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Lei n.º 11/95/M

de 7 de Agosto

Autorização legislativa para aprovação do Código Penal

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Artigo 1.º

(Objecto)

É conferida ao Governador autorização para, no âmbito do novo Código Penal de Macau, legislar em matéria de prorrogação das penas e em matéria de medidas de segurança e respectivos pressupostos.

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Artigo 2.º

(Sentido e extensão)

A autorização referida no artigo anterior tem o seguinte sentido e extensão:

1) Construir um sistema penal que permita alcançar a justiça, proteger os bens jurídicos, salvaguardar os direitos fundamentais, preservar a paz social e reintegrar o delinquente na sociedade;

2) Consagrar a solução de que as medidas de segurança privativas da liberdade só existem, em regra, para inimputáveis;

3) Solucionar o problema dos imputáveis perigosos através do instituto da prorrogação da pena;

4) Definir com precisão as medidas de segurança e respectivos pressupostos, proibindo o recurso à analogia para definir estados de perigosidade ou para determinar as medidas de segurança que lhes correspondem.

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Artigo 3.º

(Duração)

A presente autorização legislativa é válida por um período de cento e oitenta dias, a contar da data da sua publicação.

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Proposta de Lei n.º 9/V/95

Autorização legislativa para aprovação

do Código Penal

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Tendo em atenção o proposto pelo Governador;

Cumpridas as formalidades previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 48.º do Estatuto Orgânico de Macau;

A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 31.º do mesmo Estatuto, para valer como lei no território de Macau, o seguinte:

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Artigo 1.º

(Objecto)

É conferida ao Governador autorização para, no âmbito do novo Código Penal de Macau, legislar em matéria de prorrogação das penas e em matéria de medidas de segurança e respectivos pressupostos.

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Artigo 2.º

(Sentido e extensão)

A autorização referida no artigo anterior tem o seguinte sentido e extensão:

1) Construir um sistema penal que permita, atentos os condicionalismos específicos de Macau, alcançar a justiça, proteger os bens jurídicos, salvaguardar os direitos fundamentais, preservar a paz social e reintegrar o delinquente na sociedade;

2) Consagrar a solução de que as medidas de segurança privativas da liberdade só existem, em regra, para inimputáveis;

3) Solucionar o problema dos imputáveis perigosos através do instituto da prorrogação da pena;

4) Definir com precisão as medidas de segurança e respectivos pressupostos, proibindo o recurso à analogia para definir estados de perigosidade ou para determinar as medidas de segurança que lhes correspondem.

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Artigo 3.º

(Duração)

A presente autorização legislativa é válida por um período de cento e oitenta dias, a contar da data da sua publicação.

Aprovada em    de         de 1995.

A Presidente da Assembleia Legislativa.

Promulgada em    de         de 1995.

Publique-se.

O Governador.

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Exposição de motivos

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O presente pedido de autorização legislativa visa permitir a aprovação de um novo Código Penal para Macau.

A necessidade dessa aprovação é evidente, resultando não apenas das exigências do período de transição, como também do facto de o Código Penal ac-tualmente vigente datar ainda do século passado, tendo sido publicado em Boletim Oficial datado de 14 de Dezembro de 1886.

O Código Penal que o Executivo pretende aprovar corresponde a uma visão unitária, coerente, marcadamente humanista e inovadora, não se afastando, quer na forma, quer no conteúdo das suas prescrições, da tradição jurídico-penal portuguesa.

Um dos princípios basilares do diploma reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte uma culpa concreta. Na verdade, é hoje unanimemente reconhecido que a culpa deve funcionar como limite da pena.

Outra questão particularmente relevante é o sentido pedagógico e ressocializador que importa imprimir ao sistema penal. Não se deve abandonar o condenado à pura expiação em situação de isolamento, mas sim fazer apelo à sua participação dialogante e efectiva e à sua responsabilidade.

De salientar também o facto de o Código traçar um sistema punitivo que, não admitindo a pena de morte nem penas ou medidas de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo, está decididamente orientado num sentido reeducativo e ressocializador.

Outros aspectos que se pretendem consagrar no novo Código Penal são, em síntese, os seguintes:

1) Consagração do princípio da legalidade dos crimes, das penas e das medidas de segurança e respectivos pressupostos, proibindo o recurso à analogia para qualificar um facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou a medida de segurança que lhes correspondem;
2) Proibição da retroactividade da lei penal, permitindo-se, porém, a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ao agente;
3) Fixação do princípio geral do carácter pessoal da responsabilidade penal;
4) Fixação da idade de 16 anos como limite formal para distinguir o imputável do inimputável;
5) Abolição da diferenciação entre as penas de prisão maior e de prisão correccional;
6) Consagração do princípio da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos por outras reacções penais não privativas da liberdade, sempre que estas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, podendo o tribunal, inclusivamente, não aplicar qualquer pena em casos de gravidade diminuta;
7) Utilização do sistema de dias de multa, graduando a multa de acordo com a culpa e as condições económicas do agente;
8) Possibilidade de conversão da multa não paga em prisão subsidiária;
9) Reconhecimento do direito dos lesados à indemnização de perdas e danos, consagrando soluções que permitam acautelar os seus interesses mesmo no caso de a indemnização não ser satisfeita pelo responsável;
10) Definição clara e rigorosa dos elementos dos diversos tipos legais de crime previstos na parte especial, evitando a utilização de cláusulas gerais e de tipos abertos;
11) Colocação dos crimes contra as pessoas no início da parte especial, assim salientando a dignidade da pessoa humana como valor supremo de uma sociedade aberta e pluralista;
12) Consagração da tendência para um agravamento das molduras penais previstas na parte especial, alargando simultaneamente a diferença entre o máximo e o mínimo das penas;
13) Utilização mais frequente, nas molduras penais da parte especial, da pena de multa como alternativa à pena de prisão de curta duração.

Finalmente, e no que concerne especificamente à matéria reservada pelo Estatuto Orgânico de Macau à competência da Assembleia Legislativa, o princípio da culpa aconselha a que as medidas de segurança privativas da liberdade sejam apenas aplicadas a inimputáveis. A protecção da segurança das pessoas relativamente aos imputáveis perigosos é conseguida, tal como sucede no Código vigente, pelo instituto da prorrogação das penas.

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RELATÓRIO DAS SESSÕES DE TRABALHO DEDICADAS

AO FUTURO CÓDIGO PENAL DE MACAU

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I

INTRODUÇÃO E QUESTÕES PRÉVIAS

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Na sequência da apresentação da proposta de lei de autorização legislativa para aprovar o Código Penal, proposta n.º 9/V/95, entendeu a Assembleia Legislativa, de acordo com o Executivo, levar a efeito três sessões informais de debate e esclarecimento sobre o texto do futuro Código Penal.

Apesar da previsão inicial de realização de três sessões, o enorme interesse revelado e a profundidade e qualidade das intervenções feitas bem como a importância das questões abordadas, importou outrossim a realização de seis sessões.

As sessões mencionadas realizaram-se nos dias 20, 27 e 28 de Junho, e 3, 5 e 11 de Julho.

No decurso destas sessões o Executivo esteve representado, em todas ou alguma dessas sessões, pelo Senhor Secretário Adjunto para a Justiça, Dr. Macedo de Almeida, pelo seu Chefe de Gabinete, Dr. Jorge Noronha e Silveira, pelo Coordenador do Gabinete para os Assuntos Legislativos, Dr. Jorge Costa Oliveira, pelo Coordenador Adjunto do Gabinete para a Tradução Jurídica, Dr. Sam Chan Io, pela Chefe de departamento do mesmo Gabinete, Dra. Leong Pui Ieng e pelo técnico superior do Gabinete para os Assuntos Legislativos, Dr. José Carapinha.

O plano inicial das sessões comportava a abordagem da temática em questão em três grandes partes, a saber: a primeira dedicada aos grandes princípios enformadores do direito penal, a segunda sobre a parte geral do futuro Código Penal, e, finalmente, a terceira respeitante à parte especial do código em análise.

Refira-se que o texto objecto de análise e discussão nas sessões realizadas é o que foi remetido a esta Assembleia após o envio da proposta de autorização legislativa para aprovar o Código Penal (ou, mais precisamente, para legislar, no âmbito desse código, em matéria de prorrogação das penas e em matéria de medidas de segurança e respectivos pressupostos).

Pelo que, todas as referências aqui feitas devem ser reportadas, no conteúdo e na numeração, ao articulado identificado no parágrafo anterior.

Conforme já mencionado, este plano inicial sofreu algumas alterações mormente ao nível do número de sessões consideradas desejáveis para abordar tão complexa temática.

A estrutura do presente relatório ater-se-á à grande separação tripartida que inspirou a organização das sessões. Em conformidade seguem-se três partes mais do presente relatório.

Não se opta, pois, por um relato de matérias abordadas em cada uma das sessões, porquanto por vezes aconteceu a repetição, em diferentes sessões, de questões, e, por outro lado, uma ou outra questão foi abordada em sessão dedicada a outra parte que não a respeitante à matéria da questão suscitada.

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ALCANCE E EFEITO DAS SESSÕES

Antes ainda de se iniciar o debate sobre as questões da futura lei penal fundamental, foi o Executivo questionado sobre o alcance, natureza e efeito útil das sessões previstas.

Na verdade, e considerando, designadamente, notícias e entrevistas vindas a público em diversos órgãos de comunicação social, algumas dúvidas surgiram em vários dos senhores Deputados quanto ao alcance e efeito das sessões a iniciar.

Essas dúvidas, e opiniões, dos Deputados foram, entretanto, veiculadas em órgãos da imprensa local.

Com efeito, nas sessões realizadas, os Deputados foram comentando, com alguma insistência, que o projecto do Código Penal foi objecto de consultas demoradas no âmbito do Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês, criado em sequência da assinatura da Declaração Conjunta Luso-Chinesa sobre a questão de Macau.

Questionava-se se o teor do futuro Código Penal estaria já acordado no seio desse órgão de consulta, inviabilizando-se assim qualquer alteração, designadamente proposta nesta Assembleia.

A estas questões e dúvidas, retorquiu o Executivo que, sendo verdadeira a afirmação sobre a discussão e consulta do projecto no âmbito do GLC, tal não inviabiliza a introdução de quaisquer alterações ao projecto ali apreciado, pelo que a Assembleia Legislativa não se deveria sentir inibida a apresentar qualquer sugestão.

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TRABALHOS PREPARATÓRIOS

Uma outra questão prévia suscitada por alguns senhores Deputados reporta-se à existência, ou não, de trabalhos preparatórios de tão importante projecto. Mais se pediu esclarecimento sobre as entidades/pessoas auscultadas neste processo de elaboração da lei penal fundamental.

Sobre este assunto esclareceu o Executivo que não existem muitos elementos, concluindo que a situação não é, pois, muito animadora neste particular aspecto.

Nos serviços da Assembleia Legislativa existem apenas uma versão inicial do projecto e um ofício enviado no início de 1991 pelo Senhor Secretário-Adjunto da Justiça, onde se indicam os vários princípios enformadores do código sugeridos ao Autor do anteprojecto, o Professor catedrático das Universidades de Coimbra e de Macau, Figueiredo Dias.

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ARTICULAÇÃO COM A LEGISLAÇÃO PROCESSUAL E OUTRA

Foi notada pelos Deputados a conveniência de articulação de vários preceitos substantivos previstos com legislação processual penal bem como com legislação respeitante à execução de penas. De contrário, poder-se-á assistir à eventual inoperabilidade de vários preceitos do Código Penal que se pretende aprovar.

Sobre esta questão, foi reconhecida pelo Executivo a importância de articulação dos dispositivos do código com a legislação processual penal e com a legislação sobre execução de penas.

Idealmente, a entrada em vigor do Código Penal deveria coincidir com a entrada em vigor daquela legislação, sobretudo o Código de Processo Penal. Todavia, o Executivo, ponderada a questão, decidiu avançar com o Código Penal, porquanto não seriam desejáveis mais atrasos na conclusão deste processo.

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ARTICULAÇÃO COM LEGISLAÇÃO PENAL AVULSA

Os Deputados pretenderam saber como se irá articular a entrada em vigor do novo código com a vária legislação avulsa de natureza penal; alguma dessa legislação, foi notado, reveste-se de assinalável importância e impacto social, designadamente a legislação referente à corrupção, ao tráfico e consumo de estupefacientes ou às sociedades secretas.

De entre a vária legislação com relevância penal, e fazendo referência apenas a leis desta Assembleia, foram identificadas pelo menos 13, desde o diploma sobre corrupção ao diploma sobre o sigilo das comunicações, passando pela lei sobre a actividade de radiodifusão.

O Executivo esclareceu que, para efeitos de uma harmoniosa articulação do código com a restante legislação penal, foi efectuada uma recensão de toda a legislação relevante. Deste trabalho resultam duas listagens. Uma listagem, a incluir numa norma revogatória constante do diploma que aprova o código, que contém a identificação da legislação que cessará a sua vigência com a entrada em vigor daquele, e uma outra listagem de diplomas a analisar para efeitos de manutenção da sua vigência.

Consideram os Deputados, designadamente pela razão acima descrita, de primordial importância o diploma de aprovação/decreto preambular que, no entanto, não acompanhou o articulado do futuro código, pelo que sobre ele não se pronunciaram. Pese embora a ausência desse diploma, consideraram alguns Deputados merecer ponderação a elaboração de um preâmbulo substancialmente desenvolvido que permita deixar uma memória interpretativa relevante.

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CONTRAVENÇÕES/ILÍCITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL

Foi notada a introdução do instituto das contravenções em desfavor do instituto do ilícito de mera ordenação social. Esta opção afasta-se do caminho indicado pelo Estatuto Orgânico, nos termos do artigo 31.º, n.º 1, alínea c).

O Executivo esclareceu a Assembleia que a opção pelo instituto das contravenções, em desfavor do ilícito de mera ordenação social, resulta de uma sugestão formulada pelo Senhor Secretário-Adjunto de então (Fevereiro de 1991) ao Autor do anteprojecto.

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ADEQUAÇÃO A MACAU

Alguns Deputados manifestaram a sua impressão de este projecto pouco ter havido em consideração algumas das necessidades especialmente sentidas em Macau, designadamente ao nível dos tipos criminais mais frequentes e importantes e suas molduras penais. Em conformidade, e ilustrando esta ideia, foram apontados alguns exemplos (a merecerem referência nas partes III e IV deste relatório) de crimes insuficientemente tratados e molduras penais desajustadas.

Para este desiderato ser mais bem conseguido poderia ter sido efectuado um estudo prévio das necessidades da sociedade de Macau.

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FILOSOFIA ENFORMADORA

Foi questionada por alguns Deputados a filosofia enformadora do projecto, assente na ideia de reinserção social, que se afigura desequilibrada face à protecção pretendida da vítima e da sociedade.

Os representantes do Executivo consideraram poder, eventualmente, este código ter adoptado uma postura mais centrada na vítima, disponibilizando-se para introduzir alterações a preceito.

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II

PRINCÍPIOS GERAIS

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No que tange aos princípios gerais do direito penal, também, e naturalmente, princípios gerais do futuro Código Penal, o Executivo através de dois dos seus representantes, apresentou duas comunicações onde, de uma forma pormenorizada e clara, se apresentaram e explicaram os quatro princípios essenciais, que não únicos, do nosso ordenamento juspenal.

Os princípios em causa são o princípio da legalidade, o princípio da culpa, o princípio da intervenção mínima e o princípio da humanidade.

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PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

No que respeita ao princípio da legalidade, comummente descrito na célebre fórmula latina de Feuerbach nullum crimen sine lege; nulla poena sine lege, foi este explicado bem como a sua insubstituível importância num moderno e equilibrado sistema penal. Está consagrado, com diversos corolários, designadamente a proibição do recurso à analogia, no artigo 1.º do Código.

Foi notado que inexiste, ao menos expressamente, a proibição da interpretação extensiva hoje prevista no Código Penal de 1886, ex vi do artigo 18.º

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PRINCÍPIO DA CULPA

Sobre o princípio da culpa, que assume neste código o mais incontestável relevo, esclareceu o Executivo que, não constando embora de forma expressa no articulado, resulta indiscutivelmente de vários preceitos, designadamente dos artigos 15.º e 16.º, entre vários outros, e, sobretudo, da escolha da pena e determinação da sua medida conforme estipulado no n.º 2 do artigo 65.º

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PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

Relativamente ao princípio da intervenção mínima foi relembrado que o direito penal é um direito que se pretende de última ratio, ou seja só deve intervir em tutela de alguns bens, bens esses que reclamem esta especial e radical forma de tutela.

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PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DAS PENAS

Finalmente, no que concerne ao princípio da humanidade das penas, foi referido ser este um princípio que se inclui num mais geral princípio da humanidade da lei penal que perpassa todo o código. Todavia, é nas reacções penais, ou seja nas penas, que o princípio da humanidade assume especial relevo, daí a sua particularização.

Deste princípio basilar decorrem importantes corolários como a recusa, centenária, da consagração, em caso algum, da pena de morte. Ainda, a recusa da consagração de penas ou medidas de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo, porquanto são entendidas como cruéis e desnecessárias.

Esta postura tradicional encontra tradução no n.º 1 do artigo 39.º do futuro Código Penal de Macau.

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III

PARTE GERAL

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Os representantes do Executivo procederam a uma extensa e pormenorizada descrição da parte geral do Código, colocando uma especial ênfase no título III ¡X consequências jurídicas do facto.

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MOLDURAS PENAIS

No que toca às molduras penais, tratadas neste capítulo, dada a generalização das críticas apontadas, foi referido pelo Executivo que uma importante inovação foi introduzida no projecto. Na verdade, as molduras penais são, de um modo geral, mais amplas, ou seja, a amplitude entre a pena mínima e a pena máxima abstractamente aplicáveis a determinado crime é bastante maior. Esta é a característica mais marcante do futuro código a nível das penas.

Foi ainda chamado à colação o instituto da atenuação especial da pena (artigo 67.º), que implica um aumento acrescido da diferença entre o mínimo e o máximo.

A opção tomada visa permitir uma melhor adequação da pena às características do caso concreto.

Os Deputados consideraram que há um grande risco inerente a esta solução, porquanto acresce a responsabilidade dos magistrados, em particular dos juízes, donde a necessidade de uma formação específica cabal dos mesmos, designadamente em termos de experiência da função de julgamento.

Sobre esta temática, o denominador comum das intervenções dos Deputados foi a necessidade de um agravamento.

Com efeito, foi chamado à colação o facto de, recentemente, se ter verificado um aumento da criminalidade no território.

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PENA DE MULTA

Sobre a pena de multa foi referido que se introduziram duas grandes alterações, na variação da fixação da taxa diária e na elevação do seu valor.

No que respeita à variação na fixação da taxa diária da multa, (artigo 45.º, n.º 2), o aumento da margem de variação justifica-se com a tentativa de dar resposta às disparidades sociais patentes em Macau.

No que concerne à elevação dos montantes da pena de multa, pretende-se garantir a sua efectividade punitiva.

Finalmente, sugeriu-se a eliminação, por desnecessária, das referências à pataca. Em sua substituição deve colocar-se o sinal de cifrão.

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PRORROGAÇÃO DA PENA

Sobre o instituto da prorrogação da pena, consagrado nos artigos 77.º e seguintes, o Executivo esclareceu ser este um instituto que pretende dar resposta aos chamados «delinquentes de difícil correcção», ou seja, delinquentes que praticam crimes reiteradamente. É, pois, em nome da defesa da sociedade, e em desfavor da ressocialização do delinquente, que se consagra o presente mecanismo.

A propósito, foi questionada por alguns Deputados esta opção em desfavor do instituto da pena relativamente indeterminada, que, recorde-se, está prevista no Estatuto Orgânico.

Sobre esta questão o Executivo referiu que o instituto da pena relativamente indeterminada constitui uma solução substancialmente semelhante à proporcionada pela prorrogação da pena.

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COMPARAÇÃO COM HONG KONG

Vários Deputados consideraram dever ponderar-se a elevação das molduras penais, tendo em consideração as molduras vigentes no espaço jurídico envolvente, designadamente Hong Kong. Para o efeito pediram ao Executivo que elaborasse um estudo/grelha comparativa das penas do futuro Código Penal com as penas vigentes no vizinho ordenamento jurídico, que habilitasse uma mais cuidadosa e pertinente análise.

O Executivo referiu que os ordenamentos jurídicos em causa, Macau e Hong Kong, pertencem a famílias jurídicas muito diferentes, continental e common law, respectivamente, o que dificulta qualquer trabalho do tipo do pretendido. Mais foi adiantado que vários tipos legais de crime não encontram correspondência nos dois sistemas, e, além desta dificuldade, chamou-se à colação a figura, tipicamente de common law, do plea bargaining, que altera significativamente a moldura penal prevista em forma de letra de lei.

Os representantes do Executivo comprometeram-se a providenciar a elaboração do estudo pretendido e, concomitantemente, facultá-lo aos Deputados. No entanto, mais tarde, dada a dificuldade por razões técnicas em realizá-lo, foi comunicado que tal estudo não poderia ser entregue.

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ELEVAÇÃO DAS PENAS E ADEQUAÇÃO A MACAU

Conforme já mencionado, os Deputados pronunciaram-se pela necessidade do aumento, em geral, das penas previstas no projecto.

Alguns Deputados pronunciaram-se pela consagração, em determinadas circunstâncias, da pena de prisão perpétua.

A este respeito chamou-se à atenção para a desejabilidade de adequar as molduras penais às necessidades de Macau.

Com efeito, existem crimes previstos no articulado distribuído que merecem a consagração de penas que se revelam de todo inadequadas à realidade social do território. Um exemplo referido foi o da pena prevista para a prática do crime de associação criminosa, (artigo 288.º), que estipula uma pena de prisão de 2 a 8 anos, ao passo que o crime de organização terrorista, (artigo 289.º), contempla uma pena de 10 a 20 anos...

A propósito foi referido que, face ao Código Penal de Portugal, de 1995, há vários crimes contra a liberdade e autodeterminação sexuais que sofreram em Macau um desagravamento que se afigura injustificado. Estão nesta situação, designadamente, os crimes de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, (artigo 159.º), de tráfico de pessoas, (artigo 163.º), de lenocínio (artigo 164.º), de abuso sexual de crianças, (artigo 166.º).

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CONSAGRAÇÃO DE PENA MÍNIMA

Foi apontada por alguns Deputados a ausência de previsão de uma pena mínima para vários tipos de crime, designadamente, e a título meramente exemplificativo, o sequestro, a tirada de presos e a extorsão, previstos respectivamente nos artigos 152.º, 313.º, e 216.º

Mais se referiu constituírem alguns destes crimes exemplos significativos de condutas criminosas com grande incidência em Macau.

Sobre esta questão foi sugerida a estipulação de uma pena mínima na moldura penal de todos os crimes que a não prevêem. Representantes do Executivo responderam que a consagração de limites mínimos não se reveste de significa-tiva importância.

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AGRAVAÇÃO DA PENA PARA NÃO RESIDENTES

Alguns Deputados realçaram o facto de, sobretudo em tempos recentes, se ter verificado uma acentuada tendência de prática de certo tipo de crimes por não residentes de Macau.

Considerando que um código penal de Macau deve servir para proteger a sociedade do território, então há que tentar encontrar mecanismos que possam contribuir para a diminuição de crimes perpetrados por pessoas estranhas ao território.

Foi sugerida como hipótese de trabalho a agravação das penas para os não residentes que aqui pratiquem as suas condutas criminosas.

Sobre esta questão o Executivo relembrou que existe já legislação que pune de forma mais gravosa uma categoria de não residentes, ou seja, os imigrantes clandestinos, (cfr. artigo 14.º, da Lei n.º 2/90/M). A esta agravação acresce a expulsão após o cumprimento da pena, nos termos do artigo 2.º do mesmo diploma.

No entanto, há que ter presente a possibilidade, facilmente concretizável, de os não residentes autores de determinado crime estarem legalmente em Macau, por exemplo como turistas, e por isso não serem imigrantes clandestinos, pelo que a pertinência da questão se mantém.

Foram manifestadas algumas reservas sobre a solução preconizada.

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PROIBIÇÃO E SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES PÚBLICAS

Sobre os efeitos da proibição e da suspensão do exercício de funções públicas, penas acessórias, vários Deputados expressaram o seu desacordo com a possibilidade prevista no número 2, do artigo 63.º, de os funcionários em questão poderem, nos termos deste preceito, continuar a exercer funções públicas.

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SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PRISÃO

O instituto da suspensão da execução da pena de prisão, consagrado nos artigos 48.º e seguintes, mereceu alguns reparos e sugestões.

Os Deputados consideram dever substituir-se o comando consagrado no n.º 1 do artigo 48.º, «o tribunal suspende», por uma redacção que melhor espelhe ser esta uma opção que é facultada ao tribunal. Em conformidade foi sugerida a alteração da redacção do preceito para «o tribunal pode suspender». Aliás, era, em rigor se deverá dizer é, esta a solução preconizada no Código Penal portu-guês de 1982, (cfr. artigo 48.º deste diploma).

Como nota de pormenor foi proposta a substituição, no artigo 53.º, alínea b), da expressão «obrigações» por «deveres», porquanto se afigura tecnicamente mais correcta.

Ainda nesta sede, os Deputados manifestaram sérias reservas quanto à figura da suspensão com regime de prova, consagrada no artigo 51.º, dado não se vislumbrar que, face ao panorama actual, as estruturas competentes possam estar em condições de tornar este regime de prova praticável.

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DESCONTO DA PENA

No que respeita à figura do desconto da pena, mais especificamente a previsão do desconto da pena aquando de medida processual ou pena sofrida fora de Macau, (artigo 76.º), foram pedidos esclarecimentos quanto à relação deste normativo com o estipulado no artigo 6.º, restrição à aplicação da lei de Macau.

A propósito, foi adiantada a reserva à proibição da realização de um segundo julgamento por poder conduzir a situações injustas, designadamente por deficiente carrear de provas para o processo. Por outro lado, existem situações limite onde pode acontecer uma repetição de julgamento.

Apontou-se, pois, para um acentuar da figura do desconto da pena, com correspondente abertura da possibilidade de repetição de julgamentos.

Os representantes do Executivo consideraram não ser possível, nomeadamente por limitações constitucionais, abrir a possibilidade de repetição de julgamentos.

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LIBERDADE CONDICIONAL

A temática da liberdade condicional foi uma das que mereceu mais reflexão por parte dos Deputados, tendo suscitado consideráveis críticas, proclamando- -se a necessidade de imprimir mais rigor na aplicação da liberdade condicional bem como nos seus requisitos mormente temporais.

Com efeito, o sistema actual opera quase em termos de automaticidade, o que inculca um certo abandono da ratio do instituto e implica também uma concepção que vê na liberdade condicional um imediato e incondicional efeito de redução da pena fixada pelo juiz.

Afirmou-se que a praxis não se apresentava como muito rigorosa na aferição dos vários pressupostos materiais exigidos na lei, designadamente a nível das exigências de prevenção geral, ou seja, da aceitação social dessa libertação (antecipada).

Por outro lado, foi considerado que o proposto regime regra da concessão da liberdade condicional ao fim do cumprimento de metade da pena, (artigo 56.º, 2), se apresenta como insuficiente, apesar do disposto no número 3 deste mesmo preceito.

O Executivo considerou pertinentes e fundados os argumentos apresentados pelos Deputados, tendo avançado com uma alternativa semelhante à prevista no Código Português de 1995, que, no número 4 do artigo 61.º, prevê que a liberdade condicional apenas poderá ter lugar quando se cumprirem dois terços da pena aquando da condenação, pela prática de crime contra as pessoas ou de crime de perigo comum, a pena de prisão superior a cinco anos.

Todavia, os Deputados, de uma forma muito generalizada, discordaram desta alternativa, considerando dever estabelecer-se, como regra, a necessidade do cumprimento de pelo menos dois terços da pena para poder ser concedida a liberdade condicional.

Esta medida potenciará, além de um maior efeito dissuasor, uma retenção no estabelecimento prisional de pessoas que consabidamente regressam à prática de condutas criminosas.

Invocou-se, a propósito, o regime vigente em Hong Kong, que estabelece como regra a necessidade do cumprimento de dois terços da pena (artigo 69.º, 2, Prison Rules, Cap. 234).

O Executivo mostrou-se disponível para rever o projecto em conformidade com a sugestão apontada pelos Deputados. Esta disponibilidade foi reafirmada na última das sessões realizadas.

Ainda sobre a liberdade condicional, foram apresentadas discordâncias quanto ao estipulado no artigo 56.º, n.º 1, sobre o consentimento do condenado, e, no n.º 4, que consagra a concessão ope legis da liberdade condicional na situação aqui regulada.

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INIMPUTABILIDADE EM RAZÃO DA IDADE

Os menores de 16 anos são inimputáveis de acordo com o artigo 18.º Vários Deputados discordaram deste preceito, considerando que a idade mínima para efeitos de imputabilidade deveria ser menor.

Com efeito, foi relembrada uma tendência que recentemente se tem vindo a afirmar no território e que se traduz na prática de condutas criminosas, designadamente em actividades referenciadas com associações criminosas, por jovens com idade inferior a 16 anos.

Por outro lado, foi invocada a idade, 14 anos, exigida no projecto para efeitos de eficácia do consentimento, (artigo 37.º, n.º 3), no sentido de uma eventual solução da idade mínima reveladora de um desenvolvimento mental suficiente para as exigências da lei penal.

A ser adoptada uma idade mais baixa para efeitos de imputabilidade, não se deve descurar a consagração de um mecanismo que permita uma forte atenuação da pena.

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DISPOSIÇÕES ESPECIAIS PARA JOVENS

O Executivo foi perguntado sobre a inexistência de um dispositivo vulgarmente conhecido como consagrador de uma «idade jovem na determinação da pena». Esta idade jovem é tradicionalmente dividida em dois períodos, dos 16 aos 17 e dos 18 aos 21, com efeitos diferenciados.

Sobre esta questão o Executivo justificou a opção com argumentos similares aos expendidos supra sobre a inimputabilidade em razão da idade. De resto, esta orientação constava já do documento que, em 1991, traçou as linhas gerais do projecto a realizar.

De todo o modo, está previsto na alínea f), do número 1 do artigo 66.º, uma atenuação especial obrigatória para os menores de 18 anos.

O artigo 64.º, conceito de funcionário, foi objecto de duas ordens de críticas, quanto ao seu conteúdo e quanto à sua inserção sistemática.

Na verdade, o conteúdo deste dispositivo parece pecar por defeito e pecar por excesso, ou seja, não inclui realidades que manifestamente aí deveriam constar como os titulares dos órgãos municipais e o Alto Comissário Contra a Corrupção e a Ilegalidade Administrativa; inversamente, afigura-se demasiado abrangente o teor da alínea c), do número 2, porquanto abrangerá trabalhadores que manifestamente deveriam estar excluídos como, por exemplo, os das empresas públicas e das empresas concessionárias.

Por outro lado, e considerando que o Governador, os Secretários-Adjuntos e os Deputados estão sujeitos a legislação especial, e os primeiros a um foro injuntivo consagrado constitucionalmente, seria de ponderar retirar estes titulares de cargos políticos.

Os representantes do Executivo consideraram passível de leituras políticas incorrectas a supressão da referência ao Governador e aos Secretários-Adjuntos.

No que tange à inserção sistemática do preceito, debateu-se qual o local do código mais adequado, o do projecto ¡X Livro I, em capítulo referente às penas acessórias, ou outrossim na parte final do código, em capítulo respeitante aos crimes cometidos no exercício de funções públicas, à imagem do ¡X Código, Português de 1995 e da versão inicial do projecto.

Os Deputados que se manifestaram sobre a problemática preferem a inserção do preceito na parte final do código, pois ele respeita fundamentalmente aos crimes cometidos no exercício de funções públicas. O Executivo justifica a sua opção em virtude de o projecto fazer referência pela primeira vez ao funcionário público precisamente a propósito das penas acessórias e por considerar que o normativo é passível de aplicação a outras situações que não apenas as do último capítulo do código.

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EXTRADIÇÃO/TRANSFERÊNCIA

Vários Deputados questionaram o Executivo pela supressão das referências à extradição e pela sua substituição pela expressão «transferência» no artigo 5.º

Perguntou-se qual o conceito de transferência e qual a sua conexão com as garantias constitucionais referentes à extradição. Mais se afirmou que até à transferência do exercício de soberania sobre Macau deverão manter-se os princípios portugueses vigentes, pelo que não se deveria deixar de usar o termo extradição.

Os representantes do Executivo historiaram resumidamente o caminho percorrido que levou à opção consagrada no projecto.

Foi dito que o anteprojecto previa uma norma específica sobre extradições, apesar de pouco habitual em sede de códigos penais que, todavia, pareceu importante incluir como garante de não extradições, tendo em consideração os factores residente e pena de morte.

No entanto, o conceito pressupõe relações entre Estados soberanos, o que motivou a recusa da República Popular da China em aceitar configurar nas si-tuações de extradição de Macau para a RPC uma verdadeira extradição. No futuro as relações de Macau com a RPC serão de direito interno e não de direito internacional.

Dado que o estatuto político-jurídico de Macau será diferente antes e depois de 1999, não se logrou alcançar uma redacção compatível para o presente e para o devir. Há que, no entanto, «privilegiar o conteúdo e não o embrulho», ou seja, as garantias constitucionais aplicáveis à extradição também o são à transferência, esclareceu o Executivo.

A complexa questão foi discutida no GLC, daí resultando a não inclusão da expressão extradição no futuro Código Penal de Macau, contudo, e tal como em Hong Kong, a matéria será prevista em um acordo tipo a celebrar com Estados estrangeiros e, num outro acordo a valer para as relações com a RPC.

Os Deputados intervenientes mantiveram as críticas anteriormente formuladas e colocaram reservas, de princípio e políticas, às tentativas de elaborar determinada legislação que sirva para agora e para o futuro.

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RESIDENTE

Alguns Deputados duvidaram da operacionalidade do termo «residente» usado ao longo do código em substituição de «nacional». Parece merecer ponderação a simples transposição de um conceito para o outro.

Sobre o problema foi explicado que este é um código de natureza regional, pelo que haveria que encontrar um conceito operativo adequado a essa natureza.

Os Deputados evidenciaram que ao optar, pelo termo residente, é inevitável a fixação de critérios determinadores do seu conteúdo, factor de segurança e certeza essencial em direito penal.

Com efeito, foi chamado à atenção para que no ordenamento jurídico vigente, coabitam vários conceitos de residente, para vários efeitos ¡X designadamente estatísticos, obtenção do BIR, posse de um título de residência ¡X, para além do conceito de habitante local expresso na Declaração Conjunta Luso-Chinesa.

No direito penal imperam a certeza e a segurança jurídica, e, sem uma fixação inequívoca do conceito operacional, como se procederá à aplicação do artigo 5.º? Incumbiria à acusação a prova da qualidade de residente de qualquer arguido, o que se poderia configurar difícil de concretizar.

Pelo exposto, os Deputados sugeriram ao Executivo a fixação do conteúdo do termo «residente» no próprio código, ou então, por remissão para legislação especial.

O Executivo ficou alertado para o problema e concordou com o seu tratamento no código.

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ARREPENDIDO/COLABORADOR COM A JUSTIÇA

Alguns Deputados pretenderam saber em que medida o código contemplava as figuras do «arrependido» e do «colaborador com a Justiça».

No que respeita ao arrependimento, o mesmo é objecto de atenuação especial da pena, (artigo 66.º, n.º 2, alínea c))

Quanto à atribuição de um tratamento privilegiado àqueles que, participando no crime, colaboram com as autoridades, os sistemas juspenais continentais costumam ser pouco permeáveis a essa opção. Todavia, estão previstas no projecto algumas situações excepcionais quanto aos crimes de associação criminosa e de organização terrorista (artigos 288.º, n.º 4 e 289.º, n.º 6, respectivamente), mas não quanto aos crimes de corrupção e conexos.

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IV

PARTE ESPECIAL

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Como apreciação geral, reafirmou-se a conveniência da elevação da moldura penal, sobretudo para os crimes com maior incidência no território e, por outra banda, a impressão de uma deficiente tradução no código da realidade social de Macau, demonstrada pelo insuficiente/inexistente tratamento que alguns tipos criminais mereceram.

Em conformidade com o atrás afirmado, os Deputados apontaram como exemplo os crimes de associação criminosa, usura/agiotagem, sequestro, tráfico de droga, lenocínio, entre outros.

Foram ainda apontadas lacunas no Código relativamente a dois grupos de tipos criminais, os crimes contra o Estado, por exemplo a traição, e os crimes informáticos.

Discutiu-se ainda a introdução, ou não, no código de alguns crimes.

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ABORTO

Os crimes contra a vida intra-uterina, previstos apenas no artigo 136.º, foram objecto de prolongado debate e controvérsia.

As posições assumidas podem reconduzir-se a duas.

Uma que defende a necessidade de o código conter já normas sobre a interrupção voluntária da gravidez, prevendo a incriminação de certas condutas.

Outra tese, fundada nas características e práticas do universo dos destinatários do código, advoga a não criminalização, em princípio, da interrupção voluntária da gravidez. Ademais, é prática corrente e legítima na RPC e parece ser igualmente corrente nas mulheres em Macau, designadamente por razões económicas, que, alegadamente, se deslocam a Hong Kong e à RPC para este efeito.

Findo o debate não foi possível a obtenção de uma posição consensual sobre tão complexa questão. Foi, no entanto, aventada a adopção de uma solução, de algum modo intermédia, que poderia buscar inspiração nos normativos do Código Penal de Portugal de 1995, que não dispensa a necessidade de legislação regulamentar.

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SEQUESTRO

Alguns Deputados estranharam que esta conduta, reiteradamente praticada em Macau, mereça apenas um artigo, 152.º, considerando ainda insuficiente a moldura penal prevista.

O Executivo considerou suficiente o preceito previsto.

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USURA/AGIOTAGEM

Sobre este crime, previsto no artigo 219.º, valem sensivelmente as mesmas objecções e resposta ao assunto imediatamente anterior.

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GENOCÍDIO

O crime de genocídio suscitou alguns reparos quando comparada a sua moldura penal com a do homicídio qualificado, artigo 129.º

Na verdade, a leitura conjunta do disposto na alínea d), do número 2, do artigo 129.º e do artigo 230.º aponta para uma difícil harmonização e para a estatuição de molduras penais diversas, aparentemente, aplicáveis a uma mesma conduta.

Foi sugerido pelos Deputados a cisão do artigo 230.º em dois números, com duas molduras penais distintas, onde num primeiro número constasse a actual alínea a) com uma moldura penal idêntica à do homicídio qualificado, 15 a 25 anos e não já 10 a 25. No número dois entrariam as actuais alíneas b) e seguintes, com a mesma moldura penal prevista no projecto, ou seja, 10 a 25 anos.

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ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA

A consagração de um singelo artigo ao crime de associação criminosa, 288.º, provocou surpresa nos Deputados, atenta a consabida importância das seitas criminosas em Macau.

A moldura penal prevista foi considerada manifestamente insuficiente.

A propósito questionou-se o executivo sobre o destino a dar à Lei n.º 1/78/M sobre associações de malfeitores/sociedades secretas, que se afigura mais completa e mais adequada às necessidades de Macau.

Os representantes do Executivo anunciaram que se está a proceder a um estudo muito cuidadoso da questão, pretendendo-se uma harmoniosa conjugação dos dois diplomas. Foi ainda referido que o artigo 288.º, não se confunde necessariamente com o âmbito de aplicação da Lei n.º 1/78/M.

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CORRUPÇÃO E OUTROS CRIMES CONEXOS

Este tema mereceu uma demorada atenção dos Deputados na sequência do debate originado em torno da Comissão Eventual para a Revisão dos Procedimentos Administrativos e do Regime Penal da Corrupção.

O discurso argumentativo esgrimido consta já do parecer daquela Comissão, pelo que, neste relatório se fará uma síntese das questões abordadas.

A primeira questão é a da inclusão do regime penal da corrupção no código, tal como vem preconizado no projecto, ou se, pelo contrário se mantém num diploma avulso.

As razões históricas que explicam o inusual tratamento do tema em diploma avulso foram expostas, do mesmo modo foram renovados os argumentos em favor da sua inclusão no código penal.

Por outro lado, manifestaram-se de novo os argumentos em favor da manutenção da matéria em diploma avulso.

A final, concluiu-se que esta questão não reveste primordial importância. Interessa outrossim conseguir construir um conjunto normativo adequado e capaz de combater este fenómeno. Foi ainda referido que o articulado do projecto se afigura bastante melhor que a lei vigente.

Se a opção consistir na inclusão da matéria no código, advertiu-se que não se poderiam importar do diploma vigente as normas de natureza administrativa.

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SINAIS EXTERIORES DE RIQUEZA INJUSTIFICADA

Vários Deputados advogaram a consagração enquanto crime da figura dos sinais exteriores de riqueza, hoje prevista com natureza disciplinar na Lei n.º 14//87/M, artigo 7.º, por considerarem constituir uma medida muito importante no combate à corrupção.

Consideraram ainda inexistir qualquer violação ao normativo constitucional que consagra a presunção de inocência, artigo 32.º, n.º 2 da Constituição, porquanto a presunção de inocência opera até alguém ser considerado culpado não relevando, pois, a eventual inversão do ónus da prova.

Outros Deputados, e os representantes do Executivo igualmente, consideraram, de forma categórica, que a criação de tal preceito de natureza criminal seria inconstitucional sem margem de dúvidas, pelo que tal consagração nunca seria possível, ao menos enquanto se mantiver em vigor a Constituição Portuguesa.

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CRIMES INFORMÁTICOS

Alguns Deputados questionaram o Executivo pela ausência de normas relativas a este tipo de crimes, nomeadamente respeitantes à devassa da vida privada por meios informáticos, ao que o Executivo esclareceu que está em ponderação a elaboração de um código informático além de outra legislação relevante.

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TRÁFICO DE DROGA

A inexistência de previsão destes crimes no código foi uma opção do Executivo que pretende manter uma legislação avulsa. A opção é naturalmente discutível, mas afigura-se a mais adequada. A propósito desta questão vários Deputados sugeriram a elevação das molduras penais vigentes.

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CRIMES CONTRA O ESTADO

Foi notado que o articulado do futuro código penal é omisso quanto aos crimes contra o Estado Português (e, no futuro, contra o Estado Chinês). Com efeito, as normas previstas nos artigos 297.º e seguintes, crimes contra o território, em ambos os capítulos, não assegura no seu âmbito de aplicação protecção ao Estado Português, designadamente a titulares de órgãos de soberania e símbolos nacionais.

Foi defendido que deveria ser colmatada esta lacuna.

Na conclusão dos trabalhos, que importaram em cerca de dezasseis horas ao longo das seis sessões realizadas, o Executivo congratulou-se com o trabalho profundo, sério, e construtivo que foi efectuado, e considerou extremamente importantes as contribuições dadas pelos Deputados.

Os Deputados consideraram dever o futuro Código corresponder ainda mais satisfatoriamente à realidade de Macau, designadamente com a adopção das várias sugestões formuladas. Donde fosse importante que, antes da votação da autorização legislativa, houvesse possibilidade de terem conhecimento da permeabilidade do Executivo às críticas e sugestões apresentadas durante o debate.

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Extracção parcial do Plenário de 15 de Junho de 1995

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A Sr.ª Presidente Anabela Sales Ritchie: Está reaberta a reunião.

Vai-se proceder à apresentação da proposta de lei de autorização legislativa para o Governador do Território aprovar o Código Penal.

Connosco, os Srs. Drs. Jorge Silveira e Jorge Oliveira, a quem agradeço a presença e os esclarecimentos que vão ser prestados.

Dou a palavra ao Sr. Dr. Jorge Silveira, que vai fazer a apresentação ao Plenário da proposta de lei.

Jorge Silveira: Muito obrigado, Sr.ª Presidente

Srs. Deputados

Penso que Vossas Excelências têm conhecimento da impossibilidade do Dr. Macedo de Almeida em estar presente nesta sessão, como seria certamente seu desejo e de Vossas Excelências. Face a esse imponderável, encarregou-me o Sr. Governador de o substituir nesta apresentação e de transmitir os principais pressupostos e objectivos desta iniciativa legislativa.

A necessidade de substituir o velho Código Penal de 1886 já vem sendo sentida em Macau há bastante tempo. Foram desenvolvidos diversos trabalhos preparatórios, nos quais a Assembleia Legislativa sempre desempenhou um papel de relevo.

O problema começou a sentir-se com particular ênfase após a publicação em Portugal do novo Código Penal, em 1982. Em 1983, foi constituída uma comissão presidida pelo Sr. Procurador-Geral-adjunto e integrando 4 representantes da Assembleia Legislativa e 4 representantes do Governador. Essa comissão estudou a reforma da legislação penal, mas os avanços, nessa altura, não foram substanciais porque o Estatuto Orgânico não conferia ainda autonomia legislativa ao Território para avançar com esses trabalhos. Essa autonomia legislativa só foi conseguida depois da assinatura da Declaração Conjunta e da revisão do Estatuto Orgânico de Macau. Em 1990, a Assembleia Legislativa aprovou uma resolução constituindo uma comissão eventual para estudo da reforma penal e processual penal e, em finais desse mesmo ano, o Secretário-Adjunto que na altura tutelava a área da Justiça, o Dr. Sebastião Póvoas, encomendou ao Professor Figueiredo Dias um anteprojecto de Código Penal, que seria concluído em Fevereiro de 1981. Nessa data foi entregue a versão portuguesa à Assembleia Legis-lativa, por forma a constituir uma base de trabalho elaborada em termos tecnicamente idóneos e com elevado rigor científico.

Esse anteprojecto do Professor Figueiredo Dias constitui, sem dúvida, a base do texto que é agora apresentado pelo Executivo.

Aliás, penso que estaremos de acordo ao dizer que a escolha do Professor Figueiredo Dias foi uma escolha acertada. Trata-se de um professor universitário de reconhecida competência técnica, quer em Portugal, quer a nível inter-nacional, não apenas no domínio do Direito Penal, mas no domínio das Ciên-cias Penais e Penitenciárias em geral.

O anteprojecto que o Professor Figueiredo Dias apresentou, obedeceu a algumas opções de política legislativa que foram definidas pelo Executivo de então e que foram transmitidas à Assembleia Legislativa. Baseou-se nas soluções consagradas em Portugal no Código de 1982, bem como nas propostas que a comissão revisora do Código entretanto preparava e que foram recentemente publicadas no novo Código Penal português de 1995.

Esse anteprojecto tentava adaptar-se também a realidades locais, tendo-se, para esse efeito, deslocado a Macau uma colaboradora do Professor para auscultar as opiniões dos diversos operadores de Direito locais. No entanto, como não dispomos de uma exposição de motivos, não nos é possível, com facilidade, distinguir quais foram as opções consagradas em virtude das questões dos operadores locais e quais aquelas que resultam meramente de opções pessoais do Professor Figueiredo Dias.

O anteprojecto foi recebido em Fevereiro de 1991 e a primeira grande tarefa foi a sua tradução para a língua chinesa. Os trabalhos de tradução prolongaram--se por mais de dois anos. O Gabinete para a Tradução Jurídica concluiria a tradução da parte geral em Fevereiro de 1992, portanto, um ano após a entrega do anteprojecto. A tradução da parte especial só ficaria concluída em Agosto de 93.

Julgo ser uma oportunidade adequada para salientar a importância deste trabalho de tradução jurídica. Foi um trabalho de grande complexidade, jurídica e linguística. Um trabalho que envolveu a participação de juristas de formação portuguesa e de juristas de formação chinesa. Um trabalho que foi submetido à apreciação do Dr. Robert Hoyser, director do Instituto de Direito Chinês da Universidade de Colónia.

(...)o principal trabalho de fôlego do Gabinete para a Tradução Jurídica. Esse trabalho permitiu a discussão e a fixação de várias centenas de conceitos técnico-jurídicos próprios do Direito Penal, e demonstrou, de alguma forma, a viabilidade de utilizar uma linguagem jurídica em chinês, mas que seja própria do direito de Macau. Naturalmente que isto constitui uma base sólida para a autonomia futura do sistema local.

Estes trabalhos de tradução jurídica conduziram também à introdução de alterações ao próprio texto em português demonstrando as vantagens que resultam da interacção, desde a fase inicial, entre as formas de expressão adoptadas nas duas versões oficiais.

Para além deste trabalho de tradução jurídica, o anteprojecto foi inteiramente revisto por juristas da Administração. Foi uma tarefa que foi executada no Gabinete do Secretário-Adjunto para a Justiça e no Gabinete para os Assuntos Legislativos. A revisão conduziu, fundamentalmente, a alterações de índole formal, mas conduziu também a algumas alterações de fundo. Umas, motivadas por opções de política legislativa. Outras, motivadas pelas especificidades locais. A este nível, saliente-se, por exemplo, a colaboração que se estabeleceu com a Comissão Eventual para a revisão da legislação referente à corrupção e aos procedimentos administrativos, em que se fez uma útil análise dos preceitos do anteprojecto, relativos aos crimes cometidos em exercício de funções públicas.

Finalmente, houve outras alterações que resultaram da ponderação das novas soluções que o Código Penal português de 1995 introduziu, algumas das quais não tinham sido previstas pelo Professor Figueiredo Dias, e que se achou conveniente que fossem acrescentadas.

O projecto do Código Penal, como é do domínio público, foi também objecto de consultas ao nível do Grupo de Ligação Conjunto. Trata-se de um processo de consultas que é necessário. Nós não queremos aprovar um Código Penal para vigorar até 19 de Dezembro de 1999. Se fosse essa a nossa intenção, nem seria necessário o Código porque, certamente, nos remediaríamos bem com o vigente. Desejamos aprovar um código que possa continuar, que possa entrar no século XXI basicamente inalterado, numa transição tranquila e potenciadora da con-fiança da população. Para isso, as consultas são necessárias, não por um compromisso assumido pela Administração, mas por um compromisso assumido pelo próprio Governo português, ao assinar a Declaração Conjunta.

Este processo de consultas decorre sob a orientação do Governo português, através da representação portuguesa ao Grupo de Ligação Conjunto. Naturalmente que a Administração, sempre que é chamada a tal, presta o apoio técnico que for necessário e conveniente. Entende a Administração que este processo de consultas não pode, nem deve, afectar a importância política da intervenção da Assembleia Legislativa, convicção que, julgo, será certamente comungada quer pela representação portuguesa no Grupo de Ligação Conjunto, quer pela representação chinesa.

Face ao Estatuto Orgânico de Macau, haveria duas alternativas para aprovar um código penal para Macau: uma autorização legislativa concedida pela Assembleia ao Governador ou um código aprovado pela própria Assembleia Legislativa.

As razões que justificam a opção pela primeira alternativa, ou seja, um pedido de autorização legislativa, são de ordem exclusivamente técnica. O Código Penal é um diploma extenso, com cerca de 350 artigos e com uma linguagem de elevada especificidade técnico-jurídica. Se a Assembleia Legislativa ou qualquer assembleia parlamentar se dispusesse a aprovar um código deste tipo, isso implicaria uma análise artigo-a-artigo, uma análise quase que palavra-a-palavra, o que, em termos de economia processual, não parece ser a solução mais con-veniente.

Optando pela solução do pedido de autorização legislativa, o Executivo não podia deixar de restringir o pedido às matérias que são aquelas relativamente às quais o Governador não tem competência legislativa. Não faria sentido que o Governador viesse à Assembleia pedir uma autorização legislativa para legislar sobre matérias em relação às quais ele tem competência para legislar. As maté-rias em relação às quais o Governador não tem competência para legislar são, em matéria de Código Penal, as das penas relativamente indeterminadas e a das medidas de segurança e respectivos pressupostos. Isto de acordo com o n.º 3 do artigo 31.º do Estatuto Orgânico de Macau.

Estas, por conseguinte, são as razões que justificam, por um lado, a opção pelo pedido de autorização legislativa e, por outro lado, o âmbito desse mesmo pedido.

Não há aqui qualquer intenção de subalternizar a Assembleia Legislativa, nem a importância política da sua intervenção. Daí que o Executivo tenha facultado o texto integral do projecto e o Executivo deseje, com esta iniciativa, não apenas ficar autorizado a legislar sobre as matérias sobre as quais não possui competência, mas também um esclarecimento completo das matérias que integram o Código Penal e a recolha de opiniões, relativamente ao articulado.

O Código Penal de Macau, quando for aprovado, constituirá, sem dúvida, uma etapa fundamental no processo de transição do sistema jurídico de Macau.

Macau dispõe já de variadíssimas leis locais, dispõe já de diversos códigos localizados, como o Código do Registo Civil, o Código da Estrada, o Código do Procedimento Administrativo, mas este é o primeiro dos chamados 5 Grandes Códigos e tem, por isso, uma importância diferente.

O texto do projecto que é apresentado à Assembleia Legislativa, não se afasta da tradição jurídica portuguesa. Baseia-se de forma clara na dignidade do ser humano. Baseia-se no respeito dos seus direitos fundamentais. Procura responsabilizar cada um na estrita medida da sua culpa. Rege-se pelo Princípio da Intervenção Mínima. Afasta dogmatismos culturais. Constrói um sistema humanista, um sistema re-socializador, proibindo expressamente a pena de morte, proibindo expressamente a prisão perpétua, procurando substituir a pena de prisão de curta duração por outras medidas não-detentivas, sempre que estas últimas sejam competentes para realizar de forma adequada as finalidades da punição.

O Código preocupa-se também com a segurança dos residentes. Não hesita em agravar as penas em relação a crimes com particular incidência na sociedade local, em relação aos quais a pena estabelecida poderá servir de referência tranquilizadora para a sociedade.

Finalmente, e partindo do pressuposto de que a Justiça do caso concreto não se compadece com penas fixas, nem com penas de limites demasiado estreitos, o Código procede a um alargamento generalizado das molduras penais, fazendo, naturalmente, apelo a uma maior responsabilização do julgador, na sua tarefa de adequar a medida concreta da pena às características de cada caso e à personalidade de cada delinquente.

Para terminar, desejaria fazer uma referência às matérias da competência exclusiva da Assembleia Legislativa.

O Código Penal associa à pena um conteúdo de reprovação ética, que só é possível relativamente a pessoas imputáveis. Para os inimputáveis, são necessárias medidas de segurança, as quais podem revestir, em alguns casos, a forma de medidas privativas da liberdade. Relativamente a estas medidas de segurança e aos pressupostos que as condicionam e a sua aplicação, o Código Penal consagra em relação a elas, tal como em relação às penas, o Princípio da Legalidade. O Código procura defini-las com o máximo rigor, quer as medidas em si, quer os respectivos pressupostos e proíbe a analogia para definir os estados de perigosidade ou para determinar as medidas de segurança.

Quanto ao instituto das chamadas penas relativamente indeterminadas, que vigora em Portugal para resolver o problema da perigosidade dos indivíduos imputáveis condenados que, após o cumprimento da pena, revelam indícios de continuar esse mesmo estado de perigosidade, essa solução, da pena relativamente indeterminada, foi uma solução afastada expressamente por determinação do Executivo de então. O anteprojecto do Professor Figueiredo Dias não consagra esse instituto e consagra, em sua alternativa, a solução que já vigora em Macau actualmente, que é a possibilidade de prorrogação da pena em casos deste tipo. Em casos em que, após o cumprimento, haja fortes suspeitas de que o indivíduo não se encontra ainda em condições de poder ser posto em liberdade.

Para terminar, desejaria apenas salientar a total disponibilidade da nossa parte nas sessões de trabalho que certamente se seguirão, para prestar todos os esclarecimentos considerados adequados. Naturalmente, manifesto o desejo de ouvir, em relação a todo o projecto, as sugestões que V. Ex.as tiverem por bem formular.

Muito obrigado.

Presidente: Muito obrigado, Dr. Jorge Silveira.

Em nome do plenário, agradeço a pormenorizada apresentação que, com certeza, muita ajuda vai dar ao Plenário para o esclarecimento sobre o conteúdo das matérias do Código Penal.

Independentemente de qualquer esclarecimento que os Srs. Deputados queiram, desde já, solicitar, queria informar que já estão marcadas 3 sessões de esclarecimento sobre o Código Penal, nos seguintes dias e horas: dia 20 de Junho, Terça-Feira; dia 26 de Junho, segunda-feira e no dia 3 de Julho, pelas 17 e 30 até às 20 horas, em princípio. A primeira reunião não é na segunda-feira, uma vez que a Comissão de Administração e Finanças Públicas já tinha agendada uma reunião com representantes do Executivo, sobre uns projectos que estão em análise na Comissão. Estas ficam já marcadas, sem prejuízo de, a serem necessárias, haverem ainda outras sessões de trabalho.

Sr.ª Deputada Beatriz Basto da Silva, tem a palavra.

Beatriz Basto da Silva: Muito obrigado.

Sr.ª Presidente

Srs. Representantes do Executivo

Colegas Deputados

Não gostaria de entrar em pormenores, mas dei uma vista de olhos, com a atenção possível, aos 350 artigos deste projecto de Código Penal e fiquei com a vontade de fazer uma pergunta que, parece-me, se deixar para depois pode ficar fora do tempo.

Gostaria de saber se seria possível, e, por isso, ponho à ponderação atempada ¡V pelo menos disso não me posso culpar a mim ¡V incluir no Código, uma adenda, um subsídio que esse Código vai, à partida, ter, e que está anunciado que vai ter, no tocante ao artigo 136.º, no Capítulo II. Será possível, em vez de se articular legislação complementar, incluir o n.º 3, com toda a sua carga, no Código. Isto, porque me parece que um Código consagra a lei geral e se nós vamos, de alguma maneira, deixar que o Código tenha um espírito, uma filosofia, e depois remeter para legislação complementar uma filosofia que, no meu ponto de vista, é contrária, julgo que estamos de alguma forma a "cobrir o sol com uma peneira". Estamos a preparar um Código que passa para depois de 1999, e ele poderá passar assim como está, pelo que estamos a deixar que facilmente se oblitere uma legislação complementar. Eu sou pouco dada a notícias deste género, a vôos na área das leis, mas quer-me parecer que isto é um bocadinho elementar.

Gostaria de saber, por um lado, se é possível esta inclusão. Por outro lado, solicitar que, sendo possível, o fosse.

Muito obrigado.

Presidente: Sr. Dr. Jorge Silveira, tem a palavra.

Jorge Silveira: Muito obrigado, Sr.ª Presidente.

Relativamente à questão que é posta pela Sr.ª Deputada, respeitante à interrupção voluntária da gravidez, são, em abstracto, possíveis três tipos de soluções. Uma será a punição em qualquer caso, solução que está em vigor neste momento em Macau. Outra será a descriminalização em qualquer caso, solução que, tanto quanto julgo saber, teria sido a intencionada pelo autor do anteprojecto. Uma terceira, seguindo um modelo relativamente próximo do modelo português actual, estabeleça casos de interrupção legal e, naturalmente, por exclusão de partes, punindo criminalmente os restantes.

A opção pela terceira alternativa, que já foi claramente anunciada pelo Executivo, seria essa a sua opção, leva-nos para o problema da articulação entre o Código Penal e a legislação complementar. A terceira alternativa pressupõe sempre legislação complementar. Mesmo em Portugal, onde, a partir de 1 de Outubro de 1995, a matéria estará incluída nos seus traços gerais incriminadores no Código Penal, continuará a vigorar a lei avulsa que foi aprovada, salvo o erro, em 1984, que tem uma série de artigos finais absolutamente indispensáveis, e não são afectados na sua vigência pelo Código Penal.

Matérias complementares que têm fundamentalmente a ver, a partir do momento em que se considera haver casos de interrupção de gravidez legais, com a necessidade de regulamentar em termos médicos, em termos hospitalares, uma série de pormenores que, necessariamente, terão de ser regulamentados.

Portanto, a necessidade de legislação complementar é inevitável.

Também aqui, duas alternativas se colocam. Ou se remete toda a regulamentação para essa legislação complementar, incluindo as normas incriminadoras ou as normas de exclusão da punibilidade, e as restantes normas de carácter mais médico e hospitalar, ou, pelo contrário, se faz uma distinção, mantendo a parte incriminadora no Código Penal, e refiro-me não apenas à inquirição mas, fundamentalmente, aos casos de exclusão da punibilidade, deixando para a legislação complementar os aspectos da saúde pública, digamos assim, mas não apenas esses, também os de garantia de direitos, como o de objecção de cons-ciência dos médicos, o problema das normas processuais, problemas de con-sentimento, etc.

A sugestão da Sr.ª Deputada merece ponderação. Houve um factor que pesou na opção aqui tomada. É que este é, talvez, o único aspecto em que houve...digamos, se essa alteração for incluída no Código Penal, há uma alteração material profunda no projecto que foi apresentado em 1991, enquanto que todas as alterações que foram até hoje introduzidas no anteprojecto do Professor Figueiredo Dias, são alterações de natureza meramente formal ou que têm a sua expressa concordância. O mesmo não se passará com esta. Isso poderá talvez ter pesado na opção. De qualquer forma, penso que, para já, ficaria em devida nota a sugestão para ser ponderada.

Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Correia.

António Correia: Muito obrigado, Sr.ª Presidente.

Começaria por dizer que, da primeira e brevíssima abordagem do Código, considero-o, de uma maneira geral, um excelente Código.

Começo por felicitar a parte portuguesa, que não fez mais do que a sua obrigação de defender grandes princípios de humanismo, de que nós em Macau vimos fazendo tradição.

Em segundo, a parte chinesa, que foi capaz de compreender o estatuto especial de Macau, o nosso modo de ser, de pensar, até no Direito. Portanto, isto é um indício de que a parte chinesa está disposta a cumprir as promessas que vêm contidas na Declaração Conjunta. Isto é um sinal de júbilo e de aplauso.

A questão que queria colocar tem a ver com a natureza e o alcance das consultas. Tanto quanto consegui apreender, este Código foi aprovado no Grupo de Ligação Conjunto. Quer dizer que, e é sobre isso que pretendia ser escla-recido, qualquer sugestão que saia desta Assembleia, se calhar, cai prejudicada, porque envolveria novas negociações no Grupo de Ligação Conjunto. Se calhar, nunca mais tínhamos Código.

Se assim é, eu pergunto: para que é que serve, além do nosso próprio esclarecimento, que é, naturalmente, útil, estarmos a discutir ou ir, enfim, para detalhes nas sessões que a Sr.ª Presidente já anunciou.

Se estou enganado, agradeço-lhe, Sr. Dr., que me esclareça.

Presidente: Sr. Dr. Jorge Silveira.

Jorge Silveira: Muito obrigada, Sr.ª Presidente.

O problema das consultas ao nível do Grupo de Ligação Conjunto é, sem dúvida, um problema delicado.

Sem prejuízo de pedir à Sr.ª Presidente que desse depois a palavra ao Dr. Jorge Oliveira, na medida em que ele tem acompanhado, na qualidade de perito, os trabalhos ao nível do Grupo de Ligação Conjunto, gostaria de salientar, por um lado, as consultas, que, como referi há pouco, se destinam a permitir a vigência do Código para além de 1999, e que se debruçam sobre grandes princípios e grandes soluções desse mesmo Código. Fundamentalmente, o que está em causa nas consultas é saber se o Código respeita a Declaração Conjunta e saber se o Código respeita a Lei Básica, condições essas indispensáveis para que ele possa vigorar depois de 1999.

Diria que, nesse campo, o campo específico das consultas, fica, digamos, quase tudo de fora. Em termos de política legislativa que sejam especificamente opções de Direito Penal e que não colidam com esses dois aspectos, o aprovador do Código Penal, que tanto pode ser a Assembleia, como pode ser o Governador, tem liberdade e responsabilidade para aprovar as soluções que melhor lhe aprouverem.

Diria que todas as sugestões, todas as opiniões que forem formuladas pela Assembleia Legislativa, nessa condição de não colidirem, como certamente não colidirão, com a Declaração Conjunta ou com a Lei Básica, são opiniões que serão certamente tidas em conta, ponderadas e que terão toda a utilidade e todo o cabimento.

Muito obrigado.

Presidente: Daria, então, a palavra ao Dr. Jorge Oliveira, no caso de querer acrescentar o que quiser.

Jorge Oliveira (Coordenador do Gabinete dos Assuntos Legislativos): Muito obrigado, Sr.ª Presidente.

Srs. Deputados.

É evidente que, para além daquilo que o Sr. Dr. Jorge Silveira já aqui deixou dito, quando a parte portuguesa partiu para consultas prévias com a parte chinesa, numa matéria tão delicada e sensível como é o Direito Penal, partimos com algumas dúvidas de que fosse difícil destrinçar claramente o objectivo das consultas que, como o Dr. Jorge Silveira já disse, era a conformidade com a Declaração Conjunta e a articulação com a Lei Básica, para garantir a efectivação e a continuidade do Código após 1999, e, é importante dizê-lo, para que se não pense que estamos só a referir princípios sem ir ao caso concreto, foi isso que sucedeu no caso vertente.

Aquilo que aconteceu durante a discussão e as consultas com a parte chinesa quanto ao Código Penal, andou à margem das questões das grandes opções de política legislativa, digamos assim, substantivas. A esse nível, gostava de reiterar que a Assembleia ou qualquer outro órgão que se pronuncie sobre esta matéria, não deve sentir-se inibido pelo facto de ter havido um acordo de princípio na reunião de Outubro do Grupo de Ligação, que vem espelhado no comunicado final lavrado em Nan Hai.

Há algum tempo a esta parte, começou, todavia, a gerar-se a convicção, enfim, não seria a convicção, mas começou a gerar-se em alguns meios o receio de que o projecto do Código Penal fosse enviado à Assembleia para que a Assembleia se limitasse a aprová-lo, sem mais. Esses receios chegaram aos nossos ouvidos e, para evitar melindres desnecessários nesta matéria, foi solicitado que, prosseguindo ainda as consultas, o pedido de autorização legislativa fosse enviado à Assembleia antes destas estarem concluídas, ou seja, nós temos neste momento um acordo de princípio, mas continuamos a discutir alguns aspectos num am-biente muito construtivo, a nível do Grupo de Ligação. Para que não houvesse qualquer dúvida sobre os objectivos e sobre a possibilidade de a discussão poder ser aqui travada com total liberdade e sem constrangimentos nessa matéria, derivados de um acordo político que pudesse ser lido como um acordo de pormenor, como aquilo que o Sr. Dr. António Correia acabou de dizer, como uma aprovação de facto do Código Penal no Grupo de Ligação, para obviar esse receio, nós solicitámos à parte chinesa a sua concordância formal em que, antes da conclusão das consultas, o Código para aqui viesse. O pedido mereceu, e espero que a parte chinesa não apresente nenhum protesto por considerar que há aqui matéria confidencial, a concordância da parte chinesa, o que é, a todos os títulos, louvável pelo espírito que está subjacente, no sentido de podermos todos aqui trabalhar e apresentar sugestões e alterações. Fundamentalmente, pronunciarmo--nos, e é por isso que este pedido de autorização tem cabimento, sobre as grandes opções de política legislativa, sobre as grandes traves mestras que no domínio do Direito Penal se colocam neste diploma.

Espero ter procedido ao esclarecimento da questão que o Sr. Deputado António Correia em boa hora colocou e reitero, pela nossa parte, a total disponibilidade para discutir tudo o que diz respeito ao Código Penal e tudo faremos para evitar, nomeadamente em articulação com o funcionamento de outros órgãos que não dependem de nós, melindres e situações embaraçosas do ponto de vista do exercício das competências dos órgãos de governo próprios do Território.

Muito obrigado, Sr.ª Presidente.

Presidente: Muito obrigada.

Foi, com certeza, um esclarecimento muito útil ao Plenário.

Vejo que não há mais nenhum pedido de esclarecimento, pelo que agradeço a presença do Sr. Dr. Jorge Silveira e do Sr. Dr. Jorge Oliveira aqui no Plenário e dou por terminada a apresentação da proposta de lei de autorização legislativa.

Muito obrigado.

Extracção parcial do Plenário de 25 de Julho de 1995

A Sr.ª Presidente Anabela Sales Ritchie: Encontrando-se já entre nós o Sr. Secretário-Adjunto, Dr. Macedo de Almeida, que se faz acompanhar dos Drs. Jorge Silveira e Sam Chan Iu, vamos dar início ao III ponto da Ordem do Dia que consiste no "pedido de autorização legislativa por parte do Governador", a fim de legislar em matérias do Código Penal.

Trata-se de um "pedido" que a Assembleia Legislativa recebeu no dia 1 de Junho. A proposta não sobe a Plenário acompanhada de parecer por se tratar de um "pedido de autorização legislativa". No entanto, apesar de se tratar de um processo que regimentalmente não necessita do parecer da Comissão, ele é de extrema complexidade! Daí a Comissão Especializada que sobre ele se debruçou ter reunido várias vezes com os representantes do Executivo, a fim de discutirem algumas soluções para o Código Penal.

Das referidas reuniões, foi elaborado um relatório no qual figura o elenco das questões levantadas, bem como as soluções e observações avançadas nesses encontros. O relatório foi já distribuído, tendo sido, inclusive, enviada uma cópia ao Sr. Secretário-Adjunto, o qual muito nos alegrou pela elevada abertura face às sugestões aventadas pelos Srs. Deputados, que naturalmente terão agora de ser ponderadas.

Encontra-se aberto o debate na generalidade, mas dado que o Sr. Secretário-Adjunto me comunicou previamente desejar usar da palavra logo no início, dou-lhe de imediato a palavra.

Secretário-Adjunto para a Justiça, António Macedo de Almeida: Obrigado, Senhora Presidente.

Srs. Deputados,

A proposta de lei que hoje é submetida à apreciação desta Assembleia, visa a aprovação do novo Código Penal para Macau, tratando-se de uma iniciativa legislativa fundamental que se insere num objectivo global de localização das leis, decorrente da assinatura da Declaração Conjunta, que marca assim o início do processo de localização dos grandes Códigos.

A sujeição dos Códigos a esta localização, é condição indispensável para a sua vigência pós 1999 que tem como pressuposto a sua adequação às realidades sociais e económicas do Território e à obtenção de um largo consenso ao nível dos órgãos chamados a participar no processo legislativo. Não é por acaso que este processo de localização dos grandes Códigos se inicia com o Código Penal, representando uma das garantias fundamentais dos cidadãos e o quadro de referências dos valores que afloram qualquer sociedade. Os trabalhos de reforma da legislação penal de Macau, vêm decorrendo há já alguns anos e são já do conhecimento desta Assembleia, pelo que convém salientar que na linha do que foi afirmado por Sua Excelência o Sr. Governador, aquando da apresentação das LAG para 1995, está reservada a esta Assembleia uma participação decisiva nos diplomas essenciais, em matéria de "direitos fundamentais", como é o caso do Código Penal.

A elaboração de um Código Penal pode fundamentar-se por diversas filosofias e políticas criminais. O vivo debate ocorrido nas diversas sessões de trabalho, que tiveram lugar nesta Assembleia demonstrou isso mesmo. O Executivo optou por manter, nos seus traços essenciais, a matriz do direito penal que tem vigorado em Macau, e que embora constante de um Código do século passado, satisfaz no essencial as necessidades de prevenção e de repressão da criminalidade. Apesar da preocupação de ter em conta as novas realidades sociais e culturais do Território, é certo que as opções consagradas no projecto, seguem de perto as soluções corporizadas no Código Penal vigente em Portugal. Mas trata-se de uma influência normal e compreensível. É o Direito Português que vem regendo a vida quotidiana de Macau nos últimos séculos, baseada em valores de humanismo e tolerância, sendo esta uma das componentes essenciais das garantias individuais das comunidades que aqui residem. O novo Código Penal deve, por isso, continuar a aspirar esses valores.

É profundo desejo do Executivo de que o Código Penal de Macau apresente um documento o mais consensual possível, contribuindo para a aproximação e conjugação de esforços entre os dois órgãos legislativos do Território na tarefa de localização legislativa. É com satisfação que saliento o ambiente construtivo em que decorreram as sete sessões de trabalho, realizadas entre esta Assembleia e os representantes do Executivo, tendo sido os debates amplamente participados, deles resultando preciosas reflexões e propostas, que irão ser tomadas em conta na apreciação deste Código, nomeadamente no domínio das "penas de prisão" e do ajustamento de algumas molduras penais. A este propósito considera-se justificado referir o importante papel da componente político-legislativa da Assem-bleia neste processo de localização dos grandes Códigos.

O programa já delineado para a sua elaboração e aprovação deverá contar com a participação directa e activa desta Casa, concretamente no Código Civil, Código de Processo Civil e Código Comercial, tendo em conta o profundo conhecimento e sensibilidade dos Srs. Deputados, para as questões que neles se colocam, sendo que a participação da Assembleia Legislativa neste processo contribuirá decididamente para o prestígio do nosso sistema político.

Devo ainda anunciar que já no início da próxima Sessão Legislativa, será entregue a esta Assembleia, o projecto do novo Código do Processo Penal em Macau nas duas línguas oficiais, para uma ampla consulta desta Câmara, antes de ser formalizado o necessário "pedido de autorização legislativa".

Numa avaliação sintética do que o Código Penal representa, gostaria de real-çar que ele se baseia no respeito e garantia dos "direitos fundamentais", nomeadamente no tocante à liberdade individual e na correspondente responsabilização de cada um, de acordo com o princípio da culpa. Com o objectivo de garantir a liberdade dos residentes, o presente Código Penal preocupa-se também com a previsão dos novos tipos de delitos e do agravamento de outros de maior incidência na realidade do Território, relacionados com a segurança das pessoas, a prevenção e a repressão da criminalidade. Outra tendência que se procurará consolidar, é a do sentido pedagógico do sistema penal, respeitando os direitos e a personalidade dos condenados, fazendo um apelo ao seu empenhamento para encontrar os meios mais adequados para evitar a reincidência. É, com efeito, em última análise, na execução da pena que se revelará a capacidade de resso-cialização do sistema, visando prevenir a prática de novos crimes.

Deve salientar-se também que esta iniciativa legislativa foi objecto de consultas no âmbito do Grupo de Ligação Conjunto, após uma análise cuidada do anteprojecto, em que a parte chinesa deu o seu acordo de princípio ao articulado proposto pela Administração, tendo posteriormente obtido diversos esclarecimentos e formulado sugestões úteis, quanto à redacção de vários preceitos, o que nos dá uma redobrada confiança na perdurabilidade deste diploma para lá de 1999.

Uma das mais relevantes questões acordadas ao nível do Grupo de Ligação Conjunto, prende-se com a consagração da proibição expressa da pena de morte, em que a parte chinesa deu o seu acordo a que no sistema punitivo delineado por Código, esteja expressamente afastada a aplicação da pena capital, bem como de penas ou medidas de segurança com carácter de perpétuo. Não se pode ignorar, porém, o alcance dessa consagração como factor de defesa dos "direitos fundamentais" e da confiança nos valores que enformam, hoje e no futuro, o sistema jurídico-penal do Território.

O novo Código, quer pelo carácter de sistematização, quer pelo conteúdo de ilicitude propriamente dita, assume-se deliberadamente com o ordenamento jurídico-penal de uma sociedade aberta e pluralista que, ao abrir a sua parte especial com os crimes contra a pessoa, opera um corte radical e salutar com sistema tradicional que conferia prioridade aos então chamados "crimes contra a Segurança do Estado". Esta nova sistematização não encerra apenas em si o valor formal, pois revela a afirmação da dignidade das pessoas, como valor fundamental do sistema penal.

Ao nível das penas concretamente estabelecidas na parte especial, o novo Código Penal afasta a distinção entre as chamadas "penas maiores" e "penas correccionais" ao mesmo tempo que procura evitar a aplicação efectiva da "pena de prisão de curta duração", substituindo-a pela "pena de multa", sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Procura- -se, deste modo, prevenir o efeito estigmatizante em relação a condutas que não coloquem seriamente em causa os valores jurídico-penais, nem desencadeiem intoleráveis danos sociais. De salientar ainda a consagração da tendência para se estabelecer entre o mínimo e o máximo das penas legalmente fixado para cada tipo de crime.

Apela-se, deste modo, a uma maior responsabilização do julgador que deve-rá adequar a medida concreta das "penas" às características de cada caso e à personalidade do arguido, o que pressupõe, é bom reconhecê-lo, um cuidado especial quanto à formação dos futuros Magistrados dos Tribunais de Macau. Tarefa que o recém-criado Centro de Formação de Magistrados de Macau terá de encarar com rigor e seriedade.

O novo Código não procede a um abaixamento generalizado das molduras penais, nem ao seu agravamento generalizado, o que não impede, ainda assim, a existência de diversos crimes, cuja pena, atendendo às particularidades do Território, é substancialmente agravada. É o que acontece, v.g., relativamente aos crimes de "sequestro", "violação" e "chefia ou direcção de associações criminosas". Não se deixará, porém, de reconhecer que mais importante do que a moldura penal abstractamente prevista na lei, é a concretização da "sanção", assente numa investigação rápida e eficaz e, bem assim, na resposta célere dos Tribunais que possa reparar a violação dos "bens jurídicos protegidos" e sirva de referência tranquilizadora para a comunidade.

Muito obrigado, Senhora Presidente.

Muito obrigado, Srs. Deputados.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigada, Sr. Secretário.

Declaro aberto o debate na generalidade.

Vou dar a palavra, primeiramente, ao Sr. Deputado Tong Chi Kin.

O Sr. Deputado Tong Chi Kin: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Estou de acordo com o essencial da proposta em referência. Com efeito, desde o dia 20 de Junho até hoje tivemos já sete sessões destinadas à discussão desta matéria, tendo eu constatado que muitas foram as sugestões aventadas pelos meus colegas que, refira-se, adoptaram uma postura séria face à questão. No entanto, até ao presente momento, sinto que o Executivo não ponderou suficientemente "essas" sugestões!

Como disse, concordo com os princípios fundamentais corporizados no projecto do novo Código Penal, isto é, com os princípios de "legalidade", "culpa", "intervenção mínima" e "humanismo". No entanto, pergunto: como interpretar e aplicar tais "princípios" de acordo com as várias realidades de Macau? Relativamente ao "princípio de legalidade", existem ainda lacunas no projecto que omite, v.g., os crimes praticados por via informática.

Neste momento, Macau apenas tem a Lei n.º 16/92/M que é uma lei avulsa! Pergunto: como interpretar "princípios" como os de "intervenção mínima" e "humanismo"? Não seria conveniente analisar a realidade social, os actos e as características do crime praticado e avaliar, seguidamente, os prejuízos para a sociedade, em vez de se salientar apenas aspectos que tenham a ver com a "tolerância" e o "respeito pelos direitos humanos".

Há quem entenda que as funções da lei penal consistem essencialmente na "protecção dos bens jurídicos", "preservação das condições de convivência" entre os cidadãos, "protecção dos valores essenciais" de que a sociedade depende e, bem assim, prevenção e repressão de actos criminosos"! Princípios que não desconsidero! No entanto, pretendendo nós concretizar as verdadeiras funções da Lei Penal, é necessário definir claramente as condutas criminosas e os crité-rios das medidas de pena ou a lei da execução efectiva das "penas".

Entendo que o efeito das "penas" reside na prevenção de nova prática de crimes pelo mesmo infractor ou a prática de crimes por outros, que traduza a negação da sociedade perante certo tipo de condutas. No entanto, acho que o novo projecto pretende aliviar a "medida de pena" para certo tipo de crimes. Fazendo agora uma breve comparação com os preceitos sobre a "medida de pena", nota-se uma ligeira tendência para a tornar mais leve a "medida de pena", traduzindo isso a negação da sociedade local.

Penso tratar-se de uma questão séria que merece ponderação! Não obstante, o legislador do novo Código ser uma pessoa de reconhecido mérito e que está suficientemente inteirada das questões legais locais, quantos preceitos não foram importados da lei portuguesa? Por outro lado, esqueceu-se, neste processo, de se atender à realidade de Macau e, porque não, à de outros territórios vizinhos e à influência que pode ter sobre o Território!

Receio, por isso, que Macau se venha a tornar futuramente num "paraíso de criminosos"!

Não pretendo, nesta fase, repetir as minhas preocupações relativamente ao articulado do novo Código penal. No entanto, não gostaria de deixar passar esta oportunidade para dizer que, à medida que vou relendo a proposta, aumentam as minhas preocupações! No entanto, estou em crer que nele estão consagrados os preceitos fundamentais para o Território e, por essa razão, é uma proposta que merece ser aqui aprovada.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigado, Sr. Deputado.

Vou dar a palavra ao Sr. Deputado Ng Kuok Cheong.

O Sr. Deputado Ng Kuok Cheong: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Admito que o diploma ora em apreço se reveste da maior importância para o Território e que, por essa razão, urge a sua aprovação. No entanto, há dois aspectos que me parecem importantes e que não gostaria de deixar aqui de os focar. Em primeiro lugar, importa fazer nota das inúmeras sugestões aventadas pelos meus colegas ao longo das sete sessões tidas, nomeadamente, de se atender aos exemplos das regiões limítrofes, especialmente da região vizinha de Hong- -Kong. Embora possam não ser as mais acertadas, tal isso não invalide a sua ponderação! Parece-me, pois, que antes de o projecto ser posto à votação do Plenário, o Executivo deveria apresentar um outro diploma, no qual constassem as alterações propostas que melhor possam servir os interesses locais!

Dada a importância do diploma em referência, desde já fica expressa a minha vontade em aprová-lo!

Como é sabido, trata-se de um diploma que começou a ser preparado há três anos. Mas só há dois meses atrás é que os Deputados à Assembleia Legislativa a ele tiveram acesso pela primeira vez! Todavia, as sete reuniões tidas foram de extrema importância!

Com a entrada em vigor do novo Código Penal, grandes serão as mudanças em termos da aplicação de penas e do tempo do seu cumprimento. No entanto, aqueles que neste momento cumprem "penas", não serão abrangidos pelo novo Código, mas pela anterior lei.

A questão da "liberdade condicional", não tem propriamente a ver com a "gravidade" da pena, mas sim com o período de permanência da pessoa na prisão. Com efeito, na eventualidade de o período da pena vir a ser alargado, o preso não pode vir a usufruir de "liberdade condicional" antes da entrada em vigor do novo Código Penal! Por outras palavras, a pessoa terá que cumprir uma pena mais alargada!

Enquanto legislador, parece-me esta nova lei mais abrangente e mais adequada à realidade de Macau.

Muito obrigado, Senhora Presidente.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigado, Sr. Deputado

Parece-me que o Sr. Secretário-Adjunto deseja usar da palavra!

Vou dar a palavra ao Sr. Secretário, Dr. Macedo de Almeida

Secretário-Adjunto para a Justiça, António Macedo de Almeida: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Srs. Deputados,

Depois de elaborada a breve nota introdutória há pouco apresentada a esta Assembleia, devo informar que tive a oportunidade de ler com muita atenção o relatório relativo às sete sessões de estudo do Código Penal, às quais nem sempre assisti! Desta feita, é com um enorme prazer e sentido de responsabilidade que informo os presentes de que grande parte das sugestões apresentadas serão acolhidas e inscritas na versão final do diploma em referência. Embora não pretenda, nesta fase, a todas elas aludir, fica a nota de que o Executivo procede-rá a um agravamento generalizado das "penas", quantos aos crimes corporizados no Capítulo "contra a liberdade e auto-determinação sexuais" conforme foi sugerido pelos Sr. Deputados, especialmente os referidos na página 15 do Relatório. Para além desses, há outros tipos de crime, cuja "punição" será agravada. Refiro-me, mais concretamente aos crimes de "homicídio por negligência grosseira", "genocídio" (que, efectivamente, tem que se compatibilizar com o crime de "homicídio qualificado", passando de 15 para 25 anos). Por outro lado, pretendeu-se agravar também a pena de "crime de rapto", passando provavelmente a "pena" de 3 a 12, para 3 a 15 anos. Os casos de "abuso sexual de pessoas incapazes de resistência" previsto no Artigo 159.º, verão também as suas "penas" agravadas! Será retirada a "pena alternativa de multa" no caso do n.º 1 do Artigo 161.º sobre a "fraude sexual". Serão ainda agravadas as "penas" de "procriação artificial não consentida", "tráfico de pessoas", o "crime de lenocínio", de "abuso sexual de crianças", "abuso sexual de adolescentes" e "lenocínio de menores", "pena do roubo" e de "dano com violência", entre outros crimes ainda a ponderar.

Para além disso, será eliminado do n.º 2 do Artigo 63.º sobre os "efeitos da proibição e suspensão no exercício das funções públicas", conforme aqui foi sugerido. Serão igualmente consideradas as sugestões, quanto à "suspensão da execução de prisão" que passará a ser uma mera faculdade do juiz e não uma imposição legal. Será reponderada ainda a norma do Artigo 51.º relativa à "suspensão com regime de prova".

Quanto à questão da "liberdade condicional", será aceite a sugestão da AL de se consagrar, como princípio geral, os 2/3 de cumprimento da "pena" como condição da pessoa poder ser libertada condicionalmente, eliminado-se, assim, o n.º 4 que estipula o cumprimento de apenas 1/6 da pena para atingir essa mesma condição.

Fica a informação de que o conceito de "funcionário" passará a ser inserido no fim do Código Penal e, relativamente ao de "residente", iremos estudar a possibilidade de clarificação do mesmo, designadamente no decreto preambular, tendo em conta critérios possíveis e a legislação já vigente no Território.

Podemos considerar a possibilidade de incluir uma ou outra norma sobre "crimes informáticos" na previsão geral independentemente da regulamentação própria desse tipo de crime.

Iremos ainda rever os crimes de "sequestro" e de "agiotagem", no sentido de se vir a agravar as "penas" e o mesmo acontecerá relativamente às "associações criminosas".

Tudo isto para dizer à Assembleia Legislativa que o trabalho levado a cabo nessas sete sessões tiveram, de facto, pela sua qualidade e contribuição dada ao Executivo, um efeito directo e constituíram uma importante ajuda, quanto à adequação de tipos legais de crime que, embora já existam e sejam crimes específicos e de maior incidência em Macau, devem ser tomadas em consideração as situações previsíveis que este período impõe.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigada.

Em nome do Plenário, gostava de agradecer a grande abertura com que os membros do Executivo têm acolhido as sugestões dos Srs. Deputados.

Da parte dos Srs. Deputados, devo reconhecer, foi enorme o seu empenha-mento e dedicação no debate sobre a matéria ora em debate e é, de facto, gratificante saber que grande parte das sugestões apresentadas pelos Srs. Deputados tiveram aceitação por parte do Executivo.

Muito obrigada.

Pergunto se mais algum Sr. Deputado deseja usar da palavra.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto Valente.

O Sr. Jorge Neto Valente: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Gostava de dirigir uma pergunta ao Executivo a propósito do "regime penal da corrupção" e, bem assim, fazer uma breve achega acerca das recomendações que aqui também manifestei. Gostava, pois, de saber se o Executivo tem tido em conta a questão da "compatibilização" deste tipo de legislação que, neste momento, como se sabe, é avulsa. Quer dizer, é evidente que há que "compati-bilizar" o entendimento que a Assembleia Legislativa faz do Regime Penal da Corrupção, bem como o do Código Penal. Contudo, depois de ter lido as recomendações da Comissão Especializada, não constatei se efectivamente foi tida em conta, muito embora tivesse ficado com a sensação de que não foi contemplada em absoluto, porquanto o parecer da Comissão que se debruçou sobre esta matéria não o refere! Penso que se progrediu um pouco nessa matéria e creio que não se justifica a publicação do Código Penal para, depois, mais tarde, nele serem detectadas novas falhas que obriguem a nova revisão!

Penso que fui claro!

A Sr.ª Presidente: Muito obrigada, Sr. Deputado.

Dou a palavra ao Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça.

Secretário-Adjunto para a Justiça, António Macedo de Almeida: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Srs. Deputados,

A questão que está relacionada com a "punição dos crimes de corrupção", neste projecto de Código Penal foi, de facto, objecto de profundo debate informal nesta Assembleia.

Creio que a parte do Código sobre a "incriminação das práticas de corrupção" foi amplamente debatida conjuntamente com os membros da Comissão Especializada em termos de avaliação da "compatibilização" que a Comissão entendia dever constar no Código Penal. De facto, como resultado dessas reuniões, nomeadamente da última, ficou assente a ideia de que seria vantajoso que os "crimes de corrupção" fossem inseridos sistematicamente no Código Penal e não a legislação avulsa, tendo-se concluído, contudo, que a melhor solução seria, v.g., não criminalizar os "sinais exteriores de riqueza não justificada", passando esta a ser considerada uma matéria de natureza disciplinar. Por outro lado, relativamente à hipótese de se vir a inscrever nos "crimes de corrupção" certos "cargos políticos do exercício do Território" que recaem, essencialmente, sobre os membros do Executivo, entendeu-se que por se tratar de um Código de Macau, tal previsão deveria nele constar, independentemente do fórum continuar a ser Portugal até 1999. Desta forma, seriam os Tribunais portugueses competentes a escolher a forma de penalização do crime. Quer dizer, ou se baseariam na legislação portuguesa que penaliza certos "crimes de corrupção" praticados por certo tipo de "cargos políticos" ou se cingiriam à lei vigente em Macau relativa às "práticas de corrupção".

Foram, pois, estes os princípios por nós delineados!

Desse relatório não resultara, porém, outro tipo de propostas substanciais que levassem a rever a parte relacionada com os "crimes de corrupção" do projecto do Código Penal.

Muito obrigado, Senhora Presidente.

Sra. Presidente: Muito obrigada, Sr. Secretário-Adjunto, pelos esclarecimentos que nos quis prestar.

Dou a palavra ao Sr. Deputado Rui Afonso.

O Sr. Deputado Rui Afonso: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Se a Senhora Presidente me permite, gostaria de colocar uma questão ao Executivo que, aliás, já tive oportunidade de lhe dirigir directamente. Fez-se, de facto, um trabalho gratificante, do ponto de vista político de concepção de um Código que possa continuar a vigorar no Território de Macau ¡V enquanto, "pessoa colectiva de direito privado" ¡V quer sob a soberania do Estado Português até ao dia 20 de Dezembro de 1999, quer depois dessa data, sob a soberania da República Popular da China (RPC).

Pela análise do Código, apercebemo-nos de que nele reside a virtualidade de se poder viver sob dois regimes distintos. No entanto, há "bens" que inevitavelmente hão-de ter uma tutela diferente, em função de quem exerce a soberania sobre Macau. Percebo que a "protecção" desses "bens" não tenha sido, porém, consagrada neste Código. No entanto, permitia-me sugerir que pudesse conti-nuar a ser tratada pela legislação portuguesa e que deixaria de vigorar em 20 de Dezembro de 1999. Data em que passariam a vigorar sob a lei chinesa aplicável em Macau os símbolos de "protecção do Chefe de Estado", "Bandeira", "Hino Nacional" e "Armas" e "Emblemas Nacionais". Neste momento, o "Chefe de Estado" e, se se entender, do Governo Português, são aqui protegidos por disposições especiais do Código Penal (mais exactamente, pela vigência dos Artigos 163.º, 165.º e 166.º). Relativamente à "Bandeira", "Armas" e "Emblemas Nacionais", há legislação antiga que vigorou durante muito tempo em Portugal e que foi, posteriormente, estendida a Macau logo a seguir à proclamação da República Portuguesa e que data de Junho de 1911. A menos que se pretenda estender a Macau legislação sobre a matéria da Lei N.º 24/81/M, de 20 de Agosto (e, mais tarde, a do Código Penal de 1982 ou, mais recentemente, a de 1995), seria conveniente a existência de disposições legais que, transitoriamente, até ao exercício da soberania portuguesa, protegessem esses "bens". Certamente que daí advirá o reverso da medalha no período pós 1999, através da criação de legislação especial , como é o caso do território vizinho de Hong-Kong que anuncia, para depois de 1997, legislação própria sobre os "crimes de traição" (entre outros!) que se antevê venha a servir de exemplo para Macau! Pelo menos, haverá leis nacionais sobre "Hino Nacional", "Bandeira", "Armas" e "Emblemas Nacionais" que podem ser estendidas a Macau e que contêm, como é o caso de algumas, disposições de ordem penal.

Era esta, pois, a sugestão que deixava à reflexão do Executivo!

Não obstante, porém, compreendo bem a razão pela qual essa questão não é aqui tratada!

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigado,

Tem a palavra o Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça.

Secretário-Adjunto para a Justiça, António Macedo de Almeida: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Sr. Deputado,

A questão que o Sr. Deputado acaba de colocar faz todo o sentido e foi até colocada em sede própria! A este propósito, fica a promessa de que a iremos ponderar, em sede de decreto preambular, como norma transitória, por forma a que os "bens", aos quais o Sr. Deputado Rui Afonso aludiu sejam protegidos por lei até 20 de Dezembro de 1999. Assim como serão os "bens" da República Popular da China (RPC), depois dessa data.

Por ora é tudo.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigada.

Parece-me que não há quem da palavra queira fazer uso!

Vou pôr à votação do Plenário a "autorização legislativa", na generalidade.

Os Srs. Deputados que a aprovarem, façam o favor de levantar o braço; os que discordarem, queiram manifestá-lo.

Foi aprovada por unanimidade.

(Pausa)

A Sr.ª Presidente: Ponho agora à apreciação do Plenário o normativo do Artigo 1.º

Pergunto se algum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra!

Vou pô-lo à votação do Plenário.

Os Srs. Deputados que o aprovarem, façam o favor de levantar o braço; os que discordarem, queiram manifestá-lo.

Foi aprovado por unanimidade.

(Pausa)

A Sra. Presidente: Antes de pôr à votação do Plenário, vou dar a palavra ao Sr. Secretário-Adjunto.

Secretário-Adjunto para a Justiça, António Macedo de Almeida: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Procurando dar acolhimento a uma sugestão deixada por elementos desta Câmara, sugeria que, em relação ao Artigo 2.º, fosse eliminada a expressão "atentos os condicionalismos específicos de Macau".

Era só!

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigado.

Pergunto se os Srs. Deputados subscrevem a sugestão do Sr. Secretário- -Adjunto e que esta venha a ser apresentada formalmente!

Pergunto se o Sr. Deputado Jorge Neto Valente a subscreve!

Muito obrigada.

Ponho à votação do Plenário a norma do Artigo 2.º, incluindo a proposta de eliminação apresentada pelo Sr. Secretário-Adjunto.

Os Srs. Deputados que a aprovarem, façam o favor de levantar o braço; os que discordarem, queiram manifestá-lo.

(Pausa)

A Sr.ª Presidente: Antes de pôr à votação do Plenário o Artigo 3.º, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Ng Kuok Cheong.

O Sr. Deputado Ng Kuok Cheong: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Relativamente ao Artigo 2.º e à questão da "execução mínima", não querendo deixar passar esta oportunidade, ocorre-me perguntar qual é a vontade política do Governo, quanto à aplicação da norma deste artigo! Pretende-se doravante alargar o tempo de cumprimento das "penas"? Em caso afirmativo, gostaria que o Executivo atendesse a esta particularidade!

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Quanto a esse aspecto, pode o Sr. Deputado ficar descansado, pois, para casos semelhantes, opta-se sempre, tanto quanto julgo saber, pelo regime que mais favorece o arguido!

Pergunto ao Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça se deseja intervir!

Vou dar a palavra ao Sr. Secretário-Adjunto.

Secretário-Adjunto para a Justiça, António Macedo de Almeida: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Sr. Deputado,

Com efeito, está correcta a afirmação da Senhora Presidente. Por força da Constituição, a lei penal não tem efeitos retroactivos! Quanto àqueles que neste momento cumprem "penas" por condição transitada ou não transitada, é-lhes sempre aplicável o regime que mais os favorece. De forma que, quer por força do Código Penal, quer por força da Constituição da República e dos princípios gerais, não haverá aplicação retroactiva de tipos legais de crime e de penas que se revelem menos favoráveis ao infractor.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigada pela explicação adicional.

Antes de prosseguirmos, gostaria de pedir desculpas ao Sr. Deputado Ng Kuok Cheong, pelo facto de não ter respondido a essa questão quando a colocou na sua primeira intervenção.

Peço-lhe desculpas, Sr. Deputado pelo lapso!

Ponho à votação do Plenário o Artigo 3.º que concede a validade de "180 dias" à autorização legislativa!

Os Srs. Deputados que o aprovarem, façam o favor de levantar o braço; os que discordarem, queiram manifestá-lo.

Foi aprovada por unanimidade.

(Pausa)

A Sr.ª Presidente: Com a votação do Artigo 3.º chegamos ao fim dos trabalhos da reunião do dia de hoje.

Há, no entanto, quem entre os Srs. Deputados deseje fazer declarações de voto!

Vou dar a palavra, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado António Correia.

O Sr. Deputado António Correia: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Intervenho apenas para me congratular, com sentida emoção, a votação por unanimidade da proposta de lei que "autoriza o Governador de Macau a aprovar o novo Código Penal". Porquê? Porque isso significa que todos nós estamos de acordo com a sua filosofia humanista e, nomeadamente, que aceitamos que fique expressa a consagração da "proibição da pena de morte".

Era só, Senhora Presidente.

Muito obrigado a todos.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigada.

Tem a palavra o Sr. Deputado Tong Chi Kin.

O Sr. Deputado Tong Chi Kin : Muito obrigado, Senhora Presidente.

Votei a favor da proposta de lei que "autoriza o Governador de Macau a aprovar o novo Código Penal". Porém, tal não quer dizer que concorde inteiramente com os preceitos nele contidos. Parece-me que este tipo de "autorização legislativa" é sempre uma das formas viáveis a adoptar e o Executivo tem sempre a capacidade de vir a alterar o projecto de lei deste Código, no sentido de procurar adequá-lo à realidade de Macau. Assim como pode prever os efeitos jurídicos, face à publicação do diploma, designadamente no que respeita à protecção dos bens jurídicos e dos valores básicos, dos quais a sociedade depende e, bem assim, a prevenção e o combate à prática do crime.

A minha segunda expectativa assenta no facto de o Executivo vir a demonstrar mais empenho nos trabalhos de sensibilização e difusão junto dos cidadãos locais e fazê-lo de uma forma cuidada. Ou, muito simplesmente, optar pela publicação de explicações adicionais sobre determinados aspectos do diploma. O Executivo deve, pois, divulgar no sentido de permitir que todos tomem conhecimento do conteúdo do Código Penal. Desta forma, se multiplicará a força da lei que é, de resto, o objectivo principal do exercício legislativo. Só quando o cidadão comum for capaz de interpretar a lei da forma mais correcta é que melhor a poderá cumprir.

Há pouco ouvimos o Sr. Secretário-Adjunto a explicar o alcance da lei. A minha terceira expectativa assenta na seguinte ideia: o Código Penal é, como todos sabem, um dos cinco grandes Códigos de Macau, cuja revisão e tradução para língua chinesa constitui uma das finalidades da acção governativa de 1993. Foi, sem dúvida, o primeiro código a ser localizado e que confirmava objectivos claros.

Espero, pois, que o Governo acelere o passo no que respeita ao trabalho de revisão dos restantes quatro códigos. Refiro-me, mais concretamente ao Código Civil, Código de Processo Penal e Código Comercial, a fim de servir os interesses dos cidadãos locais.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigada, Sr. Deputado.

Tem a palavra o Sr. Deputado Ng Kuok Cheong.

O Sr. Deputado Ng Kuok Cheong: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Como todos sabemos, a AL deu por terminados os trabalhos relativos à "autorização legislativa" em apenas dois meses. Pergunto. Qual a razão de toda essa pressa? Uma das razões reside, talvez, no facto de o Executivo precisar de tempo para divulgar o novo Código Penal junto dos cidadãos, o que, no meu entender, é extremamente importante.

Espero, pois, que relativamente aos restantes Códigos o Executivo venha a recolher as opiniões dos Deputados à Assembleia Legislativa para proceder às respectivas alterações e que, posteriormente, os faça subir a Plenário para serem, como é habitual, objecto de debate.

Muito obrigado, Senhora Presidente.

A Sr.ª Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Edmund Ho.

O Sr. Deputado Edmund Ho: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Sr. Secretário-Adjunto

Srs. Deputados

A aprovação deste projecto de "autorização legislativa" concorre, em certa medida, para a concretização de um projecto antigo que é o da revisão e alteração dos mais importantes Códigos de Macau. Por isso, concordo plenamente com as palavras aqui proferidas por todos os meus colegas.

Com efeito, ao longo das sete reuniões informais destinadas ao debate desta matéria, notou-se uma grande abertura por parte de todos. Houve, de facto, muita harmonia e foi gratificante a forma como o Executivo acolheu as opiniões dos Srs. Deputados, sendo essa uma atitude que servirá de estímulo para encontros futuros.

Espero que o Governo consiga, através dos canais próprios, transmitir aos tribunais as vontades políticas da Assembleia Legislativa. É que o Sr. Secretário--Adjunto referiu há pouco que o novo Código Penal atribuía as penas máximas e mínimas a todos os tipos de crime. Nesse aspecto, o juiz, de acordo com a sua experiência profissional, procurará condenar o arguido de forma justa, ponderando os efeitos dessa condenação para a sociedade.

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigada, Sr. Deputado.

Vou dar a palavra ao Sr. Deputado Jorge Neto Valente.

O Sr. Deputado Jorge Neto Valente: Muito obrigado, Senhora Presidente.

Votei a favor desta "autorização legislativa" no pressuposto de que o Executivo não descurará as melhorias aqui sugeridas pelos meus colegas!

Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente: Muito obrigada.

Com a votação desta "autorização legislativa" para aprovação do novo Código Penal, chegamos ao fim da III Sessão Legislativa.

Penso que constitui um passo significativo o facto de termos acabado mais um ano de intenso trabalho com aprovação de um diploma que consubstancia o contributo da Assembleia Legislativa numa iniciativa fundamental para o processo de localização das leis.

O novo Código Penal pretende substituir um diploma antigo que, diga-se, é de reconhecido mérito (refiro-me mais exactamente ao Código que data de 1886) e que todos desejam venha a perdurar por muitos e muitos anos, reflectindo a afirmação da dignidade da pessoa humana como valor essencial do sistema penal que respeita os "direitos fundamentais".

Antes de dar por terminados os trabalhos da reunião de hoje, gostava de apresentar, quer aos membros do Executivo, quer aos Srs. Deputados, quer aos órgãos da comunicação social, e quer ainda aos funcionários desta Casa que tanto apoio nos deram ao longo deste ano, os meus sinceros agradecimentos e o desejo de boas e retemperadas férias.

Muito obrigado a todos.

Declaro encerrada a reunião.

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Anexo ¡V Documentos vários

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Senhor Presidente da Assembleia Legislativa

Excelência

No desenvolvimento da melhor cooperação institucional entre o Secretário--Adjunto para a Justiça e Administração Autárquica e a Assembleia Legislativa, e obtido o prévio acordo da Vossa Excelência, determinei a elaboração de um anteprojecto do Código Penal de Macau para que a comissão encarregada da revisão da lei substantiva penal pudesse dispor de uma base de trabalho elaborada em termos tecnicamente idóneos e com elevado rigor científico.

No perfilar das várias soluções, e considerando incontroverso o desfasamento e desactualização da lei penal de 1886, poderia pensar-se na vigência em Macau do Código da República (de 1982) ou na elaboração de um diploma próprio de Macau.

A política de localização das leis, as características próprias da sociedade local, as críticas (que originaram uma revisão em curso) ao Código português, apontam para a segunda opção como a mais adequada.

Estabelecidos os contactos com o Prof. Jorge de Figueiredo Dias (Prof. Catedrático de Direito Penal e de Direito Processual Penal das Faculdades de Direito de Coimbra e da Universidade Católica do Porto, Presidente da Comissão de Revisão do Código Penal Português, Presidente da Associação Internacional de Direito Penal) foram, por assim, sugeridas as linhas gerais que deviam orientar o diploma local e que, no essencial, foram as seguintes:

¡X Consagração do princípio da inadmissibilidade da pena de morte ou de quaisquer penas privativas de liberdade de duração indefinida ou indeterminada.

¡X Ponderação cuidada das regras de competência territorial, atendendo ao estatuto político-jurídico do Território.

¡X Inexistência de um regime penal específico para jovens;

¡X Inexistência do ilícito de mera ordenação social;

¡X Inexistência de penas anómalas;

¡X Agravamento geral das molduras penais abstractas;

¡X Eliminação de certos ilícitos penais;

¡X Manutenção da categoria dos crimes contra honra;

¡X Manutenção da violação como crime público;

¡X Ponderação do regime de crimes contra a segurança interna e externa do território.

Penso terem sido alcançados os objectivos propostos.

Junto tenho a honra de enviar a Vossa Excelência o referido anteprojecto, colocando-me incondicionalmente à disposição da Assembleia Legislativa para toda a colaboração e esclarecimentos que sejam entendidos úteis.

Com os melhores cumprimentos.

Gabinete do Secretário-Adjunto para a Justiça e Administração Autárquica, em Macau, aos 26 de Fevereiro de 1991.

O Secretário-Adjunto, Sebastião José Coutinho Póvoas.

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Apresentação da proposta de lei relativa ao Código Penal

Assembleia Legislativa, 15 de Junho de 1995

Exposição introdutória

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1. Trabalhos preparatórios do Projecto

A necessidade de substituir o velho Código Penal de 1886 vem sendo sentida há já bastante tempo. E nesses trabalhos a Assembleia Legislativa sempre desempenhou papel de relevo.

O problema colocou-se com particular acuidade a partir de 1982.

Em 1983 é constituída uma comissão, presidida pelo Sr. Procurador-Geral Adjunto e integrando 4 representantes da Assembleia Legislativa e 4 representantes do Governador, com o fim de estudar a reforma da lei penal local. Mas a pouca autonomia legislativa que o Estatuto Orgânico de Macau de então conferia aos órgãos de governo próprio dificultou o êxito dos trabalhos.

Após a assinatura da Declaração Conjunta em 1987 e a revisão do Estatuto Orgânico de Macau em 1990, a necessidade de aprovar um novo Código Penal torna-se evidente. Pela Resolução n.º 2/90, de 17 de Maio, a Assembleia Legislativa constituiu uma comissão eventual para estudo da reforma penal e processual penal. E em finais de 1990 o então Secretário-Adjunto que tutelava a área da Justiça, Dr. Sebastião Póvoas, encomendou ao Professor Figueiredo Dias um Anteprojecto. Concluído em finais de Fevereiro de 1991, esse Anteprojecto foi nessa data entregue, na sua versão portuguesa, à AL, de forma a constituir «uma base de trabalho elaborada em termos tecnicamente idóneos e com elevado rigor científico».

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2. O Anteprojecto do Prof. Figueiredo Dias

O Anteprojecto do Prof. Figueiredo Dias constitui, sem dúvida, a base do Projecto que agora é apresentado pelo Executivo.

A escolha do Prof. Figueiredo Dias foi, estou certo que concordarão comigo, uma escolha acertada. Trata-se de um universitário cuja competência técnica no domínio das ciências penais é reconhecida, não apenas em Portugal, mas internacionalmente.

O seu Anteprojecto:

¡X obedeceu a algumas opções de política legislativa definidas pelo Executivo de então, as quais foram transmitidas à Assembleia Legislativa;

¡X baseou-se nas soluções já consagradas em Portugal no Código Penal de 1982, bem como nas propostas da Comissão Revisora a que presidiu, as quais deram origem ao novo Código Penal de 1995, que entrará em vigor em 1/10/95;

¡X procurou adaptar-se à realidade local, tendo para esse efeito solicitado a uma sua colaboradora a vinda a Macau, para contactos com operadores de Direito locais e recolha de opiniões. A ausência de uma exposição de motivos, porém, não nos permite esclarecer quais as opções tomadas em virtude desses contactos e quais as que são meramente pessoais.

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3. A tradução do Código

Recebido o Anteprojecto, foram imediatamente iniciados os trabalhos da sua tradução para a língua chinesa, os quais se prolongaram por mais de 2 anos.

A tradução da Parte Geral ficou concluída em Fevereiro de 1992.

A tradução da Parte Especial ficou concluída em Agosto de 1993.

Foi um dos trabalhos de maior complexidade jurídica e linguística realizados pelo Gabinete para a Tradução Jurídica.

Elaborada com a participação de juristas de formação portuguesa e chinesa e submetido à apreciação do Dr. Robert Heuser, director do Instituto de Direito Chinês da Universidade de Colónia, a tradução do Código Penal permitiu a discussão e fixação de várias centenas de conceitos jurídicos próprios do Direito Penal. E demonstrou a possibilidade de utilização de uma linguagem jurídica em chinês, própria do Direito de Macau, a qual constitui indiscutivelmente uma das bases mais sólidas da autonomia do sistema jurídico local.

Os trabalhos de tradução conduziram também à introdução de algumas alterações à própria versão portuguesa, demonstrando as vantagens que resultam da interacção, desde a fase inicial, entre as formas de expressão adoptadas nas 2 versões.

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4. Revisão da versão portuguesa

Para além dos trabalhos de tradução para chinês, o Anteprojecto foi inteiramente revisto por juristas da Administração. Essa tarefa foi executada no Gabinete do Secretário-Adjunto para a Justiça e no Gabinete para os Assuntos Legislativos.

Esta revisão conduziu a:

a) diversas alterações de índole meramente formal;
b) algumas alterações de fundo motivadas por opções de política legislativa;
c) alterações de fundo motivadas pelas especificidades locais. Nesta sede é de salientar a colaboração havida com a Comissão Eventual para a Revisão da Legislação referente à Corrupção e aos Procedimentos Administrativos. No decurso dos seus trabalhos fez-se uma útil análise conjunta dos preceitos do Anteprojecto relativos aos crimes cometidos no exercício de funções públicas;
d) algumas alterações inspiradas nas novas soluções do Código Penal Português de 1995 que ainda não tinham sido previstas pelo Prof. Figueiredo Dias.

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5. Consultas no GLC

O Projecto do Código Penal foi também, como é do domínio público, objecto de consultas ao nível do Grupo de Ligação Conjunto.

O processo de consultas era necessário.

Não queremos um Código para vigorar até 19 de Dezembro de 1999. Se fosse essa a intenção, não era sequer necessário um novo Código Penal.

Queremos que a legislação vigente em 19/12/99 possa continuar em vigor no século XXI, numa transição tranquila e potenciadora da confiança da população.

Trata-se de um compromisso assumido não propriamente pela Administração de Macau, mas pelo próprio Governo Português, ao assinar a Declaração Conjunta.

O processo de consultas decorre, por isso mesmo, sob a orientação do Governo Português, dando a Administração de Macau apoio técnico, sempre que tal lhe é solicitado.

O processo de consultas não pode nem deve afectar a importância política da intervenção da Assembleia Legislativa. Essa é a firme convicção do Sr. Governador e, estou, certo, é comungada pela Representação Portuguesa ao Grupo de Ligação Conjunto.

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6. A opção por um pedido de autorização legislativa

Face ao Estatuto Orgânico de Macau, 2 alternativas seriam possíveis para a aprovação do CP: conceder uma autorização legislativa ao Governador ou ser a própria AL a aprovar o novo Código.

As razões que levaram o Executivo a optar por solicitar 1 autorização legislativa são de ordem estritamente técnica:

¡X o CP é um diploma extenso, com cerca de 350 artigos

¡X o seu conteúdo tem elevada especificidade técnico-jurídica

¡X ser a própria AL a aprová-lo implicaria uma análise artigo a artigo, palavra a palavra, o que, em termos de economia temporal, seria de todo incon-veniente.

Optando por apresentar um pedido de autorização legislativa, o Executivo não podia deixar de restringir o objecto desse pedido às matérias relativamente às quais não tem competência estatutária para legislar. Ou seja: às penas relativamente indeterminadas e às medidas de segurança e respectivos pressupostos, de acordo com o n.º 3 do art. 31.º Não faria, na verdade, sentido pedir autorização à AL para legislar em relação a matérias que são da sua competência.

Estas as razões que justificam a opção tomada. Não há qualquer intenção de subalternizar a AL nem a importância política da sua intervenção. Daí que o Executivo tenha facultado a V. Ex.as o texto integral do projecto.

Deseja-se autorização da AL para legislar em matéria de penas relativamente indeterminadas e de medidas de segurança e respectivos pressupostos.

Mas deseja-se também um esclarecimento completo da AL e a recolha de opiniões relativamente a todo o articulado.

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7. Princípios fundamentais que inspiram o Código

A aprovação do CP de Macau constituirá uma etapa fundamental no processo de transição do sistema jurídico em que todos estamos empenhados.

Macau dispõe já de variadíssimas leis locais e de diversos Códigos localizados, como o Código do Registo Civil, o Código da Estrada ou o Código do Procedimento Administrativo. Mas este é o primeiro dos 5 Grandes Códigos a ser submetido ao processo de localização. Seguir-se-ão o Código do Processo Penal, o Código Civil, o Código Comercial e o Código do Processo Civil.

Não se afasta da tradição jurídico-penal portuguesa.

Baseia-se de forma clara na dignidade do ser humano e no respeito dos seus direitos fundamentais.

Procura responsabilizar cada um na estrita medida da sua culpa.

Rege-se pelo princípio da intervenção mínima e afasta os dogmatismos culturais.

Constrói um sistema humanista e ressocializador, proibindo expressamente a pena de morte e a prisão perpétua e procurando substituir a pena de prisão de curta duração por outras medidas não detentivas, sempre que estas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Mas o Código preocupa-se com a segurança dos residentes. Não hesita em agravar as penas em relação a crimes com particular incidência no Território, em que a pena estabelecida sirva de referência tranquilizadora para a sociedade.

Partindo do pressuposto de que a justiça do caso concreto não se compadece com penas fixas ou de limites demasiado estreitos, o Código procede ao alargamento generalizado das molduras penais, fazendo apelo a uma maior res-ponsabilização do julgador, a quem caberá a tarefa de adequar a medida concreta da pena às características de cada caso e à personalidade de cada arguido.

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8. Medidas de segurança e respectivos pressupostos

Uma referência final às matérias da competência exclusiva da AL.

O Código associa à pena um conteúdo de reprovação ética, só possível relativamente às pessoas imputáveis.

Para os inimputáveis, existem medidas de segurança, as quais podem revestir, se necessário, a forma de privação da liberdade.

As medidas de segurança e os respectivos pressupostos regem-se pelo princípio da legalidade. O Código procura, por isso, defini-los com o máximo rigor possível, proibindo a analogia para definir estados de perigosidade ou para determinar as medidas de segurança que lhes correspondem.

Quanto ao instituto das penas relativamente indeterminadas, que vigora em Portugal para resolver o problema dos imputáveis condenados cuja perigosidade se mantém mesmo após o cumprimento da pena, trata-se de solução que o autor do Anteprojecto não consagrou, por expressa determinação do Executivo de então. O Código resolve o problema através do instituto da prorrogação da pena, tal como sucede com a legislação actualmente em vigor.

Para terminar, gostaria apenas de salientar a total disponibilidade da nossa parte para, nas sessões de trabalho que certamente se seguirão, prestar todos os esclarecimentos que V. Ex.as acharem convenientes.

Macau, aos 15 de Junho de 1995.

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Proposta de lei n.º 9/V/95

Autorização legislativa para a aprovação

do Código Penal

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A proposta de lei em apreço, epigrafada «Autorização legislativa para aprovação do Código Penal», visa dotar Macau do primeiro dos cinco grandes códigos «locais». A sua importância, no presente e no devir, não necessita de aqui ser exaltada, constituindo o Código Penal uma das traves mestras do ordenamento jurídico de Macau.

Ademais, o processo de elaboração do Código Penal de Macau assumiu uma forte característica política decorrente da conjuntura hoje presente no território, assumindo-se assim como um projecto não reduzido a uma restrita expressão técnico-jurídica.

O articulado proposto contém 3 artigos dedicados ao objecto ¡X artigo 1.º, ao sentido e à extensão ¡X artigo 2.º, e, finalmente, à duração da autorização legislativa pretendida ¡X artigo 3.º, em cumprimento dos requisitos exigidos pelo artigo 14.º, n.º 1, do Estatuto Orgânico de Macau.

As autorizações legislativas, e não cuidando aqui da sua natureza (cfr. Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Actos do Estado, págs. 465 e segs.; Gomes Canotilho//Vital Moreira, Constituição Anotada, págs. 678 e segs.), terão como necessário objecto matérias da competência legislativa da Assembleia Legislativa que possam, no entanto, receber um tratamento legislativo pelo Governador, de acordo com o que Jorge Miranda chama de elasticidade criada no sistema de atribuição de competências legislativas, ob. cit., pág. 469.

As matérias que constituem o objecto do pedido de autorização legislativa são, sem excepção, da competência da Assembleia Legislativa.

Atenta a importância do diploma em causa no pedido de autorização legislativa, o futuro Código Penal, questiona-se se, quer no objecto quer, sobretudo, no sentido e extensão da autorização legislativa pedida, o articulado deveria ser mais substancial e mais pormenorizado.

Ou seja, questiona-se se a Assembleia Legislativa deverá ou não intervir formalmente mais intensamente no delinear do Código Penal de Macau.

Com efeito, a associação desta Assembleia a tão importante projecto jurídico, designadamente ao abrigo de um pacto legislativo com o Governador, e sem prejuízo das várias sessões informais realizadas sobre o articulado previsto para o futuro código, poderá apresentar-se como desprovida de significativa importância no contexto geral de todo o processo de elaboração.

Na verdade, à Assembleia Legislativa é pedida autorização apenas para um reduzido leque de matérias, a saber: prorrogação das penas e medidas de segurança e respectivos pressupostos, artigo 1.º, com o sentido e extensão expressos nos números 2 a 4 do artigo 2.º da proposta.

Argumentar-se-á que assim é porque são apenas estas as matérias relevantes objecto de reserva relativa da Assembleia Legislativa, sendo as demais presentes no futuro Código Penal objecto de competência cumulativa da mesma Assembleia com o Governador, nos termos do Estatuto Orgânico, máxime artigo 31.º

Numa abordagem jurídica há que concluir pela desnecessidade de o Governador solicitar autorização legislativa à Assembleia Legislativa para as restantes matérias a constar do futuro Código Penal.

«Pode, porém, colocar-se o problema de saber se, apesar disso, o Governo pode solicitar, e a A.R. conceder, autorizações legislativas em matérias não reservadas à A.R., para as quais o Governo não precisa de autorização», perguntam Gomes Canotilho e Vital Moreira na obra supra citada, pág. 667. Pergunta esta que vale, mutatis mutandis, para o quadro desenhado no Estatuto Orgânico.

Respondem os reputados comentadores afirmativamente considerando que, neste caso, a «autorização legislativa só pode ter o significado de associar politicamente a A.R. à respectiva decisão legislativa».

Com efeito, parece não se poder repudiar um pedido de autorização legislativa que abarque também outras matérias de competência não reservada da Assembleia Legislativa. Naturalmente, apenas se excluiriam desta hipótese as matérias objecto de uma reserva absoluta bem como matérias que não sejam objecto de qualquer competência legislativa do órgão autorizante.

A elevada importância jurídica mas também política do futuro Código Penal e o enorme impacto que tem provocado na comunicação social e na população de Macau aconselham, que não obrigam, salvo melhor opinião, a uma intervenção formal desta Assembleia no processo em questão pautada por uma maior dose de intervenção.

Ou seja, para além do imperativo jurídico, parece ser este um dos casos em que se justifica a supra aludida associação política de ambos os órgãos legislativos do Território na decisão legislativa.

Aliás parece poder assim justificar-se a inclusão do desnecessário n.º 1 do artigo 2.º da proposta de lei.

Ademais, a intervenção consabida de outras entidades estranhas ao Estatuto Orgânico, conjugada com a aprovação de uma autorização legislativa parca, ainda que juridicamente válida, poderá fazer incorrer esta Assembleia, ainda que injustamente, numa menorização do seu papel no processo em curso.

Diversa é a questão da relação lei de autorização/decreto-lei autorizado, no que toca às matérias não abrangidas pela necessidade de autorização legislativa.

Pelo exposto se observa que a opção a tomar pela Assembleia Legislativa, aditar ou não outras matérias às constantes do pedido de autorização legislativa, reveste natureza exclusivamente política.

A entender-se que o pedido de autorização legislativa deverá ser dotado de um conteúdo mais lato, o artigo 1.º bem como o artigo 2.º deverão sofrer alterações significativas. Este é o exercício que de seguida se empreenderá.

No que respeita ao artigo 1.º da proposta de lei, objecto da autorização, deveria ter como referência o Código Penal e não um grupo de matérias a elaborar no âmbito do novo Código Penal. Vejam-se, embora com coordenadas constitucionais não totalmente coincidentes, as leis n.os 24/82, de 23 de Agosto, e 35/94, de 15 de Setembro.

Em conformidade, diga-se, com a designação da proposta de lei apresentada.

A redacção do preceito poderia ser a seguinte: «É conferida ao Governador autorização legislativa para aprovar o Código Penal».

No que tange ao artigo 2.º, respeitante ao sentido e extensão, afigura-se adequado aditar os números 1-13 constantes da exposição de motivos que acompanha a proposta de lei, a colocar a seguir ao ponto 1 do artigo 2.º proposto, renumerando-se os actuais pontos 2 a 4.

Com efeito, os referidos pontos da exposição de motivos conjuntamente com os pontos já constantes do artigo 2.º, constituem as traves mestras de um Código Penal, sendo não demasiadamente vagos mas também não se apresentando como castradores para o legislador do futuro decreto-lei.

Relativamente à duração da autorização legislativa, artigo 3.º da proposta, afigura-se razoável e justificada.

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Articulado Alternativo

Lei n.º /95/M

de   de

Autorização legislativa para aprovação do Código Penal

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Tendo em atenção o proposto pelo Governador;

Cumpridas as formalidades previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 48.º do Estatuto Orgânico de Macau;

A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 31.º do mesmo Estatuto, para valer como lei no território de Macau, o seguinte:

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Artigo 1.º

(Objecto)

É conferida ao Governador autorização para aprovar o Código Penal.

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Artigo 2.º

(Sentido e extensão)

A autorização referida no artigo anterior tem o seguinte sentido e extensão:

1) Construir um sistema penal que permita, atentos os condicionalismos específicos de Macau, alcançar a justiça, proteger os bens jurídicos, salvaguardar os direitos fundamentais, preservar a paz social e reintegrar o delinquente na sociedade;
2) Consagração do princípio da legalidade dos crimes, das penas e das medidas de segurança e respectivos pressupostos, proibindo o recurso à analogia para qualificar um facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou a medida de segurança que lhes correspondem;
3) Proibição da retroactividade da lei penal, permitindo-se, porém, a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ao agente;
4) Fixação do princípio geral do carácter pessoal da responsabilidade penal;
5) Fixação da idade de 16 anos como limite formal para distinguir o imputável do inimputável;
6) Consagração da inadmissibilidade da pena de morte e da prisão perpétua;
7) Abolição da diferenciação entre as penas de prisão maior e de prisão correccional;
8) Consagração do princípio da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos por outras reacções penais não privativas da liberdade, sempre que estas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, podendo o tribunal, inclusivamente, não aplicar qualquer pena em casos de gravidade diminuta;
9) Utilização do sistema de dias de multa, graduando a multa de acordo com a culpa e as condições económicas do agente;
10) Possibilidade de conversão da multa não paga em prisão subsidiária;
11) Reconhecimento do direito dos lesados à indemnização de perdas e danos, consagrando soluções que permitam acautelar os seus interesses mesmo no caso de a indemnização não ser satisfeita pelo responsável;
12) Definição clara e rigorosa dos elementos dos diversos tipos legais de crime previstos na parte especial, evitando a utilização de clásulas gerais e de tipos abertos;
13) Colocação dos crimes contra as pessoas no início da parte especial, assim salientando a dignidade da pessoa humana como valor supremo de uma sociedade aberta e pluralista;
14) Consagração da tendência para um agravamento das molduras penais previstas na parte especial, alargando simultaneamente a diferença entre o máximo e o mínimo das penas;
15) Elevação do período mínimo de cumprimento efectivo da pena para efeitos de liberdade condicional;
16) Utilização mais frequente, nas molduras penais da parte especial, da pena de multa como alternativa à pena de prisão de curta duração;
17) Consagrar a solução de que as medidas de segurança privativas da liberdade só existem, em regra, para inimputáveis;
18) Solucionar o problema dos imputáveis perigosos através do instituto da prorrogação da pena;
19) Definir com precisão as medidas de segurança e respectivos pressupostos, proibindo o recurso à analogia para definir estados de perigosidade ou para determinar as medidas de segurança que lhes correspondem.

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Artigo 3.º

(Duração)

A presente autorização legislativa é válida por um período de cento e oitenta dias, a contar da data da sua publicação.

Aprovada em de de 1995.

A Presidente da Assembleia Legislativa.

Promulgada em de de 1995.

Publique-se.

O Governador.