4 Comissão de Regimento e Mandatos

 

4.1 Processo de interpelação escrita sobre a acção governativa – requerimentos do Deputado Au Kam San

COMISSÃO DE REGIMENTO E MANDATOS

 

Parecer n.º 1/II/2002

 

Assunto: Processo de interpelação escrita sobre a acção governativa requerimentos do Deputado Au Kam San

 

I

1. Por despacho de 30 de Novembro de 2001 da Exma Senhora Presidente da Assembleia Legislativa, foi esta Comissão incumbida, nos termos da alínea d) do artigo 27.º do Regimento, de dar parecer sobre dois requerimentos de interpelação apresentados pelo senhor Deputado Au Kam San, no sentido de verificar a conformidade do conteúdo daqueles com o espírito da Resolução n.º 3/2000, de 26 de Junho, com as alterações introduzidas pela Resolução n.º 1/2001, de 7 de Fevereiro.

2. As dúvidas da Senhora Presidente prendem-se com o facto de o senhor Deputado interpelar o Governo sobre "matérias ainda em fase de planeamento", suscitando-se a questão de se saber se o direito de interpelação da acção governativa, tal como se encontra consagrado na Lei Básica e na Resolução n.º 3/2000, permite que os deputados possam interpelar o Governo sobre matérias e políticas que ainda se encontram em fase de reflexão e estudo e acerca das quais o Governo não tem qualquer plano de implementação. Por outro lado, impõe-se determinar se as perguntas constantes dos requerimentos se inserem no conceito de interpelação da acção governativa ou se, pelo contrário, devem ser consideradas como pedidos de informação e, como tal, ser dirigidas ao Governo não ao abrigo do artigo 76.º da Lei Básica, mas sim do artigo 2.º do Regimento da Assembleia Legislativa.

3. A Comissão reuniu diversas vezes tendo solicitado à assessoria que fizesse um estudo comparativo do conceito e do regime de interpelação da acção governativa existente na República Popular da China e na vizinha Região Administrativa Especial de Hong Kong, tendo concluído face à análise elaborada, que os regimes vigentes naquelas duas regiões são diferentes do consagrado na RAEM, não servindo por isso de padrão para a resolução da questão em análise.

4. Impõe-se pois dar parecer socorrendo-nos apenas das normas vigentes em Macau sobre a matéria. Para o efeito, a Comissão procedeu à análise dos requerimentos apresentados pelo Deputado Au Kam San, com vista ao esclarecimento das dúvidas suscitadas pela Senhora Presidente.

4.1. Assim, no que se refere às perguntas em que o senhor Deputado questiona o Governo no sentido do mesmo clarificar o conceito de «persona non grata» e de definir como "persona non grata" as pessoas com cadastro, a opinião da Comissão não foi consensual, tendo-se manifestado no seio desta duas correntes diversas: uma, que defende um direito de interpelação alargado, com contornos amplos, permitindo que esta figura seja utilizada para colocar toda e qualquer pergunta ao Executivo, e, outra, que entende que o direito de interpelação deve ser utilizado apenas no estrito enquadramento que lhe é dado pela Lei Básica e pela Resolução n.º 3/2000.

Consideram, assim, alguns membros da Comissão, que o direito de interpelação da acção governativa abrange todas as matérias que não sejam excluídas pelo número 2 do artigo 2.º, independentemente de se tratarem de acções e políticas concretas do Governo. Assim, excluindo as matérias abrangidas pela delimitação negativa do direito feita no n.º 2 do artigo 2.º, e que se referem à impossibilidade da interpelação versar sobre a intimidade da vida privada ou familiar, o segredo profissional, o segredo de Estado ou a decisões judiciais, excluindo estas matérias, dizíamos, todas as restantes cabem no âmbito do direito de interpelação previsto no n.º 1 desta norma. É entendimento destes membros que o Governo pode ser interpelado acerca de quaisquer opiniões, ideias, hipóteses ou intenções manifestadas, desde que reflexamente tenham algo a ver com o trabalho que o Governo desenvolve ou se propõe desenvolver.

Opinião diferente têm outros membros da Comissão que consideram que, constituindo o direito de interpelação da acção governativa um importante direito de fiscalização da actividade do Governo, o mesmo deve ser utilizado dentro dos parâmetros estabelecidos na Lei Básica e na Resolução da Assembleia Legislativa, de forma a que o direito não seja desvirtuado e desviado dos objectivos para que foi criado. Sustentam este entendimento nas normas constantes naqueles diplomas, defendendo que, quando o artigo 76.º da Lei Básica consagra que "os deputados (. . .) têm o direito de fazer interpelações sobre as acções do Governo .... " este direito se circunscreve a interpelação dos actos concretos do Governo, levados a cabo no âmbito da execução das tarefas governativas, o que é reforçado com a análise do n.º, 1 do artigo 2.º.

Deste modo, quando a norma referida dispõe que "a interpelação versa sobre assuntos relativos à acção governativa, quer quanto a políticas sectoriais do Governo, quer de política geral do Governo" o entendimento subjacente aos conceitos de acção governativa e políticas sectoriais e geral é que, apenas os actos concretos do Governo ou a ausência deles, decorrentes do trabalho do Governo e da implementação das políticas sectoriais e geral, podem ser alvo de interpelação. Segundo estes membros, as interpelações sobre as "políticas sectoriais e geral do Governo", apenas são possíveis quando questionem as acções que implementam e materializam as políticas sectoriais e geral previamente definidas, ou então, a ausência de acções na concretização dessas políticas, não devendo, assim, o Governo ser interpelado sobre qualquer ideia que tenha manifestado relativamente a esta matéria, uma vez que é difícil fiscalizar-se algo que não se encontra ainda materializado. Defendem, assim, que a interpelação deve apenas ser admitida quando se pretenda saber algo sobre uma medida concreta do Governo, a razão de ser da implementação de determinada política, a forma. como esta política está a ser implementada ou a omissão das medidas conducentes à sua concretização.

4.2 Para além do exposto, consideram aqueles membros que, apesar do processo de interpelação oral ser um processo mais solene do que o da interpelação escrita, as regras para· o exercício deste direito não devem ser completamente díspares das daquela, uma vez que os requerimentos de interpelação oral podem, nos termos .do n.º 5 do artigo 5.º, ser convertidos em interpelação escrita pelo que, as perguntas objecto de interpelação escrita devem revestir uma dignidade e formalismo semelhantes às perguntas sobre as quais se pretende interpelar oralmente o Governo.

4.3. Face às diferentes opiniões sobre esta matéria que levaram a que não se chegasse a consenso quanto ao tratamento a dar ao requerimento objecto de análise, a Comissão sugere que a Senhora Presidente faça uso da competência prevista na alínea c) do artigo 9.º, do Regimento da Assembleia Legislativa, com vista à resolução desta questão.

5. Quanto ao requerimento em que o Deputado Au Kam San coloca três perguntas ao Governo acerca do imposto profissional, a Comissão considera que o Deputado deve desdobrar as perguntas constantes do requerimento, uma vez que entende que apenas uma delas é susceptível de ser inserida no conceito de interpelação da acção governativa.

Assim relativamente à 1.ª pergunta cujo conteúdo é:

"1. Quanto ao limite de isenção do imposto profissional, que já há cinco anos não sofre actualizações, pensa o Governo da RAEM elevá-lo? Em caso afirmativo, qual será o montante? Quando será posta em prática essa medida?", a Comissão considera que, atendendo à forma como se encontra redigido o artigo 2.º da Resolução n.º 3/2000, esta questão pode ser colocada como interpelação escrita, uma vez que se enquadra dentro do conceito de políticas sectoriais acerca das quais o Governo pode ser interpelado, tal como está previsto no n.º 1 daquele artigo.

5.1. Já no que se refere às restantes perguntas, a Comissão entende que as mesmas se enquadram na figura de pedido de informações ao Governo, prevista no artigo 2.º do Regimento da Assembleia Legislativa. São as seguintes as perguntas:

"2. Se esse limite «das isenções» for elevado das actuais 85.000 patacas para 100.000 patacas, qual a diferença em termos de receitas a arrecadar? Quantas pessoas poderão ser beneficiadas por tal medida?

3. Se esse limite for elevado das actuais 85.000 patacas para 120.000 patacas, qual a diferença em termos de receitas a arrecadar? Quantas pessoas poderão ser beneficiadas por tal medida?"

Face ao conteúdo das perguntas que implicam o mero fornecimento de dados estatísticos e contabilísticos, a Comissão é de parecer que devem ser endereçadas ao Governo sob a forma de pedido de informações e não de interpelação escrita.

6. A Comissão considera ainda que os requerimentos de interpelação devem limitar-se à matéria de interpelação e que os pedidos de informações devem ser objecto de um requerimento distinto e dirigidos ao abrigo da alínea e) do artigo 2.º do Regimento da Assembleia Legislativa. Decorre este entendimento do facto de estas duas figuras estarem sujeitas a um procedimento diferente, consoante se trate de um pedido de informações ou de um requerimento de interpelação. Não é, pois, razoável que se fundamente um requerimento utilizando, conjuntamente, o artigo 76.º. da Lei Básica, que deve fundamentar os requerimentos de interpelação, e o artigo 2.º do Regimento da Assembleia Legislativa, ao abrigo do qual devem ser feitos os pedidos de informações. As duas normas fundamentam o exercício de diferentes direitos, pelo que devem ser utilizadas no seu devido contexto.

 

II

Face à falta de consenso verificada no seio da Comissão, nomeadamente quanto ao alcance do direito de interpelação tal como se encontra consagrado na Resolução n.º 3/2000, designadamente no seu artigo 2.º, levanta-se a questã da necessidade de se proceder à alteração deste normativo, delimitando com pormenor as matérias acerca das quais não pode o Governo ser interpelado. Assim, para além da delimitação positiva constante do n.º 1 do artigo 2.º, poder-se-ia equacionar a possibilidade de se introduzirem limites negativos ao exercício deste direito para além dos previstos no actual n.º 2 do artigo 2.º, criando-se uma norma com conteúdo semelhante à existente na Região Aministrativa Especial de Hong Kong. Poder-se-ia, assim, acrescentar a este artigo, alguns critérios delimitadores deste direito constantes na Regra 25 das "Rules of Procedure of the Legislative Council", que poderiam ser os que a seguir se transcrevem, não podendo, em consequência, a interpelação ser utilizada para:

a) comentar e solicitar informações acerca de meras declarações políticas ou opiniões manifestadas pelos membros do Governo;

b) questionar sobre medidas e políticas hipotéticas;

c) formular questões que já tenham sido cabalmente respondidas ou cuja complexidade impossibilite que sejam respondidas numa resposta única e definitiva;

d) questionar o Governo sobre propostas de lei que se encontrem a ser discutidas na Assembleia Legislativa;

e) questionar o Governo acerca da veracidade de notícias veiculadas pela imprensa;

f) solicitar informações disponíveis em documentos acessíveis através de consulta ou em obras de referência.

É, no entanto, do conhecimento dos membros da Comissão, que na elaboração do projecto de Resolução n.º 3/2000, foram discutidos e equacionada a possibilidade de se introduzirem naquela Resolução os critérios de delimitação negativa definidos na Regra 25 das "Rules of Procedure of de Legislalative Council" e que acima se transcreveram. O que é facto, porém, é que esses critérios não vieram a ser consagrados naquela Resolução. Ora, tanto a Resolução n.º 3/2000 como a alteração introduzida pela Resolução n.º 1/2001, mereceram uma ampla auscultação por parte dos Deputados da Assembleia Legislativa sem que tais critérios viessem a fazer parte das opções então consagradas, o que suscita dúvidas quanto à oportunidade de se voltar a discutir a questão.

Acresce que a Comissão não recebeu um sinal inequívoco por parte dos Deputados sobre a necessidade e oportunidade de se proceder a qualquer alteração da Resolução n.º 3/2000, mesmo que pontual. Assim sendo, julga a Comissão que não é politicamente oportuno proceder, neste momento, à apresentação de qualquer proposta de alteração ao regime de interpelação da acção governativa.

Macau, 30 de Janeiro de 2002.

A Comissão de Regimento e Mandatos, Kwan Tsui Hang (Presidente) — Ng Kuok Cheong — Ho Teng lat — José Manuel de Oliveira Rodrigues — Philip Xavier (Secretário).