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[ Art. 0001 a 0200 ] [ Art. 0201 a 0400 ] [ Art. 0401 a 0600 ] [ Art. 0601 a 0800 ]

[ Art. 0801 a 1000 ] [ Art.1001 a 1200 ] [ Art. 1201 a 1400 ] [ Art. 1401 a 1600 ]

[ Art. 1601 a1800 ] [ Art. 1801 a 2000 ] [ Art. 2001 a 2161 ]

 

Artigo 1401.º

(Actos lesivos da parte de terceiros)

O usufrutuário é obrigado a avisar o proprietário de qualquer facto de terceiro, de que tenha notícia, sempre que ele possa lesar os direitos do proprietário; se o não fizer, responde pelos danos que este venha a sofrer.

SECÇÃO IV

Extinção do usufruto

Artigo 1402.º

(Causas de extinção)

1. O usufruto extingue-se:

a)    Por morte ou extinção do usufrutuário, consoante se trate de pessoa singular ou colectiva, salvo no caso previsto na parte final do n.º 2 do artigo 1377.º;
b)    Chegado o termo do prazo estabelecido pelas partes ou fixado na lei;
c)    Pela reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa;
d)    Pelo seu não uso durante 15 anos, qualquer que seja o motivo;
e)    Pela aquisição, por usucapião, da liberdade da coisa;
f)     Pela perda total da coisa usufruída; ou
g)    Pela renúncia.

2. A renúncia não requer aceitação do proprietário.

3. Extinguindo-se o usufruto por força da alínea c) ou g) do n.º 1, antes do seu termo normal, os direitos reais constituídos sobre o usufruto continuam a onerar o bem, como se não tivesse havido extinção, sem prejuízo da extinção destes direitos logo que se verifique qualquer das causas mencionadas nas alí-neas a), b), e) ou f) do n.º 1.

Artigo 1403.º

(Mau uso por parte do usufrutuário)

1. Quando o usufrutuário faça mau uso da coisa usufruída, de modo a que o abuso se torne consideravelmente prejudicial ao proprietário, pode este:

a) Requerer em tribunal a extinção do usufruto;
b) Exigir que a coisa lhe seja entregue; ou
c) Exigir que se tomem as providências previstas no artigo 1396.º

2. No caso previsto na alínea) do número anterior, o proprietário fica obrigado a pagar anualmente ao usufrutuário o produto líquido da coisa, depois de deduzidas as despesas e o prémio que pela sua administração lhe for arbitrado.

3. Os credores do usufrutuário podem intervir no processo de modo a conservarem os seus direitos, podendo, para o efeito, responsabilizar-se pelos danos e oferecer caução suficiente.

4. O juiz, atendendo à gravidade da ofensa e aos prejuízos causados, determinará a medida mais ajustada.

Artigo 1404.º

(Usufruto até certa idade de terceira pessoa)

O usufruto concedido a alguém até certa idade de terceira pessoa durará pelos anos prefixos, ainda que o terceiro faleça antes da idade referida, excepto se o usufruto tiver sido concedido só em atenção à existência de tal pessoa.

Artigo 1405.º

(Usucapio libertatis)

1. A aquisição, por usucapião, da liberdade da coisa só pode dar-se quando haja, por parte do proprietário, oposição ao exercício do usufruto.

2. O prazo para a usucapião só começa a contar-se desde a oposição.

Artigo 1406.º

(Perda parcial e rei mutatio)

1. Se a coisa ou direito usufruído se perder só em parte, continua o usufruto na parte restante.

2. O disposto no número anterior é aplicável no caso de a coisa se transformar noutra que ainda tenha valor, embora com finalidade económica distinta.

Artigo 1407.º

(Destruição de edifícios)

1. Se o usufruto for constituído em algum prédio urbano e este for destruído por qualquer causa, tem o usufrutuário direito a desfrutar o solo e os materiais restantes.

2. O proprietário da raiz pode, porém, reconstruir o prédio, ocupando o solo e os materiais, desde que pague ao usufrutuário, durante o usufruto, os juros correspondentes ao valor do mesmo solo e dos materiais.

3. As disposições dos números anteriores são igualmente aplicáveis se o usufruto for constituído em algum prédio rústico de que faça parte o edifício destruído.

Artigo 1408.

(Indemnizações)

1. Se a coisa ou direito usufruído se perder, deteriorar ou diminuir de valor, e o proprietário tiver direito a ser indemnizado, o usufruto passa a incidir sobre a indemnização.

2. O disposto no número anterior é aplicável à indemnização resultante de expropriação ou requisição da coisa ou direito, à indemnização devida por extinção do direito de superfície e a outros casos análogos.

Artigo 1409.º

(Seguro da coisa destruída)

1. Se o usufrutuário tiver feito o seguro da coisa ou pago os prémios pelo seguro já feito, o usufruto transfere-se para a indemnização devida pelo segurador.

2. Tratando-se de um edifício, o proprietário pode reconstruí-lo, transferindo-se, neste caso, o usufruto para o novo edifício; se, porém, a soma despendida na reconstrução for superior à indemnização recebida, o direito do usufrutuário será proporcional à indemnização.

3. Sendo os prémios pagos pelo proprietário, a este pertence por inteiro a indemnização que for devida.

Artigo 1410.º

(Restituição da coisa)

Findo o usufruto, deve o usufrutuário restituir a coisa ao proprietário, sem prejuízo do disposto para as coisas consumíveis e salvo o direito de retenção nos casos em que possa ser invocado.

CAPÍTULO II

Uso e habitação

Artigo 1411.º

(Noção)

1. O direito de uso consiste na faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família.

2. Quando este direito se refere a casas de morada, chama-se direito de habitação.

Artigo 1412.º

(Constituição, extinção e regime)

1. Os direitos de uso e de habitação constituem-se e extinguem-se pelos mesmos modos que o usufruto, sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 1218.º e no número seguinte.

2. Os direitos de uso e de habitação não se podem prolongar para além da vida do beneficiário ou beneficiários.

3. Os direitos de uso e habitação são regulados pelo seu título constitutivo; na falta ou insuficiência deste, devem observar-se as disposições seguintes.

Artigo 1413.º

(Âmbito da família)

1. Na família do usuário ou do morador usuário compreendem-se apenas o cônjuge, os filhos a seu cargo e outros parentes a quem sejam devidos alimentos.

2. Para estes efeitos, é equiparado aos familiares o unido de facto, bem como as pessoas que, convivendo com o titular do direito, se encontrem ao seu serviço ou ao serviço das pessoas designadas neste artigo.

Artigo 1414.º

(Intransmissibilidade do direito)

O usuário e o morador usuário não podem trespassar ou locar o seu direito, nem onerá-lo por qualquer modo.

Artigo 1415.º

(Obrigações inerentes ao uso e à habitação)

1. Se o usuário consumir todos os frutos do prédio ou ocupar todo o edifício, ficam a seu cargo as reparações ordinárias, as despesas de administração e os impostos e encargos anuais, como se fosse usufrutuário.

2. Se o usuário perceber só parte dos frutos ou ocupar só parte do edifício, deve contribuir para as despesas mencionadas no número precedente em proporção da sua fruição.

Artigo 1416.º

(Aplicação das normas do usufruto)

São aplicados aos direitos de uso e de habitação as disposições que regulam o usufruto, quando conformes à natureza daqueles direitos.

TÍTULO IV

Do direito de superfície

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1417.º

(Noção)

O direito de superfície consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio.

Artigo 1418.º

(Objecto)

1. O direito de superfície pode abranger uma parte do solo não necessária à implantação da construção, desde que ela tenha utilidade para o uso da obra.

2. O direito de superfície pode ter por objecto a construção ou a manutenção de obra quer no solo quer no subsolo.

Artigo 1419.º

(Construção de obra em propriedade horizontal)

1. O direito de superfície pode ter por objecto a construção de edifício ou conjunto de edifícios em regime de propriedade horizontal, contanto que se preencham as condições próprias para a constituição deste direito.

2. Neste caso, o direito de superfície tem de ser constituído com carácter perpétuo e não pode ser sujeito à estipulação prevista no n.º 2 do artigo 1427.º

3. Efectuada a construção, aplica-se às relações entre os condóminos e entre estes e terceiros o regime da propriedade horizontal, sendo, no entanto, nas relações entre condóminos e proprietário do solo aplicável o regime do direito de superfície, com as especificidades constantes do número anterior.

4. Sendo devida uma prestação anual ao dono do solo, compete à administração do condomínio cobrar de cada condómino a parte correspondente à sua fracção autónoma e proceder ao seu pagamento.

Artigo 1420.º

(Direito de construir sobre edifício alheio)

O direito de construir sobre edifício alheio está sujeito, com as necessárias adaptações, ao disposto no artigo anterior, e, em geral, às disposições deste título.

CAPÍTULO II

Constituição do direito de superfície

Artigo 1421.º

(Princípio geral)

O direito de superfície pode ser constituído por contrato, testamento ou usucapião, e pode resultar da alienação de obra já existente, separadamente da propriedade do solo.

Artigo 1422.º

(Servidões)

1. A constituição do direito de superfície importa a constituição das servidões necessárias ao uso e fruição da obra; se no título não forem designados o local e as demais condições de exercício das servidões, serão fixados, na falta de acordo, pelo tribunal.

2. A constituição coerciva da servidão de passagem sobre prédio de terceiro só é possível se, à data da constituição do direito de superfície, já era encravado o prédio sobre que este direito recaía.

CAPÍTULO III

Direitos e encargos do superficiário e do proprietário

Artigo 1423.º

(Preço)

1. No acto de constituição do direito de superfície pode convencionar-se, a título de preço, que o superficiário pague uma única prestação ou pague certa prestação anual, perpétua ou temporária.

2. O pagamento temporário de uma prestação anual é compatível com a constituição perpétua do direito de superfície.

3. As prestações são sempre em dinheiro.

Artigo 1424.º

(Pagamento das prestações anuais)

1. Ao pagamento das prestações anuais é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 1 a 4 do artigo 1379.º

2. Sendo dois ou mais os superficiários, exceptuados os casos referidos nos artigos 1419.º e 1420.º, ou sendo dois ou mais os proprietários do solo, é aplicável ao pagamento da prestação anual o regime das obrigações solidárias, enquanto durar a comunhão.

Artigo 1425.º

(Fruição do prédio)

1. Enquanto não se iniciar a construção da obra, o uso e fruição de todo o prédio pertencem ao proprietário do solo, o qual, todavia, não pode impedir nem tornar mais onerosa a construção.

2. Mesmo após a construção, o uso e fruição do subsolo ou do solo pertencem ao proprietário, consoante o direito de superfície haja sido constituído para construção no solo ou no subsolo; o proprietário é, porém, responsável pelos prejuízos causados ao superficiário em consequência da exploração que fizer.

Artigo 1426.º

(Transmissibilidade dos direitos)

O direito de superfície e o direito de propriedade do solo são transmissíveis por acto entre vivos ou por morte.

CAPÍTULO IV

Extinção do direito de superfície

Artigo 1427.º

(Casos de extinção)

1. O direito de superfície extingue-se:

a) Se o superficiário não concluir a obra dentro do prazo fixado ou, na falta de fixação, dentro do prazo de 7 anos;
b) Se, destruída a obra, o superficiário não reconstruir a obra, dentro dos mesmos prazos a contar da destruição;
c) Pelo decurso do prazo, sendo constituído por certo tempo;
d) Pela reunião na mesma pessoa do direito de superfície e do direito de propriedade;
e) Pela aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio;
f) Pelo desaparecimento ou inutilização do solo; ou
g) Pela expropriação por utilidade pública.

2. No título constitutivo pode também estipular-se a extinção do direito de superfície em consequência da destruição da obra, ou da verificação de qualquer condição resolutiva.

3. À extinção do direito de superfície nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 são aplicáveis as regras da prescrição.

4. À extinção do direito de superfície no caso previsto na alínea e) do n.º 1 é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 1405.º

Artigo 1428.º

(Falta de pagamento das prestações anuais)

1. A falta de pagamento das prestações anuais durante 15 anos extingue a obrigação de as pagar, mas o superficiário não adquire a propriedade do solo, salvo se houver usucapião em seu benefício.

2. À extinção da obrigação de pagamento das prestações são aplicáveis as regras da prescrição.

Artigo 1429.º

(Extinção pelo decurso do prazo)

1. Sendo o direito de superfície constituído por certo tempo, o proprietário do solo, logo que expire o prazo, adquire a propriedade da obra.

2. Salvo estipulação em contrário, o superficiário tem, nesse caso, direito a uma indemnização, calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa.

3. O superficiário responde pelas deteriorações que haja causado dolosamente na obra e, não havendo lugar a qualquer indemnização pela restituição da obra, igualmente pelas que haja causado culposamente.

Artigo 1430.º

(Extinção de direitos reais constituídos sobre o direito de superfície)

1. A extinção do direito de superfície pelo decurso do prazo fixado importa a extinção dos direitos reais de gozo ou de garantia constituídos pelo superficiário em benefício de terceiro.

2. Se, porém, o superficiário tiver a receber alguma indemnização nos termos do artigo anterior, aqueles direitos transferem-se para a indemnização, conforme o disposto nos lugares respectivos.

Artigo 1431.º

(Direitos reais constituídos pelo proprietário)

Os direitos reais constituídos pelo proprietário sobre o solo estendem-se à obra adquirida nos termos do artigo 1429.º

Artigo 1432.º

(Permanência dos direitos reais)

Extinguindo-se o direito de superfície perpétuo, ou o temporário antes do decurso do prazo, os direitos reais constituídos sobre a superfície ou sobre o solo continuam a onerar separadamente as duas parcelas, como se não tivesse havido extinção, sem prejuízo da aplicação das disposições dos artigos anteriores logo que o prazo decorra.

Artigo 1433.º

(Extinção por expropriação)

Extinguindo-se o direito de superfície em consequência de expropriação por utilidade pública, cabe a cada um dos titulares a parte da indemnização que corresponder ao valor do respectivo direito.

TÍTULO V

Das servidões prediais

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1434.º

(Noção)

Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio, ainda que pertencente ao mesmo dono; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.

Artigo 1435.º

(Conteúdo)

Podem ser objecto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor.

Artigo 1436.º

(Inseparabilidade das servidões)

1. Salvas as excepções previstas na lei, as servidões não podem ser separadas dos prédios a que pertencem, activa ou passivamente.

2. A afectação das utilidades próprias da servidão a outros prédios importa sempre a constituição de uma servidão nova e a extinção da antiga.

Artigo 1437.º

(Indivisibilidade das servidões)

As servidões são indivisíveis: se o prédio serviente for dividido entre vários donos, cada porção fica sujeita à parte da servidão que lhe cabia; se for dividido o prédio dominante, tem cada consorte o direito de usar da servidão sem alteração nem mudança.

CAPÍTULO II

Constituição das servidões

Artigo 1438.º

(Princípios gerais)

1. As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família.

2. As servidões legais previstas neste Código, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial.

Artigo 1439.º

(Constituição por usucapião)

1. As servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião, salvo quando a posse seja titulada, fundando-se em título provindo do proprietário do prédio serviente.

2. Consideram-se não aparentes as servidões que não se revelam por sinais visíveis e permanentes.

Artigo 1440.º

(Constituição por destinação do pai de família)

Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, são esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se por divisão de coisa comum entre os consortes ou por partilha, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento ou decisão judicial.

CAPÍTULO III

Servidões legais

SECÇÃO I

Servidões legais de passagem

Artigo 1441.º

(Servidão em benefício de prédio encravado)

1. Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos, ou, na sua falta, sobre os terrenos que sirvam de logradouro aos prédios urbanos vizinhos.

2. De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio.

Artigo 1442.º

(Possibilidade de afastamento da servidão)

1. Os proprietários de prédios rústicos murados, bem como os proprietários de prédios urbanos, podem subtrair-se ao encargo de ceder passagem, adquirindo o prédio encravado pelo seu justo valor.

2. Na falta de acordo, o preço é fixado judicialmente; sendo dois ou mais os proprietários interessados, abre-se licitação entre eles, revertendo o excesso para o alienante.

Artigo 1443.º

(Encrave voluntário)

1. O proprietário que, sem justo motivo, provocar o encrave absoluto ou relativo do prédio só pode constituir a servidão mediante o pagamento de indemnização agravada.

2. A indemnização agravada é fixada, de harmonia com a culpa do pro-prietário, até ao triplo da que normalmente seria devida.

Artigo 1444.º

(Lugar da constituição da servidão)

A passagem deve ser concedida através do prédio ou prédios que sofram menor prejuízo, e pelo modo e lugar menos inconvenientes para os prédios onerados.

Artigo 1445.º

(Indemnização)

Pela constituição da servidão de passagem é devida a indemnização correspondente ao prejuízo sofrido.

Artigo 1446.º

(Direito de preferência na alienação do prédio encravado)

1. O proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo, tem direito de preferência, no caso de venda ou dação em cumprimento do prédio dominante.

2. É aplicável a este caso o disposto nos artigos 410.º a 412.º e 1309.º

3. Sendo dois ou mais os preferentes, abre-se entre eles licitação, revertendo o excesso para o alienante.

SECÇÃO II

Servidões legais de águas

Artigo 1447.º

(Servidão legal de presa)

Os proprietários e os donos de empresas industriais, que tenham direito ao uso de águas particulares existentes em prédio alheio, indicadas nos artigos 1288.º e 1289.º, podem fazer neste prédio as obras necessárias ao represamento e derivação da respectiva água, mediante o pagamento da indemnização correspondente ao prejuízo que causarem.

Artigo 1448.º

(Servidão legal de aqueduto)

1. Em proveito da agricultura ou da indústria, ou para gastos domésticos, a todos é permitido encanar, subterraneamente ou a descoberto, as águas indicadas nos artigos 1288.º e 1289.º a que tenham direito, através de prédios rústicos alheios, não sendo quintais, jardins ou terreiros contíguos a casas de habitação, mediante indemnização do prejuízo que da obra resulte para os ditos prédios; os prédios rústicos murados só estão sujeitos ao encargo quando o aqueduto seja construído subterraneamente.

2. O proprietário do prédio serviente tem, a todo o tempo, o direito de ser também indemnizado do prejuízo que venha a resultar da infiltração ou erupção das águas ou da deterioração das obras feitas para a sua condução.

3. A natureza, direcção e forma do aqueduto devem ser as mais convenientes para o prédio dominante e as menos onerosas para o prédio serviente.

4. Se a água do aqueduto não for toda necessária ao seu proprietário, e o proprietário do prédio serviente quiser ter parte no excedente, é-lhe concedida essa parte a todo o tempo, mediante prévia indemnização, e pagando ele, além disso, a quota proporcional à despesa feita com a sua condução até ao ponto donde pretende derivá-la.

Artigo 1449.º

(Servidão legal de escoamento)

1. A constituição forçada da servidão de escoamento de águas indicadas nos artigos 1288.º e 1289.º é permitida precedendo indemnização do prejuízo:

a) Quando, por obra do homem, e para fins agrícolas ou industriais, nasçam águas em algum prédio ou para ele sejam conduzidas de outro prédio;

b) Quando se pretenda dar direcção definida a águas que seguiam o seu curso natural; ou

c) Em relação às águas provenientes de qualquer modo de enxugo de prédios.

2. Aos proprietários onerados com a servidão de escoamento é aplicável o disposto no artigo 1293.º

3. Na liquidação da indemnização deve ser levado em conta o valor dos benefícios que para o prédio serviente advenham do uso da água, nos termos do número anterior; e, no caso da alínea b) do n.º 1, deve ser atendido o prejuízo que já resultava do decurso natural das águas.

4. Só estão sujeitos à servidão de escoamento os prédios que podem ser onerados com a servidão legal de aqueduto.

CAPÍTULO IV

Exercício das servidões

Artigo 1450.º

(Modo de exercício)

As servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão e exercício, pelo respectivo título; na insuficiência do título, deve observar-se o disposto nos artigos seguintes.

Artigo 1451.º

(Extensão da servidão)

1. O direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação.

2. Em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entende-se constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente.

Artigo 1452.º

(Obras no prédio serviente)

1. É lícito ao proprietário do prédio dominante fazer obras no prédio serviente, dentro dos poderes que lhe são conferidos no artigo anterior, desde que não torne mais onerosa a servidão.

2. As obras devem ser feitas no tempo e pela forma que sejam mais convenientes para o proprietário do prédio serviente.

Artigo 1453.º

(Encargo das obras)

1. As obras são feitas à custa do proprietário do prédio dominante, salvo se outro regime tiver sido convencionado.

2. Sendo diversos os prédios dominantes, todos os proprietários são obrigados a contribuir, na proporção da parte que tiverem nas vantagens da servidão, para as despesas das obras; e só poderão eximir-se do encargo renunciando à servidão em proveito dos outros.

3. Se o proprietário do prédio serviente também auferir utilidades da servidão, é obrigado a contribuir pela forma estabelecida no número anterior.

4. Se o proprietário do prédio serviente se houver obrigado a custear as obras, só lhe será possível eximir-se desse encargo pela renúncia ao seu direito de propriedade em benefício do proprietário do prédio dominante, podendo a renúncia, no caso de a servidão onerar apenas uma parte do prédio, limitar-se a essa parte; recusando-se o proprietário do prédio dominante a aceitar a renúncia, não fica, por isso, dispensado de custear as obras.

Artigo 1454.º

(Mudança de servidão)

1. O proprietário do prédio serviente não pode estorvar o uso da servidão, mas pode, a todo o tempo, exigir a mudança dela para sítio diferente do primitivamente assinado, ou para outro prédio, se a mudança lhe for conveniente e não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante, contanto que a faça à sua custa; com o consentimento de terceiro pode a servidão ser mudada para o prédio deste.

2. A mudança também pode dar-se a requerimento e à custa do proprietário do prédio dominante, se dela lhe advierem vantagens e com ela não for prejudicado o proprietário do prédio serviente.

3. O modo e o tempo de exercício da servidão são igualmente alterados, a pedido de qualquer dos proprietários, desde que se verifiquem os requisitos referidos nos números anteriores.

4. As faculdades conferidas neste artigo não são renunciáveis nem podem ser limitadas por negócio jurídico.

CAPÍTULO V

Extinção das servidões

Artigo 1455.º

(Casos de extinção)

1. As servidões extinguem-se:

a) Pelo não uso durante 15 anos, qualquer que seja o motivo;
b) Pela aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio;
c) Pela renúncia; ou
d) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente.

2. As servidões constituídas por usucapião são judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante.

3. O disposto no número anterior é aplicável às servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição; tendo havido indemnização, é esta restituída, no todo ou em parte, conforme as circunstâncias.

4. À extinção das servidões no caso previsto na alínea b) do n.º 1 é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 1405.º

5. A renúncia a que se refere a alínea c) do n.º 1 não requer aceitação do proprietário do prédio serviente; contudo, se for efectuada antes do decurso do prazo, os titulares de direitos reais menores que onerem o prédio continuam a beneficiar da servidão até ao seu termo normal, como se não tivesse havido extinção.

Artigo 1456.º

(Começo do prazo para a extinção pelo não uso)

1. O prazo para a extinção das servidões pelo não uso conta-se a partir do momento em que deixaram de ser usadas; tratando-se de servidões para cujo exercício não é necessário o facto do homem, o prazo corre desde a verificação de algum facto que impeça o seu exercício.

2. Nas servidões exercidas com intervalos de tempo, o prazo corre desde o dia em que poderiam exercer-se e não foi retomado o seu exercício.

3. Se o prédio dominante pertencer a vários proprietários, o uso que um deles fizer da servidão impede a extinção relativamente aos demais.

Artigo 1457.º

(Impossibilidade de exercício)

A impossibilidade de exercer a servidão não importa a sua extinção, enquanto não decorrer o prazo da alínea a) do n.º 1 do artigo 1455.º

Artigo 1458.º

(Exercício parcial)

A servidão não deixa de considerar-se exercida por inteiro, quando o proprietário do prédio dominante aproveite apenas uma parte das utilidades que lhe são inerentes.

Artigo 1459.º

(Exercício em época diversa)

O exercício da servidão em época diferente da fixada no título não impede a sua extinção pelo não uso, sem prejuízo da possibilidade de aquisição de uma nova servidão por usucapião.

Artigo 1460.º

(Servidões constituídas pelo usufrutuário)

As servidões activas constituídas pelo usufrutuário não se extinguem pela cessação do usufruto.

 

LIVRO IV

DIREITO DA FAMÍLIA

TÍTULO I

Disposições gerais

CAPÍTULO I

Relações jurídicas familiares

Artigo 1461.º

(Fontes das relações jurídicas familiares)

São fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção.

Artigo 1462.º

(Noção de casamento)

Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código.

Artigo 1463.º

(Noção de parentesco)

Parentesco é o vínculo que une duas pessoas, em consequência de uma delas descender da outra ou de ambas procederem de um progenitor comum.

Artigo 1464.º

(Elementos de parentesco)

O parentesco determina-se pelas gerações que vinculam os parentes um ao outro: cada geração forma um grau, e a série dos graus constitui a linha de parentesco.

Artigo 1465.º

(Linhas de parentesco)

1. A linha diz-se recta, quando um dos parentes descende do outro; diz-se colateral, quando nenhum dos parentes descende do outro, mas ambos procedem de um progenitor comum.

2. A linha recta é descendente ou ascendente: descendente, quando se considera como partindo do ascendente para o que dele procede; ascendente, quando se considera como partindo deste para o progenitor.

Artigo 1466.º

(Cômputo dos graus)

1. Na linha recta há tantos graus quantas as pessoas que formam a linha de parentesco, excluindo o progenitor.

2. Na linha colateral os graus contam-se pela mesma forma, subindo por um dos ramos e descendo pelo outro, mas sem contar o progenitor comum.

Artigo 1467.º

(Limites do parentesco)

Salvo disposição da lei em contrário, os efeitos do parentesco produzem-se em qualquer grau na linha recta e até ao quarto grau na colateral.

Artigo 1468.º

(Noção de afinidade)

Afinidade é o vínculo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro.

Artigo 1469.º

(Elementos e cessação da afinidade)

1. A afinidade determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco.

2. A afinidade não cessa pela dissolução do casamento por morte, mas cessa pelo divórcio.

Artigo 1470.º

(Noção de adopção)

Adopção é o vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços do sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos artigos 1825.º e seguintes.

CAPÍTULO II

União de facto

Artigo 1471.º

(Noção)

União de facto é a relação havida entre duas pessoas que vivem voluntariamente em condições análogas às dos cônjuges.

Artigo 1472.º

(Condições gerais de relevância)

1. Salvo disposição legal em contrário, só se considera relevante para os efeitos estabelecidos no presente Código a união de facto de pessoas que:

a) Sejam maiores de 18 anos;
b) Não se encontrem em qualquer das condições referidas nas alíneas b) e c) do artigo 1479.º e no artigo 1480.º; e
c) Vivam na situação descrita no artigo anterior há, pelo menos, 2 anos.

2. Na contagem do tempo da vida em união de facto observar-se-ão as seguintes regras:

a) Se a coabitação se tiver iniciado durante a menoridade de um ou de ambos os unidos de facto, o prazo só se conta a partir da data em que a mais jovem tenha atingido a maioridade;
b) Se qualquer dos unidos de facto tiver sido casado, o prazo só se conta a partir da separação de facto.

 

TÍTULO II

Do casamento

CAPÍTULO I

Promessa de casamento

Artigo 1473.º

(Ineficácia da promessa)

O contrato pelo qual duas pessoas de sexo diferente se comprometem a contrair matrimónio não dá direito a exigir a celebração do casamento, nem a reclamar, na falta de cumprimento, quaisquer sanções ou outras indemnizações que não sejam as previstas no artigo 1476.º, mesmo quando resultantes de cláusula penal.

Artigo 1474.º

(Restituições, nos casos de incapacidade e de retractação)

1. No caso de o casamento deixar de celebrar-se por incapacidade ou retractação de algum dos promitentes, cada um deles é obrigado a restituir os donativos que o outro ou terceiro lhe tenha feito em virtude da promessa e na expectativa do casamento, segundo os termos prescritos para a nulidade ou anulabilidade dos negócios jurídicos.

2. A obrigação de restituir abrange as cartas e retratos pessoais do outro contraente, mas não as coisas que hajam sido consumidas antes da retractação ou da verificação da incapacidade.

Artigo 1475.º

(Restituições no caso de morte)

1. Se o casamento não se efectuar em razão da morte de algum dos promitentes, o promitente sobrevivo pode conservar os donativos do falecido, mas, nesse caso, perde o direito de exigir os que, por sua parte, lhe tenha feito.

2. O mesmo promitente pode reter a correspondência e os retratos pessoais do falecido e exigir a restituição dos que este haja recebido da sua parte.

Artigo 1476.º

(Indemnizações)

1. Se algum dos contraentes romper a promessa sem justo motivo ou, por culpa sua, der lugar a que o outro se retracte, deve indemnizar o esposado inocente, bem como os pais deste ou terceiros, quer das despesas feitas, quer das obrigações contraídas na previsão do casamento.

2. Igual indemnização é devida, quando o casamento não se realize por motivo de incapacidade de algum dos contraentes, se ele ou os seus representantes houverem procedido com dolo.

3. A indemnização é fixada segundo o prudente arbítrio do tribunal, devendo atender-se, no seu cálculo, não só à medida em que as despesas e obrigações se mostrem razoáveis, perante as circunstâncias do caso e a condição dos contraentes, mas também às vantagens que, independentemente do casamento, umas e outras possam ainda proporcionar.

Artigo 1477.º

(Caducidade das acções)

O direito de exigir a restituição dos donativos ou a indemnização caduca no prazo de 1 ano, contado da data do rompimento da promessa ou da morte do promitente.

CAPÍTULO II

Pressupostos da celebração do casamento

SECÇÃO I

Impedimentos matrimoniais

Artigo 1478.º

(Regra geral)

Têm capacidade para contrair casamento todos aqueles em quem se não verifique algum dos impedimentos matrimoniais previstos na lei.

Artigo 1479.º

(Impedimentos dirimentes absolutos)

São impedimentos dirimentes, obstando ao casamento da pessoa a quem respeitam com qualquer outra:

a)    A idade inferior a 16 anos;
b)    A demência notória, mesmo durante os intervalos lúcidos, e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica;
c)    O casamento anterior não dissolvido, ainda que o respectivo assento não tenha sido lavrado no registo do estado civil.

Artigo 1480.º

(Impedimentos dirimentes relativos)

São também impedimentos dirimentes, obstando ao casamento entre si das pessoas a quem respeitam, o parentesco na linha recta e o parentesco no segundo grau da linha colateral.

Artigo 1481.º

(Prova da maternidade ou paternidade)

1. A prova da maternidade ou paternidade para efeitos do disposto no artigo precedente é sempre admitida no processo de casamento, mas o reconhecimento do parentesco, quer neste processo, quer na acção de anulação do casamento, não produz qualquer outro efeito, e não vale sequer como começo de prova em acção de investigação de maternidade ou paternidade.

2. Fica salvo o recurso aos meios ordinários para o efeito de se fazer declarar a inexistência do impedimento em acção proposta contra as pessoas que teriam legitimidade para requerer a anulação do casamento, com base no impedimento reconhecido.

Artigo 1482.º

(Impedimentos impedientes)

São impedimentos impedientes, além de outros designados em leis especiais:

a)    A falta de autorização dos pais ou do tutor para o casamento do nubente menor, quando não suprida judicialmente;
b)    O vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens relativamente a menores, interditos ou inabilitados.

Artigo 1483.º

(Vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens)

O vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens impede o casamento do menor, interdito ou inabilitado com o tutor, curador ou administrador, ou seus parentes ou afins na linha recta, irmãos, cunhados ou sobrinhos, enquanto não tiver decorrido 1 ano sobre o termo da incapacidade e não estiverem aprovadas as respectivas contas, se houver lugar a elas.

Artigo 1484.º

(Dispensa)

1. Contanto que as contas estejam aprovadas ou que se trate de casamento com os parentes ou afins referidos no artigo anterior, o impedimento aí referido pode ser dispensado pelo tribunal, quando haja motivos sérios que justifiquem a celebração do casamento.

2. Se algum dos nubentes for menor, o tribunal ouvirá, sempre que possível, os pais ou o tutor.

SECÇÃO II

Processo de casamento

Artigo 1485.º

(Requerimento para casamento)

O processo de casamento inicia-se com o requerimento para casamento nos termos das leis do registo civil.

Artigo 1486.º

(Declaração de impedimentos)

1. Até ao momento da celebração do casamento, qualquer pessoa pode declarar os impedimentos de que tenha conhecimento.

2. A declaração é obrigatória para o Ministério Público e para quem tenha competência funcional para celebrar o casamento logo que tenham conhecimento do impedimento.

3. Se, no prazo de 5 dias a contar da declaração, o impedimento não for suficientemente provado por meio de prova documental, o casamento poderá ser celebrado ainda assim, desde que os nubentes declarem, sob compromisso de honra, a inexistência de quaisquer impedimentos.

4. Neste caso, quem tenha competência funcional para celebrar o casamento deverá requerer ao Ministério Público que promova a averiguação da existência do impedimento, a fim de serem tomadas as providências que no caso couberem.

5. Fora a situação prevista no n.º 3, uma vez efectuada a declaração o casamento só será celebrado se o impedimento cessar, for dispensado ou for julgado improcedente por decisão judicial com trânsito em julgado.

Artigo 1487.º

(Autorização dos pais ou do tutor)

1. A autorização para o casamento de menor de 18 anos e maior de 16 deve ser concedida pelos progenitores que exerçam o poder paternal, ou pelo tutor.

2. Pode o tribunal suprir a autorização a que se refere o número anterior, se razões ponderosas justificarem a celebração do casamento e o menor tiver suficiente maturidade física e psíquica.

Artigo 1488.º

(Despacho)

Podendo o casamento ser realizado, cabe ao funcionário do registo civil proferir despacho, no qual autorizará os nubentes a celebrar o casamento.

Artigo 1489.º

(Prazo para a celebração do casamento)

Autorizada a realização do casamento, este deve celebrar-se dentro dos 90 dias seguintes.

CAPÍTULO III

Celebração do casamento

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1490.º

(Publicidade e solenidade)

A celebração do casamento é pública e está sujeita às solenidades fixadas nas leis do registo civil.

Artigo 1491.º

(Pessoas que devem intervir)

É indispensável para a celebração do casamento a presença:

a) Dos contraentes, ou de um deles e do procurador do outro;
b) De quem tenha competência funcional para o acto, nos termos das leis do registo civil; e
c) De duas testemunhas, sempre que exigida nas leis do registo civil.

Artigo 1492.º

(Actualidade do mútuo consenso)

A vontade dos nubentes só é relevante quando manifestada no próprio acto da celebração do casamento.

Artigo 1493.º

(Aceitação dos efeitos do casamento)

1. A vontade de contrair casamento importa aceitação de todos os efeitos legais do matrimónio, sem prejuízo das legítimas estipulações dos esposos em convenção matrimonial.

2. Consideram-se não escritas as cláusulas pelas quais os nubentes, em convenção matrimonial, no momento da celebração do casamento ou em outro acto, pretendam modificar os efeitos do casamento, ou submetê-lo a condição, a termo ou à preexistência de algum facto.

Artigo 1494.º

(Carácter pessoal do mútuo consenso)

A vontade de contrair casamento é estritamente pessoal em relação a cada um dos nubentes.

Artigo 1495.º

(Casamento por procuração)

1. É lícito a um dos nubentes fazer-se representar por procurador na celebração do casamento.

2. A procuração deve conter poderes especiais para o acto e a designação expressa do outro nubente.

Artigo 1496.º

(Revogação e caducidade da procuração)

1. Cessam todos os efeitos da procuração pela revogação dela, pela morte do constituinte ou do procurador, ou pela interdição ou inabilitação de qualquer deles em consequência de anomalia psíquica.

2. O constituinte pode revogar a todo o tempo a procuração, mas é responsável pelo prejuízo que causar se, por culpa sua, o não fizer a tempo de evitar a celebração do casamento.

SECÇÃO II

Casamentos urgentes

Artigo 1497.º

(Celebração)

1. Quando haja fundado receio de morte próxima de algum dos nubentes, ou iminência de parto, é permitida a celebração do casamento independentemente do processo de casamento e sem a intervenção da pessoa a quem a lei atribua competência funcional para o acto.

2. Do casamento urgente é lavrado, oficiosamente, um assento provisório.

3. O funcionário do registo civil é obrigado a lavrar o assento provisório, desde que lhe seja apresentada, para esse fim, a acta do casamento urgente, nas condições prescritas nas leis do registo civil.

Artigo 1498.º

(Homologação do casamento)

Lavrado o assento provisório, o funcionário decide se o casamento deve ser homologado.

Artigo 1499.º

(Causas justificativas da não homologação)

1. O casamento não pode ser homologado:

a)    Se não se verificarem os requisitos exigidos por lei, ou não tiverem sido observadas as formalidades prescritas para a celebração do casamento urgente e para a realização do respectivo assento provisório;
b)    Se houver indícios sérios de serem supostos ou falsos esses requisitos ou formalidades; ou
c)    Se existir algum impedimento dirimente.

2. Se o casamento não for homologado, o assento provisório é cancelado.

3. Do despacho que recusar a homologação podem os cônjuges ou seus herdeiros, bem como o Ministério Público, recorrer para o tribunal, a fim de ser declarada a validade do casamento.

 

CAPÍTULO IV

Invalidade do casamento

SECÇÃO I

Disposição geral

Artigo 1500.º

(Regra de validade)

É válido o casamento relativamente ao qual não se verifique alguma das causas de inexistência jurídica ou de anulabilidade especificadas na lei.

SECÇÃO II

Inexistência do casamento

Artigo 1501.º

(Casamentos inexistentes)

É juridicamente inexistente:

a)    O casamento celebrado perante quem não tinha competência funcional para o acto, salvo tratando-se de casamento urgente;
b)    O casamento urgente que não tenha sido homologado;
c)    O casamento em cuja celebração tenha faltado a declaração de vontade de um ou ambos os nubentes, ou do procurador de um deles;
d)    O casamento contraído por intermédio de procurador, quando celebrado depois de terem cessado os efeitos da procuração, ou quando esta não tenha sido outorgada por quem nela figura como constituinte, ou quando seja nula por falta de concessão de poderes especiais para o acto ou de designação expressa do outro contraente;
e)    O casamento contraído por duas pessoas do mesmo sexo.

Artigo 1502.º

(Funcionários de facto)

Não se considera, porém, juridicamente inexistente o casamento celebrado perante quem, sem ter competência funcional para o acto, exercia publicamente as correspondentes funções de funcionário do registo civil, salvo se ambos os nubentes, no momento da celebração, conheciam a falta daquela competência.

Artigo 1503.º

(Regime da inexistência)

1. O casamento juridicamente inexistente não produz qualquer efeito jurídico e nem sequer é havido como putativo.

2. A inexistência pode ser invocada por qualquer pessoa, a todo o tempo, independentemente de declaração judicial.

SECÇÃO III

Anulabilidade do casamento

SUBSECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1504.º

(Causas de anulabilidade)

É anulável o casamento:

a)    Contraído com algum impedimento dirimente;
b)    Celebrado, por parte de um ou de ambos os nubentes, com falta de vontade ou com vontade viciada por erro ou coacção; ou
c)    Celebrado sem a presença das testemunhas, quando exigida por lei.

Artigo 1505.º

(Necessidade da acção de anulação)

A anulabilidade do casamento não é invocável para nenhum efeito, judicial ou extrajudicial, enquanto não for reconhecida por sentença em acção especialmente intentada para esse fim.

Artigo 1506.º

(Validação do casamento)

1. Considera-se sanada a anulabilidade, e válido o casamento desde o momento da celebração, se antes de transitar em julgado a sentença de anulação ocorrer algum dos seguintes factos:

a)    Ser o casamento de menor não núbil confirmado por este depois de atingir a maioridade;
b)    Ser o casamento do interdito ou inabilitado por anomalia psíquica confirmado por ele depois de lhe ser levantada a interdição ou inabilitação ou, tratando-se de demência notória, depois de o demente fazer verificar judicialmente o seu estado de sanidade mental;
c)    Ser anulado o primeiro casamento do bígamo;
d)    Ser a falta de testemunhas devida a circunstâncias atendíveis, como tais reconhecidas pelo juiz, desde que não haja dúvidas sobre a celebração do acto.

2. O disposto no número anterior não prejudica a aplicação do regime do artigo 281.º para as demais causas de anulabilidade do casamento, com excepção da simulação.

3. A confirmação, nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no número anterior, é feita perante o funcionário do registo civil e, quando exigida por lei, na presença de duas testemunhas.

4. Não é aplicável ao casamento o disposto no n.º 2 do artigo 280.º

 

SUBSECÇÃO II

Falta ou vícios da vontade

Artigo 1507.º

(Presunção da vontade)

A declaração da vontade, no acto da celebração, constitui presunção não só de que os nubentes quiseram contrair o matrimónio, mas também de que a sua vontade não está viciada por erro ou coacção.

Artigo 1508.º

(Anulabilidade por falta de vontade)

O casamento é anulável por falta de vontade:

a) Quando o nubente, no momento da celebração, não tinha a consciência do acto que praticava, por incapacidade acidental ou outra causa;
b) Quando o nubente estava em erro acerca da identidade física do outro contraente;
c) Quando a declaração da vontade tenha sido extorquida por coacção física; ou
d) Quando tenha sido simulado.

Artigo 1509.º

(Erro que vicia a vontade)

O erro que vicia a vontade só é relevante para efeitos de anulação quando recaia sobre qualidades essenciais da pessoa do outro cônjuge, seja desculpável e se mostre que sem ele, razoavelmente, o casamento não teria sido celebrado.

Artigo 1510.º

(Coacção moral)

1. É anulável o casamento celebrado sob coacção moral, contanto que seja grave o mal com que o nubente é ilicitamente ameaçado, e justificado o receio da sua consumação.

2. É equiparada à ameaça ilícita o facto de alguém, consciente e ilicitamente, extorquir ao nubente a declaração da vontade mediante a promessa de o libertar de um mal fortuito ou causado por outrem.

SUBSECÇÃO III

Legitimidade

Artigo 1511.º

(Anulação fundada em impedimento dirimente)

1. Têm legitimidade para intentar a acção de anulação fundada em impedimento dirimente, ou para prosseguir nela, os cônjuges, os seus parentes, afins na linha recta ou herdeiros, e o Ministério Público.

2. Além das pessoas mencionadas no número anterior, podem ainda intentar a acção, ou prosseguir nela, o tutor ou curador, no caso de menoridade, interdição ou inabilitação por anomalia psíquica, e o primeiro cônjuge do infractor, no caso de bigamia.

Artigo 1512.º

(Anulação fundada na falta de vontade)

1. A anulação por simulação pode ser requerida pelos próprios cônjuges ou por quaisquer pessoas prejudicadas com o casamento.

2. Nos restantes casos de falta de vontade, a acção de anulação só pode ser proposta pelo cônjuge cuja vontade faltou; mas podem prosseguir nela os seus parentes, afins na linha recta ou herdeiros, se o autor falecer na pendência da causa.

Artigo 1513.º

(Anulação fundada em vícios da vontade)

A acção de anulação fundada em vícios da vontade só pode ser intentada pelo cônjuge que foi vítima do erro ou da coacção; mas podem prosseguir na acção os seus parentes, afins na linha recta ou herdeiros, se o autor falecer na pendência da causa.

Artigo 1514.º

(Anulação fundada na falta de testemunhas)

A acção de anulação por falta de testemunhas só pode ser proposta pelo Ministério Público.

SUBSECÇÃO IV

Prazos

Artigo 1515.º

(Anulação fundada em impedimento dirimente)

1. A acção de anulação fundada em impedimento dirimente deve ser instaurada:

a)    Nos casos de menoridade, interdição ou inabilitação por anomalia psíquica ou demência notória, quando proposta pelo próprio incapaz ou demente, até 6 meses depois de ter atingido a maioridade, de lhe ter sido levantada a interdição ou inabilitação ou de a demência ter cessado; quando proposta por outra pessoa, dentro dos 3 anos seguintes à celebração do casamento, mas nunca depois da maioridade, do levantamento da incapacidade ou da cessação da demência;
b)    Nos outros casos, até 6 meses depois da dissolução do casamento.

2. O Ministério Público só pode propor a acção até à dissolução do casamento.

3. Sem prejuízo do prazo fixado na alínea b) do n.º 1, a acção de anulação fundada na existência de casamento anterior não dissolvido não pode ser instaurada, nem prosseguir, enquanto estiver pendente acção de anulação do primeiro casamento do bígamo.

Artigo 1516.º

(Anulação fundada na falta de vontade)

A acção de anulação por falta de vontade de um ou ambos os nubentes só pode ser instaurada dentro dos 3 anos subsequentes à celebração do casamento ou, se este era ignorado do requerente, nos 6 meses seguintes ao momento em que dele teve conhecimento.

Artigo 1517.º

(Anulação fundada em vícios da vontade)

A acção de anulação fundada em vícios da vontade caduca, se não for instaurada dentro dos 6 meses subsequentes à cessação do vício.

Artigo 1518.º

(Anulação fundada na falta de testemunhas)

A acção de anulação por falta de testemunhas só pode ser intentada dentro do ano posterior à celebração do casamento.

CAPÍTULO V

Casamento putativo

Artigo 1519.º

(Efeitos do casamento anulado)

1. O casamento anulado, quando contraído de boa fé por ambos os cônjuges, produz os seus efeitos em relação a estes e a terceiros até ao trânsito em julgado da respectiva sentença.

2. Se apenas um dos cônjuges o tiver contraído de boa fé, só esse cônjuge pode arrogar-se os benefícios do estado matrimonial e opô-los a terceiros, desde que, relativamente a estes, se trate de mero reflexo das relações havidas entre os cônjuges.

Artigo 1520.º

(Boa fé)

1. Considera-se de boa fé o cônjuge que tiver contraído o casamento na ignorância desculpável do vício causador da anulabilidade, ou cuja declaração de vontade tenha sido extorquida por coacção física ou moral.

2. A boa fé dos cônjuges presume-se.

CAPÍTULO VI

Sanções especiais

Artigo 1521.º

(Casamento de menores)

1. O menor que casar sem ter obtido autorização dos pais ou do tutor, ou o respectivo suprimento judicial, continua a ser considerado menor quanto à administração de bens que leve para o casal ou que posteriormente lhe advenham por título gratuito até à maioridade, mas dos rendimentos desses bens são-lhe arbitrados os alimentos necessários ao seu estado.

2. Os bens subtraídos à administração do menor são administrados pelos pais, tutor ou administrador legal, não podendo em caso algum ser entregues à administração do outro cônjuge durante a menoridade do seu consorte; além disso, não respondem, nem antes nem depois da dissolução do casamento, por dívidas contraídas por um ou ambos os cônjuges no mesmo período.

Artigo 1522.º

(Casamento com impedimento impediente)

A infracção do disposto na alínea b) do artigo 1482.º importa para o tutor, curador ou administrador, ou seus parentes ou afins na linha recta, irmãos, cunhados ou sobrinhos, a incapacidade para receberem do seu consorte qualquer benefício por doação ou testamento, enquanto se mantiver a causa determinante do impedimento.

CAPÍTULO VII

Registo do casamento

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1523.º

(Casamentos sujeitos a registo)

1. É obrigatório o registo:

a) Dos casamentos celebrados em Macau perante funcionário do registo civil;
b) Dos demais casamentos que as leis de registo sujeitem a registo obrigatório.

2. São admitidos a registo, a requerimento de quem mostre legítimo interesse no assento, quaisquer outros casamentos que não sejam manifestamente incompatíveis com a ordem pública.

Artigo 1524.º

(Forma do registo)

O registo do casamento consiste no assento, que é lavrado por inscrição ou transcrição, na conformidade das leis do registo.

Artigo 1525.º

(Prova do casamento para efeitos de registo)

1. Na acção judicial proposta para suprir a omissão ou perda do registo do casamento presume-se a existência deste, sempre que as pessoas vivam ou tenham vivido na posse do estado de casado.

2. Existe posse de estado quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:

a) Viverem as pessoas como casadas;
b) Serem reputadas como tais nas relações sociais, especialmente nas respectivas famílias.

SECÇÃO II

Registo por transcrição

SUBSECÇÃO I

Disposição geral

Artigo 1526.º

(Casos de transcrição)

São lavrados por transcrição:

a)    Os assentos dos casamentos urgentes celebrados em Macau;
b)    Os assentos dos casamentos referidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 1523.º;
c)    Os assentos mandados lavrar por decisão judicial;
d)    Os assentos dos casamentos admitidos a registo, a requerimento dos interessados, nos termos do n.º 2 do artigo 1523.º

SUBSECÇÃO II

Transcrição dos casamentos urgentes

Artigo 1527.º

(Conteúdo do assento)

O despacho que homologar o casamento urgente deve fixar o conteúdo do assento, de acordo com o registo provisório, documentos juntos e diligências efectuadas.

Artigo 1528.º

(Transcrição)

A transcrição é feita com base no despacho de homologação, trasladando-se para o assento apenas os elementos normais do registo, acrescidos da referência à natureza especial do casamento transcrito.

SUBSECÇÃO III

Transcrição dos casamentos admitidos a registo

Artigo 1529.º

(Processo de transcrição)

1. O registo dos casamentos a que se referem a alínea b) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 1523.º é efectuado por transcrição, com base nos documentos que os comprovem, lavrados de acordo com a lei do lugar da celebração.

2. O registo, porém, só pode realizar-se mediante prova de que não há manifesta incompatibilidade com a ordem pública.

SECÇÃO III

Efeitos do registo

Artigo 1530.º

(Atendibilidade do casamento)

O casamento cujo registo é obrigatório não pode ser invocado, seja pelos cônjuges ou seus herdeiros, seja por terceiro, enquanto não for lavrado o respectivo assento, sem prejuízo das excepções previstas neste Código.

Artigo 1531.º

(Efeito retroactivo do registo)

1. Efectuado o registo, e ainda que venha a perder-se, os efeitos civis do casamento retrotraem-se à data da sua celebração.

2. Ficam, porém, ressalvados os direitos de terceiro que sejam compatíveis com os direitos e deveres de natureza pessoal dos cônjuges e dos filhos.

 

CAPÍTULO VIII

Efeitos do casamento quanto às pessoas e aos bens dos cônjuges

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1532.º

(Igualdade dos cônjuges)

1. O casamento baseia-se na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.

2. A direcção da família pertence a ambos os cônjuges, que devem acordar sobre a orientação da vida em comum tendo em conta o bem da família e os interesses de um e outro.

Artigo 1533.º

(Deveres dos cônjuges)

Os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.

Artigo 1534.º

(Residência da família)

1. Os cônjuges devem escolher de comum acordo a residência da família, atendendo, nomeadamente, às exigências da sua vida profissional e aos interesses dos filhos e procurando salvaguardar a unidade da vida familiar.

2. Salvo motivos ponderosos em contrário, os cônjuges devem adoptar a residência da família.

3. Na falta de acordo sobre a fixação ou alteração da residência da família, decidirá o tribunal a requerimento de qualquer dos cônjuges.

Artigo 1535.º

(Dever de cooperação)

O dever de cooperação importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de assumirem em conjunto as responsabilidade inerentes à vida da família que fundaram.

Artigo 1536.º

(Dever de assistência)

1. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar.

2. O dever de assistência mantém-se durante a separação de facto, se esta não for imputável a qualquer dos cônjuges.

3. Se a separação de facto for imputável a um dos cônjuges, ou a ambos, o dever de assistência, a favor do outro cônjuge, só incumbe em princípio ao único ou principal culpado; o tribunal pode, todavia, excepcionalmente e por motivos de equidade, impor esse dever ao cônjuge inocente ou menos culpado, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração que o outro cônjuge tenha prestado à economia do casal.

Artigo 1537.º

(Dever de contribuir para os encargos da vida familiar)

1. O dever de contribuir para os encargos da vida familiar incumbe a ambos os cônjuges, de harmonia com as possibilidades de cada um, e pode ser cumprido, por qualquer deles, pela afectação dos seus recursos àqueles encargos e pelo trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos.

2. Se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar exceder a parte que lhe pertencia nos termos do número anterior, presume-se a renúncia ao direito de exigir do outro a correspondente compensação.

3. Não sendo prestada a contribuição devida, qualquer dos cônjuges pode exigir que lhe seja directamente entregue a parte dos rendimentos ou proventos do outro que o tribunal fixar.

Artigo 1538.º

(Direito ao nome)

1. Cada um dos cônjuges conserva os seus próprios apelidos, mas pode acrescentar-lhes apelidos do outro até ao máximo de dois.

2. A faculdade conferida na segunda parte do número anterior não pode ser exercida por aquele que conserve apelidos do cônjuge de anterior casamento.

Artigo 1539.º

(Viuvez e segundas núpcias)

O cônjuge que tenha acrescentado ao seu nome apelidos do outro conserva--os em caso de viuvez e, se o declarar até à celebração do novo casamento, mesmo depois das segundas núpcias.

Artigo 1540.º

(Divórcio)

1. Decretado o divórcio, cada um dos cônjuges pode conservar os apelidos do outro que tenha adoptado, se o ex-cônjuge der o seu consentimento ou o tribunal o autorizar, tendo em atenção os motivos invocados.

2. O consentimento do ex-cônjuge pode ser prestado por documento autêntico ou autenticado, termo lavrado em juízo ou declaração perante o funcionário do registo civil.

3. O pedido de autorização judicial do uso dos apelidos do ex-cônjuge pode ser deduzido no processo de divórcio litigioso ou em processo próprio, mesmo depois de o divórcio ter sido decretado.

Artigo 1541.º

(Privação judicial do uso do nome)

1. Falecido um dos cônjuges ou decretado o divórcio, o cônjuge que conserve apelidos do outro pode ser privado pelo tribunal do direito de os usar quando esse uso lese gravemente os interesses morais do outro cônjuge ou da sua família.

2. Têm legitimidade para o pedido de privação do uso do nome, no caso de divórcio, o ex-cônjuge, e, no caso de viuvez, os descendentes, ascendentes e irmãos do cônjuge falecido.

Artigo 1542.º

(Exercício de profissão ou outra actividade)

Cada um dos cônjuges pode exercer qualquer profissão ou actividade sem o consentimento do outro.

Artigo 1543.º

(Administração dos bens do casal)

1. Cada um dos cônjuges tem a administração dos seus bens próprios.

2. Cada um dos cônjuges tem ainda a administração:

a)    Dos proventos que receba por seu trabalho;
b)    Dos seus direitos de autor;
c)    Dos bens comuns por ele levados para o casamento ou adquiridos a título gratuito depois do casamento, bem como dos sub-rogados em lugar deles;
d)    Dos bens que tenham sido doados ou deixados a ambos os cônjuges com exclusão da administração do outro cônjuge, salvo se se tratar de bens doados ou deixados por conta da legítima desse outro cônjuge;
e)    Dos bens móveis, próprios do outro cônjuge ou comuns, por ele exclusivamente utilizados como instrumento de trabalho;
f)    Dos bens comuns ou próprios do outro cônjuge, se este se encontrar impossibilitado de exercer a administração por se achar em lugar remoto ou não sabido ou por qualquer outro motivo, e desde que não tenha sido conferida procuração bastante para administração desses bens;
g)    Dos bens comuns ou próprios do outro cônjuge, se este lhe conferir por mandato esse poder.

3. Fora dos casos previstos no número anterior, cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal; os restantes actos de administração só podem ser praticados com o consentimento de ambos os cônjuges.

Artigo 1544.º

(Providências administrativas)

O cônjuge que não tem a administração dos bens não está inibido de tomar providências a ela respeitantes, se o outro se encontrar, por qualquer causa, impossibilitado de o fazer, e do retardamento das providências puderem resultar prejuízos.

Artigo 1545.º

(Depósitos bancários)

Qualquer que seja o regime de bens, pode cada um dos cônjuges fazer depósitos bancários em seu nome exclusivo e movimentá-los livremente.

Artigo 1546.º

(Exercício da administração)

1. O cônjuge que administrar bens comuns ou próprios do outro cônjuge, ao abrigo do disposto nas alíneas a) a f) do n.º 2 do artigo 1543.º, não é obrigado a prestar contas da sua administração, mas responde pelos actos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge.

2. Quando a administração, por um dos cônjuges, dos bens comuns ou próprios do outro se fundar em mandato, são aplicáveis as regras deste contrato, mas, salvo se outra coisa tiver sido estipulada, o cônjuge administrador só tem de prestar contas e entregar o respectivo saldo, se o houver, relativamente a actos praticados durante os últimos 5 anos.

3. Se um dos cônjuges entrar na administração dos bens próprios do outro ou de bens comuns cuja administração lhe não caiba, sem mandato escrito mas com conhecimento e sem oposição expressa do outro cônjuge, é aplicável o disposto no número anterior; havendo oposição, o cônjuge administrador responde como possuidor de má fé.

Artigo 1547.º

(Alienação ou oneração de móveis)

1. A alienação ou oneração de móveis comuns cuja administração caiba aos dois cônjuges carece do consentimento de ambos, salvo se se tratar de acto de administração ordinária.

2. Cada um dos cônjuges tem legitimidade para alienar ou onerar, por acto entre vivos, os móveis próprios ou comuns de que tenha a administração, nos termos do n.º 1 do artigo 1543.º e das alíneas a) a f) do n.º 2 do mesmo artigo, ressalvado o disposto nos números seguintes.

3. Carece do consentimento de ambos os cônjuges a alienação ou oneração:

a)    De móveis utilizados conjuntamente por ambos os cônjuges na vida do lar ou como instrumento comum de trabalho;
b)    De móveis pertencentes exclusivamente ao cônjuge que os não administra, salvo tratando-se de acto de administração ordinária.

4. Quando um dos cônjuges, sem consentimento do outro, alienar ou onerar, por negócio gratuito, móveis comuns de que tem a administração, é o valor dos bens alheados ou a diminuição de valor dos onerados levado em conta na sua meação, salvo tratando-se de doação remuneratória ou de donativo conforme aos usos sociais.

Artigo 1548.º

(Alienação ou oneração de imóveis e de empresa comercial)

1. Carece do consentimento de ambos os cônjuges a alienação, oneração, locação ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis ou empresa comercial comuns, sem prejuízo do disposto na lei comercial.

2. A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada da família carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges.

Artigo 1549.º

(Disposição do direito ao arrendamento)

Relativamente à casa de morada da família, carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges:

a) A resolução, denúncia ou revogação unilateral do contrato de arrendamento pelo arrendatário;
b) A revogação do arrendamento por acordo entre as partes;
c) A cessão da posição de arrendatário;
d) O subarrendamento ou o empréstimo, total ou parcial.

Artigo 1550.º

(Aceitação de doações e sucessões. Repúdio da herança ou do legado)

Os cônjuges não necessitam do consentimento um do outro para:

a) Aceitar doações, heranças ou legados;
b) Repudiar heranças ou legados, a menos que vigore o regime da comunhão geral de bens.

Artigo 1551.º

(Forma do consentimento conjugal e seu suprimento)

1. A forma do consentimento conjugal, nos casos em que é legalmente exigido, é a prevista para a procuração.

2. O consentimento pode ser judicialmente suprido, havendo injusta recusa ou impossibilidade, por qualquer causa, de o prestar.

Artigo 1552.º

(Procuração e consentimento)

1. Independentemente das regras de administração dos bens do casal, qualquer dos cônjuges, ou ambos de modo recíproco, pode, por meio de procuração a favor do outro cônjuge, conferir poderes especiais para a prática de actos onerosos entre vivos sobre todos ou parte dos seus bens próprios ou dos bens comuns, presentes ou futuros.

2. Contudo, é sempre especial para cada acto o consentimento conjugal exigido pela lei relativo:

a) À casa de morada de família;
b) Aos bens móveis utilizados como instrumentos de trabalho;
c) Ao repúdio da herança ou legado.

3. A procuração entre cônjuges é sempre livremente revogável a todo o tempo por qualquer deles e, sem prejuízo das regras gerais, extingue-se com a morte de qualquer dos cônjuges; tendo a procuração sido efectuada com carácter de reciprocidade, a invalidade ou revogação de uma das declarações produz a ineficácia da outra.

Artigo 1553.º

(Disposições para depois da morte)

1. Cada um dos cônjuges tem a faculdade de dispor, para depois da morte, dos bens próprios e da sua meação nos bens comuns, sem prejuízo das restrições impostas por lei em favor dos herdeiros legitimários.

2. A disposição que tenha por objecto coisa certa e determinada do património comum apenas dá ao contemplado o direito de exigir o respectivo valor em dinheiro.

3. Pode, porém, ser exigida a coisa em espécie:

a) Se esta, por qualquer título, se tiver tornado propriedade exclusiva do disponente à data da sua morte;
b) Se a disposição tiver sido previamente autorizada pelo outro cônjuge por forma autêntica ou no próprio testamento; ou
c) Se a disposição tiver sido feita por um dos cônjuges em benefício do outro.

Artigo 1554.º

(Sanções)

1. Os actos praticados contra o disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 1547.º, nos artigos 1548.º e 1549.º e na alínea b) do artigo 1550.º são anuláveis a requerimento do cônjuge que não deu o consentimento ou dos seus herdeiros, ressalvado o disposto nos n.os 3 e 4 deste artigo.

2. O direito de anulação pode ser exercido nos 6 meses subsequentes à data em que o requerente teve conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos 3 anos sobre a sua celebração.

3. Em caso de alienação ou oneração de móvel não sujeito a registo feita apenas por um dos cônjuges, quando é exigido o consentimento de ambos, a anulabilidade não pode ser oposta ao adquirente de boa fé.

4. À alienação ou oneração de bens próprios do outro cônjuge, feita sem legitimidade, são aplicáveis as regras relativas à alienação de coisa alheia.

Artigo 1555.º

(Cessação de relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges)

As relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução ou anulação do casamento, sem prejuízo das disposições deste Código relativas a alimentos.

Artigo 1556.º

(Partilha do casal)

1. Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, assim como nos demais casos em que, por força do n.º 4 do artigo 1578.º, haja lugar à determinação do titular e do montante do crédito na participação ou à partilha do património comum, cada um dos cônjuges, ou os seus herdeiros, recebe:

a) No regime da participação nos adquiridos, os seus bens, sem prejuízo do disposto acerca do crédito na participação, com que seja beneficiado ou onerado;
b) Nos regimes de comunhão, os bens próprios e a sua meação no património comum.

2. Havendo dívidas a liquidar, aplica-se o disposto na secção seguinte.

SECÇÃO II

Dívidas dos cônjuges

Artigo 1557.º

(Legitimidade para contrair dívidas)

1. Tanto o marido como a mulher têm legitimidade para contrair dívidas sem o consentimento do outro cônjuge.

2. Para a determinação da responsabilidade dos cônjuges, as dívidas por eles contraídas têm a data do facto que lhes deu origem.

Artigo 1558.º

(Dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges)

1. São da responsabilidade de ambos os cônjuges:

a)    As dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento, pelos dois cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro;
b)    As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges, antes ou depois da celebração do casamento, para ocorrer aos encargos normais da vida familiar;
c)    As dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração;
d)    As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime da separação de bens ou da participação nos adquiridos;
e)    As dívidas consideradas comunicáveis nos termos do n.º 2 do artigo 1560.º

2. No regime da comunhão geral de bens, são ainda comunicáveis as dívidas contraídas antes do casamento por qualquer dos cônjuges, em proveito comum do casal.

3. O proveito comum do casal não se presume, excepto nos casos em que a lei o declarar.

Artigo 1559.º

(Dívidas da responsabilidade de um dos cônjuges)

São da exclusiva responsabilidade do cônjuge a que respeitam:

a)    As dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento, por cada um dos cônjuges sem o consentimento do outro, fora dos casos indicados nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo anterior;
b)    As dívidas provenientes de crimes e as indemnizações, sanções, restituições, custas judiciais ou multas devidas por factos imputáveis a cada um dos cônjuges, salvo se esses factos, implicando responsabilidade meramente civil, estiverem abrangidos pelo disposto nos n.os 1 ou 2 do artigo anterior;
c)    As dívidas cuja incomunicabilidade resulta do disposto no n.º 2 do artigo 1561.º

Artigo 1560.º

(Dívidas que oneram doações, heranças ou legados)

1. As dívidas que onerem doações, heranças ou legados são da exclusiva responsabilidade do cônjuge aceitante, ainda que a aceitação tenha sido efectuada com o consentimento do outro.

2. Porém, se por força do regime de bens adoptado os bens doados, herdados ou legados ingressarem no património comum, a responsabilidade pelas dívidas é comum, sem prejuízo do direito que tem o cônjuge do aceitante de impugnar o seu cumprimento com o fundamento de que o valor dos bens não é suficiente para a satisfação dos encargos.

Artigo 1561.º

(Dívidas que oneram bens certos e determinados)

1. As dívidas que onerem bens comuns são sempre da responsabilidade comum dos cônjuges, quer se tenham vencido antes, quer depois da comunicação dos bens.

2. As dívidas que onerem bens próprios de um dos cônjuges são da sua exclusiva responsabilidade, salvo se tiverem como causa a percepção dos respectivos rendimentos e estes, por força do regime aplicável, forem considerados comuns.

Artigo 1562.º

(Bens que respondem pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges)

Pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem:

a)    No regime da participação nos adquiridos, conjuntamente, os bens próprios dos cônjuges e, na falta ou insuficiência dos bens de um dos cônjuges, subsidiariamente os bens do outro cônjuge;
b)    No regime da separação de bens, conjuntamente, os bens próprios dos cônjuges;
c)    Nos regimes de comunhão, os bens comuns do casal, e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges.

Artigo 1563.º

(Preferência no pagamento de dívidas comunicáveis)

Nos regimes de comunhão, são pagas em primeiro lugar as dívidas comunicáveis até ao valor do património comum, e só depois as restantes.

Artigo 1564.º

(Bens que respondem pelas dívidas da exclusva responsabilidade de um dos cônjuges)

1. Pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, nos regimes de comunhão, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns.

2. Respondem, todavia, ao mesmo tempo que os bens próprios do cônjuge devedor o produto do trabalho e os direitos de autor do cônjuge devedor.

3. Quando, por falta ou insuficiência de bens próprios do cônjuge devedor e dos bens comuns indicados no número anterior, forem nomeados à penhora bens comuns, o cônjuge não devedor é citado para requerer nos termos da lei de processo a separação judicial de bens, sob pena de a execução prosseguir nos bens penhorados.

4. Decretada a separação de bens, nos termos do número anterior, o cônjuge não devedor pode, no prazo de 6 meses após a satisfação da dívida, requerer judicialmente a constituição ex nunc do regime de bens anterior.

Artigo 1565.º

(Compensações devidas entre os cônjuges pelo pagamento de dívidas do casal)

1. Quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respondido bens de um só deles, este torna-se credor do património comum pela totalidade do montante da dívida; não existindo bens comuns ou sendo estes insuficientes, ele torna-se credor do outro cônjuge pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer.

2. O cônjuge, para efeitos de cobrança dos créditos indicados no número anterior, é equiparado aos credores comuns.

3. Sempre que por dívidas da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges tenham respondido bens comuns, o cônjuge devedor torna-se responsável perante o outro cônjuge, até ao montante da dívida satisfeita, pela reconstituição, com os seus bens próprios, do património comum; não existindo bens próprios ou sendo estes insuficientes, o cônjuge não devedor torna-se credor do património comum pelo montante da dívida em falta.

4. Contudo, o crédito referido na parte final do número anterior só é exigível no momento da dissolução do regime de bens, salvo na parte satisfeita com os bens indicados no n.º 2 do artigo anterior.

5. Quando por dívidas da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges tenham respondido bens próprios do outro, o cônjuge do devedor torna-se credor deste pelo montante da dívida por si satisfeita.

6. O cônjuge, para efeitos de cobrança dos créditos indicados na parte final do n.º 3 e no número anterior, é equiparado aos credores próprios do cônjuge devedor.

SECÇÃO III

Convenções matrimoniais

SUBSECÇÃO I

Modalidades

Artigo 1566.º

(Convenções antenupciais e pós-nupciais)

As convenções matrimoniais dividem-se em convenções antenupciais e convenções pós-nupciais, consoante sejam celebradas antes da celebração do casamento ou durante a vigência da relação matrimonial.

SUBSECÇÃO II

Convenção antenupcial

Artigo 1567.º

(Liberdade de convenção)

Os esposos podem fixar livremente, em convenção antenupcial, o regime de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes previstos neste Código, quer estipulando o que a esse respeito lhes aprouver, dentro dos limites da lei.

Artigo 1568.º

(Partilha segundo regimes não convencionados)

1. Salvo no caso previsto no n.º 2 do artigo seguinte, é permitido aos esposos estipularem na convenção antenupcial, com carácter de reciprocidade, que a partilha dos bens derivada do casamento, no caso de dissolução do casamento por morte do outro cônjuge, se faça de acordo com o regime da comunhão geral, independentemente do regime de bens adoptado; tal estipulação poderá ficar sujeita a condição.

2. O disposto no número anterior não prejudica os direitos de terceiro na liquidação do passivo.

Artigo 1569.º

(Restrições ao princípio da liberdade)

1. Não podem ser objecto de convenção antenupcial:

a)    A regulamentação da sucessão hereditária dos cônjuges ou de terceiro, salvo o disposto nos dois artigos seguintes;
b)    A alteração dos direitos ou deveres, quer paternais, quer conjugais;
c)    A alteração das regras sobre administração dos bens do casal;
d)    A estipulação da comunicabilidade dos bens enumerados no n.º 1 do artigo 1610.º

2. Se o casamento for celebrado por quem tenha filhos que não sejam comuns a ambos os cônjuges, ainda que maiores ou emancipados, não pode ser convencionado o regime da comunhão geral nem estipulada a comunicabilidade dos bens que:

a)   Cada um dos cônjuges tiver à data do casamento;
b)    Advierem aos cônjuges depois do casamento por sucessão ou doação;
c)    Forem adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior.

Artigo 1570.º

(Instituição de herdeiro e nomeação de legatário com carácter testamentário)

1. A convenção antenupcial pode conter a instituição de herdeiro ou a nomeação de legatário feita por qualquer dos esposados, em favor quer do outro esposado quer de terceiro.

2. A instituição de herdeiro e a nomeação de legatário, embora lícitas, têm valor meramente testamentário.

3. São admitidas na convenção antenupcial cláusulas de reversão ou fideicomissárias relativas às liberalidades aí efectuadas, sem prejuízo das limitações a que genericamente estão sujeitas essas cláusulas.

4. A instituição e o legado feitos na convenção antenupcial caducam se o casamento não for celebrado dentro de 1 ano e ainda quando se verifique qualquer das causas de caducidade das disposições testamentárias.

Artigo 1571.º

(Renúncia à qualidade de herdeiro legitimário)

A convenção antenupcial pode, desde que com carácter de reciprocidade, conter a renúncia à qualidade de herdeiro legitimário dos cônjuges.

Artigo 1572.º

(Capacidade para celebrar convenções antenupciais)

1. Têm capacidade para celebrar convenções antenupciais aqueles que têm capacidade para contrair casamento.

2. Aos menores, bem como aos interditos ou inabilitados, só é permitido celebrar convenções antenupciais com autorização dos respectivos representantes legais ou curadores ou mediante o suprimento judicial dessa autorização feito a seu pedido.

Artigo 1573.º

(Anulabilidade por falta de autorização)

A anulabilidade da convenção antenupcial por falta de autorização ou do respectivo suprimento judicial só pode ser invocada pelo incapaz, pelos seus herdeiros ou por aqueles a quem competir conceder a autorização, dentro do prazo de 1 ano a contar da celebração do casamento, considerando-se a anulabilidade sanada se o casamento vier a ser celebrado depois de findar a incapacidade.

Artigo 1574.º

(Forma das convenções antenupciais)

As convenções antenupciais só são válidas se forem celebradas por escritura pública ou, com os limites determinados nas leis do registo civil, pela forma consagrada nestas leis.

Artigo 1575.º

(Publicidade e não retroactividade das convenções antenupciais)

1. As convenções antenupciais só produzem efeitos em relação a terceiros depois de registadas, e, mesmo então, não são oponíveis a terceiros que hajam adquirido direitos antes do registo, na medida em que os prejudiquem.

2. Os herdeiros dos cônjuges não são considerados terceiros.

O registo da convenção não dispensa o registo predial relativo aos factos a ele sujeitos.

Artigo 1576.º

(Revogação ou modificação da convenção antenupcial antes da celebração do casamento)

1. A convenção antenupcial é livremente revogável ou modificável pelos esposos até à celebração do casamento.

2. O novo acordo está sujeito aos requisitos de forma e publicidade estabelecidos nos artigos antecedentes.

Artigo 1577.º

(Caducidade das convenções antenupciais)

A convenção antenupcial caduca, se o casamento não for celebrado dentro de 1 ano, ou se, tendo-o sido, vier a ser anulado, salvo o disposto em matéria de casamento putativo.

SUBSECÇÃO III

Convenção pós-nupcial

Artigo 1578.º

(Âmbito e regime)

1. Através de convenção pós-nupcial os cônjuges podem, durante o casamento, por acordo:

a)    Alterar a convenção antenupcial;
b)    Celebrar pela primeira vez uma convenção matrimonial, nomeadamente com o fim de substituírem o regime de bens supletivo;
c)    Modificar uma anterior convenção pós-nupcial.

2. A convenção pós-nupcial produz efeitos entre os cônjuges a partir do dia da sua celebração, sendo nula qualquer estipulação em contrário.

3. À convenção pós-nupcial é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto na subsecção anterior.

4. Se, por força da convenção pós-nupcial, o regime de bens aplicável ao casamento deixar de ser o da participação nos adquiridos, procede-se à determinação do titular e do montante do crédito na participação, salvo se passar a ser o da comunhão geral, e se deixar de ser um regime de comunhão, procede-se à partilha do património comum; a substituição do regime da comunhão de adquiridos pelo regime da comunhão geral, ou vice-versa, não dá lugar à partilha.

5. A determinação do titular e do montante do crédito na participação, bem como a partilha do património comum, pode efectuar-se extrajudicialmente ou por via de inventário judicial.

SECÇÃO IV

Regimes de bens

SUBSECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1579.º

(Regime de bens supletivo)

Na falta de convenção antenupcial, ou no caso de caducidade, invalidade ou ineficácia da convenção, o casamento considera-se celebrado sob o regime da participação nos adquiridos.

Artigo 1580.º

(Remissão genérica para uma lei exterior a Macau

ou revogada, ou para usos e costumes locais)

O regime de bens do casamento não pode ser fixado, no todo ou em parte, por simples remissão genérica para uma lei exterior a Macau, para um preceito revogado, ou para usos e costumes locais.

SUBSECÇÃO II

Regime da participação nos adquiridos

Artigo 1581.º

(Normas aplicáveis)

Se o regime de bens adoptado pelos cônjuges, ou aplicado supletivamente, for o da participação nos adquiridos, deve observar-se o disposto nos artigos seguintes.

Artigo 1582.º

(Conteúdo)

1. No regime da participação nos adquiridos cada um dos cônjuges tem o domínio e fruição, tanto dos bens que lhe pertenciam à data da celebração do casamento ou da adopção superveniente desse regime de bens, como dos que adquiriu posteriormente por qualquer título, podendo, salvas as excepções previstas na lei, dispor deles livremente.

2. Aquando da cessação do regime da participação nos adquiridos, e com vista a igualar o acréscimo patrimonial obtido por cada um dos cônjuges durante a vigência do regime de bens, é atribuído ao cônjuge cujo acréscimo patrimonial for menor o direito de participar pela metade na diferença entre o valor do acréscimo do património do outro cônjuge e o valor do acréscimo do seu próprio património, designando-se tal direito por crédito na participação.

3. Para efeitos da determinação do acréscimo patrimonial de cada cônjuge, referido no número anterior, só são contabilizados os bens ou valores que nos termos dos artigos seguintes sejam integrados no respectivo património em participação.

4. É nula qualquer estipulação dos cônjuges que altere a fracção referida no n.º 2.

5. Os bens de cada cônjuge são considerados próprios independentemente de comporem ou não o respectivo património em participação.

Artigo 1583.º

(Património em participação)

Fazem parte do património em participação do cônjuge:

a)    O produto do seu trabalho adquirido na constância do regime da participação nos adquiridos;
b)    Os bens por si adquiridos na constância do regime da participação nos adquiridos que não sejam exceptuados nos termos dos artigos seguintes ou por lei especial.

Artigo 1584.º

(Bens adquiridos na constância do regime mas

excluídos do património em participação)

1. Estão excluídos do património em participação os bens ou valores do cônjuge, adquiridos na constância do regime da participação nos adquiridos, que lhe advierem:

a)    Por sucessão ou doação, salvas as excepções admitidas por lei;
b)    Por virtude de direito próprio anterior ao casamento ou à adopção do regime de bens da participação;
c)    Por virtude da titularidade de bens próprios excluídos da participação, e que não possam considerar-se como frutos destes;
d)    Por meio de indemnizações devidas por factos verificados contra a sua pessoa ou contra bens seus excluídos da participação;
e)    Por força dos seguros vencidos em favor da sua pessoa ou para cobertura de riscos sofridos por bens seus excluídos da participação.

2. São igualmente excluídos da participação:

a)    As roupas e outros objectos de uso pessoal e exclusivo do cônjuge, bem como os seus diplomas e a sua correspondência;
b)    As recordações da família do cônjuge de diminuto valor económico.

3. O disposto nos números anteriores não prejudica o direito à compensação, eventualmente devida ao património em participação, por tudo o que haja sido pago com bens integrados nesse património para a aquisição dos bens ou para a satisfação dos encargos inerentes aos bens advindos por doação ou sucessão.

Artigo 1585.º

(Bens adquiridos por virtude de direito próprio anterior e por virtude da titularidade de bens excluídos da participação)

1. Para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se, entre outros, adquiridos por virtude de direito próprio anterior ao casamento ou à adopção superveniente do regime da participação nos adquiridos:

a)    Os bens adquiridos em consequência de direitos anteriores a essa data sobre patrimónios ilíquidos partilhados depois dessa data;
b)    Os bens adquiridos por usucapião fundada em posse que tenha o seu início antes daquela data;
c)    Os bens comprados antes da mesma data com reserva de propriedade;
d)    Os bens adquiridos no exercício de direito de preferência fundado em situação já existente àquela data.

2. Para efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se, entre outros, adquiridos por virtude da titularidade de bens próprios excluídos da participação:

a) As acessões sobre bens excluídos da participação, sem prejuízo do disposto no artigo 1590.º;
b) Os materiais resultantes da demolição ou destruição de bens excluídos da participação;
c) A parte do tesouro adquirida na qualidade de proprietário de bens excluídos da participação;
d) Os prémios de amortização de títulos de créditos ou de outros valores mobiliários excluídos da participação, bem como os títulos ou valores adquiridos por virtude de um direito de subscrição àqueles inerente.

Artigo 1586.º

(Rendimento decorrente de exercício de empresa comercial)

1. Sem prejuízo da compensação devida, os rendimentos derivados do exercício de uma empresa comercial excluída do património em participação permanecem excluídos desse património, se forem reinvestidos na empresa.

2. Não é devida qualquer compensação, se o investimento for necessário à manutenção da rentabilidade da empresa.

Artigo 1587.º

(Bens sub-rogados no lugar de bens excluídos da participação)

Estão igualmente excluídos do património em participação:

a) Os bens sub-rogados no lugar de bens excluídos da participação, por meio de troca directa;
b) O preço dos bens excluídos da participação que hajam sido alienados;
c) Os bens adquiridos com dinheiro ou valores do cônjuge excluídos da participação.

Artigo 1588.º

(Aquisição de parte nos bens indivisos excluídos da participação)

1. Está igualmente excluída do património em participação a parte adquirida em bens indivisos pelo cônjuge que deles for comproprietário, contanto que a parte que anteriormente lhe pertencia já estivesse excluída desse património, sem prejuízo da compensação devida ao património em participação pelas somas prestadas pelo mesmo para a respectiva aquisição.

2. Contudo, se o valor dos bens do património em participação utilizados para adquirir essa parte for superior a metade do valor total do bem, ou da parte do mesmo que passe a pertencer ao cônjuge, o bem integra-se no património em participação, sem prejuízo da compensação devida.

Artigo 1589.º

(Bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens excluídos

da participação e noutra parte com dinheiro ou bens nela incluídos)

1. Os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens do cônjuge incluídos na participação e noutra parte com dinheiro ou bens dela excluídos integram-se no património em participação, se o valor daquela prestação for igual ou supe-rior ao desta; de contrário, ficam excluídos do património em participação.

2. Fica, porém, sempre salva a compensação devida entre os patrimónios do cônjuge.

Artigo 1590.º

(Benfeitorias)

1. Sem prejuízo do direito a compensação, as benfeitorias, partes integrantes e quaisquer construções ou plantações que, em qualquer dos casos, sejam efectuadas com valores ou bens incluídos na participação em bens dela excluídos, ou vice-versa, integram-se no património a que pertence a coisa principal.

2. Contudo, sem prejuízo do direito à compensação, o todo torna-se um bem integrado no património a que pertencem os bens ou valores com os quais foram efectuadas as benfeitorias, partes integrantes, construções ou plantações, se o valor destes bens for, à data da integração, superior ao das coisas principais.

3. Não é devida qualquer compensação pelas despesas efectuadas com bens da participação em benfeitorias realizadas nos bens dela excluídos, desde que as mesmas fossem necessárias para manter ou preservar estes bens.

Artigo 1591.º

(Bens doados ou deixados em favor da participação)

1. Os bens havidos pelo cônjuge por meio de doação ou deixa testamentária de terceiro só entram no seu património em participação se o doador ou testador assim o tiver determinado.

2. O disposto no número anterior não abrange as doações e deixas testamentárias que integrem a legítima do donatário.

3. Às doações para casamento entre os esposados e às doações entre casados é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 1616.º

Artigo 1592.º

(Presunções)

1. Presume-se, quer para efeitos entre os cônjuges, quer para efeitos perante terceiros, que os bens de cada cônjuge foram adquiridos e as benfeitorias efectuadas com dinheiro ou valores incluídos no seu património em participação.

2. Quando haja dúvidas sobre a propriedade exclusiva de um dos cônjuges, os bens móveis têm-se como pertencentes em compropriedade a ambos os cônjuges.

Artigo 1593.º

(Cálculo do património em participação de cada cônjuge)

No cálculo do património em participação de cada um dos cônjuges, com vista à determinação do titular e do montante do crédito na participação, incluem-se:

a)    Os bens do cônjuge integrados, à data da cessação do regime da participação nos adquiridos, no seu património em participação;
b)    Os bens do cônjuge integrados no seu património em participação, por si dispostos a título gratuito sem o consentimento do outro cônjuge na vigência do regime da participação nos adquiridos, salvo tratando-se de doação remuneratória ou de donativo conforme aos usos sociais;
c)    O valor do prejuízo causado ao consorte com os actos de alienação de bens que o cônjuge tenha efectuado, no período indicado na alínea anterior, com intuito de prejudicar o consorte;
d)    O montante das dívidas de exclusiva responsabilidade do cônjuge existentes à data da celebração do casamento ou da adopção superveniente do regime de bens, pagas com bens integrados no património em participação durante a vigência do regime de bens;
e)    O valor das despesas já pagas pelo cônjuge com bens integrados no seu património em participação relacionadas com a aquisição de bens que apenas advenham ao cônjuge posteriormente à data da cessação do regime da participação nos adquiridos; e
f)    As dívidas do cônjuge indicadas na alínea b) do artigo 1559.º, ou parte das mesmas, pagas antes da cessação do regime da participação nos adquiridos com bens do seu património em participação.

Artigo 1594.º

(Compensações e deduções)

1. A determinação do montante do património em participação de cada cônjuge só é feita após:

a)    Serem efectuadas as compensações a que haja lugar entre o património em participação do respectivo cônjuge e o património dela excluído do mesmo cônjuge; e
b)    Serem deduzidas as dívidas não pagas do respectivo cônjuge a terceiros, com excepção das indicadas no n.º 4.

2. Salvo quando tal envolva resultados menos justos, os créditos não satisfeitos que um dos cônjuges tenha contra o outro à data da cessação do regime de bens são computados no património em participação do cônjuge devedor e, caso tenham provindo de bens ou valores excluídos da participação do cônjuge credor, são deduzidos do património em participação deste.

3. No entanto, se o montante da dívida tiver sido aplicado na aquisição de bens do património em participação do cônjuge devedor que, à data da cessação do regime de bens, permaneçam nele integrados, é descontado no valor do crédito computado no património do devedor o valor do bem ou parte do mesmo resultante da aplicação desse capital.

4. No cálculo do património em participação não são deduzidas as dívidas, ou parte das mesmas por saldar:

a)    Relacionadas com a aquisição de bens que só advenham ao cônjuge posteriormente à dissolução do regime da participação nos adquiridos;
b)    Indicadas na alínea b) do artigo 1559.º; ou
c)    Contraídas exclusivamente em benefício do cônjuge, na medida em que não tenham aumentado o património em participação.

Artigo 1595.º

(Avaliação dos bens)

1. Os bens indicados na alínea a) do artigo 1593.º são avaliados segundo o estado em que se encontravam à data da cessação do regime de bens e os indicados na alínea b) do mesmo artigo segundo o estado em que se encontravam à data do acto de disposição gratuita.

2. Os valores resultantes da aplicação do disposto no número anterior serão actualizados, de acordo com os critérios constantes do artigo 544.º, desde a cessação do regime de bens ou da disposição gratuita, consoante se trate do caso da alínea a) ou da alínea b) do artigo 1593.º, até à data da determinação do montante do crédito na participação.

3. Os valores referidos nas restantes alíneas do artigo 1593.º, bem como os montantes derivados das compensações devidas, serão igualmente actualizados de acordo com o mesmo critério, desde o momento em que as despesas foram efectuadas até à data da determinação do montante do crédito na participação.

4. Se a aplicação das regras de avaliação referidas nos números anteriores implicar um resultado manifestamente contrário à equidade, o tribunal poderá alterá-lo a pedido de um dos cônjuges de acordo com a equidade.

Artigo 1596.º

(Caducidade do direito à liquidação do crédito na participação)

O direito à determinação do titular e do montante do crédito na participação não pode ser exercido para além do prazo de 3 anos a contar da cessação do casamento.

Artigo 1597.º

(Renúncia ao crédito na participação)

1. É nula qualquer renúncia antecipada ao crédito na participação.

2. É, contudo, válida a renúncia efectuada após a cessação do regime, por meio de documento autêntico, por termo lavrado em juízo ou por declaração prestada perante o funcionário do registo civil.

3. Havendo renúncia ao crédito na participação, o que deveria caber ao cônjuge beneficiado com o crédito mantém-se no património do outro cônjuge.

4. Fica ressalvado, contudo, o direito dos credores do cônjuge renunciante a impugnarem a renúncia nos termos dos artigos 605.º e seguintes.

5. A impugnação deve efectuar-se, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 614.º, no prazo de 6 meses, a contar do conhecimento da renúncia.

Artigo 1598.º

(Satisfação do crédito na participação)

1. O crédito na participação deve ser satisfeito em dinheiro, sem prejuízo do disposto no presente artigo.

2. Se houver dificuldades graves de pagamento imediato por parte do devedor, o juiz pode, a pedido do devedor, estabelecer um plano de pagamento num prazo nunca superior a 2 anos, contanto que o crédito na participação e os interesses do seu titular fiquem adequadamente garantidos.

3. O crédito na participação pode satisfazer-se mediante a entrega de bens determinados, por acordo das partes ou se o juiz assim o determinar a pedido fundamentado do devedor.

4. Se o devedor for condenado no pagamento imediato da totalidade ou de parte do crédito na participação e não cumprir no prazo de 30 dias após a decisão definitiva, pode o credor, no mesmo processo e no prazo de 90 dias, requerer que o devedor indique bens seus, previamente relacionados e avaliados, para lhe serem entregues; não sendo feita a indicação, o juiz determina a entrega ao credor dos bens do devedor, previamente relacionados e avaliados, que o credor indique.

Artigo 1599.º

(Impugnação de actos praticados anteriormente à

cessação do regime de bens)

1. Na falta ou insuficiência de bens, o cônjuge credor pode impugnar, no prazo de 2 anos a contar da cessação do regime da participação, os actos do outro cônjuge referidos nas alíneas b) e c) do artigo 1593.º, nos termos dos artigos 605.º a 613.º

2. Presume-se, para efeitos do número anterior, que foram realizados dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do cônjuge credor os actos praticados pelo cônjuge devedor, sem o consentimento do cônjuge credor, no ano anterior à morte de qualquer dos cônjuges ou à instauração da acção de divórcio litigioso, de anulação do casamento ou de separação judicial de bens:

a)    Quando tenham sido praticados a título gratuito;
b)    Quando tenham sido praticados em favor de parente, do unido de facto, independentemente das condições exigidas pelo artigo 1472.º, ou concubino ou de pessoa ligada ao cônjuge devedor por qualquer vínculo de dependência, bem como de sociedade coligada com a dele ou por ele dominada; ou
c)    Quando as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte.

Artigo 1600.º

(Efeitos perante os credores)

1. A cessação do regime não prejudica os direitos anteriormente adquiridos pelos credores contra todo o património do seu devedor.

2. Satisfeito o crédito na participação, os credores apenas podem exercer o seu direito contra o cônjuge devedor.

3. No entanto, se as dívidas não tiverem sido tidas em conta na determinação do montante do crédito na participação, conforme o preceituado no artigo 1594.º, os credores podem, depois de excutido o património do cônjuge devedor, exigir o pagamento das mesmas do cônjuge beneficiado com o crédito na participação.

4. Em nenhum caso poderá o cônjuge do devedor ser chamado a satisfazer dívidas de montante superior ao valor dos bens recebidos por força da satisfação do crédito na participação.

5. O cônjuge que, por virtude do n.º 3, haja pago dívidas do outro tem direito a ser compensado por este pelo prejuízo sofrido.

 


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