. Gonçalves Marques (cf. Anexo B);

c) Numa perspectiva de longo prazo, será fundamental uma avaliação global do funcionamento do mercado imobiliário, por forma a que se atinja um grau mais ambicioso de regulação jurídica da matéria;

d) Deve o Plenário aprovar o articulado em apreço, com as alterações formalmente propostas pela Comissão no Anexo A.

Macau, aos 26 de Julho de 2001.

A Comissão, Leong Heng Teng (Presidente) –– Ng Kuok Cheong –– Stanley Au –– Cheong Vai Kei –– Kwan Tsui Hang –– Vong Hin Fai (Secretário).

 


 

ANEXO A

PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO AO TEXTO DA PROPOSTA DE LEI,

APRESENTADAS PELA COMISSÃO

(nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 101.º,

do artigo 105.º e da alínea a)

do n.º 2 do artigo 123.º do Regimento )

1. Proposta de EMENDA do n.º 6 do artigo 4.º, que passa a ter a seguinte redacção:

"6. A aquisição e a hipoteca emergentes dos contratos prometidos são registadas por averbamento às inscrições das respectivas promessas."

2. Proposta de SUBSTITUIÇÃO do n.º 2 do artigo 5.º, que passa a ter a seguinte redacção:

"2. É ineficaz em relação ao mutuante o contrato prometido de compra e venda que não seja celebrado em conjunto com o da constituição de hipoteca, não podendo a aquisição ser admitida a registo, enquanto não for titulada a oneração hipotecária, e pedido simultaneamente o seu registo."

3. Proposta de ADITAMENTO de novos números 3 e 4 ao artigo 5.º — com a consequente renumeração do n.º 3 originário, que passa a n.º 5 —, tendo a seguinte redacção:

3. Não se aplica o disposto no número anterior quando tenha havido prévia autorização escrita do mutuante, ou sempre que se comprove o cancelamento da inscrição da promessa de oneração hipotecária, feito com base em declaração do mutuário, ou em documento de quitação integral da importância mutuada, sendo de qualquer destas circunstâncias feita menção expressa na escritura pública de compra e venda.

4. As assinaturas apostas à autorização e à declaração previstas no número anterior estão sujeitas a reconhecimento notarial.".

4. Proposta de ADITAMENTO de um novo n.º 3 ao artigo 7.º, com a seguinte redacção:

"3. A aplicação do disposto no n.º 1 depende, porém, da regularização, se necessária, das exigências previstas no artigo 38.º do Código do Registo Predial, através de declarações complementares.".

5. Proposta de ELIMINAÇÃO do artigo 8.º.

6. Proposta de ELIMINAÇÃO do artigo 9.º.

7. Proposta de ELIMINAÇÃO do artigo 11.º.

 

 


 

ANEXO B

CONTRATO DE MÚTUO COM PROMESSAS

Observações genéricas

I. A disciplina jurídica (requisitos) dos actos sujeitos a registo. - A sujeição a registo das promessas com eficácia real de compra e venda e de constituição de hipoteca tituladas no "contrato tripartido" aconselha a ponderar vários problemas que podem dificultar ou impossibilitar o seu acesso ao registo predial.

1. Como é sabido, os contratos-promessa, especialmente, os contratos--promessa de compra e venda de fracções autónomas, são feitos segundo modelo, ou formulário livre, concebido pelas empresas promotoras das vendas, sem o rigor técnico-jurídico dos actos sujeitos a registo, que têm de obedecer aos requisitos do art. 38.º do CRPredial.

Isso acontece mesmo com os contratos assinados perante advogado (e por ele também assinados como "testemunha"), que muitas vezes não tem intervenção directa na redacção do contrato.

Um contrato elaborado sem a disciplina jurídica necessária (por exemplo, sem uma identificação correcta do imóvel com as menções das als. b) e c) do n.º 1 do art. 38.º, ou a correcta identificação das partes com as menções da al. d) do n.º 1 do art. 88.°, ambos do CRPredial) não terá acesso ao registo predial sem problemas, seguindo-se os registos provisórios por dúvidas, ou mesmo as recusas de registo, tudo com fundamento na lei.

Em certa medida, muitos destes problemas poderão ser evitados com a adopção de um modelo uniforme para os contratos tripartidos, pelo menos, com os elementos básicos da estrutura do contrato, como a identificação dos sujeitos, do objecto.

Modelo que poderia ser concebido em consenso com os Bancos e a Associação dos Construtores Civis.

2. A prática das transacções do mercado imobiliário mostra, por outro lado, que, a maior parte das vezes, os contratos-promessa de venda são celebrados, não com a empresa proprietária do edifício, mas com empresas encarregadas da promoção das vendas, que assinam em nome próprio.

É claro que estes contratos não poderão ser registados, no regime que esta nova lei pretende instituir, se não forem assinados com a comprovação dos poderes de representação (nomeadamente, procuração mencionada no reconhecimento da assinatura, como prevê o n.º 3 do art. 2.º deste projecto) do proprietário do edifício.

É também necessário que já se encontre previamente registada em nome do proprietário promitente a aquisição do respectivo direito de propriedade.

3. Também se sabe que é prática do mercado –– e conveniência do negócio imobiliário –– fazer os contratos-promessa de venda antes de o edifício estar construído, com base até no simples projecto; outras vezes antes de o projecto estar aprovado (sujeito, por isso, a alterações); outras vezes, mesmo antes de estar elaborada a memória descritiva, documento base da identificação das fracções autónomas; e outras vezes ainda antes do registo da propriedade horizontal, ainda que só provisório por natureza.

Ora, além de estas circunstâncias poderem motivar uma identificação sem rigor e sujeita a frequentes mudanças do objecto do contrato (nomeadamente na identificação da fracção autónoma) –– constituindo, assim, mais uma fonte de provisoriedade por dúvidas (ou de recusas) para os registos das promessas –– , é preciso ter em conta que estes registos não podem ser requeridos antes do registo da propriedade horizontal, registo que, se for provisório por natureza, nos termos do art. 86.º, n.º 1, al. b) do CRPredial, faz com que os registos das promessas tenham de ser também provisórios por natureza, nos termos da alínea c) do mesmo artigo.

II. A intervenção dos advogados do vendedor ou do comprador e do Banco mutuante no contrato tripartido. –– Certamente que se está consciente das implicações que pode vai ter na intervenção do advogado escolhido pelas a redução a um único contrato dos três contratos que actualmente correspondem à promessa de compra e venda, à promessa de constituição de hipoteca e ao mútuo bancário.

Poderá continuar a ser possível a actuação de diferentes advogados das partes para assistência à elaboração do contrato único?.

A redução a um só contrato, pode abrir o caminho à intervenção de um único advogado, que será, provavelmente, aquele que o Banco escolher para seu consultor.

Haverá então uma redução ainda maior do que actualmente já existe do número de advogados que prestam serviços de assistência jurídica no importante sector de elaboração dos contratos (promessas e escrituras) relativos às transacções imobiliárias.

 


 

Notas sobre o articulado

I. Art. 2.º, n.º 2

Ponderação de uma alternativa ao reconhecimento notarial.

Como se sabe, em Macau existe a prática, de longa tradição, de a assinatura dos contratos promessas ser testemunhada por advogado, que também assina em conjunto com as partes.

Esta intervenção dos advogados, a que, por tradição arreigada, as partes atribuem o significado de um testemunho que confere autoridade e firmeza aos compromissos das partes, tem agora um novo motivo da valorização e uma maior justificação, que é a de o advogado controlar o rigor técnico-jurídico com que deve ser elaborado o contrato de mútuo com promessas, por forma a cumprir os requisitos de admissão a registo.

Por isso, parece de ponderar a conveniência de, em alternativa ao reconhecimento notarial (por semelhança), se dar o valor de reconhecimento notarial à intervenção do advogado quando assine o contrato juntamente com as partes, cabendo-lhe, então, verificar a declaração de atribuição da eficácia real, as menções do contrato que são requisitos para registo e os poderes de quem assina em representação das partes.

II. Art. 4.º, n.º 6

Redacção preferível em termos técnico-jurídicos.

A redacção mais correcta para o n.º 6, por razões de rigor técnico-jurídico de direito registal (v. als. a) e h) do n.º 1 do art. 2.º do CRPredial), parece ser:

6. A aquisição e a hipoteca tituladas pelos contratos prometidos de compra e venda e de constituição de hipoteca são registadas por averbamento às respectivas inscrições de promessa.

Na verdade, não se registam os contratos, mas as aquisições de direitos baseadas nos contratos ou outros factos jurídicos.

III. Art. 5.º, n.º 2

Inconvenientes da sanção da nulidade do contrato prometido. de compra e venda; ponderação de uma sanção de simples ineficácia.

Não será a nulidade uma sanção demasiado severa?

Como se sabe, a nulidade só pode ser remediada voltando a fazer tudo de novo (reiteração). Ou seja, fazendo uma nova escritura de compra e venda, com repetição de formalidades e de despesas.

Não será suficiente uma sanção que consista numa mera ineficácia?

Por exemplo: a compra e venda é ineficaz em relação ao mutuante e a aquisição nela titulada não pode ser admitida a registo enquanto não se mostrar titulada a constituição da hipoteca e requerido simultaneamente o seu registo

Então, o n.º 2 do art. 4.º poderia ter uma redacção dentro dos seguintes termos:

2. O contrato prometido de compra e venda que não seja celebrado em conjunto com o da constituição da hipoteca é ineficaz em relação ao mutuante e a respectiva aquisição não pode ser admitida a registo enquanto não se mostrar titulada a constituição da hipoteca e pedido simultaneamente o seu registo. Esta sanção não se aplica em caso de prévia autorização escrita do mutuante, que pode ser dada no contrato de mútuo com promessas, ou se se comprovar o cancelamento da inscrição de promessa de constituição da hipoteca feito com base em declaração do mutuário reconhecida presencialmente ou em documento de quitação da importância mutuada, circunstâncias de que é feita menção expressa na escritura pública de compra e venda.

IV. Art. 5.º, n.º 3

O registo do acto prometido de constituição de hipoteca que amplie os crédito do mútuo constante do contrato tripartido.

Prevê-se que o contrato prometido de constituição de hipoteca possa ter um conteúdo que amplia o contrato de mútuo com promessas, quer qualitativamente (com novas obrigações), quer quantitativamente (com mais elevados montantes).

Então, o seu registo já não pode fazer-se pelo simples averbamento previsto no n.º 6 do art. 4.º do presente projecto. Segundo as regras estabelecidas (CRPredial, art. 95.º, 2), haverá que fazer uma nova inscrição de hipoteca relativamente ao conteúdo ampliado, que terá, naturalmente, um grau de prioridade ditado pela data em que for registada, podendo, então, haver outras inscrições de hipoteca ou de outros encargos (v. g., arrestos, penhoras) de permeio, ou seja, entre a data da inscrição da promessa de hipoteca e a inscrição da hipoteca de ampliação.

Certo é que, mesmo que se permitisse registar por averbamento a ampliação, esta só é oponível a terceiros depois da data do averbamento, nos termos da regra geral do n.º 1 do art. 5.º do CRPredial, ficando, portanto, salvaguardada a prioridade de registos feitos entre o registo da promessa de hipoteca e o averbamento da sua constituição.

V. Art. 6.º, n.º 2

Redacção preferível em termos técnico-jurídicos.

Parece preferível, por razões de rigor técnico-jurídico de direito registal, uma redacção nos seguintes termos:

2. Pelas inscrições das promessas tituladas pelo contrato de mútuo com promessas e pelos averbamentos dos contratos prometidos são devidos os emolumentos correspondentes da Tabela de Emolumentos do Registo Predial.

VI. Artigo 7.°, n.° 1

Os problemas de adaptação dos contratos de pretérito às exigências da sujeição a registo.

A que requisitos ao art. 1.º se refere a remissão do n.º 1 do art. 7.º?

Qual é o sentido útil da remissão para os requisitos do artigo 1.º.

Os requisitos do artigo 1.º são uma nova realidade com a qual, provavelmente, nunca se harmonizam os contratos do passado: a realidade do passado é a existência de um contrato bilateral para a promessa de compra e venda e de um, contrato bilateral (ou trilateral se a promessa de hipoteca for de pessoa diferente do mutuário) para o mútuo e promessa de constituição de hipoteca; a nova realidade é o contrato único trilateral com os três conteúdos (promessa de venda, mútuo e promessa de hipoteca).

A remissão para o artigo 1.° quererá dizer que a aplicação do novo regime aos contratos de pretérito só se verifica nos casos em que, sobre o mesmo imóvel, foram celebrados o contrato-promessa de compra e venda e o contrato de mútuo com promessa de constituição de hipoteca?

Excluindo os casos em que existe só o contrato-promessa de compra e venda, ou só o contrato de mútuo com promessa de constituição de hipoteca?

O artigo 8.º parece, no entanto, afastar estas hipóteses, na medida em que se prevê a aplicação do novo regime ao contrato promessa de compra e venda de imóveis, mesmo desacompanhado de contrato promessa de hipoteca.

Por isso, não tendo os contratos de pretérito o requisito da unicidade (o único que releva no art. 1.º), parece mais importante estabelecer os requisitos que os contratos múltiplos de pretérito devem preencher para beneficiarem do novo regime, tendo em consideração que:

1 –– Não contêm, normalmente, o reconhecimento notarial das assinaturas dos contraentes, que não era legalmente exigido para produzirem os efeitos normais da promessa obrigacional até aqui usados.

Como agora se passa a exigir o reconhecimento notarial, há que ponderar as dificuldades que, em muitos casos, tornarão impossível a sua realização, tais como: não dispor a parte que pretende o reconhecimento de documento (CNot., art. 159.º, 2) com a assinatura a reconhecer, ou da procuração da parte que foi representada no contrato por um procurador.

2 –– Os contratos do passado, estão –– quase de certeza, na maior parte dos casos –– redigidos sem os elementos necessários para o registo, nos termos do já citado art.º 38.º do CRPredial.

É, então, necessário permitir o suprimento da falta desses elementos, através de declarações complementares, nos termos do art. 39.º do CRPredial.

3 –– A aplicação do novo regime aos contratos-promessa (até aqui separados) de compra e venda de constituição de hipoteca só é possível nos casos em que, na prática, for viável o acordo (trilateral) que produza a declaração de atribuição de eficácia real: vendedor<––>comprador/ hipotecante<––>mutuário/beneficiário da hipoteca.

Há que ponderar que a aplicabilidade do novo regime aos contratos de pretérito poderá ter um alcance limitado, na medida em que se verificam casos de ausência de promitentes-vendedores ou de abandono dos responsáveis pelos empreendimentos urbanos que inviabilizam o acordo de eficácia real que tem de acompanhar os contratos do passado.

VII. Art. 8.º

Aplicação do novo regime aos contratos promessa de compra e venda de pretérito.

Qual o significado deste artigo face ao âmbito do artigo anterior, que já torna aplicável o novo regime a todos os contratos de pretérito?

VIII. Artigo 9.º

Alterações ao Código do Registo Predial.

1) Alínea f) do n.º 1 do art. 2.º

Supressão da referência à cessão da posição contratual.

Pretende-se não admitir a registo a cessão da posição contratual dos negócios com eficácia real?

Aparentemente quer-se excluir a possibilidade da cessão contratual das posições do contrato único tripartido sujeito ao regime em vista neste projecto.

Se se pretende, mesmo, não autorizar a cessão contratual no contrato único tripartido, deve incluir-se uma disposição expressa nesse sentido (que é de carácter substantivo): na nova lei, não se alterando o Código de Registo Predial, pois é necessário continuar a permitir o registo da cessão contratual prevista na lei civil geral (citados art.s 418.º a 421.º do CCM).

O âmbito do registo predial como instrumento do direito substantivo é, em matéria de cessão contratual, mais amplo do que o do regime especial contemplado no projecto de lei, porque a cessão contratual nas promessas não compreendidas neste regime continua a reger-se pelo regime geral do direito substantivo (Código Civil, art.s 418.º a 421.º) e deve continuar a ser admitido o seu registo, pois só assim este poderá corresponder à situação jurídica verdadeira.

Parece, assim, de manter na alínea f) do n.º 1 do art. 2.º "bem como a cessão contratual emergente desses factos", mas colocada depois da expressão "se lhes tiver sido atribuída eficácia real". Não antes, como incorrectamente ficou na redacção actual, que pode induzir a ideia de que à cessão pode ser atribuída eficácia real, o que não é jurídicamente possível; nem necessário, uma vez que a cessão transmite somente posições em relação ao direito que já existe e como existe segundo o contrato: direito real nos contratos com eficácia real, direito obrigacional nos contratos sem essa eficácia.

2) O projectado aditamento do n.º 5 ao art. 13.º do CRPredial.

Problemas da sujeição a caducidade das inscrições de promessa.

Pode dizer-se que o proposto aditamento do n.º 5 ao art. 13.º leva ao mesmo efeito redutor de fazer coincidir o âmbito geral do Código do Registo Predial com o regime especial em vista neste projecto.

O CRPredial, como está, tem em vista as promessas com eficácia real do regime geral do Código Civil, cujos registos não estão sujeitos a caducidade.

Se se pretende sujeitar a caducidade os registos das promessas do regime especial do contrato tripartido, mesmo que sejam definitivos, há que fazê-lo expressamente na lei projectada.

A não ser que se pretenda mesmo sujeitar a caducidade os registos de todas as promessas com eficácia real, incluindo as do regime geral.

Haveria, então, que explicitar as razões subjacentes de política legislativa para uma mudança tão profunda do regime vigente da eficácia real.

É que retirar (por caducidade) o registo a um direito real (ou com efeitos reais) é desnaturá-lo, porque é o registo que lhe assegura a característica de prevalência (interferindo também no mecanismo da sequela) que torna os direitos reais mais fortes do que os direitos simplesmente obrigacionais dos contratos- -promessa dominantemente usados. É o registo que os torna oponíveis a terceiros que não registaram ou que vêem a registar depois do registo das promessas.

E sem prevalência nem sequela, que valor tem um direito real? Ou qual a vantagem de se atribuir a eficácia real a uma promessa?

A admitir-se a caducidade dos registos das promessas –– aos definitivos como aos provisórios –– , ela deverá guiar-se por uma ideia de expurgação de registos de factos que se presumem extintos na realidade da vida jurídica. É essa a filosofia que inspira o art. 13.º do CRPredial.

Mas, dentro desta filosofia, deve pensar-se em prazos razoáveis, correspondentes ao fechar dos ciclos normais da vida dos direitos reais menores (como é o caso das promessas reais).

A experiência ensina, em Macau, que o cumprimento das promessas de venda e de hipoteca (com a realização das escrituras) se faz, com frequência, em prazos superiores aos 3+1+1 anos previstos nos projectados n.os 5 e 6 a aditar ao art. 13.º.

3) O projectado aditamento do n.º 6 ao art. 13.º do CRPredial.

A manter-se a ideia de sujeitar a caducidade as inscrições das promessas do contrato tripartido –– que tem os problemas que se apontaram ––, é necessário ter também presente o seguinte:

As inscrições das promessas podem vir a ser feitas provisoriamente por natureza, nomeadamente, as que, respeitando a fracções autónomas, se sigam ao registo provisório por natureza da propriedade horizontal, de que dependem [v. CRPredial, art.s 86.º, 1, b) e c)].

Neste caso, em que se trata apenas de registos provisórios, a lei actual (que o projecto não modifica) autoriza a prorrogação por períodos sucessivos de 3 anos enquanto se provar que subsiste a razão da provisoriedade; isto é, enquanto a propriedade horizontal tiver apenas registo provisório por natureza (v. CRPredial, art. 87.º, 2).

Por isso, seria necessário harmonizar as várias disposições da lei registal, pois não faria sentido que os registos definitivos das promessas, pudessem ter uma prorrogação mais restrita do que os registos provisórios por natureza referenciados no citado n.º 2 do art. 87.º do CRPredial.

IX. Artigos do Código do Registo Predial que carecem de rectificação.

Uma vez que há esta oportunidade de fazer alterações ao Código do Registo Predial, aproveito para alertar - isto já fora âmbito da apreciação do projecto de lei - para dois erros manifestos, que é necessário corrigir, nas seguintes disposições:

1. No n.º 3 do artigo 10.º: –– onde se lê "para pagamento de dívida de tornas" deve passar a ler-se "para pagamento de dívidas da herança".

Na verdade, esta norma tem origem no art. 35.º do actual Código do Registo Predial português (onde foi introduzido numa alteração de 1990), sendo que o respectivo texto foi publicado, em Portugal, com erro idêntico, mais tarde corrigido no sentido que se propõe (v. a actual versão do CRPredial português de 1984, republicado pelo Dec.-Lei n.º 533/99, de 11/12).

O legislador de Macau (de 1999) não se deve ter apercebido dessa rectificação e copiou a versão errada, que não faz nenhum sentido jurídico.

2. Por sua vez, o artigo 18.º do Código de Registo Predial de Macau está incompleto por não prever a tutela de terceiros de boa fé contra as nulidades formais do registo.

No que contrasta, sem qualquer justificação, com o Código do Registo Comercial, cujo art. 21.º, n.º 3, organiza essa mesma tutela no âmbito do actos de registo comercial formalmente nulos.

Não há razões para permanecer uma tal desarmonia entre os dois códigos sobre um princípio que nasceu precisamente no Código do Registo Predial para tutela de interesses que são exactamente da mesma dignidade jurídica, mas com uma importância, porventura, reforçada no que respeita aos direitos sobre bens imóveis, pelo seu elevado valor.

Por isso, o artigo 18.º carece também de rectificação, ou alteração, ficando com dois números com a seguinte redacção:

 

"Artigo 18.º

(Declaração de nulidade)

1. (o actual corpo do artigo).

2. A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade"

Macau, 12/06/2001.

Gonçalves Marques

 


 

ANEXO C

Associação de Bancos de Macau

Exm.os Srs. Deputados da 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa,

Tendo conhecimento de que na Assembleia Legislativa se encontra em análise a Proposta de Lei intitulada "Promessa de alienação e oneração hipotecária de imóveis", e que aquela vem procedendo à auscultação de opiniões dos vários sectores, consideramos que a referida proposta de lei abrange os interesses de todas as partes outorgantes, nomeadamente os dos bancos. Assim, enviamos a V. Exa. um parecer resumido, esperando que o mesmo possa servir de referência e que, durante o processo legislativo, as opiniões e sugestões constantes do mesmo mereçam a devida atenção.

Com os melhores cumprimentos.

Aos 13 de Junho de 2001.

Associação dos Bancos de Macau.

O Presidente em exercício, Cheong Chi Sang.

 


 

Associação de Bancos de Macau

 

Proposta de Lei intitulada "Promessa de alienação e oneração hipotecária de imóveis" - Parecer da Associação de Bancos de Macau.

1. Opiniões sobre o articulado da proposta de lei

Artigo 1.º e n.º 1 do artigo 6.º

Uma vez que a estrutura legalmente prevista para o contrato tripartido compreende uma "promessa bilateral de compra e venda de imóvel", os promitentes-compradores obrigam-se a pagar o imposto de selo de 0,5%, nos termos do Regulamento do Imposto do Selo (Caso seja aprovado na Assembleia Legislativa). No entanto, o contrato-promessa de compra e venda (o chamado contrato de compra e venda provisória, prática do sector imobiliário, celebrado antes do contrato tripartido) é também tributado de acordo com o referido regulamento, o que pode levar a dupla tributação. Solicitamos que a Assembleia Legislativa esclareça se existem contradições entre as duas disposições em causa (vide mapa 1).

N.º 2 do artigo 1.º

Como o mútuo se destina apenas a "financiar a aquisição do imóvel objecto da promessa de compra e venda", será que o contrato tripartido não terá efeito em relação a outros créditos ou aos créditos renovados automaticamente? O sector bancário propõe que o mútuo abranja outras facilidades de crédito.

N.º 3 do artigo 3.º

Será que o exercício dos direitos de sub-rogação, previsto neste número, é sujeito aos processos legais? Em caso de o promitente-vendedor dar consentimento ao exercício, pelo promitente-mutuante, dos direitos de sub-rogação, terá o promitente-mutuário direitos de regresso?

N.º 5 do artigo 4.º e n.º 2 do artigo 6.º

Se a transmissão de imóveis puder ser feita sem o contrato-promessa, os emolumentos de registo e de cancelamento serão pagos uma só vez. Porém, a baixa eficiência administrativa, para além de inviabilizar essa hipótese, tem originado que, todas as transmissões de imóveis, excepção para as dos "edifícios em segunda mão", sejam feitas através da celebração dum contrato-promessa, o que pode levar à dupla cobrança de emolumentos. O sector bancário sugere que o total dos emolumentos sobre as promessas de alienação e oneração hipotecária e os respectivos contratos prometidos, não seja superior ao dos emolumentos para a celebração dos contratos de alienação e de hipoteca.

N.º 6 do artigo 4.º

Quanto à disposição "Os contratos prometidos de compra e venda e de constituição de hipoteca são registados por averbamento às respectivas inscrições de promessa", significará isto que a inscrição do registo de propriedade horizontal do imóvel, objecto do contrato tripartido, foi já efectuada? Sendo este registo um requisito obrigatório dos contratos tripartidos, qual é a garantia jurídica de um contrato tripartido, celebrado antes da entrada em vigor da presente lei, cujo objecto, o imóvel, não tem registo de propriedade horizontal?

N.º 2 do artigo 5.º

Será obrigatório o reconhecimento presencial, previsto neste número, das assinaturas constantes na "autorização escrita"? O sector bancário sugere que tal autorização seja com assinaturas presencialmente reconhecidas, ou que seja feita mediante termo de autenticação.

N.os 5 e 6 do artigo 13.º do Código de Registo Predial

O sector bancário sugere a junção dos dois números e que o prazo de validade para o registo das promessas de alienação e de constituição de hipoteca seja prolongado para 10 anos.

2. Outras opiniões

(1) Se um promitente-vendedor proceder à venda do mesmo imóvel a vários promitentes-compradores, através de contratos-promessa, atendendo à natureza da promessa no contrato tripartido, não deve aquele assumir a devida responsabilidade criminal?

(2) São inúmeros os contratos tripartidos existentes, porque para além dos mais dos 14 mil contratos tripartidos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, existem outros contratos-promessa de compra e venda de imóveis. Terão as Conservatórias recursos suficientes para registar todos os contratos num prazo razoável?

(3) A atribuição de eficácia real aos contratos tripartidos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, depende do estipulado no n.º 2 do artigo 7.º. De acordo com as explicações de alguns juristas, o promitente-vendedor e o promitente-mutuário não atribuíram, aos promitente-comprador e promitente- -mutuário, respectivamente, a eficácia real, através de uma declaração expressa, constante dos contratos tripartidos. Tendo em consideração o princípio da justiça, não é possível legislar no sentido de que a atribuição de eficácia real aos contratos tripartidos celebrados seja coerciva. A adopção dos contratos tripartidos como uma das formas para a concessão de empréstimos, não é da vontade dos bancos. Estes, face aos processos morosos para a celebração de escritura pública da compra e venda de imóveis, aceitam tal solução tendo como objectivo principal apoiar o desenvolvimento económico e incentivar as transacções de imóveis. Ao longo de vários anos, o sector bancário tem manifestado ao Governo, por diversas vias, o seu desejo da substituição do contrato tripartido. Quanto à legislação sobre a atribuição de eficácia real aos contratos tripartidos celebrados, considera que não vão ser afectados os interesses de qualquer uma das partes. Por exemplo, o promitente-vendedor recebeu já o total do preço do imóvel e entregou efectivamente o imóvel ao promitente-comprador; o promitente-comprador pagou já ao promitente-vendedor o capital financiado pelo promitente-mutuante, ocupando o imóvel e gozando do direito de retenção sobre o imóvel; e o promitente--mutante entregou já ao promitente-comprador o capital. Quer isto dizer que, na prática, os existentes contratos tripartidos, já celebrados, têm eficácia real. E se o reembolso ao promitente-mutuante não for possível devido a incapacidade financeira por parte do promitente-mutuário, o capital em dívida pode ser adquirido mediante arrematação ou outra forma de alienação do imóvel objecto, sendo justo que o promitente-mutuante tenha o privilégio creditório. Com base nas justificações expostas, o sector bancário sugere que a proposta preveja, como condição necessária, o seguinte:

a) a retroactividade da lei, o que permitirá a abrangência dos contratos tripartidos celebrados antes da entrada em vigor da lei.

b) norma transitória que reconheça a existência de eficácia real de todos os contratos tripartidos celebrados, antes da entrada em vigor da lei, pelas instituições de crédito autorizadas a operar no território, apesar das faltas do reconhecimento notarial das assinaturas e da declaração expressa, prevista no artigo 407.º do Código Civil.

c) criação de um mecanismo que garanta a qualquer uma das partes do contrato tripartido a possibilidade de registar, unilateralmente, o contrato tripartido, caso as restantes duas partes se recusarem a inscrever o registo do contrato tripartido celebrado.

d) Registando-se a situação prevista na alínea c), qualquer um dos outorgantes tem o direito de exigir às restantes partes a restituição dos emolumentos por aquele pagos.

(4) O sector bancário sugere que a lei conceda o privilégio creditório aos promitentes-mutuantes de todos os contratos tripartidos, incluindo os celebrados nos termos do artigo 728.º do Código Civil. Esta medida pode ser entendida como uma garantia para a estabilidade do sector financeiro.

(5) Mesmo com o consentimento do promitente-comprador e do promitente--vendedor para cessar com as promessas de compra e venda de imóvel, constantes no contrato tripartido, as promessas de compra e venda não devem poder cessar sem a "autorização escrita" do promitente-mutuante.

(6) O sector bancário sugere a prolongação, por tempo ilimitado, do prazo de validade do registo provisório de propriedade horizontal. Se assim for, a escritura pública pode ser celebrada em qualquer momento, a partir da data de emissão da licença de ocupação, sem que tenha que se recorrer ao contrato tripartido. Esta solução, para além de constituir uma base sólida para a substituição definitiva do contrato tripartido, contribui para a captação do investimento externo no mercado imobiliário.

(7) Se a Assembleia Legislativa aprovar a presente proposta de lei, ressaltarão as lacunas existentes no regime dos contratos tripartidos. Para manter a estabilidade financeira do território, o sector bancário sugere a discrição da Assembleia Legislativa durante o processo legislativo.

Aos 13 de Junho de 2001.

A Associação de Bancos de Macau