Assunto: Proposta de lei intitulada «Procedimento relativo à notificação de pedido no âmbito da cooperação judiciária».
I - Introdução
O Governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) apresentou, no dia 10 de Janeiro de 2002, a proposta de lei intitulada «Procedimento relativo à notificação de pedido no âmbito da cooperação judiciária», a qual foi no mesmo dia admitida pelo Vice-Presidente da Assembleia Legislativa, nos termos regimentais.
Essa proposta de lei foi aprovada, na generalidade, em reunião plenária realizada no dia 22 de Janeiro de 2002 e, na mesma data, distribuída a esta Comissão para efeitos de exame e emissão de parecer.
A Comissão reuniu nos dias 25 e 30 de Janeiro, 4, 6 e 20 de Fevereiro, tendo contado com a presença e a colaboração de representantes do Governo em duas dessas reuniões.
II – Apresentação
Nos termos da Nota justificativa que acompanha a proposta de lei, esta «visa estabelecer um procedimento relativo à notificação de pedido no âmbito da cooperação judiciária, que se aplicará aos pedidos de notificação de actos judiciais e produção de provas em matéria civil e comercial, bem como aos pedidos de cooperação judiciária em matéria penal e ainda à revisão, confirmação e execução de decisões judiciais em matéria civil, comercial e penal e de decisões arbitrais».
De acordo com o procedimento proposto, «os órgãos judiciais ou administrativos da RAEM, responsáveis pela apreciação do pedido de cooperação judiciária, antes de dirigirem o pedido aos países ou territórios exteriores à República Popular da China ou aceitarem pedido dirigido por estes, terão que enviar as respectivas informações ao Chefe do Executivo, que apresenta a devida notificação ao Governo Popular Central.
Quando o Governo Popular Central emitir instruções relativamente à apresentação ou aceitação de pedido no âmbito da cooperação judiciária, comunicando-as por escrito ao Chefe do Executivo, deverá este emitir um despacho em conformidade, ficando assim vinculadas as autoridades competentes por esse despacho. Se o Chefe do Executivo não obtiver qualquer comunicação escrita do Governo Popular Central no prazo fixado, deverá comunicar o facto às referidas autoridades competentes, que apreciarão por si mesmas, em conformidade com a lei, o respectivo pedido de cooperação judiciária».
O proponente justifica a introdução deste procedimento pelo facto de considerar que «a cooperação judiciária entre a RAEM e países estrangeiros é da competência do Governo Popular Central, por se tratar de assuntos de cooperação entre Estados». Considera, também, que «a cooperação judiciária envolverá "per se" assuntos de defesa nacional e de relações externas, e consequentemente, os de soberania, segurança e ordem pública do Estado (...)», o que reforça a ideia, depreende-se da Nota Justificativa, de a cooperação judiciária ser da competência do Governo Popular Central.
Assim, conjugando o facto de Macau ser «uma região administrativa especial com poder judicial independente, que [pode] desenvolver relações adequadas no âmbito da cooperação judiciária com países estrangeiros», com o facto de a competência para tal cooperação pertencer ao Governo Popular Central, e dando cumprimento do princípio "um país, dois sistemas", o Governo apresenta a proposta de lei em análise em cumprimento do disposto do artigo 94.º da Lei Básica, que prevê o apoio e a autorização do Governo Popular Central para que a RAEM possa desenvolver as diligências adequadas à obtenção de assistência jurídica com outros países, em regime de reciprocidade.
Segundo o Governo, «a aprovação da presente proposta de lei, concretizará, de facto, o citado preceito da Lei Básica (...) e facilitará o desenvolvimento [da] cooperação [judiciária] a assegurar pela RAEM».
III – Apreciação genérica
A aprovação na generalidade da presente proposta de lei demonstrou, de forma inequívoca, a concordância do Plenário com a introdução no ordenamento jurídico local de um mecanismo de notificação ao Governo Popular Central no âmbito da cooperação judiciária.
Se tal mecanismo representa, em termos técnicos, a criação de um incidente processual, à semelhança de tantos outros existentes na lei processual de Macau, ele apresenta-se como uma novidade ao nível das normas de natureza constitucional. O facto de ser expressamente afirmado como uma concretização de um preceito da Lei Básica e, sobretudo, o facto de envolver, de forma inovadora, as relações entre a Região Administrativa Especial de Macau e o Governo Popular Central, conferem a este mecanismo uma natureza que, em muito, ultrapassa a sua vertente técnico-jurídica.
Justamente por estas razões, entende a Comissão dever analisar não só o articulado da proposta de lei, mas também a sua fundamentação. A intenção do legislador é um elemento interpretativo relevante e a sua clarificação só ajudará a uma correcta e rigorosa aplicação da futura lei.
A presente proposta de lei é apresentada como uma concretização do disposto no artigo 94.º da Lei Básica, do qual resulta a atribuição à RAEM de poderes para desenvolver diligências adequadas à obtenção de assistência jurídica, "com o apoio e a autorização do Governo Popular Central".
Sendo certo que a análise que tem sido feita deste artigo da Lei Básica vai no sentido de o mesmo se referir às diligências para a celebração de acordos de cooperação judiciária entre a RAEM e países estrangeiros, a ser por ela celebrados com a autorização e o apoio do Governo Popular Central, a Comissão, após análise, acolhe a fundamentação do proponente, mantendo a referência ao artigo 94.º da Lei Básica na norma de competência constante do proémio da lei.
No entanto, considera-se oportuno referir o facto de o ordenamento jurídico da Região Administrativa Especial de Hong Kong ter um preceito da sua Lei Básica (artigo 96.º) igual ao da Lei Básica da RAEM, bem como um mecanismo de notificação semelhante ao ora proposto para Macau, sem que a doutrina estabeleça uma ligação entre ambos.
IV – Apreciação na especialidade
Para além da apreciação genérica apresentada no ponto anterior, a análise efectuada na Comissão teve como propósito, nos termos do artigo 118.º do Regimento da Assembleia Legislativa, apreciar a adequação das soluções concretas aos princípios subjacentes à proposta de lei e assegurar a perfeição técnico-jurídica das disposições legais. Nestes termos, a proposta de lei foi analisada na especialidade em estreita colaboração com o proponente.
Das questões analisadas na Comissão, cumpre destacar as seguintes:
1. Âmbito de aplicação (artigo 1.º)
a) artigo 1.º, n.º 2
Nos termos do artigo 1º, todos os pedidos de cooperação judiciária formulados pelas autoridades competentes da RAEM ou por estas recebidos estão sujeitos ao mecanismo de notificação ora delineado, independentemente da natureza do pedido ou do processo em causa. Assim, esclarece o n.º 2 do artigo 1.º, «(...) entendem-se por pedidos no âmbito da cooperação judiciária a notificação de actos judiciais e produção de provas em matéria civil e comercial, bem como os pedidos de cooperação judiciária em matéria penal (...)».
No seio da Comissão foram manifestadas dúvidas quanto ao grau de abrangência do regime proposto, nomeadamente por considerarem alguns Deputados que os pedidos de natureza civil e comercial não deveriam ser nele incluídos.
Baseia-se tal consideração no facto de, pela sua natureza, não ser previsível que tais pedidos possam envolver matérias que estejam fora da autonomia concedida à RAEM, não se justificando, assim, as desvantagens para a celeridade processual decorrentes da sua sujeição ao mecanismo de notificação. Por outro lado, a Região Administrativa Especial de Hong Kong (RAEHK) possui apenas legislação referente à notificação do Governo Popular Central para matérias de natureza penal. Consideram, portanto, os Deputados em causa que seria conveniente a adopção de uma postura mais cautelosa por parte da RAEM, aprovando numa primeira fase a notificação para as matérias penais, deixando para momento posterior as de natureza civil e comercial. Poder-se-ia, desta forma, recolher a experiência da aplicação da lei e aprofundar os estudos quanto ao alargamento do âmbito de aplicação do mecanismo de notificação, eventualmente num trabalho conjunto com as autoridades da RAEHK.
os fundamentos para o mecanismo de notificação não variam consoante a natureza do pedido em causa, uma vez que a sua razão de ser se prende com o facto de a cooperação judiciária envolver relações entre dois Estados;
na RAEHK os pedidos de natureza civil e comercial também são notificados ao Governo Popular Central, ainda que não exista legislação expressa nesse sentido, o que é admissível no seu ordenamento jurídico, mas não o é no de Macau;
em termos quantitativos, os pedidos de natureza civil e comercial não são muitos e a sua inclusão no âmbito de aplicação da proposta de lei não trará inconvenientes processuais, tanto mais que previsivelmente, na sua maioria, não suscitarão qualquer observação do Governo Popular Central.
O n.º 3 do artigo 1º prevê a aplicação do mecanismo de notificação à revisão, confirmação e execução de decisões judiciais em matéria civil, comercial e penal e de decisões arbitrais.
A análise deste artigo feita pela Comissão centrou-se em dois aspectos essenciais: i) equiparação do processo de revisão, confirmação e execução de decisões judiciais e de decisões arbitrais à cooperação judiciária; ii) adequação da sujeição de tal processo ao mecanismo de notificação.
i) O conceito de cooperação judiciária é entendido, num sentido restrito, como circunscrito à assistência prestada entre tribunais de jurisdições diferentes no expediente de documentos de natureza processual, tais como notificação de actos processuais, ou de outros documentos de natureza semelhante. Num sentido lato, cooperação judiciária abrange outros actos de assistência mútua para além do expediente de documentos, tais como a obtenção de prova em matéria civil ou penal, bem como o reconhecimento e a execução de sentenças e decisões judiciais [Yash Ghai, Hong Kong’s New Constitucional Order (2nd ed.) - The resumption of Chinese sovereignty and the Basic Law, Hong Kong University Press, Hong Kong, 1999, p. 351. Vd., no mesmo sentido, Qu Xinjiu, "Questões relativas à cooperação judiciária entre Macau e a China Continental", in Perspectivas do Direito, n.º 1, Macau, 1996, pp. 79-92].
Da análise efectuada, conclui a Comissão que a opção pelo entendimento mais lato de cooperação judiciária não afecta a coerência lógica subjacente a todo o artigo 1.º da proposta de lei.
ii) Relativamente à adequação da sujeição de tal processo ao mecanismo de notificação, a análise da Comissão teve em consideração a natureza do processo de revisão, confirmação e execução de decisões judiciais.
Trata-se de um processo que, ao abrigo de um princípio de extra-territoridade das decisões judiciais, pretende garantir que «as decisões proferidas por órgãos jurisdicionais dum Estado são admitidas a produzir os seus efeitos próprios no território de outros Estados (Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. II, Coimbra, 1982, p.140)».
Quanto à revisão, confirmação e execução de decisões arbitrais, trata-se de tornar possível a produção de efeitos de uma decisão proferida fora de Macau num processo de arbitragem. Esta pode ser definida como «uma forma de administração da justiça em que um litígio é submetido, por convenção das partes ou por determinação imperativa da lei, ao julgamento de particulares, os árbitros, numa decisão a que a lei reconhece o efeito de caso julgado e a força executiva iguais aos da sentença de um qualquer tribunal estadual, a quem é retirada, por sua vez, a competência para julgar tal litígio (Francisco Cortez citado por Pedro Valente da Silva, "A arbitragem voluntária em Macau", in Perspectivas do Direito, n.º 4, Macau, 1998, p. 93).
Em ambas as situações está em causa um processo especial, regulado nos termos dos artigos 1199.º a 1205.º do Código de Processo Civil (e dos artigos 218.º a 223.º do Código de Processo Penal para a revisão e confirmação de sentença penal não proferida pelos tribunais de Macau). Do exame do seu regime, verifica-se que se trata de um processo onde ocorrem os actos processuais típicos de qualquer processo, tais como petição inicial, citação, contestação e resposta, diligências de prova, julgamento e recurso, seguindo "as regras próprias do recurso ordinário para o Tribunal de Segunda Instância (artigo 1203.º, n.º 3 do Código do Processo Civil)".
Tratando-se do julgamento de uma causa, terá plena aplicação o regime previsto no parágrafo 3.º do artigo 19.º da Lei Básica, segundo o qual «os tribunais da Região devem obter do Chefe do Executivo uma certidão sobre questões de facto respeitantes a actos do Estado, tais como os relativos à defesa nacional e às relações externas, sempre que se levantem tais questões no julgamento de causas judiciais (sublinhado nosso)», devendo o Chefe do Executivo obter documento certificativo do Governo Popular Central antes de emitir tal certidão.
Fica assim assegurada a intervenção do Governo Popular Central para avaliar, em última instância, a existência de actos do Estado numa causa judicial. Tanto mais que não está aqui em causa o pedido de um tribunal ou outra autoridade estrangeira, e consequentemente relações entre dois estados, dado que são os particulares interessados na revisão, confirmação e execução de decisões judiciais ou arbitrais que são os autores da acção.
A Comissão ouviu o proponente a este propósito, tendo este reiterado a sua convicção na necessidade de inclusão da revisão, confirmação e execução de decisões arbitrais no âmbito de aplicação da presente proposta de lei. Após análise, a maioria dos membros da Comissão decidiu acolher a argumentação expressa pelo proponente.
2. Incumprimento da obrigatoriedade de notificação (artigo 2.º)
O artigo 2.º estatui a obrigatoriedade de as autoridades competentes da RAEM seguirem o procedimento de notificação antes de dirigirem um pedido de cooperação judiciária (n.º 1) ou antes de darem cumprimento a um pedido recebido de uma autoridade estrangeira (n.º 2).
Na Comissão suscitou-se a questão de saber quais as consequências processuais quando sejam efectuados ou aceites pedidos sem que seja cumprido o procedimento relativo à notificação no âmbito da cooperação judiciária. Ou seja, qual o desvalor jurídico para os actos processuais praticados após a inobservância desta formalidade.
Alertado para o problema, o proponente informou a Comissão ser seu entendimento dever aplicar-se, em tais situações, o regime geral sobre invalidade dos actos, tendo em particular atenção o disposto no artigo 147.º do Código de Processo Civil, que prevê o carácter excepcional da nulidade dos actos em caso de omissão de uma formalidade que a lei prescreva (ou seja, só existe nulidade quando a lei o declare).
3. Autonomia judicial (artigo 4.º)
O regime constante do artigo 4.º foi alvo de aprofundada análise pela Comissão. Em particular a possibilidade de o Governo Popular Central poder «emitir instruções quanto à apresentação ou aceitação de pedido no âmbito da cooperação judiciária» dirigidas ao Chefe do Executivo, que as encorpora num despacho vinculativo para as autoridades competentes da RAEM, nomeadamente os tribunais (n.os 1 e 2).
Alguns Deputados sustentaram a opinião segundo a qual esta norma poderia pôr em causa a autonomia concedida pela Lei Básica ao poder judicial. Nesse sentido, a presente proposta de lei estaria a introduzir uma restrição não prevista na Lei Básica, prejudicando assim o disposto no parágrafo 1.º artigo 89.º da Lei Básica, dado que os tribunais passarão a receber instruções do Governo Popular Central, via despacho do Chefe do Executivo, não sendo tal despacho impugnável (artigo 8.º).
Confrontado com esta opinião, o proponente teve oportunidade de sustentar que, em sua opinião, a Lei Básica não sai prejudicada com este regime dado que a acção dos tribunais está condicionada pela âmbito de autonomia da própria Região Administrativa Especial de Macau. Assim, a intervenção do Governo Popular Central para avaliar se um pedido de cooperação judiciária abrange um acto do Estado é apenas uma decorrência do facto de as relações externas e a identificação da existência de actos do Estado estarem fora do âmbito da autonomia da Região. Neste sentido, a proposta de lei não está a retirar uma competência ao poder judicial porque este, simplesmente, não a tem.
A Comissão considera de extrema importância o esclarecimento desta questão, dado que ela se apresenta como uma verdadeira ‘pedra-de-toque’ na avaliação da aplicação do princípio "um país, dois sistemas" e para aferir o grau de autonomia da Região.
Vejamos:
Tal como foi já afirmado, o procedimento relativo à notificação de pedido no âmbito da cooperação judiciária foi inspirado pela legislação vigente em Hong Kong, sendo por isso relevante o exame da experiência da RAEHK.
Pela análise efectuada verifica-se que tais normas não são entendidas como atributivas de um poder demasiado vasto ao Governo Popular Central, existindo antes um esforço de delimitação do âmbito da sua intervenção. Assim, entende-se que as normas que prevêem a notificação de pedidos de natureza penal, os únicos com consagração legal no respectivo ordenamento jurídico, «(...) em definitivo não atribuem poderes ao Governo Central para instruir o Chefe do Executivo a entregar alguém que ele ou os tribunais tenham determinado não poder ser legalmente entregue; provavelmente não atribuem poderes ao Governo Central para instruir o Chefe do Executivo a entregar um fugitivo que possa ser legalmente entregue, mas que o Chefe do Executivo decidiu não entregar; atribuem poderes ao Governo Central para vetar propostas de entrega [de alguém pela RAEHK], pedidos para entrega [de alguém à RAEHK], assim como o respectivo trânsito pela RAEHK (Janice Brabyn, "Inter-Jurisdictional co-operation in criminal matters", in The New Legal Order in Hong Kong, ed. Raymond Wacks, Hong Kong University Press, Hong Kong, 1999, p. 144)».
Com as devidas adaptações, e com um leque de matérias mais vasto, poder-se-á dizer o mesmo quanto ao n.º 1 do artigo 4.º: as autoridades competentes não podem ser compelidas à prática de actos que, nos termos da lei ou de acordos ou convenções internacionais, não sejam admissíveis; a decisão de formular pedidos de cooperação judiciária compete às autoridades competentes da RAEM, em cumprimento da lei, não podendo ser forçadas pelo Governo Popular Central a fazer pedidos que não desejem ou a aceitar pedidos que julguem ser improcedentes; o Governo Popular Central apenas poderá opor-se a que um pedido seja feito ou aceite, e apenas com fundamento em assuntos de defesa nacional, relações externas, soberania, segurança ou ordem pública do Estado.
Conclui-se, assim, que a emissão pelo Governo Popular Central de instruções quanto à apresentação ou aceitação de pedido no âmbito da cooperação judiciária mais não é que uma declaração feita por aquele no sentido de afirmar que considera que o pedido em causa tem conexão com um acto do Estado e que, como tal, está fora do âmbito da autonomia da Região. As chamadas "instruções" não podem ser ‘um conjunto de ordens ou indicações dadas a alguém sobre certo assunto’, mas apenas uma declaração que, por ser vinculativa, obriga certas entidades à abstenção da prática de um determinado acto, no caso a formulação ou a aceitação de um pedido de cooperação judiciária.
A Comissão aceita, pois, o argumento, segundo o qual não tendo os tribunais da RAEM jurisdição sobre actos do Estado (primeira parte do parágrafo 3.º do artigo 19.º da lei Básica), a sua sujeição ao mecanismo de notificação não viola o seu grau de autonomia, antes se reconduz a uma mera questão de «critério de competência dos tribunais de Macau em função das atribuições da Região Administrativa Especial de Macau (Jorge Costa Oliveira, A Continuidade do Ordenamento Jurídico de Macau na Lei Básica da Futura Região Administrativa Especial, in Administração - Revista de Administração Pública de Macau, n.º 19/20, Macau, 1993, p. 52)».
Um outro aspecto amplamente ponderado a propósito do n.º 1 do artigo 4.º foi o elenco de matérias que podem servir de fundamento para o Governo Popular Central inviabilizar os pedidos de cooperação judiciária. A questão coloca-se em saber se o elenco constante desta norma está, ou não, no âmbito do conceito ‘actos do Estado’ e, como tal, excluído da autonomia concedida à RAEM.
Actos do Estado são «actos políticos dotados de autonomia que, por isso mesmo, a Lei considera insindicáveis (Cândida Pires, "O ‘Terceiro Poder’ na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau", in Administração - Revista de Administração Pública de Macau, n.º 54, Macau, 2001, p. 1527)».
A noção doutrinal de actos do Estado aponta no sentido de tais actos «(...) se referirem a decisões para exercer prerrogativas em nome do governo central em assuntos de relações externas e, quanto a assuntos internos, para exercer prerrogativas de domínio (Huang Jie, citado por Yash Ghai, ob. cit., p. 320)».
Noutra perspectiva, actos do Estado são entendidos como sendo «as decisões, as resoluções ou as providências que encarnam a soberania estatal, adoptadas pelos órgãos supremos do Estado, legislativo ou executivo, incluindo as relações entre países e entre [cidadãos] dos diferentes países, assim como abrangendo as relações entre os cidadãos do mesmo país, tais como declarar guerra, fazer paz, reconhecer governos de outros países, enviar diplomatas ao estrangeiro, celebrar tratados com países estrangeiros, dar ordens aos governos locais do seu próprio país, declarar o estado de sítio, dar ordens de nomeação ou exoneração, etc. (Xiao Weiyun, Conferência sobre a Lei Básica de Macau, Associação Promotora da Lei Básica de Macau, s/d, p. 105».
Parece, assim, pacífico, que a referência a actos relativos à defesa nacional e às relações externas é meramente exemplificativa do conceito mais vasto de ‘actos do Estado’. Consequentemente, a redacção do n.º 1 do artigo 4º não invade o campo da autonomia da Região.
4. Medidas urgentes (artigo 6.º)
A Comissão ponderou o regime constante do artigo 6.º que prevê, a título excepcional, a possibilidade de formulação ou aceitação de um pedido de cooperação judiciária pelas autoridades competentes da RAEM, sem a existência de notificação prévia. Nos casos de medidas urgentes, a proposta de lei admite um mecanismo de notificação simultânea.
No decurso da análise feita em conjunto com o proponente, ficou esclarecido:
a) o carácter taxativo da enumeração constante das alíneas do artigo 6.º;
b) o carácter aparentemente aberto da alínea 5) deve ser preenchido com recurso à lei processual civil ou penal que determina o que são, e quais são, as ‘medidas cautelares’ admissíveis no ordenamento jurídico local;
c) que são as autoridades competentes da RAEM que ajuízam a urgência de uma medida e, assim, a sua exclusão do mecanismo de notificação prévia.
Com base nos esclarecimentos obtidos, a Comissão não levanta quaisquer reservas ao regime constante do artigo 6.º. A Comissão alerta, porém, para a redacção da norma que, ao dizer «(...) as autoridades competentes da RAEM podem, notificando ao mesmo tempo o Governo Popular Central (...)», pode deixar entender que a notificação é feita directamente pelas autoridades competentes da RAEM ao Governo Popular Central quando se esteja em presença de medidas urgentes, sem intervenção processual do Chefe do Executivo.
Para a generalidade dos casos, as autoridades competentes enviam as informações relevantes ao Chefe do Executivo, após o que este efectua a notificação ao Governo Popular Central (artigo 3.º, n.º 1).
Não tendo a Comissão qualquer indicação de que a intenção do proponente é consagrar um mecanismo processual diferente para os casos de medidas urgentes, para além da questão temporal, a Comissão recomenda que a redacção da norma seja alterada.
Um aspecto que resulta omisso é a consequência processual para as medidas urgentes caso o Governo Popular Central, após a sua adopção, dê conhecimento ao Chefe do Executivo de que estão em causa matérias fora do âmbito da autonomia da Região. Esta questão, contudo, deve ter tratamento idêntico à questão referida no ponto IV.2 do presente Parecer.
5. Irrecorribilidade (artigo 8.º)
Alguns Deputados membros da Comissão suscitaram dúvidas quanto à impossibilidade de impugnação do despacho do Chefe do Executivo e de recurso das decisões das autoridades competentes tomadas em conformidade com tal despacho, em detrimento do princípio geral da recorribilidade dos actos administrativos e judiciais.
O Proponente teve oportunidade de esclarecer que o despacho do Chefe do Executivo não assume a natureza de acto administrativo, antes sendo um ‘acto político’.
No ordenamento jurídico local, os actos políticos estão excluídos do contencioso administrativo, nos termos da alínea 1) do artigo 19º da Lei n.º 9/1999 (Lei de Bases da Organização Judiciária).
Por outro lado, os actos das autoridades competentes praticados nos termos do despacho do Chefe do Executivo são actos condicionados, de mera execução do referido despacho. Não seria lógico não permitir a sindicância do despacho e permitir que os actos que lhe dão cumprimento possam ser sindicados judicialmente. Para mais, se vigora o princípio da irrecorribilidade dos actos de mera execução ou aplicação de actos administrativos (artigo 30.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso), o mesmo princípio deve vigorar para os actos de execução de actos políticos.
Pelo exposto, a Comissão acolhe o regime proposto no artigo 8.º.
6. Entrada em vigor (artigo 10.º)
A Comissão ponderou a regra de entrada em vigor da futura lei, constante do artigo 10.º, em particular quando conjugada com o n.º 1 do artigo 5.º, que prevê que o prazo para o Chefe do Executivo receber a comunicação do Governo Popular Central será fixado por acordo entre ambas as entidades, o qual é publicado por Aviso do Chefe do Executivo na I Série do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau.
Caso houvesse um lapso de tempo entre a entrada em vigor da lei e a publicação de tal Aviso, poderia ocorrer um bloqueamento nos processos em causa, dado que já existiria a obrigação de notificação sem que houvesse um prazo, findo o qual as autoridades competentes pudessem tratar os pedidos em causa, na presunção da inexistência de qualquer objecção decorrente do silêncio do Governo Popular Central.
O Governo teve oportunidade de informar a Comissão de que tal acordo já existe, sendo o prazo acordado de 15 dias, e que o mesmo está pronto a ser publicado.
No entanto, dada a impossibilidade técnico-jurídica de publicação da lei e do aviso em simultâneo, existirá sempre um lapso temporal entre a publicação de tais actos, existindo o perigo (ainda que meramente hipotético) do referido bloqueamento processual.
Assim, considerando igualmente as vantagens da existência de um prazo mais alargado entre a publicação da lei e a sua entrada em vigor - quer para permitir a sua melhor compreensão, quer para permitir o estabelecimento dos necessários mecanismos burocráticos -, a Comissão considera adequado que a norma relativa à entrada em vigor da lei seja repensada.
7. Ajustamentos técnico-jurídicos
Para além dos aspectos abordados nos pontos anteriores, a Comissão considerou melhoramentos de redacção de várias normas visando o seu aperfeiçoamento técnico-jurídico, sem reflexos no conteúdo substancial das mesmas.
Ao nível da sistematização, a Comissão considera que o n.º 2 do artigo 3.º deve ter uma inserção sistemática diferente. Assim, tal norma deverá passar a constar de um número autónomo do artigo 1º, passando este artigo a abranger, tanto o âmbito objectivo de aplicação (números existentes), como o âmbito subjectivo (actual n.º 2 do artigo 3.º).
8. Versão alternativa
No dia 20 de Fevereiro de 2002, já em fase de ultimação do presente Parecer, o Governo da RAEM apresentou uma versão alternativa da proposta de lei que, em parte, reflecte as questões suscitadas aquando da discussão na especialidade em Comissão.
Nos termos da nova versão da proposta de lei, o anterior n.º 2 do artigo 3.º passa a constar como n.º 4 do artigo 1.º e o artigo da entrada em vigor (artigo 10.º) é eliminado, passando a aplicar-se a regra geral quanto à entrada em vigor da lei, constante do n.º 2 do artigo 4.º do Código Civil e do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 3/1999 (Publicação e formulário dos diplomas).
V – Conclusão
Em conclusão, apreciada e analisada a proposta de lei, a Comissão:
a) é de parecer que a proposta de lei reúne os requisitos necessários para apreciação e votação, na especialidade, pelo Plenário;
b) sugere que, na reunião plenária destinada à votação na especialidade da presente proposta de lei, o Governo se faça representar, a fim de poderem ser prestados os esclarecimentos necessários.
Macau, 20 de Fevereiro de 2002.
A Comissão, Leong Heng Teng (Presidente) –– Cheong Vai Kei –– Leong Iok Wa –– Kwan Tsui Hang –– Au Chong Kit –– Ng Kuok Cheong –– Vong Hin Fai (Secretário).
O artigo 94.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau estipula que "com o apoio e a autorização do Governo Popular Central, a Região Administrativa Especial de Macau pode desenvolver as diligências adequadas à obtenção de assistência jurídica com outros países, em regime de reciprocidade".
A cooperação judiciária envolverá "per se" assuntos de defesa nacional e de relações externas, e consequentemente, os de soberania, segurança e ordem pública do Estado. Portanto, a cooperação judiciária entre a RAEM e países estrangeiros é da competência do Governo Popular Central, por se tratar de assuntos de cooperação entre Estados. Macau, sendo uma região administrativa especial com poder judicial independente, poderá desenvolver relações adequadas no âmbito da cooperação judiciária com países estrangeiros. Assim, o supra articulado da Lei Básica reflecte o princípio de "um país, dois sistemas" instituído no domínio da cooperação judiciária, tornando-se também um dos fundamentos legais do "Procedimento relativo à notificação de pedido no âmbito da cooperação judiciária". Com a aprovação da presente proposta de lei, concretizará, de facto, o citado preceito da Lei Básica.
Desde o seu estabelecimento, a RAEM tem vindo a desenvolver progressivamente trabalhos de cooperação judiciária, tais como a transferência de pessoa condenada, a entrega de infractor em fuga e a notificação de actos judiciais, bem como a produção de provas. Como a cooperação nestas matérias poderá envolver assuntos de defesa nacional, relações externas ou soberania, segurança e ordem pública do Estado, torna-se necessário estabelecer um procedimento de notificação ao Governo Popular Central no âmbito da cooperação judiciária. Em termos práticos, a aprovação da presente proposta de lei facilitará o desenvolvimento desta cooperação a assegurar pela RAEM.
A presente proposta de lei visa estabelecer um procedimento relativo à notificação de pedido no âmbito da cooperação judiciária, que se aplicará aos pedidos de notificação de actos judiciais e produção de provas em matéria civil e comercial, bem como aos pedidos de cooperação judiciária em matéria penal e ainda à revisão, confirmação e execução de decisões judiciais em matéria civil, comercial e penal e de decisões arbitrais.
No que respeita aos trâmites processuais, os órgãos judiciais ou administrativos da RAEM, responsáveis pela apreciação do pedido de cooperação judiciária, antes de dirigirem um pedido aos países ou territórios exteriores à República Popular da China ou aceitarem pedido dirigido por estes, terão que enviar as respectivas informações ao Chefe do Executivo, que apresentará a devida notificação ao Governo Popular Central.
Quando o Governo Popular Central emitir instruções relativamente à apresentação ou aceitação de pedido no âmbito da cooperação judiciária, comunicando-as por escrito ao Chefe do Executivo, deverá este emitir um despacho em conformidade, ficando assim vinculadas as autoridades competentes por esse despacho. Se o Chefe do Executivo não obtiver qualquer comunicação escrita do Governo Popular Central no prazo fixado, deverá comunicar o facto às referidas autoridades competentes, que apreciarão, por si mesmas, em conformidade com a lei, o respectivo pedido de cooperação judiciária.
A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea 1) do artigo 71.º e do artigo 94.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, para valer como lei, o seguinte:
1. A presente lei aplica-se à apresentação de pedido, no âmbito da cooperação judiciária, dirigido pelas autoridades competentes da Região Administrativa Especial de Macau (adiante designada abreviadamente por "RAEM") às autoridades competentes de um país ou território exteriores à República Popular da China (adiante designada por "autoridades estrangeiras"), bem como à aceitação de pedido dirigido por estas, nos termos da lei ou acordos bilaterais ou tratados multilaterais aplicáveis.
2. Para os efeitos da presente lei, entendem-se por pedidos no âmbito da cooperação judiciária a notificação de actos judiciais e produção de provas em matéria civil e comercial, bem como os pedidos de cooperação judiciária em matéria penal, nomeadamente:
1) Pedido de entrega de infractor em fuga e do seu trânsito;
2) Pedido de transferência de pessoa condenada e do seu trânsito;
3) Pedido de notificação de actos judiciais e produção de provas em matéria penal.
3. A presente lei aplica-se, com as devidas adaptações, à revisão, confirmação e execução de decisões judiciais em matéria civil, comercial e penal e de decisões arbitrais.
1. As autoridades competentes da RAEM, antes de decidirem dirigir, nos termos da lei ou de acordos bilaterais ou tratados multilaterais aplicáveis, um pedido às autoridades estrangeiras, devem seguir o disposto na presente lei.
2. No caso de as autoridades competentes da RAEM receberem pedido dirigido pelas autoridades estrangeiras, após análise realizada nos termos da lei ou de acordos bilaterais ou tratados multilaterais aplicáveis, caso concluam liminarmente pela viabilidade do mesmo, deverão cumprir o disposto na presente lei.
1. As autoridades competentes da RAEM devem enviar as informações referidas no artigo 7.º ao Chefe do Executivo, que apresentará a notificação ao Governo Popular Central.
2. Para os efeitos da presente lei, entendem-se por autoridades competentes da RAEM os órgãos judiciais e administrativos da RAEM responsáveis pela apreciação do pedido de cooperação judiciária envolvido na notificação, nos termos da lei ou de acordos bilaterais ou tratados multilaterais aplicáveis.
1. Quando o Governo Popular Central, com fundamento em assuntos de defesa nacional, relações externas, soberania, segurança ou ordem pública do Estado, emitir instruções quanto à apresentação ou aceitação de pedido no âmbito da cooperação judiciária, comunicando-as por escrito ao Chefe do Executivo, deve este emitir um despacho em conformidade.
2. As autoridades competentes da RAEM ficam vinculadas pelo despacho referido no número anterior.
3. Caso o Chefe do Executivo não receba qualquer comunicação escrita do Governo Popular Central no prazo referido no artigo 5.º, deve comunicar o facto às autoridades competentes da RAEM, que, depois de serem comunicadas, tratam, por si mesmas, em conformidade com a lei, do pedido de cooperação judiciária.
1. O prazo para o Chefe do Executivo da RAEM receber a comunicação escrita do Governo Popular Central será fixado por Acordo a celebrar entre o Chefe do Executivo e o Governo Popular Central, o qual deverá ser publicado por Aviso do Chefe do Executivo na I Série do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau.
2. No caso previsto no n.º 2 do artigo 7.º, a contagem do prazo referido no número anterior deve reiniciar-se a partir do dia seguinte ao do fornecimento das informações complementares.
3. Em caso excepcional, os prazos referidos nos n.os 1 e 2 podem ser devidamente prolongados ou reduzidos, mediante negociação entre o Chefe do Executivo da RAEM e o Governo Popular Central, devendo tal ser imediatamente comunicado pelo Chefe do Executivo às autoridades competentes.
Em caso de urgência, as autoridades competentes da RAEM podem, notificando ao mesmo tempo o Governo Popular Central, dirigir um pedido às autoridades estrangeiras ou aceitar um pedido dirigido por estas, relativo aos seguintes actos:
1) Detenção provisória de arguido;
2) Conservação e produção de provas;
3) Revistas, buscas e apreensões;
4) Fornecimento de informações relativas ao paradeiro de um arguido;
5) Outras medidas cautelares integradas num processo penal ou civil.
1. A notificação é efectuada por escrito, devendo incluir:
1) Cópia do pedido e dos documentos anexos;
2) Matéria em relação à qual é solicitada a cooperação e o sumário dos respectivos factos relevantes, incluindo as designações das entidades requerente e requerida, o nome e outros elementos de identificação das partes e o sumário do caso;
3) Parecer fundamentado sobre a aceitação do pedido, no caso de a RAEM tratar de pedido dirigido por autoridades estrangeiras;
4) Objectos a entregar e data do trânsito referido no pedido de trânsito, conforme o caso, além dos elementos previstos nas alíneas 1) e 2), quando se trate de pedido de entrega de infractor em fuga e do seu trânsito, dirigido por autoridades estrangeiras;
5) Indicação dos países ou territórios, tempo e percurso, envolvidos no pedido de trânsito, no caso de as autoridades competentes da RAEM dirigir pedido de entrega de infractor em fuga e do seu trânsito às autoridades estrangeiras;
6) Indicação do crime cometido e pena aplicada, período da pena já cumprido, data da expiração da pena e consentimento da entrega por pessoa condenada ou do seu representante, no caso de pedido de entrega de pessoa condenada dirigido pelas autoridades competentes da RAEM a autoridades estrangeiras ou por estas dirigido.
2. As autoridades competentes da RAEM fornecem ao Governo Popular Central as informações complementares por este solicitadas.
3. A notificação inclui ainda informação pormenorizada sobre as medidas urgentes entretanto tomadas.
4. A notificação deve ser feita em chinês, salvo o disposto na alínea 1) do n.º 1 deste artigo.
O despacho do Chefe do Executivo referido no artigo 4.º não é susceptível de impugnação, nem cabe recurso da decisão tomada pelas autoridades competentes nos termos daquele despacho.
A notificação não dá lugar à cobrança de quaisquer encargos.
A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.
Aprovada em de de 2002.
A Presidente da Assembleia Legislativa, Susana Chou.
Assinada em de de 2002.
Publique-se.
O Chefe do Executivo, Ho Hau Wah.
A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea 1) do artigo 71.º e do artigo 94.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, para valer como lei, o seguinte:
1. A presente lei aplica-se à apresentação de pedido, no âmbito da cooperação judiciária, dirigido pelas autoridades competentes da Região Administrativa Especial de Macau (adiante designada abreviadamente por "RAEM") às autoridades competentes de um país ou território exteriores à República Popular da China (adiante designada por "autoridades estrangeiras"), bem como à aceitação de pedido dirigido por estas, nos termos da lei ou acordos bilaterais ou tratados multilaterais aplicáveis.
2. Para os efeitos da presente lei, entendem-se por pedidos no âmbito da cooperação judiciária a notificação de actos judiciais e produção de provas em matéria civil e comercial, bem como os pedidos de cooperação judiciária em matéria penal, nomeadamente:
1) Pedido de entrega de infractor em fuga e do seu trânsito;
2) Pedido de transferência de pessoa condenada e do seu trânsito;
3) Pedido de notificação de actos judiciais e produção de provas em matéria penal.
3. A presente lei aplica-se, com as devidas adaptações, à revisão, confirmação e execução de decisões judiciais em matéria civil, comercial e penal e de decisões arbitrais.
4. Para os efeitos da presente lei, entendem-se por autoridades competentes da RAEM os órgãos judiciais e administrativos da RAEM responsáveis pela apreciação do pedido de cooperação judiciária envolvido na notificação, nos termos da lei ou de acordos bilaterais ou tratados multilaterais aplicáveis.
1. As autoridades competentes da RAEM, antes de decidirem dirigir, nos termos da lei ou de acordos bilaterais ou tratados multilaterais aplicáveis, um pedido às autoridades estrangeiras, devem seguir o disposto na presente lei.
2. No caso de as autoridades competentes da RAEM receberem pedido dirigido pelas autoridades estrangeiras, após análise realizada nos termos da lei ou de acordos bilaterais ou tratados multilaterais aplicáveis, caso concluam liminarmente pela viabilidade do mesmo, deverão cumprir o disposto na presente lei.
As autoridades competentes da RAEM devem enviar as informações referidas no artigo 7.º ao Chefe do Executivo, que apresentará a notificação ao Governo Popular Central.
1. Quando o Governo Popular Central, com fundamento em assuntos de defesa nacional, relações externas, soberania, segurança ou ordem pública do Estado, emitir instruções quanto à apresentação ou aceitação de pedido no âmbito da cooperação judiciária, comunicando-as por escrito ao Chefe do Executivo, deve este emitir um despacho em conformidade.
2. As autoridades competentes da RAEM ficam vinculadas pelo despacho referido no número anterior.
3. Caso o Chefe do Executivo não receba qualquer comunicação escrita do Governo Popular Central no prazo referido no artigo 5.º, deve comunicar o facto às autoridades competentes da RAEM, que, depois de serem comunicadas, tratam, por si mesmas, em conformidade com a lei, do pedido de cooperação judiciária.
1. O prazo para o Chefe do Executivo da RAEM receber a comunicação escrita do Governo Popular Central será fixado por Acordo a celebrar entre o Chefe do Executivo e o Governo Popular Central, o qual deverá ser publicado por Aviso do Chefe do Executivo na I Série do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau.
2. No caso previsto no n.º 2 do artigo 7.º, a contagem do prazo referido no número anterior deve reiniciar-se a partir do dia seguinte ao do fornecimento das informações complementares.
3. Em caso excepcional, os prazos referidos nos n.os 1 e 2 podem ser devidamente prolongados ou reduzidos, mediante negociação entre o Chefe do Executivo da RAEM e o Governo Popular Central, devendo tal ser imediatamente comunicado pelo Chefe do Executivo às autoridades competentes.
Em caso de urgência, as autoridades competentes da RAEM podem, notificando ao mesmo tempo o Governo Popular Central, dirigir um pedido às autoridades estrangeiras ou aceitar um pedido dirigido por estas, relativo aos seguintes actos:
1) Detenção provisória de arguido;
2) Conservação e produção de provas;
3) Revistas, buscas e apreensões;
4) Fornecimento de informações relativas ao paradeiro de um arguido;
5) Outras medidas cautelares integradas num processo penal ou civil.
1. A notificação é efectuada por escrito, devendo incluir:
1) Cópia do pedido e dos documentos anexos;
2) Matéria em relação à qual é solicitada a cooperação e o sumário dos respectivos factos relevantes, incluindo as designações das entidades requerente e requerida, o nome e outros elementos de identificação das partes e o sumário do caso;
3) Parecer fundamentado sobre a aceitação do pedido, no caso de a RAEM tratar de pedido dirigido por autoridades estrangeiras;
4) Objectos a entregar e data do trânsito referido no pedido de trânsito, conforme o caso, além dos elementos previstos nas alíneas 1) e 2), quando se trate de pedido de entrega de infractor em fuga e do seu trânsito, dirigido por autoridades estrangeiras;
5) Indicação dos países ou territórios, tempo e percurso, envolvidos no pedido de trânsito, no caso de as autoridades competentes da RAEM dirigir pedido de entrega de infractor em fuga e do seu trânsito às autoridades estrangeiras;
6) Indicação do crime cometido e pena aplicada, período da pena já cumprido, data da expiração da pena e consentimento da entrega por pessoa condenada ou do seu representante, no caso de pedido de entrega de pessoa condenada dirigido pelas autoridades competentes da RAEM a autoridades estrangeiras ou por estas dirigido.
2. As autoridades competentes da RAEM fornecem ao Governo Popular Central as informações complementares por este solicitadas.
3. A notificação inclui ainda informação pormenorizada sobre as medidas urgentes entretanto tomadas.
4. A notificação deve ser feita em chinês, salvo o disposto na alínea 1) do n.º 1 deste artigo.
O despacho do Chefe do Executivo referido no artigo 4.º não é susceptível de impugnação, nem cabe recurso da decisão tomada pelas autoridades competentes nos termos daquele despacho.
A notificação não dá lugar à cobrança de quaisquer encargos.
Aprovada em de de 2002.
A Presidente da Assembleia Legislativa, Susana Chou.
Assinada em de de 2002.
Publique-se.
O Chefe do Executivo, Ho Hau Wah.