Assunto: Projecto de lei intitulado "Alterações à Lei n.º 6/96/M, de 15 de Julho, que aprovou o Regime Jurídico das Infracções Contra a Saúde Pública e Contra a Economia"
O projecto de lei em epígrafe foi aprovado na generalidade em sessão plenária desta Assembleia Legislativa, em 28 de Novembro de 2001.
A Senhora Presidente da Assembleia Legislativa, através do despacho n.º 51/II/2001, do mesmo dia, distribuiu o projecto de lei à 3.ª Comissão para exame na especialidade, exigindo a emissão de parecer até ao dia 30 de Janeiro de 2002.
Nesse sentido, a Comissão reuniu nos dias 12 de Dezembro de 2001, 3, 4, 21 e 24 de Janeiro de 2002, para proceder à análise e discussão do Projecto. Nas reuniões realizadas em 3 e 4 de Janeiro, contou com a presença e a colaboração dos representantes do Governo, entre os quais o da Polícia Judiciária, que entregou à Comissão um documento intitulado "Observações da Polícia Judiciária sobre o combate aos actos criminosos praticados por lojas negras", que consta em anexo. Alguns deputados não pertencentes a esta Comissão estiveram também presentes em algumas das reuniões.
Nos termos do art. 118.º do "Regimento da Assembleia Legislativa", a Comissão procedeu ao exame, na especialidade, do projecto de lei em causa.
As disposições da Lei n.º 6/96/M e situação da sua execução
Atendendo às alterações de alguns artigos da Lei n.º 6/96/M, propostas pelo projecto de lei em apreciação, a Comissão pretende proceder à avaliação global dos referidos artigos, que têm relação com as disposições ora propostas no projecto, bem como a uma avaliação da situação relativa à execução desses mesmos artigos. Para isso, procedeu à recolha de dados, tomando conhecimento da génese legislativa, e convidou os respectivos serviços públicos, intervenientes no processo de execução da lei – o Conselho de Consumidores, a Direcção dos Serviços de Economia, a Direcção dos Serviços de Turismo, os Serviços de Alfândega, o Ministério Público e a Polícia Judiciária – no sentido de tomar conhecimento da real situação do trabalho, no âmbito do combate às lojas negras. Com base nisso, a Comissão procedeu a uma ampla discussão sobre a função da Lei n.º 6/96/M no combate às lojas negras, bem como sobre os motivos que conduzem, na realidade, à ineficácia desse combate.
1) A Lei n.º 6/96/M foi aprovada em 1996, e de acordo com o parecer elaborado na altura, pela respectiva comissão, os bens jurídicos protegidos são: a) a saúde pública, b) a regularidade das relações de mercado (e a correlacionada confiança dos consumidores nessa regularidade) e c) a actividade económica como meio de satisfação das necessidades colectivas essenciais. A finalidade legislativa é defender a saúde pública e a ordem da economia de mercado livre, e regular as infracções contra a saúde pública e a economia. O projecto de lei em apreciação incide essencialmente sobre o art. 5.º (Determinação da medida da pena) e o art. 28.º (Fraude sobre mercadorias).
2) Relativamente à situação de execução da lei, a Comissão tomou conhecimento de que os vários serviços intervenientes no processo de execução participam nas acções de combate às lojas negras, entre os quais os Serviços de Alfândega que, embora recentemente criados, têm vindo a iniciar, gradualmente, o seu trabalho. Todavia, ao analisar a Lei n.º 6/96/M, verifica-se que a intenção do legislador é a atribuição concentrada do poder de fiscalização à Direcção dos Serviços de Economia. Porém, na prática, encontra-se esse poder disperso por vários serviços públicos, não sendo perfeitos a comunicação e os mecanismos de coordenação entre os mesmos, o que pode afectar a eficácia ao nível da execução da lei.
Por outro lado, normalmente os serviços competentes prestam apenas atenção à indemnização pecuniária por parte das lojas. Assim que o prejuízo económico causado aos turistas é reparado, os referidos serviços entendem que a sua missão está cumprida, não exigindo, por sua iniciativa, a responsabilidade criminal das lojas envolvidas. Alguns serviços entendem, erradamente, que sendo o delito em causa um crime semi-público, o processo pode ser dado por terminado se o turista não apresentar queixa. Na realidade, o espírito legislativo, subjacente à Lei n.º 6/96/M em apreço, tem por objectivo defender os interesses públicos e a ordem económica da sociedade em geral. Logo, independentemente da apresentação de queixas pelos turistas, os serviços devem assumir a obrigação de denúncia, tendo a responsabilidade de encaminhar o respectivo processo para o Ministério Público. A situação acima referida demonstra que há insuficiência de eficácia na execução da lei, ou que existem divergências de interpretação da mesma, no que concerne à sua execução.
Para além disso, a Comissão tomou conhecimento das situações seguintes:
(1) Segundo os serviços intervenientes no processo de execução da lei, na prática, as queixas contra as lojas negras são, na sua maioria, referentes a situações em que os turistas são conduzidos, por taxistas ou agentes turísticos, para determinadas farmácias chinesas ou lojas de venda de produtos alimentares chineses, onde são, ou enganados no peso dos produtos, através da "substituição do preço por cate pelo preço por tael", ou coagidos a comprar.
(2) Outra situação referida pelos serviços intervenientes no processo de execução da lei diz respeito à prática judicial, os casos praticados por lojas negras são relativamente poucos e na sua maioria são tratados como crimes de burla e a lei n.º 6/96/M tem sido raramente aplicada.
(3) Os referidos serviços apontaram ainda que o período do processo, que começa com o inquérito, passando pela acusação, até ao termo da acção, é demasiado longo. Na pendência da acção, algumas lojas negras continuam a funcionar, ou mudam de localização, para poderem continuar com as suas actividades ilegais, o que impossibilita o combate atempado e eficaz contra esses operadores.
(4) Os serviços públicos manifestaram dificuldades no que concerne à obtenção de provas.
(5) A representante do Ministério Público salientou que o Ministério Público tem entendido os crimes previstos na Lei n.º 6/96/M como crimes públicos. No sentido de dar, atempadamente, início ao trabalho, a representante do Ministério Público apelou aos outros serviços intervenientes para que fossem dadas, às partes processuais, instruções claras, e que fossem encaminhados os casos para o Ministério Público, com a maior brevidade possível.
Para além disso, a representante do Ministério Público entende que a questão crucial é a execução da lei. Se não forem resolvidos os problemas verificados durante o processo de execução da lei, só com a agravação das penas não será possível evitar o aparecimento desses crimes.
3) Face aos problemas acima referidos, a Comissão entende merecerem reiteração e destaque os seguintes aspectos já regulados pela Lei n.º 6/96/M:
(1) A Lei consagra a defesa dos interesses públicos e a protecção dos interesses de todos os consumidores, sem especificações; (2) Os crimes previstos na Lei são de denúncia obrigatória, são crimes públicos, cuja instrução de processo penal não depende de queixa da vítima (art. 36.º); (3) A Lei define que compete à Direcção dos Serviços de Economia exercer a respectiva fiscalização (art. 35.º); (4) A Lei atribui às pessoas, singulares ou colectivas, lesadas pelo facto, ao Conselho de Consumidores e às associações de consumidores a possibilidade de se constituírem assistentes no processo (art. 38.º); (5) A Lei introduz medidas especiais de "injunção judiciária", ou seja, o tribunal pode ordenar ao infractor que cesse a actividade ilícita, imediatamente ou no prazo que Ihe for fixado (art.18.º).
De entre os problemas expostos, surgidos durante a execução da lei, alguns poderiam ser resolvidos pela própria Lei n.º 6/96/M, que não conseguiu surtir cabalmente os efeitos desejados, pelo facto de os serviços não terem exercido devidamente as competências que a lei lhes atribui, ou não terem interpretado, a fundo, o referido diploma. Outros problemas, porém, já não são objecto de regulamentação pela Lei n.º 6/96/M, como o acto de "substituição do preço por cate pelo preço por tael, que, segundo a análise efectuada pela Polícia Judiciária no documento que apresentou, constitui, de facto, "burla", prevista no artigo 211.º do Código Penal, e não "fraude sobre mercadorias" prevista no art. 28.º da Lei n.º 6/96/M, uma vez que os dois crimes em causa não são idênticos quanto aos elementos constitutivos do crime, à moldura penal, à natureza e ao processo aplicável, razões pelas quais não pode ser resolvido através da Lei n.º 6/96/M. Ou seja, esta não pode solucionar todos os problemas decorrentes do processo de combate às lojas negras
Em suma, espera a Comissão que esta ampla discussão possa contribuir para uma melhor aplicação da lei em causa, sugerindo ainda ao Ministério Público que, numa perspectiva de defesa do interesse público, tome a iniciativa de coordenar as relações entre os diversos serviços públicos, os quais devem, também, por sua própria iniciativa, executar a lei.
Apreciação concreta do conteúdo do projecto de lei
A Comissão apreciou, concretamente, o conteúdo do projecto de lei, abordando essencialmente os seguintes aspectos:
1) O número 1 do art. 1º do projecto de lei propõe o aditamento de uma alínea ao art. 5.º da Lei n.º 6/96/M.
A Comissão considera que os interesses dos turistas merecem protecção. Porém, alguns membros da Comissão entendem que, sob o ponto de visat da técnica legislativa, na apreciação da eventual inclusão da alínea ora proposta na Lei n.º 6/96/M, é necessário ponderar, previamente, os seguintes aspectos: 1. A determinação da medida da pena prevista no art. 5.º da lei é uma disposição geral, aplicável a todos os tipos-de-ilícitos previstos nessa mesma lei e não meramente ao previsto no art. 28.º. 2. Os crimes previstos nessa lei são crimes públicos, cujo processo criminal se pode instaurar independentemente de queixa. Para se considerar consumado o crime, basta que o agente pratique qualquer acto previsto na lei, não havendo exigência de objecto lesado. 3. A lei em causa não tem a intenção de delimitar o tipo de consumidor, sendo seu objecto a protecção de todos os consumidores, é que os turistas também são consumidores.
2) O art. 2.º do projecto de lei propõe a alteração do art. 28.º da Lei n.º 6/96/M.
(1) Elevação da moldura penal, ou seja, substituição da actual "... pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias" por "pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias" e, em caso de negligência, substituição da pena de prisão "... até 6 meses ou multa até 60 dias" por pena de prisão "... até 1 ano ou multa não inferior a 60 dias".
Depois de consultado o parecer relativo à proposta de lei (aprovada e publicada como Lei n.º 6/96/M) apreciada pela Comissão de Economia e Finanças Públicas da Assembleia Legislativa em 1996, a Comissão verificou que, na altura, a fraude sobre mercadorias prevista no art. 28.º foi considerada como tendo "menor dignidade relativamente aos restantes crimes contra a economia" e foi colocada em último lugar na respectiva secção da lei, com punição mais leve. Tomando como referência essencial a punição dos outros crimes previstos na Lei n.º 6/96/M, o projecto de lei em apreciação procura elevar, correspondentemente, a moldura penal aplicável à fraude sobre mercadorias prevista no art. 28.º, estabelecendo a equivalência entre punições.
(2) Alguns deputados membros da Comissão entendem que o negócio referido no art. 28.º tem lugar, geralmente, em lugares determinados, tais como lojas. Com a alteração apresentada pelo número 2 do art. 1.º do projecto de lei, ou seja, ao aditamento de "... qualquer outro modo puser em circulação mercadorias...", deixará de haver esse critério de lugar para determinar a punibilidade criminal, pois passará a abranger todo e qualquer lugar e circunstância em que forem encontradas ou transportadas essas mercadorias. Sendo a negligência igualmente punível, o alargamento do âmbito da aplicação desse artigo poderá suscitar situações de injustiça na execução da lei.
Durante a apreciação do projecto, alguns deputados manifestaram ainda que o problema em causa é a execução da lei e não o facto de as penas serem leves ou pesadas. Se a execução for ineficaz, não se produzirão quaisquer efeitos, mesmo que seja aprovado o projecto de lei em causa.
Por fim, a Comissão entende que a protecção dos direitos e interesses dos turistas tem implicações directas no desenvolvimento do Turismo, sugerindo, por isso ao Governo que, por um lado, preste atenção ao funcionamento das agências de viagem e turismo, reforçando a fiscalização do seu pessoal e que, por outro, estude a adopção de outros métodos, no sentido de uma melhor protecção dos direitos e interesses legítimos dos turistas.
Analisado e apreciado o projecto de lei, a Comissão é de parecer que o projecto de lei reúne os requisitos necessários para apreciação e votação, na especialidade, pelo Plenário.
Macau, 24 de Janeiro de 2002.
A Comissão, Philip Xavier (Presidente) — Kou Hoi In –– Hoi Sai Iun –– Iong Weng Ian –– João Bosco Cheang –– Cheang Chi Keong (Secretário)
(TRADUÇÃO)
Sub inspector, Lou Iok Chun.
- Prefácio
- História
- Situação Actual:
Parte A – As diferenças na protecção dos bens jurídicos.
Parte B – Serviços Públicos intervenientes no processo de execução da lei
Parte C – Actos criminosos de burla contra turistas
- Sugestões
1. Alteração da lei vigente
2. Elaboração de nova uma lei
3. Alargamento do âmbito da regulamentação sobre o crime organizado
- Conclusão
Macau, cidade local de encontro das culturas oriental e ocidental, detém uma singularidade atractiva.
De acordo com os dados estatísticos da Direcção dos Serviços de Turismo, o número de visitantes atingiu, no ano passado, os 900 mil, e ultrapassou os 10 milhões, em 2001, ou seja, 23 vezes a população de Macau.
O sector do turismo, não só acarreta benefícios económicos significativos, através da criação de inúmeras oportunidades de emprego, como também contribui para elevar o estatuto de Macau a nível internacional. Tendo em consideração os benefícios obtidos, proteger os visitantes e motivá-los para o consumo é a expectativa de todos os cidadãos de Macau.
A defesa dos direitos e interesses dos turistas depende, em tudo, da legislação.
Já há muito tempo que se verificam casos de burla contra turistas. Os malfeitores vendem produtos falsificados, enganam os turistas no peso do ginseng ou de outros medicamentos chineses, substituindo as medidas de peso, cates por taéis", ou oferecem descontos, alegando que esses são apenas oferecidos aos titulares de passaporte estrangeiro. Perante tais casos, que tendem a piorar, os serviços competentes efectuaram, depois de recepcionadas as respectivas queixas, várias averiguações junto das "lojas negras" envolvidas. Apesar disso, devido a diversos factores impeditivos, tais como a legislação, não podem penalizar os malfeitores em causa, o que permite que essas lojas negras continuem a funcionar.
O sector do turismo é a principal indústria económica de Macau, através da qual se obtêm avultadas receitas. As fraudes praticadas pelas "lojas negras" prejudicam a reputação de Macau no exterior, afectando directamente a vontade de visitar Macau e, por conseguinte, a vontade dos turistas em aqui consumir. A diminuição do número de turistas e do seu consumo será, necessariamente, um forte choque para a economia de Macau, impedindo o desenvolvimento social e afectando, desfavoravelmente, a imagem de Macau a nível internacional. A instrumentalização das "lojas negras" não se limita à fraude económica, praticada por determinados sectores, suspeitando-se da existência de ligações ao crime organizado. Tal facto pode causar graves e grandes prejuízos à economia de Macau, razão pela qual tais actos constituem o nosso principal inimigo.
Parte A – As diferenças na protecção dos bens jurídicos.
Nos termos da legislação vigente em Macau, as leis que regulam os actos criminosos praticados por "lojas negras" são as seguintes:
1. Lei n.º 6/96/M, de 15 de Julho (Regime jurídico das infracções contra a saúde pública e contra a economia)
2. Código Penal, Art. 211.º (Burla)
Nos termos da Lei n.º 6/96/M, de 15 de Julho que regula o Regime jurídico das infracções contra a saúde pública e contra a economia:
- são bens jurídicos a proteger a saúde pública e a economia; sendo objectos a regular as infracções contra a saúde pública e contra a economia;
- a finalidade legislativa visa garantir a saúde pública e a ordem do mercado;
- infracções: não há comentários, uma vez que as disposições relativas às infracções correspondem à actual situação social;
- crimes: actualmente surgem casos de ilegalidade em que os malfeitores vendem produtos falsificados, enganam os turistas no peso do ginseng ou de outros medicamentos chineses, substituindo as medidas de peso, cates por taéis", ou oferecem descontos, alegando que esses são apenas oferecidos aos titulares de passaporte estrangeiro. Atendendo a essa realidade, são vários os pedidos da sociedade, no sentido de que os serviços intervenientes no processo de execução da lei reprimam esses actos, nos termos da lei.
Assim, devemos conhecer a referida lei, reguladora de tais actos criminosos, nomeadamente desde o art. 19.º até ao art. 28.º:
Lei n.º 6/96/M de 15 de Julho
Capítulo II Secção I (Crimes)
Artigo 19.º (Abate e comercialização clandestinos)
1. É punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias quem abater animais para consumo público:
a) sem a competente inspecção sanitária, quando prevista por lei ou regulamento;
b) Fora dos matadouros ou recintos a esse efeito destinados pelas autoridades competentes; ou
c) De espécies cujo abate é proibido.
2. Com a mesma pena é punido quem transaccionar ou importar, para consumo público, carne dos animais abatidos nos termos do número anterior ou produtos com ela fabricados.
3. Havendo negligência, a pena é de prisão até 1 ano ou multa não inferior a 60 dias.
Artigo 20.º (Géneros alimentícios ou aditivos alimentares anormais)
1. Quem produzir, preparar, confeccionar, fabricar, transportar, armazenar, detiver em depósito, vender, tiver em existência ou exposição para venda, importar, exportar ou transaccionar por qualquer forma, para consumo público, géneros alimentícios ou aditivos alimentares anormais não susceptíveis de criar perigo para a vida ou grave perigo para a integridade física de outrem é punido:
a) Tratando-se de géneros alimentícios ou aditivos alimentares falsificados, com pena de prisão de 3 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias;
b) Tratando-se de géneros alimentícios ou aditivos alimentares corruptos, com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias;
c) Tratando-se de géneros alimentícios ou aditivos alimentares avariados, com pena de prisão até 18 meses ou com pena de multa não inferior a 60 dias;
2. Havendo negligência, as penas previstas no número anterior são, respectivamente, as seguintes:
a) Prisão até 1 ano ou multa não inferior a 60 dias;
b) Prisão até 6 meses ou multa não inferior a 60 dias;
c) Prisão até 6 meses ou multa não inferior a 30 dias.
Artigo 21.º (Outras infracções contra a genuinidade, qualidade ou composição de géneros alimentícios ou aditivos alimentares)
É punido, com pena de multa até 60 dias quem produzir, preparar, confeccionar, fabricar, transportar, armazenar, detiver em depósito, vender, tiver em existência ou exposição para venda, importar ou transaccionar por qualquer forma, para consumo público, géneros alimentícios ou aditivos alimentares:
a) Que, não sendo anormais, revelem uma natureza, composição, qualidade ou proveniência que não correspondam à designação ou atributos com que são comercializados;
b) Cujo processo de obtenção, preparação, confecção, fabrico, acondicionamento, conservação, transporte ou armazenagem não tenha obedecido às respectivas imposições legais; ou
c) Em relação aos quais não tenham sido cumpridas as regras fixadas na lei ou em regulamentos especiais, nomeadamente para salvaguarda do asseio e higiene.
Artigo 22.º (Detenção de substâncias ou utensílios que possam ser utilizados na falsificação de géneros alimentícios ou aditivos alimentares)
Quem, sem justificação, tiver em seu poder substâncias, produtos, artigos, objectos, utensílios ou qualquer maquinaria que possam ser empregados na falsificação de géneros alimentícios ou aditivos alimentares, bem como possuir ou tiver em laboração produtos que não obedeçam às prescrições legais e que possam servir para aquele fim, é punido com pena de multa até 60 dias.
Artigo 23.º (Preço ilícito)
1. É punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias quem:
a) Vender bens ou prestar serviços por preços superiores aos permitidos pelos regimes legais a que os mesmos estejam submetidos; ou
b) Vender bens ou prestar serviços por preços superiores aos que constem de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaboradas pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço.
2. Havendo negligência, a pena é de prisão até 1 ano ou multa não inferior a 60 dias.
Artigo 24.º (Açambarcamento)
1. É punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias quem, em situação de notória escassez ou com prejuízo do regular abastecimento do mercado de bens essenciais:
a) Ocultar existências ou as armazenar em locais não indicados às autoridades de fiscalização;
b) Recusar a sua venda segundo os usos normais da respectiva actividade ou condicionar a sua venda à aquisição de outros, do próprio ou de terceiro;
c) Recusar ou retardar a sua entrega quando encomendados e aceite o respectivo fornecimento;
d) Encerrar o estabelecimento ou o local do exercício da actividade com o fim de impedir a sua venda; ou
e) Não levantar bens essenciais que lhe tenham sido consignados e hajam dado entrada em locais de desembarque, descarga, armazenagem ou arrecadação, no prazo de 10 dias, tratando-se de bens sujeitos a racionamento ou condicionamento de distribuição, ou no prazo que tiver sido legalmente determinado pela entidade competente, tratando-se de quaisquer outros.
2. a recusa de venda considera-se justificada nos casos de:
a) Satisfação das necessidades normais do abastecimento doméstico do produtor ou do comerciante;
b) Satisfação das exigências normais da exploração agrícola, comercial ou industrial, durante o período necessário à renovação das existências;
c) Satisfação de compromissos anteriormente assumidos e devidamente comprovados.
3. Havendo negligência, a pena é de prisão até 1 ano ou multa não inferior a 60 dias.
4. Não constitui infracção a recusa de venda:
a) Em quantidade susceptível de prejudicar a justa repartição entre a clientela;
b) em quantidade manifestamente desproporcionada às necessidades normais de consumo do adquirente ou aos volumes normais das entregas do vendedor;
c) Por falta de capacidade do adquirente para, face às características dos bens, assegurar a sua revenda em condições técnicas satisfatórias ou para manter um adequado serviço assistencial pós-venda; ou
d) Por justificada falta de confiança do vendedor quanto à pontualidade de pagamento pelo adquirente, tratando-se de vendas a crédito.
5. O tribunal apenas ordena a perda de coisas ou direitos em caso de condenação por açambarcamento doloso.
Artigo 25.º (Açambarcamento por adquirente)
1. Quem, em situação de notória escassez ou com prejuízo do regular abastecimento do mercado, adquirir bens essenciais em quantidade manifestamente desproporcionada às suas necessidades de abastecimento ou de renovação normal das suas reservas, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.
2. O Tribunal apenas ordena a perda de coisas ou direitos que excederem as necessidades de abastecimento ou de renovação normal das reservas.
Artigo 26.º (Destruição e exportação ilícita)
1. É punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 10 dias quem, em situação de notória escassez ou com prejuízo do regular abastecimento do mercado:
a) Destruir bens essenciais; ou
b) Exportar, sem licença, bens essenciais cuja exportação esteja, por determinação legal, dela dependente.
2. Havendo negligência, a pena é de prisão até 6 meses ou multa não inferior a 60 dias.
Artigo 27.º (Requisição de bens)
1. Sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei n.º 72/92/M, de 28 de Setembro, o Governador pode, em caso de notória escassez ou de grave prejuízo para o regular abastecimento do mercado, e mediante o pagamento de justa indemnização, ordenar, por despacho, a requisição de bens essenciais.
2. O não cumprimento da requisição nos termos estabelecidos é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias, sendo os bens requisitados declarados perdidos a favor do Território.
3. Havendo negligência, a pena prevista no número anterior é de prisão até 1 ano ou multa não inferior a 60 dias.
Artigo 28.º (Fraude sobre mercadorias)
1. É punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias quem, com intenção de enganar os consumidores nas relações negociais e, sem prejuízo dos usos e costumes do comércio, tiver em exposição para venda ou vender mercadorias:
a) Contrafeitas, falsificadas ou depreciadas, fazendo-as passar por autênticas, não alteradas ou intactas; ou
b) De natureza diferente ou de qualidade e quantidade inferiores às que afirmar possuírem ou aparentarem.
2. Havendo negligência, a pena é de prisão até 6 meses ou multa até 60 dias
Da conjugação desses artigos com o regime jurídico em causa, podemos perceber que, teoricamente, o regime jurídico penaliza os crimes como crimes perigosos (ou crimes formais). Entende-se por crime perigoso qualquer acto criminoso que oferece potencial perigo, independentemente do resultado do prejuízo.
Assim acontece no n.º 1 do artigo 19.º "É punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias quem abater animais para consumo público:", ou seja, quem abater animais para consumo público comete um crime previsto na lei, sem que seja necessário aferir do resultado do prejuízo, como por exemplo, se alguém se sentiu mal ou ficou doente depois de consumir a carne desses animais.
Outro exemplo é o n.º 1 do artigo 28.º (Fraude sobre mercadorias) "É punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias quem, com intenção de enganar os consumidores nas relações negociais e, sem prejuízo dos usos e costumes do comércio, tiver em exposição para venda ou vender mercadorias", ou seja, quem tiver em exposição para venda ou vender mercadorias comete um crime previsto na lei, não sendo necessário que alguém adquira as mercadorias expostas, causando-lhe prejuízo patrimonial.
No regime jurídico é punido o caso de "negligência", como por exemplo nos artigos 19.º, 20.º, 23.º, 24.º, 26.º, 27.º e 28.º.
Atendendo aos actos praticados pelas "lojas negras", que têm em exposição para venda mercadorias falsificadas, é aplicável o art. 28.º (Fraude sobre mercadorias) da Lei n.º 6/96 de 15 de Julho (Regime jurídico das infracções contra a saúde pública e contra a economia).
Código Penal Artigo 211.º (Burla)
1. Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe cause, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. A tentativa é punível.
3. Se o prejuízo patrimonial resultante da burla for de valor elevado, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa té 600 dias.
4. A pena é a de prisão de 2 a 10 anos se:
a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado;
b) O agente fizer da burla modo de vida; ou
c) a pessoa prejudicada ficar em difícil situação económica.
Nos termos do art. 211.º (Burla) do Código Penal:
- o bem jurídico a proteger é o direito patrimonial e o objecto é a burla contra o direito patrimonial;
- a finalidade legislativa é defender o direito patrimonial;
- os elementos constitutivos do crime são:
a) "Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro (...) sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe cause, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial";
b) Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de (...) engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe cause, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial.
Depois da análise deste artigo, podemos perceber que, teoricamente, esse crime se caracteriza como crime de resultado. Entende-se por crime de resultado o acto tipificado por lei, que resulta em prejuízo.
Tal como se refere na alínea a), o criminoso necessita de ter intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe cause, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial. Por outras palavras, para corresponder à disposição da lei, é necessário haver prejuízo patrimonial.
Quanto ao referido na alínea b), o criminoso necessita de ter intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de (...) engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe cause, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial. Por outras palavras, é também necessário haver prejuízo patrimonial.
O art. 211.º não prevê punição para a negligência, embora tenha que haver intenção, portanto não há burla por negligência. Por outro lado, a tentativa é punível.
Entre os crimes cometidos pelas "lojas negras" encontra-se a substituição das medidas de peso, cates por taéis, ao qual é aplicável o artigo n.º 211.º (Burla) do Código Penal.
A substituição de cates por taéis é o método adoptado pelas farmácias chinesas, onde se vende também marisco seco. Normalmente, encontra-se apenas indicado o preço de determinado produto medicinal (e.g. Sek Hok), sem a indicação de que esse preço é por tael, enganando, portanto, os turistas, que pensam que aquele é por cate. Consequentemente, os turistas expressam a sua vontade de compra, pensando que o preço é mais baixo, em comparação com o preço praticado no local onde vivem. Antes de ser efectuado o pagamento, o pessoal das lojas transforma, de imediato, o produto medicinal em pó, com a intenção de impedir que os turistas mudem de opinião em relação à compra. Assim, os turistas vêem-se na obrigação de pagar preços irrazoáveis, o que resulta em prejuízo patrimonial.
Os envolvidos neste tipo de burla contra turistas, através da qual obtêm ganhos ilícitos, são as agências de viagem ou pessoas, individualmente; os motoristas das agências de viagem ou os taxistas que transportam os turistas para as lojas negras; os guias turísticos ou pessoas, individualmente, que levam os turistas a essas lojas negras e que promovem a compra de medicamentos; os funcionários das lojas negras, que incitam os turistas a comprar os medicamentos, bem como os donos dessas lojas, que aceitam o dinheiro dos turistas.
É evidente que o caso supramencionado preenche as condições estipuladas na alínea a), uma vez que se verifica prejuízo patrimonial. Por isso, é aplicável o artigo n.º 211.º (Burla) do Código Penal.
Parte B – Serviços intervenientes no processo de execução da lei.
Ao abrigo do n.º 35 (Entidades Competentes) da Lei n.º 6/96/M de 15 de Julho – Regime jurídico das infracções contra a saúde pública e contra a economia:
1. Compete à Direcção dos Serviços de Economia, adiante designada abreviadamente por DSE, através da Inspecção das Actividades Económicas, exercer a fiscalização prevista no artigo anterior, sem prejuízo da repartição de competências cometida por lei a outras entidades, designadamente aos Municípios e à Polícia Marítima e Fiscal.
2. Para o desempenho das suas funções de fiscalização, pode a DSE recorrer à colaboração e intervenção de outras entidades, nomeadamente dos Serviços de Saúde de Macau e das autoridades policiais.
É bem claro que, nos termos da lei acima mencionada, não compete à Polícia Judiciária o exercício da fiscalização às infracções estipuladas na Lei n.º6/96/M. A Polícia Judiciária só intervém e presta colaboração a pedido das entidades competentes, estipuladas na lei.
A substituição do preço por cate pelo preço por tael, método adoptado pelas lojas negras, constitui um acto de burla. Portanto, é aplicável o artigo n.º 211 (Burla) do Código Penal. Deve observar-se, por outro lado, o artigo n.º 38 do Código de Processo Penal, no que se refere ao tratamento desses casos.
Algumas vítimas dos casos supramencionados, após terem regressado aos seus países ou territórios de origem, apresentaram queixa à Direcção dos Serviços de Turismo. Nesses casos, é possível reivindicar o montante despendido, através da devolução da mercadoria. Algumas vezes, os serviços responsáveis encaminham os casos para as autoridades policiais e, nessa altura, a Polícia Judiciária acompanha os casos e, após concluída a investigação, encaminha-os para o Ministério Público, que lhes dará a devida sequência.
Quanto à questão das lojas negras, referiu já o Director da Polícia Judiciária, Wong Sio Chak, no plenário da Assembleia Legislativa, no ano passado, que existem determinadas dificuldades na investigação dos referidos casos, como por exemplo:
- O crime de "Burla" estipulado pelo artigo n.º 211 do Código Penal é um crime semi-público. Os turistas, já depois de terem saído de Macau, quando se apercebem que foram alvo de burla, apresentam queixa aos serviços responsáveis. No entanto, limitam-se a exigir a devolução dos montantes em causa, não tomando quaisquer outras iniciativas para punir os infractores. Nos termos das disposições do Código de Processo Penal, após acompanhamento dos casos deve a Polícia Judiciária encaminhá-los para o Ministério Público, que lhes dará a devida sequência. Contudo, é impossível para o Ministério Público proceder à denúncia, no caso de as vítimas não terem apresentado queixa junto dos serviços policiais.
- Mesmo que as vítimas exigissem a responsabilidade penal dos infractores, seria difícil proceder à obtenção de provas, especialmente o depoimento das vítimas, uma vez que estas já não se encontram em Macau. Quando regressam aos locais onde vivem e reivindicam o montante devido, é difícil que queiram voltar a Macau para ajudar na investigação.
- Método das cartas marcadas
Código de Processo Penal – n.º 113 (Métodos proibidos de prova)
1. São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral da pessoa.
2. São ofensivas da integridade física ou moral da pessoa as provas obtidas, mesmo que com consentimento dela, mediante:
a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;
b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;
c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;
e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.
3. Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
4. Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos no presente artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo.
Tendo em conta as disposições do Código de Processo Penal, os cidadãos têm consciência de que a adopção do método das cartas marcadas é incompatível com a lei.
Parte C – Actos criminosos de burla contra turistas
Nem todos os actos criminosos de burla contra turistas, praticados pelas "lojas negras", podem ser regulados pela mesma lei, podendo ser agrupados da seguinte forma:
1. O disposto do artigo 28.º da Lei n.º 6/96/M, de 15 de Julho, que aprovou o "Regime Jurídico das Infracções contra a Saúde Pública e contra a Economia" é aplicável ao crime de burla contra turistas. Por isso, pode-se, através desta lei, regular e punir esses crimes.
Isto é, pode-se aplicar esta lei a quem "tiver em exposição para venda mercadorias contrafeitas", não sendo necessário que o acto cause qualquer prejuízo e, mesmo em caso de negligência, o infractor será punido.
O infractor é punido com pena de prisão até 1 ano, ou com pena de multa não superior a 120 dias, e em caso de negligência é punido com pena de multa não superior a 60 dias.
Lei n.º 6/96/M - Artigo 6.º (Substituição da pena de prisão)
1. A pena de prisão é substituída por pena de multa, nos termos gerais, com excepção do disposto nos números seguintes.
2. Caso o crime seja praticado com o concurso de alguma das circunstâncias previstas no artigo anterior, o tribunal pode não substituir a pena de prisão.
3. Não há lugar à substituição da pena de prisão em caso de reincidência pela prática de crime previsto na presente lei.
"Código Penal" - Artigo 44.º (Substituição da pena de prisão)
1. A pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses é substituída por igual número de dias de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte.
2. Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 47.º
"Código Penal" – Parte Geral, Título III, Capítulo IV, Secção II – Reincidência
Artigo 69.º (Pressupostos)
1. É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
2. ...
3. ...
4. ...
"Código Penal" – Parte Geral, Título VII - Contravenções
Artigo 123.º (Disposições gerais)
1. Constitui contravenção o facto ilícito que unicamente consiste na violação ou na falta de observância de disposições preventivas de leis ou regulamentos.
2. Nas contravenções a negligência é sempre punida.
3. Nas contravenções não pode ser cominada pena de prisão superior a 6 meses.
Quanto às "Contravenções", previstas no "Código Penal", são aplicáveis aos crimes de burla contra turistas, o que corresponde ao artigo 28.º da Lei n.º 6/96/M, de 15 de Julho, que aprovou o "Regime Jurídico das Infracções contra a Saúde Pública e contra a Economia", devendo a determinação da medida da pena ser feita de acordo com o n.º 3 do artigo 123.º do "Código Penal", e de acordo com o estipulado n.º 1 do artigo 44.º (Substituição da pena de prisão) do "Código Penal".
Assim, surge a preocupação generalizada dos cidadãos das diversas camadas sociais, em relação aos infractores, às "lojas negras", que continuam a não ser punidos com pena de prisão, mesmo após a intervenção dos serviços responsáveis pela execução da lei, conforme estipulado na Lei n.º 6/96/M. Verificam-se ainda situações em que, os infractores, que exploram as "lojas negras", alteram o nome do portador da licença, para se esquivarem às responsabilidades.
2. Os dispostos no artigo 28.º da Lei n.º 6/96/M, de 15 de Julho, que aprovou o "Regime Jurídico das Infracções contra a Saúde Pública e contra a Economia", e no artigo 211.º (Burla) do "Código Penal" são aplicáveis ao crime de burla contra turistas.
Isto é, "quem, com intenção de enganar os consumidores nas relações negociais ... mercadorias de natureza diferente às que afirmar possuírem ..." e se, ao mesmo tempo, o acto causar prejuízo, podem-se então aplicar as duas leis acima mencionadas. Pode-se dar como exemplo os casos das "lojas negras" que iludem os turistas em relação à qualidade dos produtos, vendendo-lhes ginseng de fraca qualidade a preços do de melhor qualidade, e que com a ajuda da astúcia e persuasão dos seus funcionários e dos guias turísticos burlam os turistas, causando-lhes prejuízos.
Nos casos em que se podem aplicar as duas leis acima mencionadas, adopta-se, normalmente, a lei, cuja punição é mais pesada, isto é, ao crime acima referido pode ser aplicado o artigo 211.º (Burla) do "Código Penal".
3. O disposto do artigo 211.º (Burla) do "Código Penal" é aplicável ao crime de burla contra turistas. Por isso, pode-se, através desta lei, regular e punir tal crime.
É também considerada burla a substituição das medidas de peso, cates por taéis, um dos métodos ilegais adoptados pelas referidas "lojas negras" para enganar os turistas. Este tipo de burla é astuciosamente planeado, baseando-se no desconhecimento dos turistas em relação a esse padrão de medida, que, assim, mais facilmente são prejudicados.
Os actos previstos n.os 1 e 2 do artigo 211.º do "Código Penal" são considerados crimes semi-públicos. Nesses casos, o infractor só pode ser julgado e assumir a responsabilidade criminal se houver queixa.
Nos casos verificados no passado, o montante do prejuízo não ultrapassa, normalmente, as 30 mil patacas. Após regressarem aos seus países de origem, os turistas apresentam queixa à Direcção dos Serviços de Turismo e, por norma, conseguem reaver os seus prejuízos, mediante a devolução dos produtos adquiridos. Por outro lado, mesmo pedindo, é difícil que os turistas se disponham a voltar a Macau para depor e apoiar a investigação ou seja, não há condições objectivas para motivar os turistas a acompanhar a questão e a apresentar denúncia, por forma a que seja deduzida acusação.
Através das situações expostas, podemos verificar que existem determinadas dificuldades na aplicação da legislação vigente para combate aos actos criminosos de burla contra turistas. É então premente alterar a legislação ou alargar o âmbito da regulamentação dos actos criminosos de burla praticados pelas "lojas negras".
A fim de ultrapassar as dificuldades referidas e atendendo aos métodos de burla contra turistas adoptados pelas "lojas negras", sugerimos as seguintes medidas:
1. Alteração da legislação vigente
Aditamento de uma nova secção (secção II – Burla contra turistas) ao Capítulo II da Lei n.º 6/96/M de 15 de Julho de 1996, que aprovou o Regime Jurídico das Infracções Contra a Saúde Pública e Contra a Economia"
- O art. 28.º, cujos destinatários são os turistas, pode, portanto, ser integrado nessa nova secção;
- delimitar o património, que é o bem jurídico a proteger;
- é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa de 5 mil a 70 mil patacas;
- é crime público;
- se ao caso concreto for aplicável o art. 211.º (Burla) do Código Penal e a vítima for turista, considera-se o acto consumado como crime público;
- a tentativa é punível;
- não se aplicam as disposições gerais das contravenções;
- substituir a secção II da lei vigente pela secção III.
2. Elaboração de uma nova lei
Cabe à legislação avulsa regular todos os actos criminosos de burla contra turistas, sendo abrangidos por essa mesma lei o fenómeno de substituição das medidas de peso, cates por taéis, e a venda de produtos falsificados, entre outras infracções.
- Se o prejuízo for inferior, igual ou aproximado do valor elevado, é punido com pena de prisão de 3, 5 ou 2 a 10 anos, respectivamente;
- os turistas são abrangidos pela presente lei;
- é crime público;
- a tentativa é punível.
3. Alargar o âmbito da regulamentação sobre os crimes organizados
Nos actos de burla contra turistas praticados pelas "lojas negras" participam, necessariamente, várias pessoas que, no fim, obtêm ganhos ilícitos.
Os envolvidos nesses crimes são as agências de viagem ou pessoas, individualmente; os motoristas dessas agências de viagem ou taxistas que transportam os turistas para as "lojas negras"; os agentes turísticos ou pessoas, individualmente, que levam os turistas às "lojas negras" ou que fazem publicidade de produtos falsificados; os agentes turísticos ou trabalhadores das lojas negras que induzem os turistas a adquirir produtos falsificados; os donos de lojas negras, que recebem o dinheiro, ect. Todos os envolvidos nesses actos de burla contra turistas estão conscientes de que estão a obter determinados benefícios através de meios ilegais. Trata-se de um grupo organizado, criado para a obtenção de ganhos ilícitos, estando as suas tarefas pormenorizadamente distribuídas. Todos os membros estão conscientes do papel que desempenham, e exercem-no voluntária e activamente. Mais importante ainda, é a existência de um ou mais de um dirigente, por quem são distribuídos os ganhos provenientes da burla. Tratando-se de uma situação de crime organizado, aplica-se o art. 1.º (Definição de associação ou sociedade secreta) da Lei n.º 6/97/M de 30 de Julho de 1997, Lei da Criminalidade Organizada. Portanto, é conveniente aditar o respectivo conteúdo à lei referida.
Aditamento: Artigo 1.º (Definição de associação ou sociedade secreta)
w) burla contra turistas.
Se se proceder à alteração, ao aditamento, ou à elaboração de uma nova lei, existirão bases para a acusação, e será dado fundamento legal aos órgãos de polícia criminal no que se refere à investigação e à obtenção de provas, nos termos do Código do Processo Criminal. Assim, não só se produzirão efeitos dissuasores junto dos operadores das "lojas negras" e seus colaboradores, como também se poderá aumentar a confiança dos turistas no consumo, defendendo os agentes turísticos da concorrência desleal, contribuindo, assim, para o desenvolvimento económico de Macau.
Tal como se referiu, existem determinadas dificuldades quando se aplica a legislação vigente para combate aos actos criminosos de burla contra turistas. Portanto, a fim de garantir os direitos e interesses dos turistas, manter a atracção turística de Macau, proteger os agentes turísticos contra a concorrência injusta e defender os interesses da economia de Macau em geral, é premente alterar a legislação ou alargar o âmbito da regulamentação dos actos criminosos de burla.
Sendo a Polícia Judiciária um órgão de polícia criminal, tem a responsabilidade de prevenir e combater os crimes para garantir a segurança da vida e do património, quer dos cidadãos, quer dos turistas, proporcionando-lhes um ambiente seguro para viver e visitar.
A Polícia Judiciária anseia por uma nova lei, própria para o combate aos actos criminosos praticados pelas "lojas negras", no sentido de poder continuar com o seu trabalho de investigação e obtenção de provas.
O turismo em Macau é, consabidamente, uma actividade deveras importante no contexto local, quer numa perspectiva económica, quer na internacionalização da RAEM, quer como factor que contribui para uma imagem positiva e sadia de Macau e das suas gentes. O turista deve, pois, ser acarinhado e protegido.
Todavia, e acentuadamente nos tempos recentes, são tornadas públicas notícias de fraudes infligidas a turistas por parte, prima facie, de comerciantes que em lojas – por vezes abertas apenas a grupos excursionistas! – de artigos vários, fraudulentamente vendem «gato por lebre» a pessoas que, pela sua condição de turista, se acham naturalmente em posição débil para poder reagir, mormente porque, nas mais das vezes, quando a fraude é detectada já o lesado se encontra fora de Macau.
Segundo alguns relatos, os turistas são mesmo induzidos por parte de agentes turísticos a consumir em determinadas «lojas» pertencentes a certos interesses económicos, pairando no ar uma desconfiança de, em algumas situações, se poder estar perante esquema concertado.
Urge acabar com tal estado de coisas. É prejudicial para os lesados directos, ou seja o consumidor-turista, mas também outros interesses acabam lesados, nomeadamente a economia de Macau, a imagem de Macau e os comerciantes locais honestos que ficam rotulados, sem excepção, de fraudulentos por parte do, infelizmente numeroso, grupo de turistas lesados.
Uma medida importante a tomar passa por campanhas de defesa do consumidor, particularmente turistas, e medidas de combate à fraude. Mas não apenas.
Os proponentes, depois de auscultadas diversas pessoas de várias áreas relevantes, consideram desejável uma medida legislativa, nomeadamente com incidência jus-penal, pelo que apresentam este projecto de lei.
Destarte, depois de ponderas várias soluções, submetem um articulado que visa alterar a Lei n.º 6/96/M, de 15 de Julho, que aprovou o Regime Jurídico das Infracções contra a Saúde Pública e contra a Economia.
Recorde-se que o diploma que ora se propõe alterar é uma lei da Assembleia Legislativa, a qual mereceu uma profunda e prolongada análise, vertida em extenso e bem elaborado parecer da então Comissão de Economia e Finanças Públicas – Parecer n.º 3/V/96.
Com efeito, é nesta sede que melhor se enquadra a medida legislativa proposta, dado estar em causa, precisamente, uma conduta que se integra na categoria específica dos crimes contra a economia e, em concreto, no denominado crime de «Fraude sobre mercadorias».
A este propósito se escrevia no citado parecer: «O bem jurídico específico em questão afere-se dentro da regularidade das relações de mercado na óptica da tutela da confiança dos consumidores...». Palavras bem demonstrativas da intenção do legislador de então – e ainda hoje muitos senhores Deputados se mantêm nesta Casa – na protecção dos direitos dos consumidores.
Na altura, entre 1995 e 1996, a Comissão especializada manteve «numerosas reuniões de trabalho, tendo tido a oportunidade de auscultar as opiniões de diversas associações» (sete, no total) e de elementos do Executivo de então.
As grandes linhas de força da lei podem ser recortadas com a consulta ao mencionado parecer, destacando-se para o presente projecto de lei, entre outras, a possibilidade de punição de pessoas colectivas, a adopção de numeroso elenco de circunstâncias modificativas agravantes, o «tecto» punitivo de 3 anos e a natureza de crimes públicos.
Atento o supra exposto cumpre então passar à justificação técnica do articulado que agora se submete à Assembleia Legislativa.
Em primeiro lugar, cabe dizer que se centra o projecto no já existente crime de «Fraude sobre mercadorias», dado constituir aquela conduta a que vem sendo praticada nos casos que nos propomos melhor tutelar. Assim, dada a importância de tais actos e atendendo à recorribilidade crescente dessas práticas, justifica-se a elevação da moldura penal – no respeito da harmonia do diploma – pelo que se propõe uma pena de prisão até 3 anos ou pena de multa não inferior a 120 dias, isto é, este crime passa a estar enfileirado com outros delitos económicos mais graves; do mesmo modo, e em coerência teleológica, se altera a medida da pena no caso da negligência.
Em segundo lugar, procede-se a uma razoável e limitada abertura do tipo, ou seja, passa a praticar o crime quem, para além de expor para venda ou vender, por qualquer outro modo puser em circulação mercadorias contrafeitas, falsificadas ou depreciadas, fazendo-as passar por autênticas, não alteradas ou intactas ou de natureza diferente ou de qualidade e quantidade inferiores às que afirmar possuírem ou aparentarem. Com esta moderada abertura – que não vai tão longe como, por exemplo, o texto da proposta de lei que originou a lei em causa – pretende-se evitar que determinadas condutas possam «escapar» à malha punitiva por artificialmente não estar em causa uma venda em sentido técnico.
Finalmente, adita-se ao rol de circunstâncias determinativas da medida da pena, previstas no artigo 5.º, uma nova alínea com o seguinte conteúdo: «Ter o infractor aproveitado a condição de turista do consumidor, nomeadamente mediante a colaboração de agentes turísticos». Ou seja, com tal aditamento, fica bem vincada a situação de especial protecção que é devida a consumidores em maior estado de risco, como é o caso do consumidor-turista e, por outro lado, igualmente se consagra exemplificativamente – como alerta e sinal vincado sobre o que se pretende combater – a ideia de colaboração na fraude por parte de agentes turísticos.
Recorde-se, porque de manifesto interesse, que este crime, como de resto os outros do diploma em questão, reveste a natureza de crime público, não sendo pois necessária nem queixa nem acusação do lesado.
Em resumo, opta-se por uma intervenção de tipo «cirúrgico», mexendo apenas no que se afigura essencial e tão-somente no que se acha subordinado a espelhar a intenção do projecto de lei e incidindo sobre lei avulsa vocacionada para a tutela dos bens jurídicos em causa e não no Código Penal que, como todos os grandes códigos, se pretendem estáveis e duradouros.
Atendendo a que se lida com matéria penal, assunto que deve merecer sempre grande ponderação e preocupação técnico-jurídica «acrescida», por razões elementares e evidentes, os proponentes permitem-se sugerir que, a ser abordado em comissão o presente projecto de lei, se promova a auscultação de entidades diversas, nomeadamente ao nível das magistraturas, polícias e operadores económicos, designadamente da área do turismo e, bem assim, entidades que tutelam os direitos dos consumidores.
Alterações à Lei n.º 6/96/M, de 15 de Julho que aprovou o Regime Jurídico das Infracções contra a Saúde Pública e contra a Economia
A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea 1) do artigo 71.º da Lei Básica, para valer como lei, o seguinte:
1. É aditada uma nova alínea f) ao artigo 5.º com a seguinte redacção:
f) Ter o infractor aproveitado a condição de turista do consumidor, nomeadamente mediante a colaboração de agentes turísticos.
2. O artigo 28.º passa a ter a seguinte redacção:
1. É punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias quem, com intenção de enganar os consumidores nas relações negociais e, sem prejuízo dos usos e costumes do comércio, tiver em exposição para venda, vender ou por qualquer outro modo puser em circulação mercadorias:
a) Contrafeitas, falsificadas ou depreciadas, fazendo-as passar por autênticas, não alteradas ou intactas; ou
b) De natureza diferente ou de qualidade e quantidade inferiores às que afirmar possuírem ou aparentarem.
2. Havendo negligência, a pena é de prisão até 1 ano ou multa não inferior a 60 dias.
A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.
Aprovada em de 2001.
A Presidente da Assembleia Legislativa, Susana Chou.
Assinada em de 2001.
Publique-se.
O Chefe do Executivo, Ho Hau Wa.